Os Ameríndios Maranhenses do Século XVII nas Obras de Claude D’Abbeville e Yves D’Evreux

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ELTON MARLOS SARAIVA MARTINS

OS AMERÍNDIOS MARANHENSES DO SÉCULO XVII NAS OBRAS DE CLAUDE D’ABBEVILLE E YVES D’EVREUX


ELTON MARLOS SARAIVA MARTINS

OS AMERÍNDIOS MARANHENSES DO SÉCULO XVII NAS OBRAS DE CLAUDE D’ABBEVILLE E YVES D’EVREUX

editora

S Ã O PAU L O - 2 0 1 1


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© Editora Lexia Ltda, 2011. São Paulo, SP CNPJ 11.605.752/0001-00 www.editoralexia.com Editores-responsáveis Fabio Aguiar Alexandra Aguiar

Diagramação e capa Equipe Lexia

Projeto gráfico Fabio Aguiar

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP M289o Martins, Elton Marlos Saraiva Os Ameríndios Maranhenses do Século XVII nas Obras de Claude D’Abbeville e Yves D’Evreux / Elton Marlos Saraiva Martins. -- SãoPaulo: Lexia, 2011. 96 p. ISBN 978-85-63557-84-1 1. Ameríndios - História. i. Título CDD – 40 Ao adquirir um livro você está remunerando o trabalho de escritores, diagramadores, ilustradores, revisores, livreiros e mais uma série de profissionais responsáveis por transformar boas ideias em realidade e trazê-las até você. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser copiada ou reproduzida por qualquer meio impresso, eletrônico ou que venha a ser criado, sem o prévio e expresso consentimento do autor. Impresso no Brasil. Printed in Brazil.


A Deus, fonte da vida.

A meus pais, pelo incentivo.

Aos amigos, pelo companheirismo.



AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos aqueles que, direta ou indireta-

mente, contribuíram para a elaboração desta monograf ia e, de modo especial, à professora Maria da Glória, pelo incentivo e segura orientação.



“[...] reconheci quanto é difícil acreditarem os franceses

que os selvagens sejam aptos para aprenderam ciência e virtude, e não sei se alguns chegaram a ponto de julgar estes povos

antes do gênero dos macacos do que dos homens. Enquanto a

mim, eles são homens, e provarei, e portanto capazes de obterem ciência e virtude”.

Yves d’Evreux

“Na verdade, sempre pensei achar animais ferozes, ho-

mens totalmente brutos, rústicos e selvagens, [...], porém iludi-

me em meus cálculos. Nenhum povo, que eu saiba, os excede na perfeição de seus sentidos naturais, interiores ou exteriores”.

Claude d’Abbeville



RESUMO

Uma história indígena maranhense. Neste estudo mo-

nográfico procurar-se-á identificar e refletir acerca das re-

presentações franciscanas dos povos nativos do Maranhão do

século XVII, no contexto da conquista francesa do norte da América portuguesa, tendo como base as obras dos cronistas Claude d´Abbeville e Yves d´Evreux, a História da missão dos

padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e suas circunvizi-

nhanças e a Viagem ao norte do Brasil: feita nos anos de 1613 a 1614, respectivamente.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................... 15 2 OS FRANCESES NO MARANHÃO

DO SÉCULO XVII .................................................... 19 2.1 Contexto histórico e contatos iniciais ...................... 19 2.2 Especificidades dos cronistas e suas obras ............... 28 2.3 A comunicação entre franceses e indígenas ............. 35 3 OS AMERÍNDIOS

EM CLAUDE D’ABBEVILLE ................................. 43 3.1 Sobre o ser Índio, Tupinambá, Tupi e Tapuia .......... 45

3.2 A antropofagia ......................................................... 50 3.3 A condição humana dos ameríndios

sob o olhar de Claude d’Abbeville ................................ 56


4 OS AMERÍNDIOS EM YVES D’EVREUX ........ 69 4.1 Os índios do Maranhão ......................................... 70

4.2 Visões da condição humana dos ameríndios ......... 72 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................ 89 REFERÊNCIAS ......................................................... 91



1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo monográfico consiste em

tecer algumas considerações sobre as representações dos dois autores franciscanos, aqui também chamados de capuchinhos, acerca da condição humana dos ameríndios

maranhenses do século XVII, no contexto da conquista

francesa do norte da América Portuguesa, com base nas

obras História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e suas circunvizinhanças, do padre Claude

d´Abbeville e Viagem ao norte do Brasil: feita nos anos de 1613 a 1614, do padre Yves d´Evreux.

No primeiro capítulo, Os Franceses no Maranhão do

Século XVII, procurou-se privilegiar o contexto histórico, os primeiros contatos entre franceses e indígenas, as espe-

cificidades dos autores, das duas obras principais e ainda, o tema da comunicação entre ameríndios e europeus. No

segundo capítulo, baseado na obra do padre d´Abbeville, 15


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buscou-se introduzir o histórico dos conceitos de índio, Tupinambá, Tupi e Tapuia, incluindo o estudo da questão da antropofagia e dos termos que o autor utilizou para

representar a condição humana dos Tupinambá. E, finalizando este trabalho monográfico, no terceiro capítulo, este

baseado na obra do padre d´Evreux, buscou-se abordar os povos indígenas do Maranhão como um todo, além de destacar as visões construídas pelo capuchinho acerca da condição humana dos indígenas.

O porque da escolha desse tema se relaciona ao

fato de que sempre houve um especial interesse pela

temática colonial e indígena, não somente ao nível de Brasil ou de Novo Mundo, mas também por outras experiências colonizadoras europeias, em outros continen-

tes, em diversos períodos e, até mesmo, em séculos mais recentes. As obras de eclesiásticos são especialmente

importantes para o estudo histórico das antigas popu-

lações indígenas do Novo Mundo, dado o refinamento e a preocupação por parte de muitos cronistas com o registro minucioso de diversos aspectos das culturas nativas. O estudo dessas obras coloniais pode contribuir

para um melhor entendimento das histórias indígenas

maranhenses, brasileiras e dos primeiros contatos entre nativos do Novo Continente e europeus.

Destaca-se que este estudo monográfico insere-

se, além de, logicamente, nos campos conceituais das histórias colonial e indígena americanas, nos campos 16


de discurso, da história da religião, dentre outros. Sobre

as fontes utilizadas ressalta-se diversas obras coloniais

modernizadas, como as de Bartolomé de Las Casas, Pero de Magalhães de Gândavo, Hernán Cortez e Pero Vaz de Caminha, além das duas principais, História da

missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e suas circunvizinhanças, do padre d´Abbeville, e da Via-

gem ao norte do Brasil: feita nos anos de 1613 a 1614, do padre d´Evreux; obras acerca da história colonial do

Brasil, como as de Pedro Puntoni, Riolando Azzi, Ro-

naldo Vainfas e Laura de Mello; obras sobre o período da tentativa de conquista francesa do Maranhão, como a

da professora Lacroix; os estudos de Sérgio Buarque de

Holanda e Maurice Pianzola; o artigo do professor José Alexandrino, sobre os Tupinambá; obras sobre história geral americana, como as de Janice Theodoro e Dee

Brown; outras ainda com ênfase na análise de discursos, como as de Tzvetan Todorov e Carlo Ginzburg; outras

com ênfase na história universal, como a história das

cruzadas e ainda, obras do campo das Ciências Sociais, destacando temáticas como o etnocentrismo, a alteridade, a cultura e antropologia indígena.

As principais dificuldades envolvidas na constru-

ção deste estudo monográfico consistiram em penetrar nos meandros dos discursos dos franciscanos, buscando

separar idealizações, licenças poéticas, dissimulações, 17

1 INTRODUÇÃO

conceituais da Antropologia, da Literatura, da análise


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omissões e contradições dos fatos históricos e, ao mes-

mo tempo, procurando compreender as representações francesas acerca dos indígenas por meio das contribuições de outros autores.

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2 OS FRANCESES NO MARANHÃO DO SÉCULO XVII

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO E CONTATOS INICIAIS Como é sabido pelos historiadores, no contexto

da expansão marítima e comercial europeia, as potên-

cias ibéricas, Portugal e Espanha, largaram na frente das demais nações, dividindo o Novo Mundo entre si. Com

o aval da Santa Madre Igreja, diversos tratados foram assinados entre as referidas potências, apesar de nem

sempre respeitados e muitos deles provocando conflitos, como, por exemplo, os tratados de Tordesilhas e os que

tentavam estabelecer a legalidade e/ou posse da Colô-

nia de Sacramento, fundada pelos portugueses em 1680,

na fronteira da América Portuguesa com a Espanhola, numa região disputada por lusos e espanhóis, sendo uma importante via comercial e de contrabando da prata es19


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panhola, como o tratado Provisional (1681), o de Madri (1750), o de El Pardo (1761) e o de Paris (1763). Logicamente que seria muita ingenuidade pensar que as

demais nações da época ficariam fora da divisão deste

valioso butim representado pelo Novo Mundo, licencio-

samente dividido entre as potências ibéricas. Quando a conquista portuguesa ainda estava se efetivando, diver-

sas nações europeias estabeleceram contatos comerciais e travaram íntimas relações com os indígenas das possessões lusas na América, dentre estas nações, ressalta-

se a França e sua tentativa de conquista do Maranhão, objeto desse estudo, através das obras dos capuchinhos franceses que fizeram parte do mesmo processo.

Adotando-se como marco temporal o período em

que se deu a tentativa de conquista francesa do Maranhão, ressalta-se que há muitos anos os franceses já vinham esta-

belecendo contatos comerciais, e outros mais íntimos, com os índios Tupinambá. Destaca-se, desde já, que estes contatos possuíam, também, um valor estratégico, no tocante a apoio para futuras investidas da França.

Quando das primeiras tentativas de conquista, houve

naufrágios, dada a perigosa geografia litorânea maranhense, resultando daí a presença de diversos náufragos franceses, que passaram a habitar nas aldeias, aprendendo a língua e

os costumes locais, os quais, posteriormente, desempenhariam importantes papéis de intérpretes e intermediários

entre os índios e o grupo francês liderado por Daniel de La 20


de uma colônia equinocial em terras portuguesas.

Deve-se esclarecer que não é interesse e objetivo

desta pesquisa discutir a questão do status colonial da debatida França Equinocial, se houve ou não um processo

colonizador, nem revisitar toda a extensa questão política que impossibilitou o estabelecimento definitivo de um núcleo francês em possessões lusas. Não obstante, é impor-

tante dizer que a perda de apoio na corte francesa, devido à aliança firmada entre a França e a Espanha (as coroas ibé-

ricas se achavam unificadas na conhecida União Ibérica), através do casamento dos príncipes herdeiros dessas casas

reais, em conjunção com o maciço avanço luso, comprometeu a tentativa francesa de conquista em terras que, eventualmente, poderiam se consolidar em colonização efetiva.

A história dos contatos entre franceses e indígenas

brasis é reconstituída, dentre outros autores, por Aurélio

de Lyra Tavares, em sua obra Brasil-França, ao longo de 5 séculos, o qual destaca que o

Brasil começou por ser, para a França, muito mais do que para Portugal, a cujos domínios pertenciam pela sua posição com referência ao meridiano de Tordesilhas, uma grande indagação para os homens de empresa e os corsários, ao mesmo tempo que servia de tema de especulação dos grandes estudiosos dos problemas da sociedade,

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2 OS FRANCESES NO MARANHÃO DO SÉCULO XVII

Touche, que vinha empreender a tentativa de constituição


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quanto à vida, os costumes e o tipo humano dos selvagens (Ibid., p. 40).

Para autor, o Brasil representara tudo quanto o poder

da imaginação havia criado de fantasia, posto que o desco-

nhecimento quase completo das terras americanas aguçava a imaginação e o desejo dos viajantes europeus. Destaca ainda os atrativos do Brasil, para os franceses, quando diz que:

Havia, [...], circunstâncias, inclusive comerciais, que estimulavam o interesse dos franceses pelo Brasil, desde as riquezas da terra até, como amplamente se propalava, a liberdade e a beleza das índias, o que constituía um fator de atração, tanto mais que os tripulantes das frotas de reconhecimento e conquista não vinham com mulheres e neles predominava o espírito de aventura (Ibid., p. 43).

No comentário de Tavares acerca das criações do

imaginário europeu sobre o Novo Mundo, é interessante ressaltar a edenização das regiões descobertas por Colombo e por muitos outros viajantes/conquistadores. A iden-

tificação do Novo Mundo com o mítico-literário, Paraíso terrestre cristão, faz-se presente em autores como Colombo e tantos outros posteriormente, que vinham para confirmar

aquilo que já sabiam, como bem escreve Mello e Souza, em 22


numa “[...] época em que ouvir valia mais do que ver, os olhos enxergavam primeiro o que se ouvira dizer”.

Nesse sentido, Sérgio Buarque de Holanda, em sua

obra Visão do Paraíso (1959), analisa os motivos edênicos no

descobrimento e colonização do Brasil, mostrando que, no

Novo Mundo, os europeus se viram diante das maiores e mais misteriosas maravilhas da natureza, novos homens com

suas culturas tão diferentes, e das mais fabulosas riquezas, até então apenas imaginados, e que referenciavam ao mítico

estado bíblico de pureza original: a Idade de Ouro perdida. O Novo Mundo seria, portanto, a região onde “[...] num

sítio daquelas partes, se encontrava o próprio horto onde o senhor colocara o primeiro homem (Ibid., p. 189)”.

Sérgio Buarque escreve que, durante a era dos gran-

des descobrimentos marítimos, a crença na realidade física e efetiva do Éden parecia inabalável para os europeus. Para

este autor, o ponto de partida para as visões medievais do

Paraíso encontra-se, compreensivelmente, no livro Gênese, pois nele está escrito que Deus plantou, para a habitação do homem recém-criado, um horto no Oriente, região em que inicialmente pensou-se estarem localizadas as terras do Novo Mundo.

Sobre esse núcleo inicial, que pertence ao Gênese, ampliado, em seguida, de traços oriundos do Apocalipse e depois, de novos e sucessivos atri-

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2 OS FRANCESES NO MARANHÃO DO SÉCULO XVII

sua obra O diabo e a terra de Santa Cruz (1986, p. 21), pois


OS AMERÍNDIOS MARANHENSES DO SÉCULO XVII NAS OBRAS DE CLAUDE D’ABBEVILLE E YVES D’EVREUX

butos tomados geralmente às crenças do paganismo, irão engastar-se pouco a pouco os juízos interpretativos dos padres da Igreja e dos teólogos, para formar, finalmente, a ideia medieval do Paraíso Terrestre (Ibid., p. 146).

A busca da confirmação dos mitos que houvera

orientado a conquista orientou igualmente a tomada de

consciência europeia do Novo Mundo, destacando-se que, entre eles, o mito do Paraíso Terrestre era um dos

mais importantes. O movimento do questionado desco-

brimento do que se convencionou chamar de América, também se orientou pelos deslocamentos dos mitos eu-

ropeus clássicos e medievais, como o das Sete Cidades, do Eldorado, da Alagoa Grande, das Amazonas, etc., conforme a obra Visão do Paraíso.

Retornando a Aurélio Tavares, este aponta que os

franceses mantinham contínuos contatos com o Brasil, desde pelo menos 1504, inicialmente, para a exploração do pau-brasil. Ora, para o êxito de suas em-

presas era vital a manutenção de relações de amizade com os índios, igualmente vital foi o domínio da lín-

gua, a diplomacia, a utilização de métodos persuasivos, alianças, etc. Para este autor, os franceses superavam os portugueses na diplomacia, dado importante para a

discussão acerca da modernidade política francesa. A propósito da diplomacia francesa, Tavares (1979, p. 14) 24


a esse respeito, quando escreve que era

[...] de interesse fundamental para o entendimento da boa convivência dos franceses com os nossos índios, a predileção dos protestantes dos séculos XVI e XVII pelas técnicas do trabalho manual, que os franceses difundiam entre os selvagens, ao passo que os padres jesuítas portugueses preferiam ensinar-lhes as artes e o catecismo.

O referido autor ainda chama atenção para o fato

de que, provavelmente, foi o protestante Jean de Léry o inventor da ideia do bom selvagem, principal influência de pensadores como Montaigne, especialmente em seu ensaio

Des cannibales (1580), e dos defensores da ideia do estado natural. De qualquer modo, seja por interesses carnais, co-

merciais ou ideais filosóficos, para Tavares (1979, p. 45) a “[...] verdade é que o entrelaçamento entre os franceses e

os selvagens, por todos esses tipos de contato natural e humano, geraria uma aliança mais profunda e mais protetora

para os objetivos que os guiavam”. No que diz respeito ao estilo português de conquista, a solução final da questão indígena no Brasil era posta

[...] mais no poder das armas do que na obra de catequese, por natureza lenta, mas deixa cla-

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2 OS FRANCESES NO MARANHÃO DO SÉCULO XVII

ressalta a análise que o professor Arbouse-Bastide faz


OS AMERÍNDIOS MARANHENSES DO SÉCULO XVII NAS OBRAS DE CLAUDE D’ABBEVILLE E YVES D’EVREUX

ro que o colonizador português não conseguiria conviver com os selvagens, nem se julgava em condições de impedir que desembarcassem, com o propósito de fazê-lo, os viajantes de outros povos (Ibid., p. 51).

No mesmo sentido que o autor, José Alexandrino

de Souza Filho 1, em seu ensaio Montaigne, os canibais e

a ‘arte do blefe’, defende que os primeiros contatos entre

franceses e indígenas brasis datam do início do século XVI, pois então se tornara comum que marinheiros

franceses, que traficavam produtos tropicais, levassem

índios do Brasil aos portos da Normandia, exibindo-os publicamente e depois os ofertando a grandes personalidades locais. Escreve que o mais famoso dos naturais do Brasil foi o filho do cacique Arosca, líder de

uma tribo Carajá, original da região do atual Estado de

Santa Catarina, sendo que este foi levado para a Fran-

ça, em 1504, por um capitão de nome Binot Paulmier

de Gonneville. Além desse caso, em 1509, também foi registrada a presença de indígenas brasis em Rouen, os quais tinham sido levados por um certo capitão Thomas Aubert. Entretanto, o mesmo autor ressalta que a

mais significativa visita de índios brasis à França deu1 Professor da Universidade Federal da Paraíba, Programa de Doutorado em Literatura Francesa e Université Michel de Montaigne – Bordeaux III (França).

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ri II, em outubro de 1550.

Muitos especialistas consideram essa entrada a mais grandiosa e impressionante festa realizada em homenagem à visita de um rei. A entrada comemorava a vitória dos franceses sobre os ingleses, expulsos da cidade de Boulogne-sur-Mer, no norte da França. Rouen, na época, a mais importante cidade francesa depois de Paris, investiu alto nas ‘tradições locais’ (comércio do pau-brasil e de outros produtos exóticos), fazendo vir do Brasil cerca de 50 índios (Tupinambá e Tamoyo, segundo crônicas da época), para dar um toque de autenticidade à reconstituição teatral da vida brasileira (SOUZA FILHO, 2002, p. 36).

O autor, ainda comentando acerca das experiências

francesas na América, escreve que, na região da baía de Guanabara, nas possessões lusas, ocorreu uma tentativa de conquista francesa entre 1555 e 1560, com a instalação

da chamada França Antártica, colônia destinada a preparar a ocupação francesa da América do Sul, de modo se-

melhante à tentativa posterior na Flórida (1562-1565). A fracassada experiência originou dois dos primeiros e mais

importantes livros sobre o Brasil: Singularidades da França Antártica (1557), do frade André Thevet (1516-1592), e 27

2 OS FRANCESES NO MARANHÃO DO SÉCULO XVII

se, também, em Rouen, durante a entrada real de Hen-


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História de uma viagem feita à terra do Brasil (1578), do pastor protestante Jean de Léry (1534-1613), os quais inspi-

raram Montaigne, em seus Ensaios, como observa o autor, quando escreve que esses

[...] livros, sobretudo o último, embora condenem vários costumes nativos, como a poligamia e o canibalismo, não deixam de exprimir uma certa simpatia pelo caráter comunicativo e sociável dos índios brasileiros. Foi desses livros que Montaigne colheu a maior parte das informações sobre a vida dos Tupinambá, embora ele diga que as obteve de um empregado seu, ex-marinheiro da expedição de Nicolas de Villegagnon (1510-1571), o fundador da França Antártica (Ibid.).

2.2. ESPECIFICIDADES DOS CRONISTAS E SUAS OBRAS Ressalta-se que o padre Claude nasceu em Abbe-

ville, França, na segunda metade do século XVI, com o

nome de Firmino de Foullon, e faleceu no ano de 1616, em Rouen. Escreveu a obra História da missão dos padres ca-

puchinhos na Ilha do Maranhão e suas circunvizinhanças, denominada História da missão dos padres capuchinhos. Tal obra, fonte documental, foi publicada originalmente 28


ano, e com uma versão que hoje circula no Brasil, resultado

do olhar de César Augusto Marques (1826-1900), que no ano de 1874, a traduziu e publicou, observando limites e possibilidades que uma tradução representa.

Segundo fontes disponíveis, o padre Yves nasceu em

Evreux, na França, no ano de 1577 e viveu até 1650. Sobre a

sua obra Viagem ao norte do Brasil: feita nos anos de 1613 a 1614, também chamada neste estudo de Viagem ao norte do Brasil, destaca-se que, na versão que circula atualmente no

Brasil, constam introdução e notas de Ferdinand Denis, tendo sido traduzida por César Augusto Marques, em 1874. Esta

foi impressa originalmente em 1615, sendo praticamente destruída na tipografia, por motivos de ordem política, restando apenas dois exemplares mutilados, dos quais, já com o título

alterado, Ferdinand Denis se serviu para organizar a edição de 1864. O resgate da obra de d´Evreux da oficina tipográfica é creditado a Francisco de Rasilly (1578-1622), um dos comandantes da expedição de 1612 ao Brasil, possivelmente respon-

sável por novas censuras na crônica de d´Evreux, consoante o professor Franz Obermeier, em seu ensaio Documentos sobre a

colônia francesa no Maranhão (1612-1615): as partes censuradas do livro de Yves d´Évreux Suitte l´historie. Merece destaque a

importância das obras dos capuchinhos acerca da experiência francesa no Maranhão.

Segundo o professor Franz Obermeier, a história da

colônia francesa no Maranhão representa um dos episó29

2 OS FRANCESES NO MARANHÃO DO SÉCULO XVII

em Paris, no ano de 1614, com duas edições no mesmo


OS AMERÍNDIOS MARANHENSES DO SÉCULO XVII NAS OBRAS DE CLAUDE D’ABBEVILLE E YVES D’EVREUX

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