Dom José María Liborio Camino Saracho – A Fé Pela Obra

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Capítulo I | País Basco

DOM JOSÉ MARÍA LIBORIO CAMINO SARACHO

Por XAVIER BARTABURU Prefácio de GERALDO ALCKMIN

A FÉ PELA OBRA 1

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DOM JOSÉ MARÍA LIBORIO CAMINO SARACHO

A FÉ PELA OBRA

Uma vida dedicada à fé e às obras sociais Por XAVIER BARTABURU Prefácio de GERALDO ALCKMIN

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Imagens: arquivo pessoal Impressão: RR Donnelley Revisão: Renata Siqueira

2014 Todos os direitos reservados Editora Mymag Rua Cláudio Soares, 72 - 520 - Pinheiros, São Paulo - SP - CEP 05422-030 editoramymag.com.br


Sumário

P R E FÁC I O,

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A P R E S E N TAÇ ÃO,

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CAPÍTULO I,

O I N Í C I O D E U M A T R AJ E T Ó R I A D E F É ,

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CAPÍTULO II,

A OP Ç ÃO P E L O B R AS I L E S E U P OV O,

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CAPÍTULO III,

O T E ST E M U N H O D E C O R AG E M D E U M H OM E M ,

DEPOIMENTOS, E N S I NA M E N T O S ,

97 171

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A fé pela obra

“A f é s e m o b ra s n ã o v a l e n a d a” Dom José

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Dom José María

FOTO: ALEXIA SANTI

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A fĂŠ pela obra

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Prefácio

Prefácio

C

om mais de 50 anos de ordenação sacerdotal, Dom José María Liborio Camino Saracho dedica sua vida, com humildade e fé, ao amparo das pessoas que mais precisam e a um memorável trabalho religioso. Bispo emérito de Presidente Prudente, também teve forte atuação na Diocese de São Miguel Paulista e, antes, na Paróquia São Benedito, em Guaianases. Em toda a sua trajetória, contada em detalhes nesta publicação, ele estendeu suas mãos ao próximo, apontou caminhos, lutou por melhorias permanentes e procurou parcerias para promover o desenvolvimento social em todos os locais por onde passou. Com isso, o alcance da religiosidade de Dom José María e a importância da aplicação de seus preceitos no dia a dia das pessoas têm ganhado dimensões ainda mais amplas e profundas. Segundo suas próprias palavras, “além de se preocupar com a situação do irmão excluído”, é preciso também procurar “ajudá-lo, plantando a boa semente para que todos possam desfrutar depois os bons frutos”. São essas sementes espalhadas por onde passa que tornam Dom José María grande parceiro de um futuro melhor para São Paulo.

Geraldo Alckmin Governador do Estado de São Paulo 2014

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A fé pela obra

Apresentação

S

ão João Evangelista, ao final da sua narração, termina o seu evangelho assim: “Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e foi que as escreveu; e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro. Há, porém, muitas coisas que Jesus fez e que, se fossem escritas uma por uma, creio que o mundo não poderia conter os livros que se escreveriam” Jo 21, 24-25. São João tinha razão; até hoje se escreve sobre Jesus. Editam-se documentários, filmes, fazem-se pesquisas, organizam-se congressos... Nós, os amigos de Dom José, ao tentarmos escrever o seu livro biográfico, juntamente com ele, não queremos, à semelhança de João, afirmar que “o mundo não poderia conter os livros que se escreveriam”, mas, com certeza podemos dizer que essa pequena biografia é uma “simples” homenagem àquele que fez do Brasil e de seu povo sua opção de vida e de trabalho. E será impossível nesse pequeno “opúsculo” esgotar tudo de bom que Dom José plantou entre nós... Nós queremos também deixar registrado que tudo isso foi possível porque Dom José fez uma opção fundamental na vida pelo “seguimento de Jesus”. Optar por Jesus de Nazaré e segui-lo com tenacidade e perseverança fazem a diferença na rotina do cotidiano da vida. É a Fé, a Esperança no Reino apresentado e pregado por Jesus que o levou a viver o amor e a caridade entre nós... O leitor, ao folhear essa pequena obra escrita de forma jornalística e às vezes coloquial, irá sentir pulsar o evangelho de Jesus nas opções, trabalhos, atitudes, decisões e ações tomadas por esse homem, que só fez isso porque acreditou. Uma criança poderá concluir: “existem pessoas que definem sua vida fazendo o bem aos outros”. Um jovem poderá constar: “direcionar a construção da nossa vida e do nosso futuro em concretizar o ideal no seguimento de Jesus vale a pena”. Um adulto ou um ancião dirá com certeza o que Isabel disse a Maria, 10


Apresentação

quando esta a foi visitar: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite? Pois quando a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu em meu ventre. Feliz aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido!” Lc 1, 42-45 Dom José María veio nos visitar porque acreditou. Acreditou e ficou conosco. Ao ficar, procurou em todos os lugares dar início à concreta construção do Reino, preocupação de todo aquele que faz do “seguimento de Jesus” sua opção fundamental de vida. Ao final do livro, que você fique mais feliz e possa dizer: “viver vale a pena e viver no seguimento de Jesus não tem preço”...

Hélio de Medeiros Vale

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A fé pela obra

A Chegada em Guaianases

E

m dezembro de 1966, a Paróquia de São Benedito, em Guaianases, recebe a notícia da chegada de dois sacerdotes vindos da Espanha, mais precisamente do País Basco, para substituir o Pe.Victor Kavolis, natural da Lituânia, que se encontrava enfermo. “Novamente estrangeiros?”, perguntávamos, e, ainda sem os conhecer com mais profundidade, foi o questionamento que muitos de nós fizemos, com a chegada de Pe. Narciso Abásolo e Pe. José María L. Camino Saracho. Assim como diz Natanael em Jo 1,45_46, nos indagávamos: “Poderá vir coisa boa da região Basca?”. A ‘pequenez’, falta de capacidade, interesse, compromisso e iniciativa nos levam a não acreditar no outro e a fazer julgamentos que não condizem com a realidade. Sem pensar, julgamos de forma incorreta e, no caso de Pe. José, pude presenciar e testemunhar por muitas vezes situações em que lhe concederam os títulos pejorativos de: ‘Forasteiro’, ‘Dominador’, ‘Comunista’, ‘Invasor’... E o mais entristecedor é que essas denominações vieram exatamente daqueles a quem ele tem servido com a melhor das intenções, sejam leigos, religiosos ou políticos. Ao falar de Dom José neste livro, estamos representando todas as famílias que, nestes 48 anos de Brasil, tiveram a graça de usufruir seus ensinamentos, afeto, amizade e partilha de bens. Desde a ‘maior autoridade’ até o ‘alcoólatra’ da porta da padaria, ele sabe conviver de maneira humana, fazendo justiça, sem igualar, e entendendo as diferenças entre as pessoas. Ele nos ensina com suas sábias palavras e atitudes, que tenho a graça de compartilhar com vocês: “Antes de ser evangelizador, é preciso ser humano”. “A fé sem obras não vale nada”. “Quem não vive para servir não serve para viver”. “Os dons que recebemos de Deus devem ser compartilhados”. 12


Apresentação

E é com essa convicção que Dom José tem agido sempre. Em nenhum momento de nossa convivência com ele, pude constatar atitudes de “Invasor” ou “Dominador”... Nunca agiu impondo seus costumes e sempre procurou conhecer a realidade pela qual foi “enviado” a trabalhar, preenchendo sempre, da melhor forma possível, a ‘lacuna’ que antecessores deixaram! Para evidenciar estas nossas afirmações, acreditamos ser útil cada um de nós fazer uma retrospectiva de sua caminhada, desde 1966 a 2014. Neste período, ele nos ensinou muito! Será que aprendemos? Revisando tudo o que ele fez por nós, será que nos damos conta de perguntarmos: “O que temos feito por ele?” Concluindo, só nos resta agradecer a Deus por nos ter ‘enviado’ Dom José María e pedir-Lhe que lhe conceda muitos anos de vida, com muita saúde, a fim de que possamos continuar tendo a oportunidade de servi-lo e de sermos servidos. E então, queridos leitores, já podemos responder: no País Basco, existe sim muita gente boa!

Maria de Lourdes Inácio

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A fé pela obra

Nós e Dom José María

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Evangelista João nos conta, em seu evangelho, os primeiros chamamentos dos discípulos, e um é muito curioso quando descreve assim: “Filipe encontrou Natanael e lhe disse: ‘Encontramos aquele de quem escreveram Moisés, na Lei e os profetas: Jesus, filho de José, de Nazaré’. Perguntou-lhe Natanael: ‘De Nazaré pode sair algo bom? ’”. Jo 1, 45-46. Em 1966 Dom José María chega ao Brasil. Em 1967, é pároco da Paróquia São Benedito, do distrito de Guaianases. Maria de Lourdes Inácio conhece Dom José, então o Padre José. Um jovem padre estrangeiro que veio da Espanha. Mas ele sempre afirmava: “Eu sou basco”. Nos meios de comunicação, como televisão e jornais do Brasil, sempre se falava do povo basco como gente que gostava de brigar com o governo, sempre como sendo um povo revoltado. Aos poucos, todos de Guaianases fomos constatando que, como Nazaré, tínhamos que perguntar como Natanael: poderá vir coisa boa da região basca? E vimos. O basco parece ser um povo de “cabeça dura”, mas de um grande, infinito coração. Para o basco, amizade é coisa séria. Por um amigo se vai até o “inferno” para apoiá-lo, defendê-lo, ajudá-lo, consolá-lo e até “colocar a mão no bolso e socorrê-lo em suas necessidades”. Basco que é basco não deixa amigo na mão... Isso a gente constatou, em toda a vida de Dom José, que amizade é coisa verdadeira e muito, muito séria. Amigo de Dom José nunca ficou sem sua presença nos momentos mais difíceis da vida. Maria de Lourdes, como muitos jovens de Guaianases, participa das pastorais e do trabalho social da Paróquia. Guaianases cresce, e cresce a presença dos cristãos católicos no bairro. Lourdes é testemunha ocular do trabalho social da Paróquia: creche com atendimento a mais de mil crianças, atendimento social diário na casa paroquial em socorro a emergências das famílias carentes do bairro, como telhado que caiu com a chuva, dinheiro para comprar gás, alimento para a família, até remédio para os doentes e exames patológicos, que os alunos do Colégio Claretiano do bair14


Apresentação

ro de Higienópolis estavam presentes todos os sábados, na Paróquia, para atender os que precisavam desses exames clínicos. Além do clube de mães para ensinar a costurar, bordar, cozinhar, fazer soro caseiro, orientação em prevenção a doenças e apoio aos desempregados. Todos esses trabalhos acima descritos eram supervisionados por uma equipe de assistentes sociais e tinham orientações da Secretaria do Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo e da Secretaria Social da Prefeitura do Município de São Paulo. Com sua influência, Dom José María trouxe para o bairro o asfalto, a água encanada e tratada da Sabesp, a construção de casas populares através de mutirões e também pelo CDHU (do estado) e COHAB (prefeitura). Foram anos de muito trabalho em Guaianases, de 1967 a 1989. Como muitos seminaristas e padres conheci Dom José de perto. A minha história com ele começou em 1975. Continua até hoje. Naqueles anos, Guaianases crescia todos os dias. Éramos quatro padres e quatro irmãs religiosas que convivíamos com Dom José. Ele, indicado por Dom Paulo Evaristo, era um dos coordenadores da “prioridade pastoral da periferia”. Havia uma grande preocupação: comprar terrenos na periferia para fazer um “centro comunitário” para que o povo pudesse se reunir, discutir seus problemas e celebrar a vida como presente de Deus. Era uma época que esses centros comunitários explodiam na periferia de São Paulo. Os clubes de mães que surgiram nesses centros deram início ao movimento “custo de vida”, pois o povo não aguentava mais a carestia roubando o seu salário pela inflação diária que assolava o mercado brasileiro. A pastoral era organizada em nível de Arquidiocese de São Paulo, passando pelas regiões episcopais da época. Essas eram organizadas em setores, e esses eram formados por paróquias que administravam e eram responsáveis por inúmeros centros comunitários na sua área. O povo era organizado e atento ao movimento social e religioso emanado dentro das nossas pastorais. As paróquias abriam suas portas para acolher trabalhadores, professores, motoristas e 15


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todas as classes sociais que necessitassem de apoio em suas lutas e reivindicações. Dom José com sua equipe de padres e irmãs se reuniam mensalmente com todo o Setor Católico de Guaianases. Preparavam-se desde as homilias dominicais, os trabalhos com a catequese das crianças, jovens, liturgia dominical, a homilia nas missas semanais e a pastoral familiar. Nesse tempo todo, em muitos anos, Dom José foi professor na rede pública do estado e o seu salário mensal deixava para a escola comprar material didático para os alunos da escola estadual carinhosamente denominada pelo povo do bairro de “Segundinho”. Dom José não só foi padre, batizou, casou, crismou muitos filhos de Guaianases, como também foi professor de muitos, muitos deles. Com esse trabalho, Dom José foi responsável por muitas crianças e jovens construirem sua vida com esperança de futuro. Hoje, quando muitos de nós nos encontramos, sabemos agradecer: “nós estamos aqui, hoje, porque, em muitos passos que nós precisamos dar, a mão de Dom José nos amparava”. Em 1989, vai como pároco para São Miguel Paulista. A região torna-se Diocese e é o primeiro pároco da então Catedral de São Miguel Arcanjo. Termina a construção da catedral. Constrói a Cúria. Cria e faz adequação ao espaço de formação, escola de teologia no espaço da catedral. Ajudado pelos padres da jovem diocese, em especial pelo Mons. Calazans, organiza o Seminário Maior no prédio da Ação Social da Penha, pertencente à Basílica da Penha. Reorganiza a vida pastoral da catedral, criando o Conselho Paroquial de Pastoral e Administrativo e Econômico da Paróquia. Revitaliza a Pastoral da Juventude, da Família, da Catequese e da Liturgia. Nesse tempo que foi pároco na catedral ocorreram duas grandes secas no Nordeste. Organiza com o povo de São Miguel recolhimento de alimentos e gêneros de primeira necessidade para enviar a uma cidade muito castigada pela seca, no estado da Bahia. Com todo esse trabalho, além de pároco, era ecônomo da Diocese, vigário-Geral e presidente da mantenedora da Escola Diocesana Virgem do Pilar, a pedido pessoal de Dom Angélico Sândalo Bernardino. Com seu olhar 16


Apresentação

de visionário, solicitou que a escola, desde a educação infantil, introduzisse a língua inglesa e espanhola e também informática no currículo. Para atender a grande colônia japonesa, nessa escola havia o curso de língua japonesa, que foi um facilitador para os filhos de japoneses procurarem empregos bons, quer no Japão, quer nas multinacionais nipônicas que estão no Brasil. É difícil falar de Dom José María. Mas hoje você passa por Guaianases e vê água encanada, mais de vinte escolas estaduais. Você anda pela Radial Leste e vê viadutos desde a Rua Bresser, na Mooca, até em Guaianases, e ninguém vai se lembrar mais de que nesses lugares havia porteiras nas passagens de nível junto às linhas dos trens. Morriam muitos, muitos filhos de Deus em acidentes. Acidentes que poderiam ser evitados. Dom Angélico, em uma situação dramática, propõe na assembleia da região ao povo e sacerdotes reunidos: “O que vamos fazer para que os nossos governantes deem jeito nesse morticínio que ocorre nas linhas dos trens?”. Mais que depressa, Dom José fala: “Angélico, avisa aos nossos governantes que, se não prometerem a construção de viadutos nas passagens de nível, vamos domingo colocar um milhão de pessoas sentadas nos trilhos”. Não precisou. Todos sabem: “os bascos têm um coração imenso, mas são cabeça dura”. Ninguém pagou para ver! Hoje, você vê os viadutos na Zona Leste. Mas ninguém conta como foi possível! Corremos o risco de falar sobre as coisas que Dom José construiu e fez. Mas o mais importante foram as amizades construídas nesse tempo e o carinho com que ele as conserva até os dias de hoje. Aquele que não veio de Nazaré, mas da região basca espanhola, como Jesus ele pode dizer a nós, brasileiros, de Guaianases, São Miguel e de todos os lugares que ele andou como presidente da Kolping do Brasil e mundial, e bispo de Presidente Prudente: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz; mas eu vos chamo amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu vos dei a conhecer”. Jo 15, 15. Dom José pode dizer que fez tudo isso graças à fidelidade “no seguimento a Jesus de Nazaré”.

Hélio de Medeiros Vale

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A fĂŠ pela obra

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Capítulo I | País Basco

CAPÍTULO I

PA Í S BA S C O

O INÍCIO DE UMA T R AJ E T Ó R I A DE FÉ Santurce

S

anturce, no início da década de 1930, era uma vila marítima de pouco mais que 2 mil habitantes, fincada no extremo norte da Espanha, no País Basco, não muito distante da cidade de Bilbao. Ali, no exato ponto em que as águas do Rio Nervión se misturam às do Golfo de Biscaia, uma grande boca se abre na direção do mar. Santurce está à esquerda, protegida das águas oceânicas, mas com a face voltada para elas, o que justifica o fato de que, desde muito cedo, o vilarejo tenha sido um dos portos de partida para a pesca da sardinha, peixe dos mais abundantes no Mar Cantábrico. Se Santurce goza de certa fama na região, é por causa de suas sardinhas, que se servem assadas nos restaurantes à beira-mar. 19


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Mas José María Liborio Camino Saracho não deve sua existência às sardinhas. E sim às lagostas. Precisamente as lagostas à americana que a mãe era convocada a preparar no verão, sempre que o rei Alfonso XIII anunciasse sua presença nas regatas organizadas pelos clubes náuticos de Getxo, cidade em frente a Santurce, na margem oposta da desembocadura do Nervión. María Saracho cozinhava que era uma maravilha. E sua família, que era proprietária de um restaurante em um desses clubes náuticos, não abria mão de sua valiosa ajuda na hora de organizar os banquetes reais. Nesses mesmos verões, Victor Camino, futuro pai de Dom José, também andava por lá. Homem com vasta experiência nos assuntos do mar, tinha a função de preparar os veleiros que participavam das competições, incluindo o veleiro do rei. Ambos eram de Santurce, mas se conheceram em Getxo, entre uma regata e outra, em um desses verões, nas barbas da realeza espanhola. Um no comando dos barcos; a outra, das lagostas. Victor Camino e María Saracho casaram-se em 1924 e tiveram cinco filhos: quatro homens e uma menina, que morreu de gripe asiática aos seis meses de idade. No dia 13 de novembro de 1931, quando a Espanha ainda degustava os sabores de uma recém-declarada República, Dom José nasceu. Era o quarto filho. E, de longe, o mais insaciável de todos. Já nos primeiros meses de vida, deram-lhe de mamar a mãe, a vizinha e uma égua – cujo leite era ordenhado e servido ao pequeno sempre que houvesse sinais de uma fome ainda não satisfeita. Tão logo o menino começou a crescer, revelou-se, sem demora, seu temperamento um tanto indomável. Tudo ele questionava, sobretudo as regras que lhe impunham, fosse na escola ou em casa. A mãe costumava dizer que era por causa do leite de égua: de tanto tomá-lo quando bebê, aprendeu a dar coices com as palavras. Quando isso acontecia, não raro tomava um safanão da mãe, que, por sinal, compartilhava do mesmo espírito irascível do filho. O pai, não: homem cordial, jamais desceu a mão nos meninos. Era plácido como o mar ao qual se dedicara a vida toda, ocupando-se de 20


Capítulo I | País Basco

rebocar, no comando de um navio-guindaste, os barcos que naufragavam na costa próxima a Santurce. Trabalho bem remunerado, que rendera uma boa condição de vida à família, dona não só de uma bela casa como também de outras propriedades na vila. Isso foi decisivo para a sobrevivência dos Camino quando a Guerra Civil Espanhola alcançou Santurce. A guerra chegou em agosto de 1936, e na forma de bombas – apenas um mês depois do golpe militar encabeçado por Francisco Franco. Dom José contava quatro anos de idade e participava de um piquenique com a família em uma montanha vizinha à cidade. Próximos à montanha estavam também os depósitos de gasolina da Campsa, a companhia petrolífera estatal espanhola, que explodiram com as bombas lançadas desde o mar, bem diante dos olhos do pequeno. Outros bombardeios visitariam a região nos anos seguintes, convocando a população a um ritual que se tornaria hábito. Bastava que as sirenes soassem, avisando a iminência de um ataque aéreo, cada membro da família Camino pegava seu colchão e iam todos dormir dentro do túnel de uma pedreira. Dom José poderia ter sido um dos “niños de la guerra” – o imenso contingente de crianças que foram evacuadas durante a Guerra Civil Espanhola, para mantê-las a salvo do conflito em colônias instaladas em países como França, Inglaterra e União Soviética. Milhares delas, inclusive, partiram do porto de Santurce. Mas os quatro filhos de Victor e María, por razão que se desconhece, permaneceram. Coube-lhes suportar a fome, que não era pouca. Não que o alimento faltasse na vila: a comida chegava regularmente nos navios, mas era quase toda destinada às tropas que lutavam contra o avanço do exército franquista. O pai de Dom José era um dos que, durante a guerra, faziam o controle dos barcos que vinham carregados de mantimentos. Ele, por conta disso, não passou fome. Mas sua família, sim. María e seus filhos sobreviveram com a ajuda dos locatários das propriedades da família. Em vez cobrar o aluguel, os Camino preferiram receber a comida que os moradores produziam – que, naquele momento, resu21


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mia-se a milho e leite. Durante parte da guerra, era angu todo dia na casa de Dom José. Ou moroquil, como chamavam. Fora isso, havia as frutas que cresciam nos pomares, que Dom José e seus amigos não se incomodavam de roubar. Ou as frutas que um grupo de soldados levava diariamente ao túmulo de um companheiro morto em batalha, num terreno a meio quilômetro da vila. Diziam que era preciso alimentar os mortos durante sua viagem de despedida da vida. Dom José e sua turma faziam pouco caso, tamanha era a fome: nem bem os soldados deixavam a tumba, a criançada toda ia lá compartilhar a janta com o defunto. Já perto do fim do conflito, surgiu mais um item no cardápio: a alfarroba dos cavalos – que a meninada também roubava. Os animais pertenciam a uma divisão do exército franquista composta por soldados marroquinos, que, naquela altura, andavam por Santurce com o objetivo de manter a ordem na vila. A estratégia da turma de garotos era simples: ofereciam-se para ajudar a lavar os cavalos e, quando surgia a oportunidade, botavam a mão nos bornais em busca da alfarroba. Terminada a guerra, com a Espanha já sob o domínio de Franco, Dom José deu continuidade à sua atividade escolar, em um colégio privado. Ao contrário dos irmãos, suas notas não eram das melhores – não por inabilidade mas pelo simples fato de que odiava estudar. Gostava apenas de história e geografia, e a essas ele se dedicava com certo afinco. Chegou, inclusive, a ganhar um concurso no colégio por saber, de memória, a capital e a extensão territorial de todos os países do mundo. Quanto ao resto das matérias, era pouco o interesse e baixas as notas, o que lhe rendia frequentes palmadas da mãe. Incentivo não faltava: ele e seus irmãos só ganhavam presentes relacionados aos estudos. Na manhã de Reis Magos, por exemplo, ao invés de uma bola ou um carrinho, era um estojo ou um compasso que aparecia pousado sobre o par de sapatos – conforme a tradição espanhola. Quanto aos brinquedos, o pai estimulava os próprios meninos a fabricá-los. Foi nos tempos de escola que a vocação sacerdotal despontou. Discreta 22


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no início, mas que foi ganhando força à medida que se estreitava a convivência com o padre Eduardo Novales, professor do colégio e também amigo da família Camino. Mais do que apenas celebrar missas ou dar aulas de religião, o padre Novales era um amante das artes e dos esportes. Organizava corais, montava peças de teatro e ainda treinava a garotada para os jogos de pelota basca, basquete e futebol. Era tamanha a admiração que aquele homem inspirava nos alunos que, em uma única turma, cinco deles decidiram tornar-se padres. Dom José foi um deles. Certa feita, ainda adolescente, anunciou em casa: — Vou ser padre. O pai não gostou. Ao contrário da mãe, rezadora de terço e frequentadora assídua das missas de Santurce, não era um homem dos mais religiosos. Preferia que o filho do meio tivesse destino semelhante ao dos irmãos, que naquele momento, se encaminhavam na direção de tornarem-se profissionais liberais. Mas Dom José, obstinado já desde garoto, estava mais do que certo do que queria para sua vida. Diante de tão decisiva resolução, o pai terminou cedendo.

Castillo-Elejabeitia Dom José deixou Santurce com 12 anos de idade, em 1944. Não ficou, portanto, para assistir à transformação que sua cidade natal sofreria a partir da década de 50, quando uma próspera indústria metalúrgica floresceu às margens da desembocadura do Nervión – fato que levaria, décadas mais tarde, à construção do atual porto de Bilbao, vizinho a Santurce. Ao invés disso, Dom José mudou-se para o seminário Menor de Castillo-Elejabeitia, portentoso edifício de quatro andares, ao pé das montanhas, situado no vilarejo hoje denominado Artea, 40 quilômetros ao sul de Santurce. Esta foi sua casa durante quatro anos, tempo em que passou estudando parte do 23


A fé pela obra

chamado seminário propedêutico – ensino equivalente ao segundo grau, mas já voltado à preparação dos futuros padres. O quinto e último ano foi concluído no seminário de Vitoria-Gasteiz, capital da província de Álava, um pouco mais ao sul. Não foram anos fáceis para Dom José. A rigidez do seminário, que não era pouca, batia de frente com o temperamento insubordinado do jovem aluno. Dom José não só continuava odiando os estudos como teimava em protestar sempre que se sentia contrariado. As duas características, somadas, eram um prato cheio para a reprimenda dos professores. O de ginástica, por exemplo, mandava-o tirar a camiseta nas manhãs de inverno – cujas temperaturas, no norte da Espanha, não raro caíam abaixo dos 5 graus Celsius. Dom José até que era bom nos esportes, mas se irritava com extrema facilidade. Quando isso acontecia durante um jogo de futebol, o padrão era lançar a bola no rio, só de raiva. Imediatamente, era expulso da aula. E voltava para o edifício do seminário mastigando sua ira. Até que, em uma manhã depois de uma expulsão dessas, Dom José topou com um de seus professores enquanto subia as escadas que levavam às salas de aula. Andrés Ibáñez chamava-se. Postado alguns degraus acima, o homem pegou-lhe pelo colarinho e disse: — Mude de vida ou mude de lugar! Dom José deu um grito: — Eu mudo! E mudou. Simples assim, fazendo uso apenas de sua monumental força de vontade. No fim do mês, suas notas, que antes não passavam de 4, já andavam todas entre 8 e 10. Um professor chegou até a duvidar de que fossem dele. Quanto ao comportamento, tornou-se irrepreensível. Parecia um milagre. Com os anos no seminário propedêutico, Dom José foi, aos poucos, apaziguando sua índole inquieta e fortalecendo seu espírito. No último ano, era capaz de suportar qualquer adversidade. Inclusive quando um dos 24


Capítulo I | País Basco

prefeitos de disciplina – espécie de supervisor – obrigou a comer os gorgulhos do feijão. Sim, havia gorgulhos nas refeições do seminário, pois o feijão que se comia ali era sempre da safra anterior, doado pelos produtores quando chegava a nova colheita. Dom José nunca comia os gorgulhos – até o dia em que o prefeito de disciplina pegou sua colher, misturou os insetos ao feijão, e disse: — Você está desprezando o melhor do feijão. Faz favor: come. Dom José comeu o prato inteiro, inclusive os gorgulhos, calado. Desde então, isso nunca mais foi um problema para ele. Comida, aliás, dificilmente era um problema. Rapazote grande, com 1,80 m de altura já na adolescência, Dom José tinha tal fome que parecia um saco sem fundo. Durante as refeições, vivia oferecendo-se para fazer a leitura da Bíblia, só para poder comer depois de todo o mundo. Assim, servia-se à vontade de toda a comida que restava nas panelas sobre a mesa.

Sagunto Concluído o ensino propedêutico e confirmada a vocação sacerdotal, Dom José deu o primeiro passo na direção de tornar-se padre. Aos 17 anos, ingressou no curso superior de filosofia no mesmo seminário onde fizera os estudos preparatórios, em Vitoria-Gasteiz. O curso durou três anos e a ele seguiu-se a formação em teologia: mais quatro anos de estudos, dos quais apenas os dois primeiros cursados em Vitoria-Gasteiz. A outra metade foi concluída em Bilbao. Até então, os fiéis do País Basco estavam todos reunidos sob uma única diocese, sediada em Vitoria-Gasteiz. A partir da bula Quo Commodius, emitida em novembro de 1949, o bispado repartiu-se em três dioceses, que correspondem às províncias que compõem o País Basco: Álava, Vizcaya e Guipúzcoa. Assim, aos 22 anos de idade, Dom José se viu obrigado a terminar os estu25


A fé pela obra

dos em Bilbao, capital de Vizcaya, sua província de origem. Seriam mais dois anos no seminário Mayor de Derio, instalado em um edifício próximo ao então recém-construído aeroporto da cidade. Tanto aqui quanto em VitoriaGasteiz, os anos de seminário foram tranquilos, de muito estudo e nenhuma reprimenda – a promessa que Dom José fizera no propedêutico, de mudar a si mesmo, havia de fato ocorrido. Mas as provações continuaram. A maior delas, naquele momento, talvez tenha sido a temporada que Dom José passou em uma unidade da companhia siderúrgica Altos Hornos de Vizcaya, em Sagunto, cidade na província de Valência, leste da Espanha. Havia um movimento eclesiástico em voga na época, conhecido como Padres Operários, que estimulava sacerdotes e seminaristas a trabalhar nas fábricas, como forma de aproximar a Igreja da classe proletária. Um dos artífices desse movimento era o padre madrilenho José María Llanos, que estendera a experiência a universitários espanhóis de classe média ou alta, religiosos ou não. Entre as condições que ele impunha, estava a de não usar o dinheiro da família para se sustentar durante a estadia na fábrica. Cada estudante receberia um contrato de trabalho temporário e, com o dinheiro que ganhasse, deveria encontrar todos os meios para viver. Dom José gostou da ideia: achou que poderia ser uma aventura interessante. Candidatou-se a uma vaga e, com 22 anos de idade, acabou se juntando a um grupo de 25 estudantes universitários, dois dos quais eram seminaristas. Os outros eram, em grande parte, futuros arquitetos e engenheiros. Estes, pelo conhecimento que já tinham adquirido na faculdade, conquistaram postos confortáveis, próximos à supervisão ou mesmo à direção da fábrica. Os seminaristas, sem qualquer qualificação que prestasse a uma siderúrgica, terminaram misturando-se aos operários. A Dom José, coube o trabalho de remover a escória – resíduo da fundição do ferro que depois é transformado em cimento. Essa foi sua vida durante seis meses. Dez horas de trabalho diárias, sem ter um colchão onde dormir. A cama era um monte de palha coberto por 26


Capítulo I | País Basco

um lençol, tal como a dos outros operários que dividiam com Dom José o salão que servia de quarto de dormir. Tão pouco se descansava naquele lugar que era necessária uma dose de orujo – aguardente de bagaço de uva – pela manhã para dar cabo do serviço do dia. Aos domingos, Dom José só ia à missa porque sabiam que era seminarista. Se não soubessem, certamente teria passado longas tardes descansando em seu leito de palha.

Derio Dom José foi ordenado presbítero no dia de 6 de julho de 1958, numa cerimônia realizada na Basílica de Nuestra Señora de Begoña, em Bilbao. Só não foi em 29 de junho, dia de São Pedro e São Paulo, como reza a tradição, por conta de um retiro que o manteve afastado durante todo o mês de junho. Dois meses depois, em setembro daquele mesmo ano, Dom José, já padre, assumia a cadeira de professor de latim e geografia no seminário propedêutico de Derio – o mesmo lugar onde concluíra seus estudos. Além disso, acumulava também o cargo de prefeito de disciplina, cuja função era vigiar os alunos em tempo integral, fosse durante as refeições, durante os estudos ou nas horas de recreio. Ou seja, as posições haviam se invertido: Dom José agora era um daqueles padres a quem ele havia dado tanto trabalho na adolescência. Sentiu, então, na pele o que era controlar 300 aspirantes ao sacerdócio, das mais diversas personalidades, do nascer ao pôr do sol. Não deixava de ser também um observador, pois ali, baseando-se no comportamento de cada aluno, era possível detectar quem tinha ou não vocação para a vida espiritual. A cada ano do propedêutico, vários eram eliminados por Dom José e os colegas padres com os quais revezava. E Dom José era rígido do mesmo modo como foram com ele, não raro se vendo envolvido em situações semelhantes às da sua adolescência. Como quando um aluno 27


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reclamou das moscas que vieram misturadas ao feijão do seu prato. Dom José não fez o menino comê-las, como lhe fizeram engolir os gorgulhos no propedêutico. Ao invés disso, falou: — Eu como as moscas e você come o feijão. Dito e feito: Dom José pegou a colher e engoliu os insetos. Eram três. Depois disso, ficou conhecido no seminário como “el come-moscas”. Mas nem tudo era rigidez naquele tempo. Havia também os jogos de futebol, de basquete, de tênis e de outros esportes, que serviam de complemento físico à educação da mente e do espírito. Dom José era também prefeito de disciplina nessas aulas, que estavam entre as suas preferidas, uma vez que sempre teve grande facilidade para os esportes. Havia se tornado, por fim, um homem tal como o padre Novales, o professor primário que despertara nele o desejo de se tornar sacerdote. Foi também durante o seminário que Dom José começou a celebrar suas primeiras missas para a comunidade. Os padres encarregados dos alunos revezavam-se ao longo da semana: a cada dia, era um celebrante. Fora isso, havia também as missas diárias que Dom José rezava num grande salão repleto de altares. Em cada altar, simultaneamente, cada padre cumpria seu rito individual. Nas férias do seminário, Dom José gostava de viajar. Mas de uma maneira pouco usual. Durante três meses, embarcava em um navio petroleiro e seguia rumo ao Golfo Pérsico. No trajeto, rezava missas, orientava os marinheiros e, quando havia uma folga, até arriscava uma partida de tute – jogo de baralhos popular na Espanha. Eram viagens longas: o navio partia de Alicante, atravessava o Mediterrâneo, cruzava o Canal de Suez e descia o Mar Vermelho, para então contornar a Península Arábica. Nos portos onde o barco ancorava, Dom José aproveitava para conhecer lugares como o Egito. Essas foram suas férias durante três anos. Entre uma viagem e outra, foi crescendo em Dom José o desejo de conhecer terras ainda mais distantes. Naquele tempo, eram moda entre os sacerdotes 28


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bascos as missões evangelizadoras na África e na América Latina. Era um sonho antigo do clero local, materializado em 1948, com a criação das Misiones Diocesanas Vascas. Pela primeira vez, permitia-se a uma diocese enviar seus membros a uma missão em terras estrangeiras – atribuição antes restrita às congregações religiosas. Na esteira das Misiones, centenas de padres bascos trocaram a rotina nas paróquias e nos seminários pela vida junto às comunidades carentes do Terceiro Mundo. Entre eles, alguns colegas de Dom José, que se tornaram missionários no Equador. Vendo neles uma inspiração, Dom José e mais dois amigos foram, então, pedir permissão ao bispo de Bilbao, Don Pablo Gúrpide, para ir ao Equador. O bispo não deixou. Preferiu que eles se mantivessem no seminário. Esta foi a primeira tentativa. Nova chance surgiu poucos anos depois, quando a cidade recebeu a visita do bispo de Chiloé, ilha remota no sul do Chile. Dom José e seus amigos, ainda determinados a partir em viagem missionária, foram lá conversar com o homem, que terminou lhes fazendo o convite para que se mudassem para lá. Desta vez, surpreendentemente, obtiveram a permissão do bispo de Bilbao. Entretanto, quando Dom José já estava alimentando a cabeça com os planos para sua nova vida no Chile, outra visita se fez presente na cidade, ainda naquele mesmo ano. Era o cardeal Dom Agnelo Rossi, arcebispo de São Paulo. Ali, traçou-se o destino de Dom José. No jantar de despedida oferecido pela diocese de Bilbao, o bispo perguntou ao cardeal paulista se poderia, de alguma maneira, contribuir com o Brasil. — Preciso de padres – respondeu o arcebispo. O bispo de Bilbao, sabendo da vontade de Dom José e seus amigos de se tornarem missionários, já sabia quem indicar. Poderia tê-los mandado para o Chile, conforme o previsto, mas, por uma questão de capricho pessoal, preferiu que fossem para São Paulo. Mandar padres à capital paulista era, para ele, uma forma de homenagear a si mesmo. 29


A fé pela obra

Assim, pelo simples fato de um bispo chamar-se Paulo, Dom José embarcou com destino ao Brasil em outubro de 1967. Não foi, no fim das contas, como membro das Misiones Diocesanas Vascas, como seus colegas de seminário, nem pela OSA (Organización Sacerdotal Americana), organização missionária espanhola com sede em Madri, como os padres bascos que haviam ido para a Zona Leste de São Paulo algum tempo antes. Foi como sacerdote voluntário, independente, sem vínculo com qualquer organização religiosa. Livre para enfrentar quais fossem os desafios que Deus lhe reservara do outro lado do Atlântico.

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Capítulo I | País Basco

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A fĂŠ pela obra

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Capítulo II | Zona Leste de São Paulo

CAPÍTULO II

Z O NA L E S T E D E S ÃO PAU L O

A O P Ç ÃO P E L O B R AS I L E S E U P OV O São Paulo

D

om José desembarcou no Rio de Janeiro no dia de seu aniversário de 35 anos: 13 de novembro de 1966. Deu-se dois presentes: um guaraná e uma visita ao Maracanã. E isto foi tudo, pois o Rio era apenas uma breve escala na viagem cujo destino final era o porto de Santos. Com Dom José, vinham outros três padres: Narciso Abasolo, Santiago Lumbreras e Iñaki Echezarraga, todos da diocese de Bilbao. Uma vez em Santos, os quatro partiram direto para a Zona Leste da cidade de São Paulo. Precisamente o bairro de Itaquera, cujo pároco era Juan Zumalde, sacerdote que, como Dom José, também trocara o País Basco pela vida missionária na periferia paulistana. Foi na casa desse padre que os quatro se hospedaram, até que estivessem plenamente estabelecidos nas paróquias às quais fossem destinados. O cardeal, Dom Agnelo Rossi, havia designado Dom José para assumir, inicialmente, como pároco em Artur Alvim, bairro também da Zona Leste. 33


A fé pela obra

Uma vez em São Paulo, porém, houve mudança de planos. O bispo achou que um padre jovem e cheio de disposição como Dom José poderia ser mais útil com Guaianases, paróquia que estava a cargo de um padre lituano há oito anos, mas que já não gozava da melhor saúde física para continuar a ação pastoral. Chamava-se Victor Kavolis e, ao que consta, vivia de mau humor. Quase não rezava missas e nem fazia muita questão de celebrar os batizados e os casamentos. Sequer gostava de atender os paroquianos. Pelo contrário: soltava seu cachorro – que se chamava José – sempre que recebia visitas indesejadas. A capela de Santa Cruz, que servia como sede da paróquia, tampouco estava nas melhores condições. No salão paroquial, as ervas cresciam entre os tijolos. Dom José, em princípio, não gostou muito da ideia de assumir o posto de outro padre. Chegou a comentar sua indisposição com o bispo, e inclusive mencionou que pretendia manter os planos iniciais de assumir a paróquia em Artur Alvim. Dom Agnelo, dramático, disse que faria o pedido de joelhos, invocando a Deus, se fosse necessário, ao que Dom José terminou aceitando. Como não tinha ideia do lugar para onde estavam lhe mandando, viu-se sem muita chance de escolha. Por fim, disse: — Para mim tanto faz Guaianases, Artur Alvim ou Cingapura. Não conheço lugar algum. Uma vez aceita a paróquia, o bispo entrou no carro e disse: — Tchau. Até. Nem perguntou se Dom José tinha onde morar. Apenas despediu-se, certo de que o futuro vigário de Guaianases encontraria meios de materializar sua obra junto aos fiéis. Por sorte, o padre Zumalde ofereceu-lhe abrigo. Nos seis primeiros meses, sua casa no Brasil foi em Itaquera.

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Capítulo II | Zona Leste de São Paulo

Guaianases Guaianases é localidade antiga, nascida com a chegada dos primeiros jesuítas à região, ainda em tempos coloniais. Na época, a área era habitada pelos índios guaianás, tribo nômade de quem mais tarde se tomaria o nome emprestado para batizar o bairro. E isso foi tudo o que restou deles, pois em meados do século XIX a tribo já havia desaparecido por completo, deixando-nos com poucas informações a seu respeito. Naquele momento, a região já era escala importante nas viagens que se fazia entre São Paulo e Rio de Janeiro, o que levou à construção, em 1861, de uma capela rente ao Ribeirão Lajeado, tributário do Rio Tietê. Por ter sido inaugurada no dia da Santa Cruz, 3 de maio, chamaram-na Santa Cruz do Lajeado. Em torno da capela, um povoado lentamente começou a florescer, estimulado pelos viajantes que percorriam a chamada Estrada do Lajeado e ali faziam pouso. Entre eles, Dom Pedro II e sua comitiva. O progresso começou a chegar em 1875, com a inauguração da Estrada de Ferro do Norte, via que ligava a capital paulista à cidade de Cachoeira Paulista, onde então se conectava à Estrada de Ferro Central do Brasil, que conduzia ao Rio de Janeiro. Uma das estações dessa ferrovia era justamente próxima ao nascente bairro do Lajeado, construída numa área um pouco mais ao sul da antiga estrada dos tropeiros, batizada como Lajeado Novo. Ali, em 1879, ergueu-se nova capela, com parede de tijolos aparentes, que também recebeu o nome de Santa Cruz. Para não ser confundida com a anterior, a outra foi renomeada: passou a se chamar Santa Quitéria. Os vagões que por ali passavam seguiam na direção do porto de Santos, carregados com o café do Vale do Paraíba, destinado à exportação. Na volta, traziam imigrantes, sobretudo italianos, cujo destino final eram as fazendas cafeeiras. Alguns desses italianos, porém, ficavam no meio do caminho, fazendo do Lajeado seu endereço no Novo Mundo. Tornaram-se comerciantes, ferreiros, carpinteiros e produtores de vinho, mas, principal35


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mente, dedicaram-se à fabricação de tijolos, atividade das mais prósperas na época, pois coincidia com o nascimento da era industrial em São Paulo. Diversas fábricas na Mooca e no Brás foram construídas com os tijolos das olarias de Guaianases. Aos italianos, somaram-se também outros povos, ainda que em menor número, como portugueses, alemães e espanhóis, o que dava ao Lajeado, naquela virada de século, um forte ar estrangeiro. Entre os espanhóis, vale mencionar a presença da família Matheus, cujas pedreiras também contribuíram de maneira significativa para as obras que proliferavam na cidade. Apesar da presença estrangeira, o bairro cresceu lentamente na primeira metade do século XX. Contava apenas 10 mil habitantes em 1948, quando recebeu, por meio de decreto, o nome definitivo de Guaianases. A partir da década seguinte, entretanto, a mesma indústria que havia favorecido o surgimento das olarias na região – e, com elas, o desenvolvimento econômico – passou a estimular o crescimento populacional, dada a grande demanda de mão de obra necessária nas fábricas e na construção civil. São Paulo crescia velozmente, e precisava de braços para dar cabo de sua fome de desenvolvimento. Tangidas pela seca, e atraídas pelas fartas oportunidades de trabalho na metrópole, milhares de famílias, na sua maioria provenientes do Nordeste, fincaram moradia ao longo da linha do trem que cruza a Zona Leste. Quanto mais distante o bairro do centro, mais baratos os terrenos e mais precária a infraestrutura. Era o caso de Guaianases, situado a 30 quilômetros da Sé, que rapidamente tornou-se um bairro-dormitório, celeiro da mão de obra que ajudava a construir o progresso da cidade, mas que não via sinais de desenvolvimento nas imediações de casa. Em meados da década de 60, eram já cerca de 45 mil os moradores de Guaianases. Não havia, porém, iluminação pública, sistema de esgoto ou hospital. Nem mesmo as ruas eram asfaltadas. Apenas a avenida principal. Foi esse o bairro que Dom José encontrou naquele ano de 1966, recém36


Capítulo II | Zona Leste de São Paulo

chegado de sua terra natal. Havia muito por fazer, mas o momento era dos mais propícios, pois a diocese de São Paulo, na época, vivia sob o signo da Teologia da Libertação, movimento iniciado pelo bispo Dom Agnelo Rossi em 1964, e expandido por Dom Paulo Evaristo Arns a partir de 1970. Ou seja, Dom José chegava à cidade precisamente no momento em que Igreja Católica optava por distanciar-se do poder político vigente, como havia sido desde os tempos coloniais, para se voltar às camadas menos favorecidas da população, concentradas na periferia da metrópole. Sem saber direito por onde começar, Dom José deu início a sua ação pastoral percorrendo a região, rua por rua, tratando de entrar em cada uma das casas e conhecer cada uma das famílias que compunham aquela comunidade, de modo que pudesse identificar as carências da população. Nos seis primeiros meses, ainda morando em Itaquera, Dom José e o padre Narciso faziam viagens diárias a Guaianases: tomavam o ônibus às 8 da manhã e só voltavam às 8 da noite. Qual fosse a casa que visitassem, as pessoas os recebiam sempre com muita alegria e acolhimento, não raro oferecendo-lhes um lugar à mesa para compartilhar o almoço ou o jantar. Foi um momento importante para Dom José, pois ali pôde compreender o quanto era dura a vida daquela gente. E o quanto precisavam, urgentemente, de ajuda. De cara, os dois padres descobriram centenas de crianças que não haviam sido batizadas e outro tanto de casais que viviam juntos, mas que não haviam contraído matrimônio. Assim, uma das primeiras ações de Dom José em Guaianases foi, por assim dizer, atualizar os sacramentos, estagnados desde a chegada do padre lituano, inserindo os paroquianos nos cânones da Igreja Católica. Como a igreja matriz ainda estava em construção, as cerimônias, no início, eram feitas na casa das pessoas: todo sábado, dezenas de noivos e crianças juntavam-se na casa de alguém para sacramentar sua união com Deus. Enquanto isso, o padre Narciso se ocupava de arrebanhar os jovens da comunidade para organizar a catequese. E eles também não eram poucos: 37


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quando a primeira turma concluiu o catecismo, em 1968, cerca de mil jovens encheram o salão do Clube Santa Cruz para sua primeira comunhão. Seis meses depois de desembarcar no Brasil, Dom José decidiu que chegara a hora de fincar raízes em Guaianases. Ele já era oficialmente o sacerdote responsável pela Paróquia de São Benedito, a única do bairro, desde fevereiro de 1967, fato que tornava mais do que necessária sua presença junto ao povo. Além disso, as viagens diárias desde Itaquera estavam ficando cansativas. Assim, tão logo pôde, reformou a capela de Santa Cruz – uma das duas existentes no bairro naquele momento – e, em cima, construiu a casa paroquial, ao lado de um novo salão. Ali, passou a morar com o padre Narciso, que se manteria em Guaianases por mais três anos, até voltar para a Espanha. Havia também uma empregada e cozinheira, Luiza Sampaio, negra de temperamento forte, sempre empenhada em manter a ordem na sede da paróquia e, quando necessário, defender Dom José das fofocas a seu respeito. Foi como um cão de guarda, fiel até o momento de sua morte, dez anos depois. Amava Dom José como a um pai, tal era a dívida de gratidão que tinha com ele. E não sem razão, dada a generosidade com que Dom José sempre a tratou. A começar pelo seu primeiro dia de trabalho, quando Dom José a convidou para sentar-se à mesa durante o almoço. — Luiza, vamos almoçar. Sente-se – ele disse. A moça se pôs a chorar. — O que foi? – perguntou Dom José. — Nunca um patrão me convidou para almoçar com ele – respondeu a moça. — Senta aí que nós vamos comer juntos hoje, amanhã e todos os dias. Aqui não há distinções. Foi assim também com Lourdes, menina da comunidade que Dom José conhecera naquele mesmo início de 1967 e que viria a contratar como secretária seis meses depois, em agosto daquele ano. Maria de Lourdes Inácio 38


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da Costa tinha apenas 17 anos quando começou a trabalhar com Dom José. Sua função era anotar os registros de batismo. Havia sido indicada por Adriano Aureliano Filho, secretário do pároco, que também era professor de inglês na escola Pedro Taques, onde Lourdes estudava. Moça de família pobre, com quase uma dezena de irmãos, sequer sabia cortar a carne. Dom José, sempre generoso com os que estão à sua volta, não só lhe ensinou a usar garfo e faca como ainda fez questão de lhe pagar a faculdade. E assim foi com outras tantas pessoas da comunidade, que Dom José ajudava como podia, fosse bancando os estudos ou acolhendo na casa paroquial. Naquele mesmo ano de 1967, já devidamente acomodado no bairro e cercado dos melhores escudeiros, Dom José convocou os membros da comunidade que se dispuseram a ajudar e disse: — Eu era professor antes de vir para cá. Nunca tive uma paróquia. Estou tão perdido como vocês. Por onde vocês sugerem começar? A resposta veio de um grupo de mulheres, que revelou uma necessidade crucial para a sobrevivência da comunidade: precisavam trabalhar para ajudar no sustento da família, mas não tinham onde botar os filhos. Faziase urgente a construção de uma creche. Como dinheiro não havia, foi preciso convocar um esforço conjunto de várias entidades da comunidade. Dom José, líder nato, rapidamente obteve o apoio da polícia, da prefeitura e até dos pastores evangélicos do bairro para compor uma associação comunitária ecumênica, cujo objetivo fosse reunir ações para resolver os problemas de Guaianases. O apoio, porém, revelou-se insuficiente, fato que levou Dom José a agir por conta própria, criando a Ação Comunitária Paroquial de Guaianases. Fundada oficialmente em 6 de outubro de 1967 e tendo Dom José como presidente, a entidade tinha por missão atender, na medida do possível, às necessidades mais imediatas da comunidade. E como a creche era prioritária, começou-se por ela. Medida inadiável, portanto, era conseguir o dinheiro para lançar a pedra fundamental. Dom José, que naquele momento já identificara as lideranças políticas na 39


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região, foi pedir ajuda ao vereador Aurelino Soares de Andrade. Este, por sua vez, disse que havia uma verba destinada à construção de uma biblioteca em Guaianases, que poderia ser destinada à criação da creche. A manutenção, porém, deveria ficar aos cuidados da Ação Comunitária Paroquial de Guaianases. Dom José comentou: — Para que biblioteca se o povo lá nem sabe ler? Para que queremos livros se não temos nem comida? — Me dê uns dias — respondeu o vereador. Dito e feito: em dezembro daquele mesmo ano, na véspera do Natal, com o dinheiro previsto para a biblioteca, a prefeitura deu início à construção da primeira creche de Guaianases. Menos de um ano depois, em 29 de setembro de 1968, começava a funcionar a creche Vicente Matheus. Eram vinte crianças no início, mantidas sob os cuidados de sete voluntárias, participantes do grupo de catequese. O nome foi sugestão de Dom José, pensado como uma homenagem a um amigo pessoal, grande colaborador da paróquia, mas também figura ilustre do bairro: Vicente Matheus, além de membro de uma das famílias mais tradicionais da região, já havia cumprido um mandato como presidente do Corinthians – o primeiro de oito. Tão logo botaram a placa com o nome da creche, apareceu por lá uma assistente judicial da prefeitura. — Vocês não podem dar o nome de uma pessoa viva a um prédio municipal — ela disse. Dom José irritou-se: — Olha, minha senhora, quem vai dar de comer às crianças sou eu. Se vocês quiserem tirar o nome, eu me retiro e vocês alimentam as crianças. Vocês podem fazer isso? — Não... — ela respondeu, encabulada. — Então volte e diga ao prefeito que essa creche vai se chamar Vicente Matheus. E assim ficou. Mas as pendengas com as autoridades continuaram. Em 40


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junho do ano seguinte, Paulo Maluf, recém-empossado prefeito de São Paulo, foi à Zona Leste ouvir a população. Representantes de diversas entidades da região reuniram-se no clube Elite Itaquerense, onde o prefeito foi recebido, dispostos a fazer suas reivindicações – Dom José foi um dos porta-vozes. Munido de ousadia e de um bem redigido discurso, o pároco de Guaianases tomou a palavra e disse: — Amigo e responsável pela administração do maior município da América do Sul, como esposo e pai, como homem culto, temos a certeza de que o senhor tem sensibilidade demais para ouvir e resolver muitos dos problemas que fazem o nosso povo caminhar sem fé em ninguém. Temos muitas crianças que nascem sob o signo das trevas, porque ainda muitos de nossos bairros não têm luz. Mães que veem seus filhos morrerem sem possibilidade de escutar o sábio conselho do médico, porque não temos médicos ou ambulâncias para chegar até eles. (...) Por que a vida dos nossos bairros é tão pouco humana? Salários apenas suficientes para sub-existir, nutrição deficiente, educação insuficiente, habitação inadequada. Tudo isso dá uma energia humana de baixa qualidade. Assim, nosso futuro não pode ser esperançoso. Se qualquer prefeito desta cidade disser que sabe realmente quais são os problemas de cada bairro, estará mentindo. O povo aplaudiu e o prefeito escutou, mas nada disse. Poucos dias depois, a creche Vicente Matheus amanheceu fechada, com cadeado no portão. Corriam os boatos de que Maluf havia visto em Dom José um subversivo em potencial. Encerrar o trabalho da creche era, então, uma forma de limitar suas ações. Dom José, sem fraquejar, esperou que as mães se aglomerassem diante do portão e disse: — Vamos em passeata até a farmácia e passaremos o dia lá. A farmácia, no caso, pertencia a uma pessoa cujo cunhado era chefe de gabinete de Maluf. Seria, então, uma forma de dar o recado ao prefeito, manifestando claramente a insatisfação da população com o fechamento da creche. Em questão de minutos, centenas de pessoas – a maioria mães 41


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– tomaram a farmácia e ali se postaram, à espera de uma resposta da prefeitura. A resposta veio na forma de tratores e motoniveladoras, que apareceram por ali, não sem certa truculência, tratando de impor certo medo. Mas como “medo” é uma palavra que não consta no dicionário de Dom José, ele, tranquilo, disse: — À noite, vamos todos para casa. Amanhã, às 8 horas, quero todo mundo aqui de novo. No dia seguinte, a caminho da farmácia, Dom José passou pela creche. O cadeado não estava mais lá. Silenciosamente, sem que ninguém da prefeitura se manifestasse, tudo voltou ao normal. O pároco de Guaianases deixara bem claro que não estava de brincadeira. De fato, a presença de Dom José não era uma unanimidade em Guaianases. Pessoas ligadas ao governo militar viam com péssimos olhos as ações sociais do padre, tidas por muitos como de cunho socialista. Por ser estrangeiro, chamavam-no de “Invasor”. Por vezes chegaram a riscar o asfalto com frases nada gentis, pedindo sua expulsão da comunidade, sua extradição ou mesmo que o mandassem ao presídio da llha das Cobras, célebre cativeiro dos presos políticos da ditadura militar. Afinal, não eram poucas as brigas a se comprar por ali, tamanha era a carência do bairro. Assim, por meio da Ação Comunitária Paroquial de Guaianases, Dom José e seus colaboradores foram, aos poucos, ajudando a levantar a comunidade – tanto no sentido financeiro quanto na autoestima. Um dos primeiros passos nessa direção foi erguer uma igreja que estivesse à altura do bairro. Quando Dom José chegou a Guaianases, a igreja matriz de São Benedito ainda estava nos alicerces, à espera de quem a concluísse. Não deixava de ser local de culto, pois aquele mesmo terreno já rendia visitas dos fiéis desde a década de 40, graças a uma gruta cuja água tinha fama de milagrosa. Mas o edifício, mesmo, não existia. Dom José, então, tratou logo de obter os meios necessários para dar continuidade à obra: pediu ajuda a algumas associações europeias, entre elas a Manos Uni42


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das, espanhola, e a Adveniat, ação episcopal com sede na Alemanha, que contribuiu significativamente para a conclusão das obras da igreja matriz. As obras levaram cerca de dois anos. Mas antes mesmo de terminadas, Dom José já rezava missas e celebrava cerimônias de casamento e batismo. Antes até que houvesse telhado – foram memoráveis os cultos e as solenidades realizados sob a luz das estrelas. Naquele tempo, eram comuns os casamentos e os batizados “de baciada”, como se dizia. Em um único dia, mais de cem crianças chegavam a ser ungidas com a água santa, tendo o céu como testemunha. Em janeiro de 1969, por fim, Guaianases comemorou a inauguração de sua igreja matriz. Sem reboque ainda, nem coro, mas já com telhado. Um templo dos mais imponentes: despontava, majestoso, vizinho à linha do trem, com seu pé-direito de 18 metros de altura e uma área de construção que alcançava 1.500 metros quadrados. E esta foi apenas a primeira igreja construída por Dom José em Guaianases. Era hábito seu erguer um templo em cada comunidade que nascia na região. Onde quer que surgisse um ajuntado de casas ou um conjunto habitacional, Dom José mandava levantar primeiro um centro comunitário e, depois, uma capela. Nas duas décadas em que esteve em Guaianases, Dom José construiu ao menos dez igrejas. Esta é a razão pela qual o bairro hoje tem tantas paróquias. Mas Guaianases, naqueles anos, não precisava só de templos. Estes eram até secundários diante do imenso volume de carências com as quais sofria a população do bairro – desde postos de saúde até roupas com que se vestir. Nesse sentido, foi crucial a atividade da Ação Comunitária Paroquial de Guaianases, que desde o início tornou-se uma espécie de núcleo do qual irradiava um sem-número de iniciativas, voltadas às mais diversas necessidades da comunidade, fossem elas do corpo ou do espírito. Nas igrejas e nas ruas, um exército de almas caridosas, todas sob o comando de Dom José, tratava de conceder alguma dignidade àquele pedaço esquecido no extremo leste de São Paulo. 43


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As situações mais críticas de pobreza eram atribuição de diversos grupos pastorais, entre eles os Vicentinos, as Mulheres do Apostolado e a Legião de Maria. Por meio deles, a paróquia fazia chegar aos mais necessitados roupas, alimentos, remédios e material de construção. Dom José estava também atento à qualificação profissional daquelas pessoas, de modo que se tornassem mais preparadas para o mercado de trabalho – em particular as mulheres, que, na maior parte das famílias, tinham vindo acompanhar o marido em São Paulo, mas ainda não haviam encontrado uma ocupação na cidade. Criaram-se, assim, os “cursos de formação humana”, os quais permitiam que a população desenvolvesse habilidades como costurar, cozinhar e prestar serviços de enfermagem. Havia também uma oficina de corte e costura, criada em 1970, onde as mulheres tinham máquinas à disposição para realizar serviços sob encomenda e, assim, complementar a renda da família. Costuravam, por exemplo, para as oficinas do Brás e confeccionavam os uniformes das escolas do bairro. E ainda dispunham da perua da paróquia para levar os produtos até São Paulo. Graças às oficinas – e ao apoio das creches, onde punham os filhos –, foram muitas as mulheres de Guaianases que tiveram a oportunidade de prosperar. Além disso, a Ação Comunitária Paroquial de Guaianases montou os chamados “clubes”, pontos de encontro nos quais a comunidade podia discutir questões específicas de um determinado grupo, receber orientações e realizar atividades sócioeducativas. Particularmente popular na época era o Clube de Mães, mas havia também clubes para gestantes, adolescentes, idosos, carreteiros e engraxates. Noivos e casados não ficavam de fora, pois para eles eram organizados, regularmente, os Encontros de Casais. E todo mundo se reunia nas festas beneficentes organizadas no salão do Clube Santa Cruz, que, além de arrecadar fundos para as obras sociais, ajudavam a levantar o astral da comunidade. Às vezes tinha até bingo, com direito a prêmios, e sorteio de carros, mediante rifas. A saúde da comunidade também era uma questão essencial para Dom 44


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José, pois o bairro carecia de quase tudo, inclusive de pronto-socorro. Quando ele chegou, havia apenas dois postos de saúde, um do estado e outro da prefeitura, ambos no mais precário estado. Assim, uma das primeiras medidas foi montar um posto de enfermagem com atendimento gratuito, cujo enfermeiro percorria as ruas do bairro, de casa em casa, fazendo curativos e aplicando vacinas. Dom José também tratou de convencer os médicos e os dentistas do bairro a atuarem como voluntários, já que a prefeitura não tinha o menor interesse em manter profissionais qualificados trabalhando por ali. Ambulância era outra coisa que não existia em Guaianases. Até que Dom José comprou uma. E mais: ele mesmo se dispôs a dirigi-la. Na época, o pronto-socorro mais próximo era em São Miguel Paulista, onde eram atendidas todas as pessoas do extremo leste do município, além de cidades vizinhas, como Poá, Ferraz de Vasconcelos e Itaquaquecetuba. Quem estivesse em uma situação de emergência, como uma mulher em trabalho de parto, ou tinha de esperar a ambulância do pronto-socorro, o que poderia levar horas, ou rodar alguns quilômetros dentro do ônibus, rezando para chegar a tempo. Durante cinco anos, todos os dias, Dom José fez plantão à espera de quem precisasse da ambulância. Dizia, na época, que as pessoas careciam mais de alguém que as levasse ao hospital do que um padre que falasse do Espírito Santo. Assim, ofereceu-se para fazer rodízio com o motorista que trabalhava de dia: quando este folgava à noite, era Dom José que assumia o posto. Sentava-se diante de uma mesa na capela de Santa Cruz, apoiava a cabeça sobre um travesseiro e ali permanecia a madrugada inteira, cochilando, porém alerta. Quase todas as noites aparecia gente por ali. E lá ia Dom José, conduzindo a ambulância até o hospital de São Miguel Paulista ou, quando este se encontrava lotado, até qualquer outro lugar onde houvesse um leito vago. Mesmo que fosse no centro de São Paulo. Às vezes, a urgência era tamanha que não dava tempo de chegar. Certa 45


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feita, foi preciso parar no meio do caminho para ajudar uma grávida a dar à luz. Dom José encostou a ambulância em uma loja, pediu auxílio aos que estavam por ali, e ali mesmo o bebê nasceu. Em outra ocasião, quem lhe parou foi a polícia. Dom José levava um doente psiquiátrico até Campinas, quando foi interceptado em plena Rodovia dos Bandeirantes. O policial disse: — O senhor não pode viajar sem levar na ambulância um médico responsável pelo doente. Dom José, contrariado, respondeu: — Eu não posso pagar um médico. Tome as chaves e fique com a ambulância. Você leva o doente quando quiser. Eu vou pedir uma carona e voltar para casa. O policial, claro, não teve escolha. E Dom José seguiu com o doente no banco de trás do carro, até Campinas. Se havia algo que não encontrava lugar no vocabulário de Dom José, naquele tempo, era “cansaço”. Certa noite, quando voltava do hospital Santa Marcelina, em Itaquera, aonde havia ido levar um paciente, topou com uma garota tombada contra a parede de uma casa, sangrando. Parou a ambulância, pôs a menina no carro, deu meia-volta e retornou ao hospital. Chegando ali, disse: — Fale ao médico que é urgente. Ela está com hemorragia. Naquela mesma noite, de volta a Guaianases, mais um paciente apareceu no escritório de Dom José em busca da ambulância. E lá se foi o padre, pela terceira vez no mesmo dia, dirigindo até o hospital. Ali, encontrou a garota que sangrava ainda na sala de espera. Perguntou à recepcionista: — Onde está o médico? — Dormindo — ela respondeu. Dom José não hesitou. Entrou na sala e acordou o médico, fazendo todo o escândalo a que tinha direito. O rapaz, então, disse: — Me desculpe. Estou de plantão há muitas horas. Não aguento mais. 46


Capítulo II | Zona Leste de São Paulo

Dom José compreendeu. Se havia alguém que sabia o que era varar uma noite atento aos doentes, era ele. Além da ambulância, a paróquia também era proprietária de uma perua Rural, que se prestava aos mais diversos serviços. Entre eles, levar a garotada de Guaianases para passear. Afinal, o bairro também era carente de diversão, e até isso teve a mão de Dom José. Nos domingos, depois da missa, ele enchia a perua de catequistas e outros jovens da comunidade e iam todos ao cinema, no centro de São Paulo. Muitos ali viram um filme pela primeira vez nessas ocasiões. Quando não era o cinema, eram os rodízios de churrasco ou de pizza – como o Grupo Sérgio, no Belenzinho – aos quais Dom José também costumava levar a turma. Detalhe: o pároco se encarregava de pagar tudo. Às vezes a Rural ia mais longe, em excursões organizadas por Dom José cujo destino eram lugares como o Zoológico, a Basílica de Nossa Senhora Aparecida e praias como Peruíbe e Itanhaém. Quem fosse jovem no tempo de Dom José tinha tudo para não ficar parado, pois o pároco ainda teve a ideia de montar um coral e um grupo de danças folclóricas espanholas e portuguesas. Além disso, não faltavam oportunidades para a garotada se envolver em trabalhos comunitários. Foi pensando nela que Dom José criou, no início de 1969, o jornal Poder Jovem – um canal de comunicação direto entre a paróquia e os membros da comunidade com maior disposição para operar mudanças no bairro. Como as gráficas que existiam em Guaianases estavam fechadas naquele momento, foi necessário reativar uma delas para que o jornal pudesse ser impresso. Até nisso Dom José interferiu. O Poder Jovem teve cinco anos de vida: sua última edição saiu em outubro de 1974. Não bastasse toda essa disposição como pároco, amigo e líder comunitário, Dom José ainda encontrou fôlego para se tornar professor da rede pública, reavivando a velha vocação interrompida quando deixou a Espanha. Diante da escassez de corpo docente na Escola Estadual Pedro Taques, Dom José decidiu ele mesmo ocupar a vaga de professor, passando 47


A fé pela obra

a dividir seu tempo entre o trabalho na paróquia e as aulas de história e geografia. Para isso, teve de tirar o título de licenciatura e ainda naturalizar-se brasileiro – fato que se deu em 1972. Durante a primeira metade da década de 70, as turmas que passaram pela Pedro Taques tiveram a rara oportunidade de aprender diretamente com Dom José. Os alunos ainda ganhavam o material didático, pois Dom José fazia questão de comprá-lo com seu salário de professor. Nessa mesma época – início da década de 70 –, a creche Vicente Matheus já dava sinais de que era insuficiente para atender à demanda de uma população que crescia em ritmo galopante. Fazia-se necessário construir nova unidade. E, mais uma vez, Dom José contou com a sorte – ou, quem sabe, certo empurrão da providência divina. Naquele tempo, Dom José conheceu um paroquiano que dizia morar em uma chácara próxima ao centro, na Estrada do Lajeado Velho, a caminho do cemitério. Certo dia, o homem o convidou para tomar um café em casa. Dom José ficou encantado com o que viu e disse: — Vou comprar uma chácara como essa e fazer a nova creche. Passaram-se dois meses e Dom José recebeu um telefonema. Era o tal dono da chácara, que falou: — Estou vendendo a chácara. Parecia perfeito: 4 mil metros quadrados de área, muitas árvores e um muro em volta, protegendo tudo o que estava dentro. O preço: 120 milhões de cruzeiros. Dom José, então, foi pedir ajuda à Cúria diocesana. Marcou uma conversa com o cônego e sugeriu: — Eu dou a entrada e a Cúria paga as prestações. O cônego topou. Era do feitio de Dom José, na falta de apoio financeiro, ele mesmo patrocinar as ações da paróquia. Era o tipo de figura como muitas que aparecem na Bíblia – José de Arimateia é um exemplo –, que, dotada de posses, prefere investi-las em obras sociais e auxílio às camadas mais necessitadas da população. É incontável o número de pessoas que Dom 48


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José ajudou do próprio bolso, incluindo dezenas de jovens cujos estudos na faculdade foram custeados por ele. Quando não era dinheiro o que se precisava, Dom José oferecia sua casa. Foram muitos os padres e professores que, recém-chegados a Guaianases, tornaram-se hóspedes de Dom José. Um deles foi Hélio de Medeiros Vale, hoje um de seus melhores amigos. Ele veio morar com o pároco, ainda moço, em agosto de 1976, quando assumiu o posto de vigário coadjutor, além de responsável pela capela de Santa Quitéria. Hélio esteve aqui por três anos e meio, até conhecer Suely, decidir largar a batina e casar-se – em uma cerimônia conduzida pelo próprio Dom José, em sua casa. Claro que foi preciso também muita ajuda externa, inclusive na forma de doações, mas, sobretudo, por meio de convênios com as mais diversas entidades, fossem governamentais, de classe ou religiosas. Durante os anos em Guaianases, Dom José lançou mão de diversas parcerias com a prefeitura municipal, através da Secretaria do Bem-Estar Social; do governo estadual, através da Secretaria de Desenvolvimento Social; e do governo federal, atravé da Legião Brasileira de Assistência. Houve também importantes convênios com o Sesi e o Senai, além de contribuições fundamentais de organizações assistencialistas religiosas. Entre elas, citemos a Adveniat, a Cáritas e a Kolping – desta, Dom José foi presidente nacional por seis anos. Tão logo comprada a chácara, deu-se início à construção da nova creche, que seria inaugurada dois anos depois, em 1973. Deram-lhe o nome de João XXIII, homenagem ao Papa pelo qual Dom José tinha grande admiração. Mais do que apenas uma creche, porém, o que as crianças tinham à disposição na Chácara Paroquial – conhecida na comunidade como “Chácara dos Padres” – era um verdadeiro sítio. Havia animais soltos, como macacos e tucanos, e outros tantos que Dom José criava, precisamente cem porcos e mil frangos. Ou seja, comida para as crianças não faltava. Além disso, a creche dispunha de um caminhão, com capacidade de sete toneladas, que toda semana ia ao Ceasa buscar frutas e hortaliças. Chegava às 6 da manhã, 49


A fé pela obra

quando as vendas já haviam sido concluídas, pegava tudo que havia sobrado e voltava carregado de ingredientes para a refeição das crianças. Tudo parecia ir bem até que, certo dia, apareceu uma equipe da Secretaria Municipal da Saúde na creche. Tinham vindo apurar uma denúncia de vizinhos da chácara, cuja alegação era de que o cheiro dos porcos chegava à casa deles. Dom José, então, propôs: — Pois bem, vamos lá ver qual é o cheiro que chega até eles. A denúncia partia dos moradores de três casas, e em nenhuma delas Dom José e os técnicos da prefeitura sentiram cheiro algum. Depois, foram ver os porcos. Um dos técnicos comentou: — Os vizinhos poderiam se mudar para cá e trocar de casa com os porcos, pois é a casa deles que se parece mais com um chiqueiro. De fato, os porcos de Dom José tinham tratamento de luxo, com direito até a piscina. Na sequência, o padre levou os técnicos a conhecer os frangos. Quando perguntaram sobre o que comiam os animais, Dom José respondeu: — Farinha proteinada. E, então, levou-os para a sala onde repousavam, estocados, dezenas de sacos provenientes dos Estados Unidos, enviados como donativos para combate à fome. Os técnicos ficaram chocados. — Mas essa não deveria ser uma comida para a população? — Esta farinha que está aqui é a que vem na parte de baixo do navio — esclareceu Dom José. — Não pode ser dada ao povo. Eu distribuo a melhor parte e guardo para os animais a que está contaminada com água. Se o porco morre, o problema é dele. Se eu mato alguém, o problema é meu. Manter uma creche com 300 crianças – como já aconteceu na João XXIII – e ainda uma chácara de 4 mil metros quadrados, porém, não era fácil. Para ajudar no orçamento, Dom José contava também com doações, algumas anônimas. Havia um doador que nem fazia questão de visitar a creche – pedia apenas que lhe mandassem, todo mês, a lista de compras, o que incluía 50


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produtos como feijão, arroz, macarrão, óleo e açúcar. Poucos dias depois, um caminhão aparecia na porta da creche repleto de sacos de comida. Outro benfeitor preferia depositar uma quantia mensal no banco. Esse, pelo menos, apareceu por lá para conhecer. Uma vez, apenas. Dom José estava varrendo o chão depois de uma festa, sem batina, quando viu o homem entrar pela porta dos fundos, que pediu: — Eu gostaria de falar com o padre. — Pois não, pode falar — respondeu Dom José. O homem olhou espantado: — O senhor é o padre!? — Sou. Ontem tivemos uma festa e estou ajudando a limpar. O homem agradeceu, disse que não precisava de nada mais e entrou no carro. Dois dias depois, telefonou e pediu à secretária o número da conta no banco. Desde então, todo mês, uma quantia volumosa misteriosamente aparecia no extrato bancário. Além das doações, Dom José também contava com a arrecadação proveniente das festas beneficentes que realizava na Chácara Paroquial. Havia churrascadas, bailes, festas da cerveja e ainda sorteio de rifas, o que, além de engordar o orçamento da creche, animava toda a comunidade. Aos poucos, a chácara foi se tornando um grande ponto de encontro para os paroquianos de Guaianases. Todo sábado à noite tinha arrasta-pé. No domingo de manhã, era a vez da missa. Durante a semana, havia os encontros de casais e dos catequistas. Por volta dessa época, começou a surgir a primeira rede da Obra Kolping no Brasil, entidade criada no século XIX, na Alemanha, pelo padre Adolph Kolping, com o objetivo de estimular a formação profissional e humana entre as populações carentes. Embora já houvesse comunidades Kolping no Brasil desde 1923, foi na década de 1970, por incentivo de Dom Paulo Evaristo Arns, então arcebispo de São Paulo, que a entidade direcionou seus esforços para a criação de escolas profissionalizantes em todo o país. Uma delas foi em Guaianases. 51


A fé pela obra

Assim, a partir de 1975, a população do bairro passou a dispor de cursos gratuitos nas mais diversas áreas, com forte ênfase no ensino prático, voltadas para as ocupações que mais dispunham de vagas no mercado de trabalho. Havia cursos de marcenaria, tipografia, reparo de eletrodomésticos, lapidação de vidros, instalação elétrica e tornearia mecânica, além daqueles destinados às mulheres, que saíam de lá transformadas em balconistas, secretárias ou datilógrafas. No começo, as aulas ocorriam em diversos espaços, entre os quais o salão paroquial da capela de Santa Cruz. Logo, porém, tornou-se necessária a construção de uma escola de verdade. Foi quando, em uma ocasião, Dom Paulo Evaristo Arns encontrou-se com Dom José durante uma visita a Guaianases. Postado ao lado de Dom José sobre o coro da igreja matriz, o cardeal disse: — Você disse que queria uma escola profissional. Fique tranquilo que eu vou fazê-la. Primeiro vou terminar a igreja e, então, fazer a escola profissional. — Mas ela já está feita! — comentou o cardeal, apontando para o grande salão que servia de templo. — Construa uma laje. Em cima, será a igreja. Embaixo, a escola. Dom José, que sempre foi um aficionado da construção civil, adorou a ideia. Não só idealizou a obra como foi atrás dos pedreiros e ainda pôs a mão na massa. Literalmente. Dom José passou parte da obra com o vibrador de concreto na mão, responsável por fazer com que o cimento que era despejado na armação se espalhasse de maneira uniforme por toda a estrutura de ferro. Foi assim durante um dia e uma noite. Ele e um padre canadense, em visita à comunidade. Dois dias depois e 150 metros cúbicos de concreto depois, estava pronta a laje. Tinha mil metros quadrados. Em cima, ao contrário do que havia sugerido o arcebispo, passou a funcionar a escola profissionalizante. O andar de baixo foi dividido entre o salão paroquial, onde aconteciam as festas, e a igreja matriz. A paróquia, agora, não era só um lugar de rezar, mas também de aprender e se divertir. 52


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Outra iniciativa introduzida por Dom Paulo Evaristo nas periferias da cidade – esta um tanto polêmica – foi a disseminação de 1200 centros comunitários, lugares onde a população pudesse discutir os assuntos de interesse coletivo e receber as mais diversas formas de assistência. A chamada “Operação Periferia” foi tida como ousada na época, pois a compra dos terrenos para a construção dos centros comunitários foi, em parte, custeada pela venda do palácio episcopal Pio XII, endereço no bairro do Paraíso que servia como residência dos arcebispos paulistanos desde a década de 40. A transação, segundo contam os registros da época, custou 5 milhões de dólares. Era a primeira vez que a Arquidiocese de São Paulo lançava um olhar oficial sobre a periferia – embora muitos bairros já contassem com a presença de figuras como Dom José, ponta-de-lança da pequena revolução social que a Igreja Católica vinha empreendendo nas comunidades mais carentes da cidade. Em Guaianases, onde a Ação Comunitária Paroquial já vinha operando transformações profundas na sociedade, esse processo ganhou uma amplitude ainda maior. Um dos marcos naquele momento – meados da década de 70 – foi a implantação do Núcleo de Participação Comunitária (Nupac), parceria da paróquia com o governo estadual. O objetivo era engajar os membros da comunidade em ações de assistência social aos mais necessitados, dando aulas e oferecendo ajuda sobre, por exemplo, a legalização de documentos e o encaminhamento para o mercado de trabalho. Integrados com o Nupac estavam também os postos de Atendimento à População com Problemas de Subsistência (APPS), uma parceria com a prefeitura destinada a amparar famílias cuja renda fosse de até dois salários mínimos. Por meio dos APPS, a camada mais carente de Guaianases podia obter ajuda para comprar roupas, medicamentos, material escolar, bilhetes de condução, enxoval de bebê e ainda pagar parcelas de aluguel ou contas de água e luz atrasadas. 53


A fé pela obra

Em 1977, por meio de outro convênio com a prefeitura, surgiu o primeiro núcleo da Osem (Orientação Sócioeducativa ao Menor), que funcionava dentro da igreja matriz de São Benedito. Ali, crianças de 7 a 14 anos passavam meio período – 4 horas no total – imersas nas mais diversas atividades: recebiam reforço escolar, praticavam esportes, tinham aulas de música e artesanato, e ainda participavam de encontros onde eram orientadas sobre assuntos de saúde, respeito à família e educação cívica. Era uma maneira de complementar o ensino regular e, ao mesmo tempo, oferecer um lugar onde as crianças maiores pudessem passar o tempo enquanto as mães trabalhavam. A partir do núcleo inicial, surgiram outros cinco em Guaianases, precisamente na Chácara Paroquial (integrada à creche João XXIII) e nos bairros de Prestes Maia, Jardim Wilma Flor, Jardim São Paulo e Jardim Soares. Por trás de tudo isso via-se, ainda que de maneira indireta, a mão de Dom José. Onde quer que houvesse a necessidade de ajuda, e esta estivesse ao alcance de um padre, lá ia Dom José tratar de resolver. Sua intervenção nos destinos do bairro se estendeu, inclusive, à infraestrutura – naquele tempo, tão precária quanto a condição social de seus habitantes. Fosse água, luz ou esgoto, Dom José sempre dava um jeito de acionar seus contatos na prefeitura ou no governo estadual para encurtar os tão habituais caminhos burocráticos. Foi assim também com o sistema viário, na época um dos pontos mais críticos não só em Guaianases como na Zona Leste inteira. Eram numerosos, e quase sempre graves, os acidentes que ocorriam ao longo da extensão da ferrovia que atravessa a região – pelo simples fato de que não existiam viadutos naquele tempo. Para atravessar a linha do trem, era preciso esperar pela cancela das passagens de nível, que nem sempre funcionavam. Em Guaianases, a passagem ao fim da ladeira onde está a capela de Santa Cruz era conhecida como “matadouro”, tantas eram as pessoas que morriam ali, fossem pedestres ou motoristas. Para dar cabo da situação, Dom José ativou seus contatos políticos e chegou, inclusive, a fazer uma ameaça de greve. Foi em 1977, durante uma assembleia da Região Episcopal de São Miguel Paulista. Quando o bispo 54


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auxiliar, Dom Angélico Sândalo Bernardino, mencionou o fato, Dom José tomou a palavra e disse: — Diga ao governador que, no próximo domingo, vou pôr mil pessoas sentadas na linha do trem. A mensagem parece ter chegado, pois, a partir daquele mesmo ano, viadutos começaram a brotar em toda a Zona Leste. Inclusive em Guaianases. Tamanha era a energia de Dom José que, depois de quinze anos de vida no Brasil, ele resolveu assumir a diretoria da Escola Diocesana Virgem do Pilar, instituição particular na Vila Talarico cujo fundador, um padre espanhol, havia acabado de sair do Brasil, deixando o colégio em sérias condições financeiras. A diocese, inclusive, havia decidido fechá-lo. A ordem veio de Dom Angélico: — Assuma a escola e depois feche. Isso aconteceu no final de 1982. Antes de tomar qualquer decisão, e sempre disposto a ouvir todos os lados da questão, Dom José convocou os professores do colégio e lhes perguntou o que achavam que devia ser feito. Um deles falou: — Eu compararia este colégio a um rebanho de vacas que não dão leite. — Por quê? — perguntou Dom José. — Porque não comem. Dom José soube, então, que a escola, além de acumular uma grande dívida com o INSS, tinha uma estrutura totalmente desorganizada – sequer havia um livro-ponto para registrar a frequência dos professores. Mas isso não o abalou. Pelo contrário: Dom José adorava desafios. Assim, com a ajuda da Secretaria da Educação, o novo diretor da Virgem do Pilar foi, aos poucos, botando a escola no eixo. Ao cabo de dois anos, a dívida estava paga. As dificuldades, porém, continuaram existindo, sobretudo financeiras. O pior momento foi durante o Plano Cruzado, em 1986, quando, para contornar os problemas derivados do congelamento dos preços, a diretoria do 55


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colégio se viu obrigada a atualizar o valor da mensalidade conforme os níveis anteriores de inflação, fato que enfureceu os pais dos alunos. Na época, quem teve de enfrentar os ânimos exaltados foi Hélio, o ex-vigário coadjutor que Dom José nomeara diretor pedagógico. A ele, coube lidar até com uma ameaça de morte, feita pelo pai de um aluno. E se afigurava tão séria a ameaça que seu irmão, major do Exército, chegou a lhe dar um revólver de presente, para que se defendesse. Parecia cena de faroeste.

São Miguel Paulista No dia 15 de março de 1989, a emissão de uma bula papal anunciou mudanças significativas na vida de Dom José. E na da Zona Leste inteira também. Nela, o Papa João Paulo II decretava a criação da diocese de São Miguel Paulista, que até então não passava de uma região episcopal ligada à diocese de São Paulo. Nascia, assim, a menor diocese do Brasil, com 200 quilômetros quadrados de área, porém a de maior densidade demográfica, lar de 3 milhões de pessoas. Era uma medida, antes de mais nada, justa, pois a presença da Igreja Católica em São Miguel Paulista é uma das mais antigas na cidade, remontando à chegada de jesuítas a uma aldeia guaianá ainda no século XVI – quando se dá início à colonização da Zona Leste. Uma das provas é a capela de São Miguel Arcanjo, cuja forma atual – provavelmente remodelada a partir de um edifício anterior – data de 1622. Suas paredes de taipa de pilão hoje sustentam aquela é que a mais antiga construção preservada no estado de São Paulo. Justiças à parte, o que motivou a criação da nova diocese foi, na verdade, parte de uma estratégia do Papa de descentralizar o poder do bispo Dom Paulo Evaristo Arns e, assim, minimizar o impacto de suas ideias progressistas. Tanto que, nessa mesma bula, a antiga diocese de São Paulo foi desmembrada em várias outras, criando-se, assim, as dioceses de São Miguel Paulista, Campo Limpo, Santo Amaro, Mogi das Cruzes, Osasco, Santos e Santo 56


Capítulo II | Zona Leste de São Paulo

André. No caso de São Miguel Paulista, Dom Fernando Legal foi o primeiro bispo. Dom José, que desde o ano anterior já possuía o cargo de vigário-geral da região episcopal, começava aqui sua curva de ascensão às altas esferas políticas da Igreja paulista. Isso significava que, lamentavelmente, deveria se afastar do povo que tanto amava. No final daquele mesmo ano, depois da inauguração de uma expansão da creche João XXIII, Dom Fernando chamou Dom José para uma conversa e disse que, a partir de janeiro, assumiria como pároco da Catedral de São Miguel Arcanjo. Dom José, taxativo como de costume, respondeu: — Em janeiro não vou assumir nada. Eu vou à praia. E foi. Apesar da nomeação oficial, datada de 7 de janeiro de 1990, e de cargo tão importante, Dom José passou o mês inteiro de férias, tomando sol na Praia do Lázaro, em Ubatuba. Voltou só em fevereiro. E aí, sim, assumiu o posto, celebrando uma missa inaugural que, de imediato, escancarou os problemas do templo que acabara de assumir. Postado no altar, em certo momento da missa, Dom José sentiu uma pomba defecar em sua cabeça. A primeira medida, pois, e a mais urgente, era reformar a catedral, cuja idade já contava 25 anos. Não só pelo cocô das pombas – também pedaços do forro costumavam cair do alto, atingindo as pessoas. Resultado: ou se trocava o telhado ou algo de muito sério poderia acontecer a qualquer momento. Mais um desafio construtivo para Dom José. E um desafio e tanto, pois eram 2 mil metros quadrados de forro a serem instalados e ainda 45 mil telhas. Como Dom José tinha aprendido noções de serralheria no seminário, ele mesmo foi quem comandou as obras, incluindo técnicas que por aqui se desconheciam. Seu plano previa medidas como reforçar as tesouras – estruturas que sustentam o telhado – com ferro, instalar um sistema de ripas verticais e horizontais para fazer a água escorrer e ainda amarrar as telhas com fios de aço, para que o vento não as arrancasse. Custo total da obra: 750 mil cruzados novos, a serem pagos em dez prestações. 57


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Tudo certo se não fosse o anúncio, naquele mesmo ano, do Plano Collor, conjunto de reformas encabeçado pela ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello que incluía, entre outras ações, o congelamento dos depósitos bancários em cadernetas de poupança – justo o dinheiro que Dom José tinha reservado para a reforma da catedral. A solução veio graças a uma manobra do advogado de Dom José, valendo-se do fato de que o padre era o diretor da Escola Diocesana Virgem do Pilar. Na época, a escola acumulava uma dívida com o INSS que era quase equivalente ao custo da obra. E uma das medidas do Plano Collor autorizava o pagamento de dívidas ao governo com o dinheiro retido nos bancos. Pois bem: como a administração do colégio estava em nome de Dom José, foi possível pagar a dívida com o dinheiro que estava em sua conta bancária e, então, cobrar do colégio o reembolso por isso – em dez prestações. Dom José, além do talento para a construção civil, também era bom nas questões administrativas. Assim, não bastasse ser pároco da catedral e vigário-geral da diocese de São Miguel Paulista, acumulava também outros cargos, como o de ecônomo da diocese, membro do Conselho de Presbíteros e membro do Colégio de Consultores. Não que gostasse muito, mas tinha a competência e a disposição necessárias para as mais diversas questões que os cargos pressupunham – entre eles cuidar das finanças da Cúria e fazer a intermediação entre o bispo e os padres das paróquias. Passava ao menos uma parte do dia no escritório recebendo sacerdotes. Longe do povo e próximo dos bastidores da Igreja, enredado nos jogos de poder, Dom José não raro se irritava. Certa vez, de tão transtornado, pegou o carro, dirigiu até a Via Dutra e decidiu jogar uma moeda: se desse cara, dirigiria no sentido sul; se fosse coroa, iria para o norte. Parou para almoçar apenas 500 quilômetros depois, já no Paraná. E seguiu. Passou a noite no Chuí, fronteira com o Uruguai, esperando que a cólera amainasse e ele pudesse voltar no dia seguinte. Como acordou igualmente enfurecido, seguiu adiante e só foi parar quando chegou a Buenos Aires. Ali, instalou-se em um 58


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hotel, tomou um banho e pensou: “Agora vou ao cinema”. E foi: viu quatro filmes seguidos, até a meia-noite. Saiu de lá leve e apaziguado. No dia seguinte, sentiu que estava pronto para voltar para casa. Testes de resistência como esse houve muitos. E foram fundamentais para preparar o espírito de Dom José para os desafios, ainda maiores, que estavam por vir. Um deles chegou em 1999 por meio de uma ligação do secretário do núncio apostólico, o representante do Vaticano no Brasil. Disse: — Estarei de passagem por São Miguel. Vamos tomar um café? Combinaram de se encontrar no aeroporto, onde o secretário desembarcaria vindo de Brasília. Sentaram-se à mesa, pediram um café e o rapaz sugeriu: — Vamos rezar uma Ave-Maria. Dom José ficou confuso: — Uma Ave-Maria por causa de um café?! — Esta é uma Ave-Maria diferente — disse o secretário do Núncio, enquanto entregava a Dom José um envelope. — Isto é para você. Dom José abriu o envelope. Era uma carta de Roma, onde constava a nomeação de Dom José como bispo auxiliar de Dom Fernando na diocese de São Miguel Paulista. — Ninguém me perguntou se eu queria ser bispo. E o que acontece se eu não aceitar? — perguntou Dom José. O secretário pegou uma folha em branco, entregou-lhe uma caneta e disse: — Escreva aqui que você não quer obedecer ao Papa. — Muito bem, fale que aceito. Em seguida, o rapaz pegou o celular e ligou para o núncio, na época o siciliano Alfio Rapisarda. — Ele aceitou — falou o rapaz. Do outro lado da linha, o núncio avisou: — Diga que espere até 29 de setembro, dia de São Miguel Arcanjo. Eu mesmo vou sagrá-lo. Faço questão de ir à cerimônia. 59


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A partir daquela data, Dom José permaneceria pouco mais de dois anos como bispo auxiliar de São Miguel Paulista, até receber, por fim, a nomeação para o bispado em Presidente Prudente. Encerrava-se, aqui, 35 anos de dedicação integral à população da Zona Leste de São Paulo. Como legado físico, deixava um saldo positivo de nada menos que 16 igrejas construídas ou reformadas em toda a região, além de seis creches e uma casa de saúde, o asilo São José, materialização de um sonho antigo de Dom Angélico. Sem contar, é claro, as milhares de famílias cuja vida se viram transformadas desde que Dom José pôs o pé no Brasil. Esse legado, quando quantificado, torna-se intangível. Exceto para cada uma das famílias que lá vivem.

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Capítulo III | Presidente Prudente

CAPÍTULO III

P R E S I D E N T E P RU D E N T E

O T E ST E M U N H O D E C O R AG E M D E U M H OM E M Interior de São Paulo

N

o começo de 2002, Presidente Prudente era uma região em pé de guerra. De um lado, os latifundiários, herdeiros da riqueza proporcionada pelo café e pelo algodão no início do século XX, ciosos de manter, sob sua posse, os vastos quinhões de terra adquiridos pelos antepassados, ainda que de maneira ilegal. Do outro, milhares de trabalhadores rurais, organizados em movimentos populares, lutando contra a concentração fundiária por meio da ocupação de terras improdutivas e devolutas. Cada parte tinha seus aliados – o que, no caso dos fazendeiros, incluía grande parte da hierarquia católica da região. Era evidente, na época, a posição do bispo a favor dos ruralistas, fruto de uma relação histórica que começara em 1976, quando Dom Agosti63


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nho Marochi assumira o comando da diocese. Seu episcopado, que já durava mais de duas décadas, fora marcado por ações que incluíam um discurso contra as Comunidades Eclesiais de Base e a proibição do envolvimento com as famílias dos sem-terra por parte dos padres da diocese. Quem precisasse batizar um filho, por exemplo, deveria solicitar o sacramento a um sacerdote de outra diocese, localizada nos estados vizinhos de Mato Grosso do Sul e Paraná, acolá dos rios Paraná e Paranapanema. Dom José pouco ou nada sabia dos detalhes desse conflito quando recebeu, naquele mesmo início de ano, um telefonema de Brasília. Era o núncio apostólico, o mesmo siciliano que intermediara sua nomeação como bispo auxiliar, dois anos antes. A mensagem era clara: Dom José havia sido designado pelo Papa para assumir o cargo de bispo titular da diocese de Presidente Prudente, região episcopal que abarca 29 municípios no noroeste do estado de São Paulo. Restava apenas esperar pelo anúncio oficial. E assim foi: em 20 de fevereiro de 2002, o nome de José María Liborio Camino Saracho foi ouvido em todo o mundo, por meio da Rádio Vaticano. Presidente Prudente tinha agora um novo bispo. A data da posse foi marcada para o dia 7 de abril, em cerimônia realizada na Catedral de São Sebastião. Dom José, que até então não tinha ideia de onde ficava Presidente Prudente, encheu a Palio Weekend com roupas e livros e, na companhia de Hélio e sua esposa Suely, tomou a Rodovia Raposo Tavares rumo à nova vida. Sua casa agora era bem diferente daquela que mandara construir em cima da capela de Santa Cruz, em Guaianases. Parecia uma mansão, de tão grande, e ainda ficava dentro de um condomínio fechado. Dom José não gostou nem um pouco. E menos ainda quando, recém-mudado, três padres se aproximaram da porta, visivelmente intimidados, perguntando se podiam entrar. Queriam conhecer o novo bispo. Seu constrangimento não era sem razão: até a chegada de Dom José, era raro que os padres da diocese frequentassem a casa episcopal. O novo bispo, então, não teve dúvidas: nem bem se instalou na cidade, abriu sua casa para um almoço de acolhida. 64


Capítulo III | Presidente Prudente

Pouco tempo depois, perguntou aos padres: — Não conhecem alguma casa da Cúria que esteja fora de um condomínio? Havia, de fato, um sobrado, que fora arrendado a um japonês, mas que naquele momento encontrava-se abandonado, entregue à ruína. Dom José foi lá ver, gostou. Sem demora, pediu as reformas que queria fazer e disse: — Vou morar lá. Sete meses depois de chegar à cidade, estava de casa nova. E aberta a quem quisesse visitá-lo. O clero local logo entendeu que o novo bispo era bem diferente do anterior. E os que ainda alimentavam dúvidas puseram fim nelas após o primeiro pronunciamento de Dom José como bispo de Presidente Prudente. Já ciente dos conflitos de terra que dividiam a região, ele disse: — A Igreja está totalmente com eles e vamos lutar para que o governo tome uma providência e dê terra para quem quer trabalhar. Também vamos lutar por uma reforma agrária justa e que dê condições para o povo viver. Todos os movimentos sociais merecem respeito e devem ser ouvidos, para que os problemas e o conflito no campo sejam sanados. O governo tem de resolver e nós temos de lutar junto com eles para que isso aconteça. Olhar para eles com carinho. Mas sem violência, que é repudiada por nós. Em um país como este, é uma vergonha milhares de pessoas passarem fome. A Igreja tem que trabalhar para que isso seja resolvido. Dom José sabia do que estava falando. Tão logo assumiu a diocese, agiu como fizera 35 anos antes, quando chegara a Guaianases: foi conhecer de perto a realidade de seu povo. Presidente Prudente, à primeira vista, era um lugar bem diferente dos bairros da Zona Leste de São Paulo, onde a carência era gritante nas ruas e nas casas dos paroquianos. Dona de um dos dez maiores Índices de Desenvolvimento Humano do interior paulista, a cidade não parecia oferecer grandes desafios – salvo na zona rural dos municípios vizinhos, também sob os limites da diocese. Ali, Dom José topou com o mes65


A fé pela obra

mo estado de abandono com o qual já estava familiarizado, porém acrescido de sérios conflitos agrários. Um prato cheio para a ação pastoral de que tanto gostava, em prol dos desfavorecidos. E uma bem-vinda reaproximação com a população carente, da qual estivera tão afastado durante os anos na Cúria de São Miguel Paulista. No final daquele mesmo ano de 2002, Dom José tomou a primeira medida oficial nesse sentido: aprovou a criação da Comissão Pastoral da Terra da diocese de Presidente Prudente, sob coordenação do padre Jurandir Severino de Lima. Até então, alguns padres agiam de maneira clandestina, longe dos olhos do bispo anterior. Agora, tinham no novo bispo não só um aliado como também um companheiro: Dom José, que nunca foi de ficar parado, fazia questão de, ele mesmo, visitar os acampamentos dos sem-terra. Tornaram-se hábito, assim, suas idas semanais às periferias do Pontal do Paranapanema, região tida como a segunda mais pobre do estado de São Paulo. Dirigindo uma recém-adquirida camionete (no lugar da velha Palio Weekend), Dom José passou a circular, todas as sextas-feiras, pelas dúzias de acampamentos que se aglomeravam às margens das rodovias, à espera da tão adiada reforma agrária. Saía de manhã cedo, fosse só ou acompanhado, e rodava dezenas – às vezes centenas – de quilômetros, carregando uma tonelada de alimentos na caçamba, fruto de doações à diocese ou de compras feitas por ele mesmo, com recursos pessoais. A cada acampamento que chegava, Dom José distribuía os alimentos, identificava as lideranças e tomava o tempo que fosse preciso para compreender a realidade daquelas famílias. Não se apresentava como bispo – diziase apenas um bom amigo, parceiro na luta pela terra e disposto a ajudar quais fossem as necessidades. Tampouco se recusava a usar, caso lhe oferecessem, o boné vermelho do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Gostava de se sentir o mais próximo possível daquela gente. Tanto que, onde quer que encostasse seu carro, fazia questão de entrar nos barracos. Ali, debaixo da lona, gastava horas tomando café ou almoçando com os sem-terra, 66


Capítulo III | Presidente Prudente

ouvindo suas histórias e atentando às suas queixas. Em contrapartida, contava de sua experiência com os movimentos sociais na Zona Leste e, tomado de fé, incitava as famílias a continuarem sua luta. Não tardou para que os sem-terra logo elegessem o novo bispo como principal interlocutor com as autoridades, papel que Dom José desempenhou com o máximo de comprometimento. Sempre que fosse necessária sua intervenção, buscava o diálogo aberto e sincero com políticos locais, promotores e juízes. Nos casos de reintegração de posse, lá também estava ele negociando as condições com a polícia militar. Por outro lado – fato inédito na cidade –, o novo bispo deixou abertas as portas da diocese para quem quisesse vir à procura de ajuda. Tornaram-se comuns, naquele tempo, as visitas de líderes de movimentos sociais à Cúria Diocesana, onde Dom José sempre os recebia com o carinho e o acolhimento que lhe são habituais. Com pouco tempo de episcopado, e sem muito esforço, Dom José tornou-se uma das principais vozes na luta em favor da reforma agrária no Pontal do Paranapanema. Essa tomada de posição lhe rendeu, já no ano seguinte, o convite para se tornar o bispo responsável pela Comissão Pastoral da Terra no estado de São Paulo. Conectava-se, ali, a uma grande rede de teólogos progressistas, o que lhe permitiu discutir com mais profundidade as questões agrárias no Pontal do Paranapanema e ainda tomar medidas práticas, como a revitalização das romarias da terra e das águas no estado. A partir daquele momento, essas caminhadas se tornaram uma das mais importantes celebrações da luta pela terra e, ao mesmo tempo, uma forma eficaz de chamar a atenção da opinião pública para a necessidade da reforma agrária. Animado com o sucesso das romarias estaduais, Dom José também ajudou a criar, em 2005, uma versão local dessas manifestações – a Romaria da Terra e das Águas da Diocese de Presidente Prudente. Enquanto isso, pensando na linha de frente da ação pastoral, Dom José convocou um monsenhor e duas freiras para a criação de uma equipe missionária. Eram o monsenhor Mauro Laércio Magro e as irmãs Ângela e Lu67


A fé pela obra

zinete, freiras da Congregação das Irmãs de Sant’Ana, que, sediadas em uma casa na cidade de Teodoro Sampaio, tornaram-se a presença da Igreja nos assentamentos e acampamentos do Pontal, responsáveis por celebrar missas, casamentos e batizados. Essa iniciativa serviu de inspiração para que outros padres na diocese seguissem o exemplo, organizando comunidades e construindo capelas dentro dos assentamentos. Em pouco tempo, a presença da Igreja católica foi notada nos pontos mais remotos e carentes da diocese. Quem não gostou, claro, foram os latifundiários, agora destituídos de qualquer apoio da diocese de Presidente Prudente. Os ataques a Dom José, por meio da imprensa, das redes sociais e de manifestações públicas, tornaram-se cada vez mais frequentes e hostis. Entre os inimigos declarados, estava o prefeito de Presidente Prudente, Agripino de Oliveira Lima, que se gabava de ter barrado a entrada de milhares de manifestantes do MST na cidade em 2002, durante uma marcha. O fato se dera em janeiro, pouco antes da chegada de Dom José, e causara repercussão nacional, pois o prefeito havia se dado ao trabalho de mobilizar dezenas de tratores e caminhões para bloquear a rodovia interestadual que dá acesso à cidade. Quanto mais recrudesciam os ataques, Dom José, que era não de fraquejar, mais intensificava seu apoio aos sem-terra. Em 2004, quando os líderes do MST decidiram organizar nova marcha, Dom José tratou de garantir que, desta vez, eles conseguissem entrar na cidade sem dificuldades. E mais: abriria a porta da catedral a eles, coisa que o bispo anterior jamais fizera. Sem medo de represálias, Dom José desafiou o prefeito, convocou a ajuda da Polícia Militar e, na manhã do dia 6 de abril, em plena Semana Santa, esperou na rodovia pela chegada de cerca de 1.500 trabalhadores sem-terra. Vinham caminhando fazia seis dias debaixo do sol, parando de cidade em cidade, onde alguns padres os ajudavam com pouso e refeição – conforme haviam sido orientados por Dom José. Na entrada de Presidente Prudente, o bispo os aguardava para o trecho final da caminhada, rumo à Catedral de São Sebastião. Depois das orações, houve – para assombro dos mais conservadores – 68


Capítulo III | Presidente Prudente

uma cerimônia do Lava-pés. Adiantada, pois era uma terça-feira. Ou seja: Dom José não só permitira a entrada, pela primeira vez, de manifestantes do MST na catedral como ainda, em uma ação simbólica, ousara repetir o gesto de Jesus lavando os pés dos apóstolos, mas agora tirando o pó da caminhada dos sem-terra. Um deles era um senhor de 82 anos que viera caminhando com seu neto desde Presidente Epitácio, a 80 quilômetros dali. “Este é o bispo dos pobres”, disse, na ocasião, um dos líderes do movimento, Paulo Albuquerque. Os ruralistas não haviam perdido apenas um aliado – haviam ganhado um inimigo. E dos mais valentes. As tensões entre a diocese e os latifundiários ganharam novas tintas – mais dramáticas – a partir de 2007, quando o Projeto de Lei 578, elaborado pelo governo de José Serra, passou a tramitar em caráter de urgência na Assembleia Legislativa. Nele, previa-se a regularização de terras supostamente devolutas, com mais de 500 hectares em troca de um percentual – 15 a 25%, dependendo das dimensões da propriedade –, destinado à reforma agrária. Pela proposição, esse repasse poderia ser feito na forma de terras ou em dinheiro. Para os camponeses, isso significava o fim do sonho de adquirir um pedaço de chão, pois o projeto incluiria terras griladas, legitimando a ocupação ilegal feita no passado por meio de registros fraudulentos. Para Dom José, era a oportunidade de que precisava para ser ouvido em alto e bom som. Em agosto, publicou um manifesto que foi lido durante as missas em toda a diocese.

Manifesto contra a legalização da grilagem no pontal (PL 578/2007) Os problemas enfrentados pelos(as) camponeses(as), trabalhadores(as) do campo brasileiro, notadamente pelos pequenos produtores rurais, sem-terra, acampados, assentados, assalariados rurais e pelas diversas e diferentes comunidades ribeirinhas, fazem parte das preocupações da diocese de Presi69


A fé pela obra

dente Prudente e consequentemente da CPT (Comissão Pastoral da Terra). É com preocupação que olhamos o presente e o futuro do povo no Pontal do Paranapanema, que vive do trabalho na terra. A política oficial do país subordina-se às ordens de um sistema neoliberal, apoiando e estimulando abertamente o agronegócio intensivo e extensivo, que está estrangulando nossos pequenos agricultores e os trabalhadores em geral, tanto da cidade, quanto do campo, inviabilizando sua sobrevivência. Sabemos que em nossa região – Pontal do Paranapanema – o governo vem favorecendo este processo, com o incentivo à monocultura da cana-de-açúcar. Chama à atenção a ação do Estado, que não tem tomado medidas suficientes para cumprir a Constituição no sentido de reaver as terras públicas griladas e de destiná-las para reforma agrária. O velho problema fundiário brasileiro, a grilagem, foi a responsável pela devastação ambiental de grandes áreas, pela violência contra comunidades autóctones e pela invasão de territórios indígenas na região do Pontal. As dívidas sociais que o Estado tem para com o povo desta região são grandes e devem ser resgatadas primeiro. Isso vale, sobremaneira, em relação aos povos da terra e das águas, que continuam obrigados a viver em condições sempre mais precárias, pela quase total falta de vontade política. O Estado não pode promover políticas que mantêm e expandem modelos comprovadamente causadores desse aumento trágico de miséria. Historicamente, as terras e as águas sempre foram controladas pelos mais fortes e colocadas a serviço de interesses de poucos, à custa da opressão do povo do campo, contando com a omissão do Estado. Creio que esta realidade ainda não mudou e o Projeto de Lei nº 578/2007 sobre regularização de terras acima de 500 ha, apresentado pelo governo do estado – perpetua em nossa região a concentração da propriedade da terra e do latifúndio. As políticas agrícolas e agrárias estão se submetendo aos interesses do agronegócio (expansão da cana-de-açúcar). Este Projeto de Lei que quer regularizar as terras do Pontal do Paranapa70


Capítulo III | Presidente Prudente

nema é um retrocesso, pois vai contra os anseios de centenas de famílias que lutam pela reforma agrária, por vida digna. É um desrespeito à luta popular. O objetivo de qualquer lei deve ser criar a possibilidade de agilizar a arrecadação de terras para a implantação de assentamentos de trabalhadores rurais. O que está em discussão na Justiça, segundo dados da Procuradoria Geral do Estado, são aproximadamente 325.000 hectares (área em discriminação) e 11.223 hectares (áreas em reivindicação) de terras no Pontal do Paranapanema. Dá para assentar mais de 15 mil famílias. Isto significaria quase quadruplicar o número de famílias já assentadas na região. A terra não pode ser transformada em simples mercadoria para produzir lucros, através da especulação ou da exploração do trabalho. A concentração de terras devolutas, que deixa milhões de famílias sem terra e sem trabalho, é uma afronta aos mais elementares direitos da pessoa humana, uma agressão à razão humana e uma usurpação ilegítima do bem comum. As terras já estão sendo discutidas na Justiça. Temos que esperar por decisões judiciais, mesmo que lentas, pois está em jogo o sonho de milhares de trabalhadores que querem viver dignamente no campo, pois sacramentar a usurpação, dignificar a grilagem é imoral, é crime, é pecado. Reafirmamos que a terra deve sempre ser “terra de trabalho”, lugar de viver, e não deve se tornar “terra de negócio”. DIGA NÃO AO PROJETO DE LEI nº 578/2007 QUE REGULARIZA TERRAS DEVOLUTAS ACIMA DE 500 ha NO PONTAL Dom José María L. C. Saracho Bispo da Diocese de Presidente Prudente Bispo Responsável pela CPT São Paulo.

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A fé pela obra

Dom José, naquele momento, estava já com 75 anos – idade-limite, pela lei do Vaticano, para o exercício do episcopado. Reza o protocolo que um bispo, ao atingir essa idade, deve fazer o pedido de substituição ao Papa, dando início a um processo que pode chegar a demorar meses ou anos, até que se escolha o nome indicado para o cargo. No caso de Dom José, a espera foi de dois anos. Justamente o período em que mais enrijeceu seu discurso em favor da luta pela reforma agrária. O manifesto de agosto foi só o começo. Em fevereiro de 2008, Dom José chegou a apoiar publicamente as ocupações das áreas consideradas devolutas. Argumentou, na ocasião, que se tratava de um instrumento de luta dos sem-terra – a única maneira, ainda que violenta, de conquistar a atenção das autoridades para a questão agrária e, ao mesmo tempo, criar uma situação de insegurança que dificultasse o avanço da indústria canavieira na região. E isso foi dito durante uma operação conhecida como “Carnaval Vermelho”, em que, no espaço de poucos dias, 19 fazendas foram ocupadas no Pontal do Paranapanema sob o comando de José Rainha Júnior, líder dissidente do MST. As declarações alcançaram a mídia em nível nacional e enfureceram os latifundiários, que, organizados em torno da UDR (União Democrática Ruralista), ameaçaram denunciar o bispo no Ministério Público Estadual, alegando que fizera apologia do crime e estímulo ao vandalismo. Houve também constrangimento na própria cúpula da CNBB – da qual Dom José era conselheiro –, cujos dirigentes prontamente foram a público declarar a posição da Igreja Católica a favor do direito à propriedade privada. Apesar da saia-justa, houve apoio maciço do clero local à posição do bispo. Tanto os padres da diocese quanto os bispos integrantes da província eclesiástica de Botucatu, à qual Presidente Prudente está circunscrita, publicaram cartas de suporte às declarações de Dom José, mostrando que ele não estava sozinho nessa briga.

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Capítulo III | Presidente Prudente

Carta de solidariedade dos padres da diocese de Presidente Prudente ao bispo diocesano Nós, padres da diocese de Presidente Prudente, por meio desta fazemos saber a quem dela tomar conhecimento que, como pessoas consagradas ao serviço do Reino de Deus, externamos nosso total apoio às ações do nosso Pastor Dom José María Liborio Camino Saracho pelos motivos que expomos a seguir. Dom José María Liborio Camino Saracho, designado pelo Papa João Paulo II em abril de 2002 para ser o Pastor desta diocese, vem mostrando a todas as comunidades seguidoras de Cristo – O Bom Pastor – que é possível encontrar na diocese de Presidente Prudente, presente no Pontal do Paranapanema, rostos que mostram o sofrimento e a miséria das famílias e de suas filhas e filhos. O rosto do Cristo Sofredor está presente nos rostos das pessoas encarceradas nas 19 unidades prisionais; nos rostos das pessoas desempregadas que não sabem o que irão colocar nos pratos para alimentar suas filhas e filhos; nos rostos das famílias que lutam por terra. Por obedecer ao Cristo, Dom José María tem se colocado a serviço dessas famílias procurando auxiliá-las na busca da solução, já que o Estado e seus agentes têm outros interesses e prioridades. Por Dom José ser essa presença profética, hoje no Pontal tem incomodado principalmente os cristãos acomodados. Sua presença e seu testemunho diante da luta pela vida e pela reforma agrária, isto é, contra o PL 578/2007, têm provocado reações contrárias principalmente pelos meios de comunicação social, os quais estão sintonizados com os interesses dos grileiros das terras do Pontal e demais interessados no agronegócio. Desta forma, as inúmeras famílias que estão acampadas, se não pressionarem o Estado que está inerte diante da situação delas, poderão permanecer por muito tempo sem terra, sem comida e sem futuro. As ações de Dom José concretizam para todas as comunidades a vivência daquilo que pede a Campanha da Fraternidade 2008: Fraternidade e Defesa da Vida. “Escolhe, pois, a Vida” (Dt 30,19). 73


A fé pela obra

Moção de apoio dos bispos da sub-região de botucatu – cnbb regional sul I

Marília, 11 de março de 2008 Moção de Apoio dos Bispos da Sub-Região de Botucatu – CNBB Regional Sul I – a Dom José María Liborio Camino Saracho – Bispo de Presidente Prudente-SP Nós, bispos da sub-região pastoral de Botucatu, reunidos em Marília – SP, juntamente com coordenadores diocesanos de pastoral, representantes dos presbíteros, Conferência dos Religiosos do Brasil, Conselho Nacional de Leigos dos Brasil e Leigos e Leigas coordenadores de pastorais e movimentos, por ocasião da reunião ordinária, manifestamos nosso apoio por: 1. Sua luta pela reforma agrária e valorização dos movimentos sociais com a sensibilidade do pastor que defende a promoção da vida e a dignidade humana conforme o Evangelho e o ensino social da Igreja. 2. Sua preocupação referente ao Projeto de Lei 578/2007, do Governo do Estado de São Paulo sobre terras devolutas e sua incompatibilidade com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária. 3. Pelo seu testemunho profético e convicção profunda acerca de um tema complexo e pela sua presença eclesial-missionária no acompanhamento dos 110 assentamentos e 10 acampamentos na região do Pontal do Paranapanema. Certos de sua motivação evangélica em sintonia com o tema da Campanha da Fraternidade 2008 – “Fraternidade e a defesa da vida”. Subscrevemos: Dom Aloysio José Leal Penna – Arcebispo de Botucatu Dom Sérgio Krzywy – Bispo de Araçatuba Dom Maurício Grotto de Camargo – Bispo de Assis Dom Luiz Antônio Guedes – Bispo de Bauru Dom Irineu Danelon – Bispo de Lins Dom Osvaldo Giuntini – Bispo de Marília 74


Capítulo III | Presidente Prudente

Pouco mais de um mês depois desse episódio, no dia 16 de abril, a Rádio Vaticano anunciou a nomeação do novo bispo da diocese de Presidente Prudente: o mineiro Dom Benedito Gonçalves dos Santos. Encerravam-se ali seis anos de um bispado controverso, mas de profunda atenção aos desfavorecidos. E não se tratava apenas dos sem-terra – a luta de Dom José em favor da reforma agrária foi apenas a face mais conhecida de sua missão à frente da diocese. Que o digam os detentos das 24 penitenciárias existentes na região de Presidente Prudente, beneficiados pelo incentivo de Dom José à Pastoral Carcerária. Entre eles, o célebre traficante Fernandinho Beira-Mar (apelido de Luiz Fernando da Costa), transferido para a penitenciária de Presidente Bernardes em 2003. Também os catadores de lixo devem seu agradecimento ao bispo, pois partiu dele a iniciativa de destinar uma parte da arrecadação da Campanha da Fraternidade de 2004 para a compra de um caminhão de coleta seletiva. A beneficiária, no caso, foi a Cooperlix (Cooperativa de Trabalhadores de Produtos Recicláveis), que, graças à nova aquisição, pôde aumentar sua produtividade e abrir novas vagas de trabalho, tirando dezenas de famílias do lixão da cidade. Quanto ao patrimônio material, seu legado como bispo nem de longe alcançou a febre construtiva dos anos na Zona Leste de São Paulo, mas deixou ao menos uma grande obra: a nova Cúria Diocesana. Antes de sua chegada, a estrutura administrativa da diocese era das mais precárias – tanto que as reuniões eram feitas no porão da catedral. Com Dom José, surgiu uma nova sede para a cúria, um lugar onde tanto leigos quanto sacerdotes passaram a ser atendidos à altura de suas necessidades. Ao mesmo tempo, o edifício tornou-se importante quartel-general para as diversas ações pastorais que floresceram durante o bispado de Dom José. Em 17 de agosto de 2008, dia da posse de Dom Benedito, Dom José se despediu definitivamente de sua missão como bispo de Presidente Prudente. Embora continuasse visitando os sem-terra, o agora bispo emérito se viu, subitamente, afastado das grandes decisões da Igreja e isolado, mesmo daqueles que lhe pareciam próximos. Coincidência ou não, seis meses depois da aposenta75


A fé pela obra

doria, aos 77 anos, sofreu um acidente vascular cerebral. Foi em uma manhã de fevereiro de 2009, enquanto se preparava para ir a um encontro do MST. Dom José sentiu-se mal depois do café e, dali, foi direto para o hospital. O susto foi grande, mas não o bastante para derrubá-lo: após 12 dias de internação, saiu do hospital refeito e sem sequelas. Um mês depois, já estava em São Paulo para celebrar a Páscoa. O AVC veio como um alerta. Dom José não era do tipo que suportasse o tédio da aposentadoria. Precisava se sentir na ativa. Foi quando, algum tempo depois, recebeu o pedido de moradores do bairro onde vivia, seus vizinhos, para assumir o pastoreio da comunidade. Mas disse que só poderia aceitar o pedido se o próprio bispo o fizesse. E assim aconteceu: graças à intervenção de Dom Benedito, Dom José voltou às suas origens, tornando-se novamente vigário de uma paróquia – desta vez como voluntário. A paróquia em questão era bem diferente de Guaianases, pois se tratava de um bairro nobre de Presidente Prudente, localizado em uma área de expansão da cidade, próximo à Rodovia Raposo Tavares, repleta de condomínios de alto padrão. Ali já havia uma estrutura que ele mandara construir quando ainda era bispo, composta de um salão paroquial e salas de catequese. Faltava apenas a igreja, prevista para ser erguida em cima dessa estrutura. E faltavam também, é claro, os recursos para construí-la. Estes vieram por meio de doações (grande parte provenientes da empresa urbanizadora responsável pelo loteamento dos condomínios vizinhos), arrecadações feitas em eventos beneficentes e, sobretudo, do próprio Dom José, que – mais uma vez – ajudou a custear uma obra com recursos próprios. Em setembro de 2013, estava inaugurada a igreja de Santa Mônica, com capacidade para 1000 pessoas. O nome durou pouco, pois, no ano seguinte, a comunidade decidiu retribuir Dom José rebatizando a igreja com o arcanjo de sua devoção. A partir de então, passou a chamar-se igreja de São Miguel Arcanjo. Desde então, a rotina de Dom José passou a se dividir entre o comando da nova paróquia e as visitas frequentes a São Paulo, aonde vem para descansar 76


Capítulo III | Presidente Prudente

em sua casa no bairro de Itaquera ou para celebrar missas e casamentos a pedido dos amigos. E assim será até que, por fim, encontre o descanso eterno na Catedral de São Miguel Paulista, sede da diocese à qual serviu durante 33 anos. Este é seu desejo, conforme pedido enviado por escrito ao bispo local em fevereiro de 2012. Assumir uma paróquia em um bairro nobre, contudo, não significa que Dom José tenha abdicado dos pobres. Pelo contrário: parte de sua rotina como bispo emérito inclui também a convivência com os sem-terra, entre os quais fez grandes amigos. Vez ou outra pega a estrada na direção dos assentamentos e acampamentos sem terra, para uma visita aos antigos companheiros ou para atender a um pedido de celebração de matrimônio. Um dos mais significativos aconteceu em janeiro de 2014, quando Dom José foi presidir uma cerimônia de casamento no assentamento Che Guevara. Era o oposto do luxo: um barraco no lugar da igreja, um arroz e feijão como banquete e a comunidade toda lá, sem fraques nem vestidos de seda, abençoando a nova união. Terminada a cerimônia, veio a festa. Nem bem Dom José tirou a batina, noivo e noiva já estavam lá fora, cada qual com suas roupas do dia a dia. A noiva sem vestido e o noivo de short, sem camisa, assando a carne na churrasqueira. Dom José lhe perguntou, espantado: — Mas eu não fiz teu casamento agora?! — Sim, já estamos casados. Agora é viver – respondeu o noivo, incisivo e pragmático. Do jeito que Dom José gosta.

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A fé pela obra

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Legado de Dom José em Presidente Prudente Construção da nova Cúria Diocesana; criação da 4ª Região Pastoral; implantação do Projeto Missionário Diocesano; aquisição, mediante campanha, de automóvel para cooperativa de trabalhadores de produtos recicláveis; transferência e ampliação da Rádio Diocesana “Rádio Onda Viva”; formação de Equipe Diocesana de Comunicação (EDC); reforma do Seminário Diocesano e Casa de Encontros; construção de novas igrejas e espaços de formação nas paróquias da diocese com destaque para o início das obras do Santuário de Santo Expedito; ordenação de 16 padres; oficialização da CPT, Comissão Pastoral da Terra do Estado de São Paulo; obtenção pelo Vaticano dos títulos de Monsenhor aos padres Mauro L. Magno e Expedito P. Cavalcanti; reforma e ampliação da Casa de Martinópolis, o “Recanto das Águas”; realização de grande número de Crismas na Episcopal Cidade de Presidente Prudente.

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CapĂ­tulo III | Presidente Prudente

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A fĂŠ pela obra

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imagens de uma vida [1]

[2]

[1] pai e madrinha de Dom José em passeio com a família na costa de Santurce; [2] pai de Dom José em atividade marítima; [3] o menino José em fase escolar

[3]

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A fé pela obra [1] [1] foto de colegas durante a infância; [2] à esquerda, com companheiro no seminário de Derio; [3] Dom José e o reitor do seminário; [4] com trabalhadores dos Altos Hornos, em Sagunto; [5] o estudante de filosofia, Dom José

[2]

[4]

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[3]

[5]


Imagens de uma Vida [1]

[2] [1] ordenação de padre no País Basco, Espanha; [2] celebração de missa no colégio onde estudou quando menino; [3] com a madrinha em casamento de primo

[3]

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A fĂŠ pela obra [1]

[2]

[3]

[4] [1] no casamento de um dos irmĂŁos, na Espanha; [2] em viagem com companheiros; [3] na casa paroquial em Itaquera com padres bascos; [4] em viagem Ă cidade do Cairo, no Egito

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[1]

Imagens de uma Vida

[2]

[4] [3]

[5] [1] no Zoológico de São Paulo com Lourdes, D. Luiza e Adriano; [2] D. Luiza na cozinha em Guainases; [3] comunidade de St. Cruz; [4] o antecessor de Dom José, Pe. Victor Kavolis; [5] durante a Semana Santa em paróquia da Zona Leste no início da missão no Brasil; [6] em cerimônia na residência de família em Guaianases; [6]

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A fé pela obra

[1] instalações da creche Vicente Matheus, idealizada e construída por Dom José; [2] em almoço de confraternização com cardeal Paulo Evaristo Arns, o casal Vicente e Marlene Matheus e o então vereador [1]

[2]

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Aurelino de Andrade


Imagens de uma Vida

[1]

[1] imagens de crianças atendidas pela creche João XXIII; [2] formatura de Maria de Lourdes com sua família; [3] recortes de fotos da época do Clube das Mães, em Guaianases

[2]

[3]

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A fĂŠ pela obra [1]

[2] [1] em evento em prol de melhorias do bairro com políticos da cidade de São Paulo; [2] em evento com lideranças da Zona Leste

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Imagens de uma Vida [1]

[2]

[3]

[4]

[5]

[1] atividade na creche Francisco A. Ferreira; [2] alunos do curso de tipografia criado e mantido pela paróquia onde Dom José era pároco; [3] evento com danças folclóricas; [4] a 1ª romaria a Aparecida [5] o coral Anchieta em apresentação regida pelo maestro Luiz Unzueta; 89


A fé pela obra [1] [1] com Dom Bruno; [2] cardeal Rossi; [3] com Dom Angélico e Pe. Júlio Campo; [4] com Dom Fernando Legal em visita da Adveniat da Alemanha; [5] D. Paulo Evaristo Arns; [6] construção de viaduto em Guaianases fomentada pelo labor de Dom José

[2]

[4]

[6]

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[3]

[5]


Imagens de uma Vida [1]

[2]

[1] a igreja de São Benedito na década de 80; [2] acompanhando as obras do coro

[3]

da igreja com o Pe. Narcizo; [3] em missa com religiosos; [4] na escola diocesana Virgem do Pillar com Hélio de Medeiros; [5] com o Pe. Iñaki Etxezarraga em viagem [6] almoço beneficente na Cúria de São Miguel Paulista;

[4]

[5]

[6]

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A fé pela obra

[1]

[3]

[2]

[4]

[5] [1] a catedral de São Miguel Arcanjo em São Miguel Paulista; [2] construção da Cúria do secretariado; [3] a catedral e a Cúria ao lado com salas para catequese e secretariado; [4] construção do seminário em São Miguel; [5] em encontro de despedida para Presidente Prudente com a comunidade de São Miguel e Juan Zumalde ao centro

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Imagens de uma Vida

[1]

[1] imagens da missa de ordenação de bispo na catedral de São Miguel; [2] visita Ad Limina - Roma 2002 com João Paulo II; [3] com Pe. Jurandir [2]

na Paróquia de São José em Álvares Machado, diocese de Presidente Prudente [3]

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A fé pela obra

[1] missa de ordenação de bispo em Presidente Prudente; [2] Cúria diocesana e sede da rádio; [3] reforma da casa [1]

de encontros em Martinópolis

[2]

[3]

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Imagens de uma Vida [1]

[1] em evento de apoio ao assentamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Pontal do Paranapanema; [2] missa ao ar livre no perĂ­metro de Presidente Prudente; [3] com Dom Agostinho; [4] jovens durante evento na casa de encontros

[3]

[2]

[4]

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A fé pela obra [1]

[2]

[3] [1] missa de inauguração da Igreja Santa Mônica; [2] em ação de apoio ao MST; [3] em acampamento; [4] celebração de Missa do Lava-pés na Semana Santa junto com os sem-terra; [5] em atividade da romaria do encontro das águas [4]

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[5]


Capítulo IV | Depoimentos

Depoimentos

A D OM J O S É , C OM C A R I N H O. . . As mensagens dos amigos e companheiros pelos anos de dedicação, amizade e luta do querido Padre José

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A fé pela obra

Veio de longe e habitou entre nós! Dom Angélico Sândalo Bernardino

A humanidade e a Igreja receberam verdadeiro presente de Deus quando, de Victor Camino e de Maria Saracho, nasceu o garoto José María, em Santurce, Viscaya, Espanha. Eu o conheci, vibrante missionário, ardoroso pároco de São Benedito, Guaianases. Viera da distante Bilbao para o Brasil, Arquidiocese de São Paulo, onde fixou sua tenda! Na Região Episcopal, hoje diocese de São Miguel Paulista, sofrida e heroica Zona Leste, periferia da metrópole paulistana, sempre se destacou como vigoroso discípulo missionário de Jesus, entregue, de modo absorvente, à causa do Reino de Deus, feito de justiça, amor e paz. Em palavras e gestos, Dom José María Liborio Camino Saracho, meu irmão e amigo, vive seu lema: “Escolhido para anunciar o Evangelho de Deus” (Rm. 1,1). Homem de PALAVRA e de palavra! Profeta, em sua vida e ministério, marca presença nas periferias humanas e geográficas, optando evangelicamente pelos pobres. Bom pastor, é incentivador das pequenas comunidades eclesiais, misturando-se com o povo. Sacerdote, é o homem de Deus, orante, centralizador da vida na Mesa Eucarística. Aprendiz de Jesus, serve ao próximo, com determinada determinação! Com a Mãe de Jesus em nossa, canto “minha alma engrandece ao Senhor”, por Dom José María, apóstolo na Zona Leste de São Paulo, Bispo Diocesano, agora emérito, de Presidente Prudente, que tem, no coração, a humanidade toda, com destaque às suas duas amadas pátrias: País Basco e Brasil! Dom Angélico Sândalo Bernardino Bispo emérito de Blumenau, Santa Catarina

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Capítulo IV | Depoimentos

“Para Que Nada Se Perca” Dom Fernando Legal, SDB

Vejo com alegria e gratidão a feliz iniciativa de recolher por escrito, “para que nada se perca” (Jo 6,12), do que existe de significado na exemplar vida de Dom José María, para que, vendo as obras realizadas em seu frutuoso ministério, “louvem o vosso Pai que está nos céus”, (Mt 5,16) Ao aceitar o convite de participar dessa iniciativa, sou motivado por razões pessoais de fraternidade e de gratidão decorrentes da nossa comum missão pastoral na diocese de São Miguel Paulista, e pelo compromisso que temos com o Povo de Deus, que deve se beneficiar das boas obras, sobretudo de seus pastores, para crescer na sua vivência cristã. Pensando na vida e no ministério de Dom José María, tenho presente a vida e o ministério do padre, que vivencia, na Igreja e na sociedade, Cristo Sacerdote. O mesmo Jesus, no evangelho de São João, se identifica como o Bom Pastor, “Eu sou o Bom Pastor. O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas” (Jo 10,11), e define nos versículos seguintes os detalhes do relacionamento do Bom Pastor com suas ovelhas, chegando até ao desafio de dar a própria vida por elas. Jesus nos evangelhos, sempre se manifesta como Bom Pastor em tudo o que fazia, como aconteceu nas duas vezes que multiplicou os pães para saciar a fome de uma multidão que há dias o seguia. “...Sinto compaixão dessa multidão. Já faz três dias que estão comigo e não têm nada para comer. Não quero mandá-los embora sem comer, para que não desfaleçam pelo caminho, e alguns vieram de longe. Começou, então a ensinar-lhe muitas coisas e curou os que estavam doentes”. Já era tarde e o lugar deserto quando os discípulos, preocupados com a fome da multidão, pedem a Jesus que libere o povo para que vá em busca de alimento (Mt 14,15), e como resposta recebem de Jesus uma ordem: “Eles não precisam ir embora. Vós mesmos dai-lhes de comer” (Mt 14,16). 99


A fé pela obra

Na impossibilidade dos discípulos de alimentar mais de cinco mil homens com apenas cinco pães e dois peixes, o mesmo Jesus sacia-lhes a fome com a multiplicação dos cinco pães e dois peixes. “Todos comeram e ficaram saciados” (Mt 14,20). Atendendo a Jesus, recolheram ainda doze cestos cheios, dos pedaços que sobraram: “Juntai os pedaços que sobraram, para que nada se perca” (Jo 6,12). A multiplicação dos pães aconteceu quando os apóstolos, ao terem cumprido a missão que Jesus lhes tinha confiado, se reuniram junto dele e, felizes, contaram tudo o que tinham feito e ensinado. Depois de ouvi-los, Jesus carinhosamente os levou de barco para um deserto, para descansar. Ao descer da barca, Jesus viu a enorme multidão carente de pastor, que o tinha seguido por terra e se reunia em sua volta. Então, cheio de compaixão, manifesta seu infinito amor de Pastor com a multiplicação dos pães e dos peixes. Dom José María, ao assumir o sacerdócio em 6 de julho de 1958, se comprometeu de corpo e alma, com a graça de Deus, a seguir o exemplo de Jesus, o Bom Pastor, que, ao ver a multidão que o seguia, “encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas que não têm pastor”. Em sua vida e ministério, Dom José María tem se mostrado fiel e perseverante nesse compromisso de “Pastor fiel, bondoso e firme, zelosamente dedicado ao serviço do Corpo de Cristo, que é a Igreja”. Conheci Dom José María em um primeiro contato que tive com ele, na residência episcopal de Limeira, no início de 1989, ao ser nomeado primeiro Bispo Diocesano de São Miguel Paulista, diocese criada por São João Paulo II, em 15 de março de 1989, com a Bula “Constat Metropolitam Ecclesiam”. Com sua visita, além de cumprimentar-me, vinha conhecer o bispo de sua nova diocese e oferecer-lhe sua solidariedade e fraterna colaboração. Ao assumir a diocese em 28 de maio do mesmo ano, encontrei Dom José María em Guaianases, à frente da Paróquia São Benedito, como seu pároco. Dom José María encontrou inspiração para seu ministério episcopal no 100


Capítulo IV | Depoimentos

início da Carta aos Romanos, em que Paulo se apresenta como “servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo e separado para o evangelho de Deus” (Rm1,1). Esta inspiração remete Dom José María para o relato bíblico que apresenta a vocação de Isaías e Jeremias como uma iniciativa gratuita de Deus, que antecede à concepção deles. E que ainda no seio materno, o Senhor já os conhecia e os formava para que fossem seus servos e consagrando-os, fez deles seus profetas (Is 49,1ss e Jr 1,1ss). O Projeto de Deus para Dom José María também contempla uma iniciativa de Deus, eterna e gratuita, em que o Senhor, desde o seio materno, pois já o conhecia, o chamou e o foi formado para que fosse seu servo e, consagrando-o, fez dele seu profeta para as nações (Is 49,1ss e Jr 1,1ss). Dom José María nasceu em Santurce, Viscaya, Espanha, aos 13 de novembro de 1931. Foi ordenado sacerdote também na Espanha, na diocese de Bilbao, Viscaya em 6 de julho de 1958. Dom José María, depois de exercer o ministério sacerdotal por nove anos na formação dos seminaristas de sua diocese de Bilbao, Espanha, com 36 anos veio para o Brasil, em setembro de 1967, sendo destinado à Paróquia São Benedito, no bairro de Guaianases. Já no Brasil, em 16 de junho de 1999, por ocasião do 10° aniversário da diocese de São Miguel Paulista, foi nomeado, pelo Papa São João Paulo II, Bispo Auxiliar da Diocese e Bispo Diocesano de Presidente Prudente em 20 de fevereiro de 2002, tornando-se Bispo Emérito em 16 de abril de 2008. Eram os anos do Concílio Vaticano II, convocado por São João XXIII, em 25 de dezembro de 1961 e inaugurado em 11 de outubro de 1962, sendo encerrado por Paulo VI em 8 de dezembro de 1965. Tempo pentecostal em que a Igreja, movida pelo Espírito Santo, se renova para ser uma eficiente presença transformadora de Cristo, Deus e Salvador, crucificado e ressuscitado, em um mundo de profundas e contínuas transformações. 101


A fé pela obra

A fraterna convivência dos padres conciliares, durante o Concílio, em Roma, mais de dois mil bispos do mundo inteiro proporcionaram aos pastores da Igreja um conhecimento realista da situação eclesial nos cinco continentes reavivando em todos a responsabilidade comum e de cada um, para com todas as igrejas particulares. Com isto o Concílio incrementou um renovado ardor missionário em toda a Igreja. A Arquidiocese de São Paulo está entre as beneficiadas por esse espírito missionário do Concílio. Pouco antes da abertura do Concílio Vaticano II, em 6 de setembro de 1962, Dom Agnelo Rossi foi nomeado arcebispo de Ribeirão Preto e dois anos depois, em 1° de novembro de 1964, foi transferido para São Paulo. Aqui em São Paulo, pastoralmente preocupado com a falta de sacerdotes, Dom Agnelo recorre à diocese de Bilbao, na Espanha, recebendo uma valiosa ajuda na pessoa de vários sacerdotes, entre eles, o então jovem Pe. José María. Em setembro de 1967, no auge da maturidade e cheio de energia, acalentando sonhos e esperanças, o jovem sacerdote Pe. José María, motivado pelo ardor missionário do Concílio e incentivado por Dom Agnelo, aceita o convite e deixa a pátria, a família, a sua comunidade eclesial, enfim tudo o que tinha e constituía o seu mundo, para assumir o ministério sacerdotal a milhares de quilômetros de distância, em uma realidade desconhecida, diversa e desafiadora, na extrema periferia de São Paulo. Na Arquidiocese de São Paulo e em seguida na diocese de São Miguel Paulista, foi destinado à Paróquia São Benedito, em Guaianases, onde por vinte e três anos, foi o incansável Pastor que, sem medir sacrifício, cuidava, com amor de pai e amigo, da alma e do corpo de seus sofridos paroquianos, carentes de toda sorte de necessidades. Como pároco, atuando em nome da Igreja, que tem como destinatário de sua divina missão a pessoa humana integral, alma e corpo, Dom José María era uma referência não só religiosa como também social. Pároco sempre atento e disponível às necessidades de todo tipo, existentes 102


Capítulo IV | Depoimentos

no momento de inchaço da população em nossa extrema periferia leste, fazia “tudo para todos”. O uso religioso e social dos ambientes paroquiais para o atendimento indiscriminado dos paroquianos, até a condução da paróquia serviam como ambulância para os doentes. Em seu pastoreio as comunidades se multiplicaram, tornando-se hoje novas paróquias, centros vivos de evangelização. Enquanto pároco em Guaianases, também ocupou com competência e dedicação diversos cargos de responsabilidade, em nível regional e diocesano. Em 1990, Dom José foi transferido de Guaianases para São Miguel Paulista, sendo nomeado pároco da Catedral de São Miguel Arcanjo, onde permaneceu até sua nomeação de bispo auxiliar em 16 de junho de 1999. Nossa convivência fraterna, que teve início com a criação da diocese e foi se consolidando em todos esses anos, assume uma nova dimensão com sua nomeação de bispo auxiliar, caracterizada pela partilha solidária em nossa comum missão de pastorear a porção do rebanho do Senhor a nós confiado. Na partilha fraterna e amiga das alegrias e preocupações, enfrentando os desafios inerentes ao pastoreio e uma diocese recém-criada, tive em Dom José María uma importante referência que fez crescer meu conhecimento e admiração pelo seu exemplo de bom Pastor. A partir da tarefa a mim confiada e exemplarmente partilhada por Dom José María, de consolidar uma nova Comunidade Diocesana que nascia na extrema periferia da cidade de São Paulo, consciente de sua identidade de igreja particular, fez nascer entre nós uma amizade que com o tempo foi crescendo, enriquecendo-nos a ambos. Em 20 de fevereiro de 2002, Dom José María é nomeado bispo de Presidente Prudente, depois de trinta e cinco anos vividos entre nós. Quem será capaz de avaliar o quanto somos devedores a Dom José María pelo bem que nos quis e pelo bem que nos fez, em todos esses anos, nas diversas funções que exerceu, nos muitos lugares por onde passou e nas situações desafiadoras que viveu como padre e como bispo? 103


A fé pela obra

Felicitamos Dom José María pelo imenso bem que Deus realizou nele e, através dele, realizou em todos nós. A diocese de São Miguel Paulista é-lhe perenemente agradecida e lhe devota sincera amizade fraterna. Pessoalmente, querido Dom José María, soulhe grato pelos treze anos de fraterna convivência e colaboração no serviço episcopal. Deus lhe pague. Com Maria, a mãe de Jesus, Nossa Senhora da Penha, padroeira da cidade de São Paulo, Dom José María pode cantar a plenos pulmões: “minha alma glorifica ao Senhor, e meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque voltou seus olhos para a pequenez de sua serva”. Dom Fernando Legal, SDB Bispo Emérito de São Miguel Paulista

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Capítulo IV | Depoimentos

Dom josé , padre josé maría, padre josé… zé maria… “zé” Iñaki Etxezarraga

Conheço Dom José há sessenta anos, mas foi somente quando, como educadores e recém-ingressados em Derio, no seminário da nossa diocese de Bilbao (faz já cinquenta e seis anos), começamos a trabalhar juntos é que iniciou-se uma verdadeira amizade. Em princípio, superficial, mas que foi crescendo na medida do nosso desejo de “acertar” na formação daquela turminha de meninos que foram encomendados. A meninada dos três primeiros cursos “rondava” os cento e cinquenta rapazes entre os doze e os quinze anos, cuja formação deveríamos educar em regime de internato. Dura tarefa para a equipe que assumia a “encomenda”. Era eu o mais “veterano”, ordenado padre no curso anterior e com apenas um ano de experiência pastoral. Os outros “componentes” da equipe recém tinham sido ordenados padres, sendo esta a primeira encomenda que enfrentavam. Com medo e insegurança, arriscamos a tarefa, ajudando-nos mutuamente com a constante revisão de nossa atuação. Éramos professores de latim, matemática, geografia, história etc. além de, animadores no tempo livre. Éramos como autênticos escravos do nosso afazer, durante as vinte e quatro horas do dia. José María Camino, mesmo sendo recém-ordenado padre, tinha uma experiência de trabalho no Apostolado do Mar, onde tinha realizado diversas viagens em grandes navios petroleiros até a Arábia e o canal de Suez; mal podia imaginar que estava se preparando para o calor de Presidente Prudente, cidade que naquela hora nem de nome conhecia. Foram oito anos de trabalho e convivência. Tínhamos a certeza de que haveria coisas que faríamos mal. E fizemo-nas, é claro. Mas eis que aqueles meninos de outrora são hoje homens plenos, entre os cinquenta e cinco e os setenta anos de idade; somente alguns deles chegaram a ser padres. A imensa maioria está casada e é pai e avô. Reúnem-se, porém, anualmente os condis105


A fé pela obra

cípulos de outrora, laicos e padres, para passarem um dia juntos, recordando fundamentalmente os anos passados no seminário ao qual mostram-se eternamente gratos. Vários deles apresentam-se com suas esposas; mais de uma reconhece que seu marido não seria o que é hoje se não fosse aquela formação no seminário recebida. Quase sempre fazem questão de convidar alguns de seus antigos professores para participar do encontro e presidir uma Eucaristia em que há sempre uma lembrança expressa dos colegas que descansam já na casa do Pai. Dois daqueles que formaram parte da nossa equipe estão hoje secularizados e são exemplares pais de família. Foram esses anos os que iriam consolidando a nossa amizade: temperamentos bem diferentes – o de José María e o meu - momentos de incomprensão que nos ajudaram a nos conhecer melhor e colocar a nossa amizade acima de tudo. Nossas famílias foram se entrosando até o ponto delas ficarem tranquilas quando, atendendo ao chamado do então cardeal de São Paulo, Dom Agnelo Rossi, tomamos a decisão de pular para o que naquela hora víamos como um “outro mundo”. Foi assim, simplesmente, como chegamos ao nosso “mundo novo” e pisamos em terra brasileira no Rio de Janeiro em um dia 13 de novembro, para celebrar o aniversário do padre José, “brindando com guaraná”. Completava 35 anos e, cheio de vida e entusiasmo para enfrentar uma tarefa que nós dois desconhecíamos. No dia 14 de novembro desembarcávamos em Santos para, no dia seguinte celebrar em São Paulo a comemoração da Proclamação da República. Em Santos, esperava por nós a turminha de padres que vinham trabalhando em Itaquera (Carmo e Sant´Ana), Ermelino Matarazzo, Vila Praia, Ponte Rasa, XV de Novembro, Jundiapeba, Suzano e Mogi das Cruzes. Os nomes de João Zumalde, Mariano Gandarias, os irmãos Inácio e Júlio Campo, Luis Mari Unzueta, José Luis Palacios, Xabier Saenz de Ibarra, José Luis Alava e José Sanz, de serem conhecidos, passaram a ser familiares e amigos, além de colegas de trabalho. Os novos que chegavam éramos: Narciso Abasolo, Santiago 106


Capítulo IV | Depoimentos

Lumbreras, José María Camino e eu, que passaríamos a ser o padre Narciso, o padre Thiago, o padre José e o padre Inhaki. O nosso bispo era na época Dom Bruno Maldaner, um dos auxiliares do cardeal de São Paulo, enquanto em Mogi era bispo Dom Paulo Rolim. Referindo-nos a José María, que passava a ser padre José, preciso dizer que aceitou a responsabilidade de uma paróquia difícil de assumir: Guaianases. O seu predecessor tinha iniciado uma construção gigantesca que somente um decidido e valente ousaria continuar. A paróquia contava com uma pequena gruta, dedicada a São Benedito. A casa paroquial não oferecia as mínimas condições para dois padres (Pe. José e Pe. Narciso) morarem. Botaram mão no trabalho e em meses eles ocuparem a casa, encostada à Igreja de Santa Cruz, deixando assim de se hospedarem na Casa Paroquial de Itaquera, onde tinham sido amávelmente acolhidos pelo Pe. João, vigário na data da Igreja de Nossa Sra. do Carmo. Tinha começado a etapa de construção e, devido às diversas edificações, o padre José passou a ser um “padre edificante”. E saíam à rua, encontravam-se com o povo, que foi conhecendo-os aos poucos. E muitas famílias foram se incorporando ao trabalho deles. E a construção? Como conseguir o monte de dinheiro para cobrir e acabar aquele mastodôntico projeto? Não sabemos de onde, mas tirou-o pouco a pouco. O padre José jamais fez questão de dominar o idioma português nem de se expressar literalmente. Seu jeito de falar naquela época era uma mistura de “portunhol” e “espagués”, mas dava-se a entender muito bem com o povo que, ao conhecê-lo de perto, chegou a amá-lo e admirá-lo. Muitos viraram incondicionais colaboradores e amigos do padre José. Houve alguns – como não - que o acusaram de “amigo dos políticos e da gente de dinheiro”. Foi assim mesmo, certamente. Mas acho que com eles soube ser “a voz dos sem voz” e obteve para o seu povo de Guaianases serviços que estavam realmente precisando: creches para as crianças, ambulâncias para o transporte de doentes ou de mulheres grávidas, alimentação para famílias necessitadas, ajuda a gente despejada e um etc. infindável. 107


A fé pela obra

Despretensiosamente orgulhoso, dá a impressão de ser um “gringo dandy”, que vai pela vida, gabando-se de ser grande e dono de tudo. Sua presença física, um rapaz alto e espigado, um cara bem plantado, ajuda a criar esta imagem que não corresponde à realidade. Tenho motivos demais para testemunhar o que estou falando. Um monte de famílias em Itaquera, Guaianases e São Miguel poderiam ratificá-lo, porque o sentiram bem próximo e eficaz em momentos cruciais de suas vidas. No decorrer dos anos de crescente amizade, tivemos também nossos desencontros por motivos que ambos achávamos legítimos. Ameaçava acabar com uma amizade de anos. Não foi assim, não. O José María tem uma memória de elefante. Lembrase de tudo, sem que o passar dos anos apague ou desfigure o acontecido. Mas com aquela aparência prepotente tem um coração nobre e tenro. Não esquece, mas perdoa. Não esquece e sabe pedir desculpas. Tanto quando sente-se ofendido, como quando ele acha ter ofendido alguém… É esta a sua norma de vida e atuação. Poderá alguém pensar que, dada a minha amizade com ele, é normal que o considere assim. Efetivamente o afeto me faz ver e destacar mais o positivo do que o negativo nas pessoas. É assim mesmo, dado que não se pode amar o que não se conhece, é igualmente verdadeiro que não se pode se conhecer bem o que não se ama. Talvez seja a minha amizade que me ajuda e me leva a conhecê-lo melhor e manifestar-me deste jeito. E o que falar de sua atitude e sua atuação com os padres? Tanto com aqueles que foram chegando para formar parte da nossa turma de padres bascos quanto dos brasileiros que a ele acudiram por motivos vários e em circunstâncias diversas… Não estou falando de sua atuação como vigário-geral ou como Bispo Auxiliar de São Miguel Paulista em época de minha ausência de Itaquera. No que diz respeito aos nossos colegas que optaram por pedir a secularização, cada um deles poderia testemunhar o apoio de todo tipo que do José 108


Capítulo IV | Depoimentos

María receberam. Sua casa de Guaianases estava sempre aberta para quem à sugerência do bispo ou por desejo própio batiam à sua porta. No padre José María encontraram o confidente com quem desabafar, um apoio nas decisões que achavam que deveriam tomar e a segurança que vinha lhes faltando naquelas horas difíceis de suas vidas. Mas isto fica só com Deus e os próprios interessados. A mastodôntica Igreja de São Benedito acabou sendo construída. Hoje estou vendo que ela, dividida em duas alturas, está acolhendo até uma escola profissionalizante em sua planta superior. Outros diversos templos foram construídos em Guaianases, em São Miguel Paulista e, posteriormente, em Presidente Prudente. E isto não se faz sem dinheiro, sem muitíssimo dinheiro. De onde tira ele esse dinheiro, que supera sempre as posibilidades e a generosidade das comunidades? É proverbial e de todos conhecida a intuição, uma espécie de instinto para tudo referente a administração e economia teve sempre o nosso Zé María. Era ainda seminarista quando foi-lhe confiada a “lojinha” do seminário; estava sem vida nenhuma… E após um par de anos entregou-a “pujante”. Não sei de onde ele tira o dinheiro, mas sei em que o emprega e como o administra. Não é estranho que há muitos anos Dom Paulo Evaristo escolheu-o para a equipe de administração da Arquidiocese. Não sei, não… Mas inclino-me a pensar que boa parte da herança da família Camino-Saracho tenha sido investida nos marginalizados, nos sem-terras, em obras assistenciais.., em centros e igrejas do Brasil, tanto em São Paulo como em Presidente Prudente. O Zé Maria que eu conheci e com quem cresci foi passando a ser o padre José, o padre José María e o Dom José María, Bispo Auxiliar, primeiro, de São Miguel Paulista, e Bispo Titular, depois, de Presidente Prudente. Mas não serei eu quem fale deste “senhor bispo”; terá alguém que o faça e gostarei de lê-lo. Estou escrevendo estas linhas hoje, 22 de maio de 2014. Ontem voltou para São Paulo, para poder participar do XXV aniversário da diocese de São Miguel. Esteve somente dezoito dias conosco aqui no País Basco. Visitou seus 109


A fé pela obra

familiares, seus abundantes amigos e muita gente que o têm procurado. Jornalistas o entrevistaram e participou da reunião anual que os seus condiscípulos adiantaram para que ele pudesse estar presente e presidir a Eucaristia em que recordavam aos colegas falecidos (dois deles recentemente). Muito pouco tempo para tanta coisa. Nós, colegas padres, religiosas e leigos que outrora trabalhamos com ele em São Paulo, tivemos ontem a única possibilidade de almoçar com ele um “menu do dia” naquele bate-papo gostoso lembrando a todos vocês e matando saudades. Pouco antes da despedida, disse-me que possivelmente tenha sido esta a sua última viagem a Bilbao. Veio coincidir como o que eu falei para ele ao voltar do Brasil no ano passado: “acho que minhas viagens para o Brasil findaram”. É claro que continuaremos nos encontrando, mas daqui para frente será pelo telefone, ou por Internet e Skype. Uma grande amizade não desaparece nem diminui pela distância. O compromiso com Brasil, que amadureceu nossa amizade e nossas vidas, continuará mantendo a nossa amizade e o amor a esse povo maravilhoso. Jamais deixarei de usar o anel de coco preto que tanta curiosidade suscita no pessoal que me pergunta: “Por que você leva esse anel preto aí?”. E minha resposta não se faz esperar: “Este anel é uma aliança e uma aliança é sempre um compromiso. Este anel é um sacramento do meu compromisso com o Brasil” (E aproveito para comentar o precioso livrinho de Leonardo Boff.) Garanto a vocês que o Zé, Zé Maria, Pe. José, Pe. José María, Dom José foi para sua terra. Ele é brasileiro, mesmo, com passaporte também espanhol. Passou dezoito dias na terra que o viu nascer, mas o coração dele esteve aí com vocês o tempo todo. Eu, entanto, como corintiano no exílio, lanço o meu grito nesta hora difícil para o povo: “Prá frente, Brasil!” Pe. Iñaki Etxezarraga Pároco - País Basco 110


Capítulo IV | Depoimentos

Dom josé maría – evangelizador e administrador nota dez Pe. Rosalvino Moran Viñaio e comunidade salesiana de itaquera

Há alguns anos, nos inícios da década de 1980, tive a grande alegria de conhecer o padre José María, em uma das reuniões dos padres da diocese de São Miguel Paulista. Desde então nos tornamos amigos e, pouco a pouco, fomos descobrindo nossas afinidades: língua, cultura, sacerdócio e missão. Com Dom Angélico formou uma dupla imbatível em defesa da vida, da justiça e da paz. Sempre teve um grande amor ao trabalho, característica herdada de seus pais na longínqua e formosa Espanha. Procurou ser fiel às orientações da Gaudium et Spes (34 ): “O homem que trabalha transforma não somente as coisas e a sociedade, mas se aperfeiçoa a si mesmo”. Desde cedo deixou clara sua opção pelos mais necessitados. Teve uma participação ativa nas comunidades eclesiais de base e nos movimentos populares, espaços privilegiados de leitura orante da Bíblia e de discussões dos problemas inerentes à vida das comunidades. Nelas teve uma atuação extremamente importante e uma presença marcante e enriquecedora na evangelização. Em termos humanos nunca deixou de acolher bem as pessoas, de valorizar o trabalho dos irmãos e de acreditar que o homem é um ser extraordinário, sempre se recupera. É um grande admirador das ações sociais dos Salesianos. É considerado o fundador da Comunidade de Guaianases pelo trabalho realizado nas áreas da Educação, Saúde, Habitação, Infraestrutura e Segurança. Em termos Pastorais, é um pastor zeloso e dedicado em prol do povo de Deus. Não poderia deixar de falar de Dom José María como exímio administrador da diocese de São Miguel, pois foi aí que ele se revelou no dia a dia Padre e Irmão pela sua competência administrativa. Acolhia bem e respeitava as pessoas, características próprias de sua forte personalidade. Agradeço a Deus por ter conhecido Dom José María, ter experimentado o amor que ele tem pela Palavra de Deus, en111


A fé pela obra

fim pela sua espiritualidade que sempre toca o coração das pessoas que dele se aproximam. Para você, Dom José María, meu muito obrigado. Continuemos juntos lutando por uma sociedade mais justa e fraterna. Um grande abraço, meu irmão! Pe. Rosalvino Moran Viñaio e Comunidade Salesiana de Itaquera

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Capítulo IV | Depoimentos

Dom josé na diocese de presidente prudente Pe. Jurandir Severino de Lima

Quando Dom José chegou à diocese de Presidente Prudente, não sabíamos nada a seu respeito, mas havia uma grande expectativa. Tínhamos passado muito tempo com um bispo alinhado a políticos locais e com um discurso conservador. A primeira impressão era de que o novo bispo daria continuidade ao estilo do bispo que estava sucedendo, pois já estava acima dos 70 anos e vinha da capital para o interior. Os seus primeiros dias na diocese trouxeram novos ares para aqueles ambientes acostumados a poucas pessoas. Sentimos que o novo bispo era acessível e queria manter diálogo com os padres. Logo se percebeu que ele gostava de conversar e conseguia juntar pessoas em torno de si. Nas primeiras reuniões com o Clero já percebemos que se tratava de um bispo que gostava de pastoral e queria padres que gostassem de gente. Suas palavras eram motivadoras e cheias de esperança. Neste sentido, ele falou com simplicidade sobre sua trajetória de vida, contou histórias bem peculiares do seu ministério na periferia de São Paulo (Guaianases). Nas primeiras reuniões do Clero já perguntava o que poderia fazer pelos padres e pelo povo da diocese de Presidente Prudente. Lembro-me de que os padres deram sugestões para que conhecesse as paróquias e os padres, bem como os problemas sociais de nossa região marcada por conflitos agrários. Sobre isto ele afirmou que estaria disposto a manter uma aproximação com todos. Com o passar dos meses vimos que havia um grande empenho do novo bispo em cumprir sua promessa de conhecer a realidade em que estava pisando. Sua aproximação com os padres era visível, se mostrando sempre aberto e empático com todos. Com pouco tempo, por sugestão de alguns padres, em uma das reuniões do Clero, foi aprovada a criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da diocese de Presidente Prudente. A aprovação desta pastoral foi um divisor de águas, pois até o momento a atuação de agentes da CPT era 113


A fé pela obra

clandestina e não contava com o apoio do bispo anterior. Dom José María começava a dar passos na direção dos problemas do povo e assumia a missão de trazer esperança para a periferia da diocese. Os padres afinados com uma teologia mais progressista sentiram-se valorizados em seus trabalhos, recuperando uma perspectiva de missão entre os pobres que vinha sendo sufocada por uma estrutura eclesial que era indiferente à realidade agrária. Com Dom José María foi criada a Comissão Pastoral da Terra no final do ano de 2002. Por indicação dos padres eu, Pe. Jurandir, assumi esta Pastoral com a função de coordenar os trabalhos, formar agentes para a nova pastoral, acompanhar reuniões dos movimentos sociais e fazer visitas aos acampamentos sem-terra, que ficavam às margens das rodovias. Este trabalho foi uma ponte importante para o primeiro contato entre Dom José e os marginalizados. Foi este contato com a realidade do Pontal do Paranapanema que o estimulou a fazer reflexões que desinstalavam o Clero e exigia um posicionamento na direção dos pobres. O novo bispo parecia obstinado a conhecer a realidade e não tinha dificuldades em emitir uma opinião sobre os problemas que afetavam o povo e a região do Pontal, considerada a segunda região mais pobre do estado de São Paulo. Em muitas ocasiões estivemos juntos visitando as famílias que se aglomeravam nas rodovias em busca da tão sonhada reforma agrária. Sobre isto gostaria de destacar que Dom José fazia questão de agendar os dias de visitas (as sextas-feiras). Havia disposição e alegria em sair do escritório da Cúria e se dirigir à periferia da diocese para ouvir as famílias que contavam suas histórias de luta. Nesses momentos também gostava de dialogar com lideranças de movimentos sociais. Houve uma empatia geral entre o povo e o bispo. Nestas ocasiões senti que ali estava verdadeiramente o Bom Pastor interessado na vida de suas ovelhas. Dom José María sempre se apresentou como um homem de sabedoria. Estávamos diante de alguém apaixonado pela vida e que sabia falar sobre o ser humano. Sobre o trabalho pastoral, ele era enfático em suas palavras: 114


Capítulo IV | Depoimentos

“estamos a serviço do povo” e “nosso salário quem paga é o povo”. Em suas constantes visitas às periferias da diocese, não seguia um horário determinado, saía pela manhã e retornava à tarde, na maioria das vezes almoçava com o povo dos acampamentos sem-terra. Suas impressões sobre a vida de centenas de famílias vivendo debaixo de lonas e sua capacidade de estar junto dos excluídos somam-se a outras experiências que teve nas periferias de São Paulo, principalmente nos seus primeiros anos de sacerdócio. Após cada visita ficava claro o seu desejo de ajudar. Nunca chegava aos acampamentos de mãos vazias. Em todas as visitas ele levava alimentos para as famílias. Esses alimentos eram frutos de doações que a diocese recebia ou até mesmo da compra efetuada por Dom José com recursos pessoais. De fato, a situação das famílias era precária e sua subsistência era afetada pela falta de trabalho. Em 2003, Dom José repassou para a CPT parte da coleta da Campanha da Fraternidade para ajudar idosos nos acampamentos e assentamentos da diocese. Nestas ocasiões de visitas ele não se apresentava como um bispo, mas como um amigo que gostava de ouvir as histórias de cada um. Fazia questão de sentar-se nos barracos e tomar um bom café. As pessoas gostavam também de ouvi-lo, pois ele sempre elogiava quem estava na luta por um pedaço de terra. Em seus bolsos sempre tinha umas “balinhas” para as crianças que o acompanhavam durante sua visita ao acampamento sem-terra. Dom José tem muito carinho pelas crianças e, nos ambientes de acampamentos sem-terra, se deparava com várias situações. Ele é um bispo carinhoso e sempre perguntava se estudavam, se precisavam de algo. Em alguns momentos sentia-se tão perto deste povo que não recusava nada o que lhe ofereciam para comer. Também não se recusava a usar um boné vermelho do MST. Em suas visitas sempre tomava a iniciativa de rezar o Pai-Nosso com o povo. Dom José sempre gostou de dialogar com as lideranças dos movimentos sociais. Eram na maioria jovens e cheios de sonhos. Parecia que tudo isso 115


A fé pela obra

contagiava o bispo. Certamente ele estava feliz em ver que apesar da pobreza havia uma utopia bonita na vida desses jovens. Ele os animava a não desistir da luta. Ali o bispo também descobriu a presença de vários agentes de pastoral, que o cercavam para conversar e o parabenizar por estar perto do povo. Sua aproximação com este segmento da sociedade era uma via de duas mãos. Se por um lado ele se aproximava destas famílias marginalizadas, por outro deixava sempre aberta a porta de seu escritório para recebê-los a qualquer hora que necessitassem. Não era difícil ver representantes de movimentos sociais na Cúria Diocesana de Presidente Prudente. Dom José é um bispo que sabe onde está pisando e tem coragem de dialogar com autoridades, fazendo-lhes questionamentos sobre a vida e sobre justiça. Sua atuação a favor dos movimentos sociais que lutam pela reforma agrária em detrimento dos “grileiros” (fazendeiros que ocupam terras públicas de forma irregular) logo o promoveu a Bispo Responsável pela Comissão Pastoral da Terra do Estado de São Paulo no ano de 2003. A partir daí passou a reunir-se frequentemente com as equipes da CPT do estado, ajudando a pensar as ações desta pastoral e assumindo também a missão de revitalizar as Romarias da Terra e das Águas que acontecem anualmente no estado. Neste ínterim passou a frequentar diversas reuniões e a tomar conhecimento de outros problemas sociais que afetam o estado. Na diocese de Presidente Prudente foi ele quem motivou a criação da Romaria Diocesana da Terra e das Águas, que no ano de 2013 chegou à sua 8ª edição. As romarias da diocese têm por objetivo geral celebrar a luta pela terra e como objetivo específico valorizar os assentamentos e refletir problemas da realidade. Em sua atuação na diocese de Presidente Prudente, teve muita relevância a publicação de um manifesto contra o Projeto de Lei 578/2007 de autoria do governador. Este manifesto teve grande repercussão no estado e associado a outras manifestações contrárias coibiram a aprovação deste Projeto de Lei que beneficia fazendeiros com a “regularização de terras griladas, acima de 500 hectares”. 116


Capítulo IV | Depoimentos

A fama do Pontal do Paranapanema como uma região de conflitos é grande. Entretanto, quando Dom José recebia visitas de amigos de São Paulo ou do País Basco fazia questão de levá-los a estes lugares tão depreciados pela imprensa. Sua intenção era valorizar a luta pela reforma agrária. Era perceptível a alegria que Dom José causava no povo e a intimidade com que tratava muitas pessoas dos acampamentos sem-terra. A diocese possui mais de cem assentamentos e é uma realidade desafiadora. São mais de seis mil famílias no campo que precisam de um atendimento pastoral diferenciado. Dom José não foi insensível a esta realidade. Ao contrário, logo convocou duas freiras e um monsenhor para iniciar um projeto missionário no meio do povo assentado ou acampado. A diocese colocou os seus olhos sobre a periferia e quis dar respostas concretas à evangelização do campo. Monsenhor Mauro, Irmã Ângela e Irmã Luzinete ficaram responsáveis por levar adiante o projeto de marcar presença nestas comunidades rurais, bem como dar formação e celebrar sacramentos onde for necessário. Dom José foi um entusiasta e mentor da missão junto ao homem do campo e frequentemente ia se encontrar com esta equipe missionária que tinha sua casa em Teodoro Sampaio-SP. Esta atitude do bispo fez com que muitos padres começassem a se interessar mais pelos assentamentos, fomentando a criação de novas comunidades e capelas. Sobre este projeto Dom José sempre esteve por perto e disposto a subsidiar o trabalho. Lembro-me de várias reuniões que aconteceram em Teodoro Sampaio e em Presidente Prudente para fortalecer o projeto missionário. Dom José María tem um espírito jovem, dedicado a conhecer sempre mais o que se apresentava como novo. Seu interesse em conhecer pessoas o tornava alguém sempre motivado. Parecia que queria ajudar todos que o procuravam, em especial os excluídos. Ele foi o primeiro bispo de Presidente Prudente a abrir as portas da catedral para uma marcha do MST. Ele certamente queria afirmar com este gesto que a Igreja pertence ao povo e que a Igreja deve estar junto com a luta do povo, mesmo que isto possa gerar conflitos. 117


A fé pela obra

Outro gesto significativo de Dom José aconteceu durante a Semana Santa. Durante o dia, na terça-feira da Semana Santa, na praça da Catedral de Presidente Prudente, ele lavou os pés de integrantes do MST. Este acontecimento teve um alcance nacional, com direito a críticas e apoio ao significado do lava-pés de um sem-terra. Quem visitá-lo em casa poderá ver na parede de seu escritório a foto deste fato. Para quem o interroga ele comenta com carinho o gesto que fez. Toda a trajetória de Dom José na diocese de Presidente Prudente valeu-lhe muitas inimizades por parte de quem detém o poder. Várias pessoas o criticaram por causa de sua postura e defesa dos pobres. Certamente sentiam-se forçados a rever sua prática de fé e suas opções frente ao evangelho libertador que Dom José pregava. Em muitas ocasiões Dom José procurou dialogar com as autoridades. Buscou conversar com políticos, promotores e juízes sobre a situação agrária do Pontal. Dom José parecia que não tinha medo de se expor. Em muitas ocasiões dava entrevistas para esclarecer pontos da doutrina social da Igreja e sua opção pelos pobres. Os jornalistas eram ávidos em ouvi-lo, pois sua mensagem era clara e objetiva e tocava problemas reais da região. Para o bispo era “preciso acordar as consciências” sobre o problema agrário na região. Ao mesmo tempo em que demonstrava seriedade e serenidade em suas palavras, ele estava inserido nos acontecimentos locais e regionais. Não havia nenhum problema para ele misturar-se com o povo e participar de suas festas e liturgias inculturadas da região. Tudo em seu caminho era uma novidade que experimentava com alegria e muita fé. Quando se tornou “a voz dos pobres” e com poder de convencimento no Pontal do Paranapanema, percorrendo outros lugares do estado de São Paulo, juntando-se a celebrações e ações de luta pela terra, vieram-lhe alguns infortúnios. Durante seu pastoreio, houve fortes ataques à sua postura através da imprensa, promovidos principalmente pela UDR (União Democrática Ruralista). Também sofreu vários ataques através das redes sociais que lhe 118


Capítulo IV | Depoimentos

valeram uma carta de apoio dos padres da diocese de Presidente Prudente (2008) e dos bispos do Sub-Regional de Botucatu (2008). Pe. Jurandir Severino de Lima Pároco da Paróquia São José de Álvares Machado – SP Diocese de Presidente Prudente - SP Coordenador Diocesano da Comissão Pastoral da Terra CPT

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Pe. Paulo Valeriano de Souza Desde sua chegada à nossa diocese, Dom José mostrou-se Pastor-Profeta nas situações mais gritantes deste chão. Optou pelos últimos que há muitos anos não eram devidamente ‘nomeados’ por outros bispos que aqui passaram. Ele realizou com ações e palavras, rupturas significativas com a sociedade ultraconservadora da região. Tornou-se voz dos esquecidos e marginalizados. Sua missão episcopal de proximidade, justiça e verdade foi para mim motivo de confirmação no ministério sacerdotal. Dom José foi-me muito solícito em acolher e promover o necessário ante os desafios dos primeiros anos de ministério. Confiou-me a economia do Seminário Diocesano Nossa Senhora Mãe da Igreja em Presidente Prudente e condições para realizar uma ampla reforma no mesmo e na Casa de encontro da diocese, muito dinheiro foi investido. A visão empreendedora é uma das qualidades de Dom José. O anúncio de Jesus Cristo, realizado por Dom José, sempre foi comprometido e libertador. Sou agradecido a Deus pela vida e ministério de Dom José. Seu ministério apostólico foi curto, mas deixou sinais proféticos significativos no meio do Povo de Deus desta Diocese. Pe. Paulo Valeriano de Souza Pároco da Paróquia Santa Luzia de Presidente Prudente - SP

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Capítulo IV | Depoimentos

Algumas palavras sobre dom josé maría Monsenhor Mauro Laércio Magro

Sou Mauro Laércio Magro, natural de Presidente Prudente, nascido no dia 8 de agosto de 1960, tenho 53 anos, fui ordenado diácono no dia 13 de maio de 1984, e ordenado sacerdote no dia 27 de setembro de 1985, e no dia 9 de março de 2008 recebi o título de monsenhor a pedido de D. José María Liborio Camino Saracho. Ouvi falar de D. José quando da sua nomeação, no encontro nacional de presbíteros pelos padres da diocese de São Miguel Paulista, Pe. Pietro Bom e Pe. Jefferson. Eles me diziam do presente que a diocese de Presidente Prudente ia receber com a chegada de D. José. Fiquei muito contente e alegre com a notícia, iríamos iniciar um tempo novo... Eles tinham razão: homem de Deus e homem dos pobres, um verdadeiro pastor, como nos fala Jesus. Com a chegada de D. José na diocese de Presidente Prudente, tudo ficou diferente. A forma carinhosa como ele nos acolheu, sua honestidade, sua transparência, seu trato com os padres e seu jeito de administrar olhando os mais necessitados. Na posse de D. José na catedral de Presidente Prudente, São Sebastião, tive a missão, como representante do Clero, de oferecer as boas-vindas a D. José, em nome do Clero Diocesano. Fiz na ocasião algumas referências à realidade da diocese de Presidente Prudente, sobretudo a social e a religiosa. Referi-me aos assentamentos e aos acampamentos e sua situação de abandono por parte da Igreja, que, na administração anterior havia abandonado os pobres, e a escolha feita pelos ricos e pelo dinheiro era clara. Alguns ricos eram mais importantes do que os próprios padres, que são, ou deveriam ser, os braços fortes do epíscopo, que tem a missão de enxergar em todas as direções. Mas, na nossa realidade, a visão era só na direção do dinheiro e de suas vantagens pessoais. Os pobres, dizia 121


A fé pela obra

a D. José, estão abandonados, e seu sofrimento grita aos céus. Precisamos ter mais presença da Igreja. A igreja fez a opção preferencial pelos pobres, mas aqui está do lado dos ricos. A Igreja fez a opção pelos jovens e os abandonou, neste tempo em que se exige mais atenção. O número de famílias que vivem debaixo da lona, sonhando com um pedaço de terra é grande e a Igreja precisa estar junto deles, pois lá tem crianças, adolescentes, jovens, pais, mães e pessoas idosas. Lá está o povo de Deus. Refleti que na diocese havia as Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs, que são o jeito novo de ser Igreja, onde todos são acolhidos, que precisa do apoio do Pastor. O anterior não acreditava nas Comunidades Eclesiais de Base. Seja bem-vindo entre nós. Hoje está nascendo a esperança na nossa diocese. Precisamos de um fôlego a mais para continuarmos caminhando. A presença de D. José devolveu a esperança de continuarmos nossa caminhada. Em 2002 fui conhecer de perto a Paróquia Nossa Senhora dos Navegantes, em Rosana, às margens do Paranazão e do Rio Paranapanema a pedido de D. José, onde por três anos e meio pude conhecer de perto a realidade dos assentados e acampados, seus sofrimentos e sua lutas pela causa da reforma agrária. Encontrei muitas famílias abandonadas e passando necessidades básicas, e pude ajudá-las juntos com os leigos da Paróquia. Semanalmente, estávamos presentes junto aos assentados e acampados. Foi a partir daí que surgiu o projeto missionário do Pontal, junto com religiosas da Congregação das irmãs de Santana. Presença religiosa junto aos acampados e assentados. Pudemos colher muitos frutos. As atividades e os custos do projeto bancados pela diocese, apoiado por D. José. Tomando conhecimento da realidade social e econômica, D. José não ficava 15 dias sem fazer uma visita e levar mantimentos e solidariedade para esses nossos irmãos. A presença de D. José nos grandes eventos do movimento popular e nos movimentos religiosos, como as romarias, e seu posicionamento na imprensa mudaram radicalmente o perfil da Igreja Diocesana. A Igreja tinha agora alguém para defender os pobres, como sucessor de Pedro. Sua opção pelos pobres e sua defesa dos excluídos e marginalizados passsaram a ser a voz profética do Pontal. 122


Capítulo IV | Depoimentos

Homem de Deus, simples no seu jeito de ser, companheiro de caminhada, defensor dos padres e dos pobres, como ensinou Jesus Cristo. Homem de visão e grande administrador, D. José vê o futuro. Olhando suas obras, podemos perceber tudo isso. Ele sempre dizia que o que temos enquanto diocese deve ser repartido entre todos. A imagem da caixa d’água. É preciso que ela seja esvaziada, mas é preciso repor a água, para que as obras e os projetos de evangelização aconteçam. Por que guardar dinheiro que é de todos para enriquecer o sistema financeiro? Esta atitude de D. José ficou clara e muitas paróquias se beneficiaram. As obras puderam ser terminadas e as atividades religiosas puderam iniciar, como a Paróquia São Lucas. Que saudade dos encontros fraternos, em que podíamos conversar livremente sobre nossas vidas, nossas angústias, nossos sofrimentos, nestes anos difíceis que vivemos. Como é bom ser bem tratado. O apoio e o incentivo nos encontros de pastoral, assembleia, colegiado e fórum das pastorais sociais. O planejamento pastoral trouxe ânimo, sobretudo com os leigos liberados, junto com o coordenador de pastoral, e a confecção dos subsídios, com o rosto da diocese, digo, sua realidade de Pontal. Nós não sabíamos o que era o papel do coordenador de pastoral, pois, nestes anos todos, tudo estava nas mãos do bispo. Só tenho a agradecer o testemunho profético deste Pastor, representante legítimo dos apóstolos, presença de Pedro, pelo seu testemunho entre nós. Nosso muito obrigado por ter acreditado e ter se disponibilizado como missionário a sair de um grande centro e vir armar sua tenda, sua barraca de lona preta, entre nós, aqui no Pontal do Paranapanema, interior do estado de São Paulo, divisa com Paraná e Mato Grosso, às margens do Paranazão e Paranapanema, diocese de Presidente Prudente. Nosso muito obrigado! Monsenhor Mauro Laércio Magro Pároco da Paróquia São Lucas em Presidente Prudente – SP 123


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O bom pastor

Pe. Álvaro Ribeiro Cruz “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância. Eu sou o bom Pastor. O bom Pastor dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10,10b-11). Com a chegada de Dom José, a diocese de Presidente Prudente se encheu de entusiasmo, pois ele trouxe em sua bagagem de Pastor a humildade, a doação de si mesmo e um amor sem igual aos menos favorecidos. Dom José tem um carinho muito especial não só com as pessoas mais simples mas para com todos. Ele é alguém franco e com um sorriso muito fácil, capaz de envolver a todos como seu carisma de Pastor. Seu olhar é atencioso e nos lembra de como deve ser o olhar do Pastor de verdade. Sua atitude é de carregar a ovelha ferida e sustentar a enfraquecida, de chorar com os que choram e de sorrir com os que sorriem. Em uma diocese onde os desafios pastorais são enormes, como a questão agrária, a questão universitária e a questão penitenciária, soube como ninguém dialogar com todos os seguimentos da sociedade, trazendo a verdade do Evangelho. Por isto, muitas vezes foi incompreendido e algumas vezes ameaçado. Entretanto, soube, com muita caridade pastoral e muita oração e desprendimento, fazer a verdade do Evangelho ecoar. Em nossa diocese foram seis anos de um pastoreio frutuoso, por que nos encheu de esperança e ânimo para continuar lutando pelo Reino de Deus e sua Justiça. Por isso, como o Apóstolo Paulo, ele pode dizer com propriedade: “Combati o bom combate, terminei a corrida, conservei a fé” (2 Tm 4,7). Padre Álvaro Ribeiro Cruz Pároco da Paróquia Santa Teresinha, de Marabá Paulista - SP

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Capítulo IV | Depoimentos

Pe. Pedro Nilton Guarinão Dom José María, homem e Pastor, de acolhida e diálogo com todos, especialmente com os pobres e excluídos na Igreja e na sociedade. Voz profética que grita e clama por direito e justiça aos sem-terra, empobrecidos e excluídos do Pontal do Paranapanema. Essa voz faz-se ecoar no presbitério, nas homilias, na mídia e junto às autoridades constituídas. Ao assumir o projeto missionário junto aos acampamentos e assentamentos de trabalhadores rurais, fez da Igreja mais mãe e misericordiosa diante de tanto sofrimento e indiferença à dor a esses filhos e filhas. Agradeço a Deus a preciosa oportunidade de trabalhar junto e ao lado de Dom José como Coordenador Diocesano de Pastoral. Ele é homem e Pastor sábio, prático, de visão na ação pastoral e evangelizadora neste tempo de mudança de época. Na ação pastoral, como Bispo Diocesano, acreditou, articulou e fortaleceu os organismos diocesanos: Assembleia do Colegiado de Pastoral, Conselho Diocesano de Pastoral, Equipe Diocesana de Pastoral com lideranças leigas liberadas e deu voz e vez ao protagonismo do laicato. Investiu recursos humanos e financeiros para construir estruturas físicas a fim de organizar as pastorais e serviços diocesanos, formação de liderança, espaços de encontros e lazer para o clero e as comunidades paroquiais acreditando sempre na fraternidade cristã. Servo de Deus e homem da caridade fraterna junto ao povo e o presbitério que lhe foi confiado. Pastor, amigo e irmão. Pe. Pedro Nilton Guarinão Pároco da Paróquia São Paulo Apóstolo, de Presidente Prudente

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Pe. Jurandir Severino de Lima Conheci Dom José no meu segundo ano de sacerdócio e nesse tempo tive a alegria de conviver de perto com um bispo simples, acolhedor, corajoso, dinâmico e cheio de esperança. Ele trouxe alegria e novos ares para a diocese de Presidente Prudente. Sua amizade fortaleceu o meu ministério e me fez ver o sacerdócio com outros olhos. Vejo nele a imagem do Bom Pastor que se interessa pela vida das ovelhas. Em nossa diocese teve sabedoria para identificar as necessidades do rebanho, sensibilidade para compreender suas inquietações, coragem para afugentar os lobos e entusiasmo para revelar o Reino de Deus. Dom José é um grande missionário, apaixonado pela vida, que se aventura em conhecer a realidade que está pisando. Sua presença no meio do povo é sempre de alegria e motivação para aqueles que buscam palavras de conforto e de esperança. Suas pregações são questionadoras e nos fazem repensar a vida e a nossa postura diante de realidades tão injustas. Seu trabalho pastoral e de luta junto aos trabalhadores rurais foi sua marca. Tive a sorte de ser nomeado por ele para coordenar a Comissão Pastoral da Terra na diocese e presenciar sua atuação amorosa na periferia. Juntos fizemos muitas visitas em acampamentos dos sem-terra e assentamentos da reforma agrária que se tornaram uma verdadeira peregrinação, ocasião de conversão em que descobrimos o rosto de Cristo nos marginalizados. No Pontal do Paranapanema, Dom José viveu a alegria do serviço, tal qual o Senhor Jesus ensina no gesto do lava-pés. Renunciou a si mesmo para promover a vida daqueles que são os filhos prediletos do Pai. Sentiu também o peso da Cruz de Cristo em vários momentos, mas não se deixou abater. Dom José é um homem de Deus. Pe. Jurandir Severino de Lima Pároco da Paróquia São José Alvares Machado, de Presidente Prudente

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Capítulo IV | Depoimentos

Aurelino Soares de Andrade São Miguel Paulista também quer deixar registrada a passagem de Dom José pela comunidade. Eu, como político de longa data, o conheci em 1970 e a partir daí só me lembro de muito trabalho. Devido à grande atuação de Dom José nos projetos sociais, o então prefeito de São Paulo, Dr. Reinaldo de Barros, exibiu a planta do viaduto de Guaianases na casa paroquial de Santa Cruz, em atenção à sua liderança religiosa e politizada. Em São Miguel tenho que destacar a reforma da catedral, da casa do bispo, da gráfica e dos escritórios. Depois vieram as construções do Centro de Repouso São José Pedro Soares e o prédio do seminário. Durante todos esses anos de trabalho dedicados ao bem-estar dos menos favorecidos, a atuação de Dom José causou admiração pela persistência, coragem e trabalho ininterruptos no afã de ver concluídas as obras tão sonhadas por ele. Quero deixar registrado o traço de caráter que mais admirei durante todo nosso tempo de trabalho político-social: nunca o vi exaltado diante da situação mais estressante, ele nunca alterava a voz. Sempre afirmava seu ponto de vista com clareza e tranquilidade. Atitude própria de homens sábios. Agradeço a oportunidade por poder registrar minha admiração e respeito por tão grande amigo. Aurelino Soares de Andrade ex-vereador de São Paulo

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A fé pela obra

Ecy fonseca diorio Minhas lembranças de uma pessoa que sempre admirei, me ajudou, me ensinou e me incentivou em vinte e três anos de convivência. Seu lema de vida “quem não vive para servir não serve para viver” me deu ânimo e coragem para servir minha família e servir a Igreja. Quando ele chegou à nossa paróquia estávamos fazendo a campanha para cobrir a Igreja São Benedito, e ele logo começou com as obras, reformou Santa Cruz e foi construindo igrejas, salões, creches. Nós tínhamos aula de catequese todos os sábados, reuniões do conselho, ministérios, liturgia bíblica. Ele sempre esteve presente e participava de tudo. Um dia depois de muitos anos de convivência, falei que ele seria bispo. Deu muita risada e daquele jeito falou “imagine eu bispo”. Logo no começo, quando chegou em Guaianases, ele comprou um jipe e ia toda semana acudir os pobres do Barro Branco, lugar sem nenhum recurso, hoje é bem povoado. As irmãs iam com ele, principalmente Irmã Paz que era enfermeira. Era tudo muito simples, mas ele gostava do que fazia. Ajudou muitas crianças abrindo creches com convênio com a prefeitura, OSEM e escolas. Ele foi aqui em Guaianases um padre empreendedor, que só ajudou a comunidade e o bairro a crescer. Se nós temos hospital, viaduto, creches, escolas, mercado municipal, bibliotecas etc., foi porque ele nos ensinou a lutar pelos nossos direitos, mas também nos mostrou que temos deveres, principalmente de nunca cruzarmos os braços. E assim tivemos vinte e três anos um sacerdote com coragem para assumir e trabalhar para o crescimento de uma comunidade. Que Deus o abençoe, nosso querido D. José María Camino Sarracho. Ah! Também tive muitas brigas com ele, pois ele sempre foi teimoso e eu também sou. 128


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Ontem / hoje / amanhã Elenir Calabrez

Ontem, ainda criança conheci um “padre”, pois ia fazer minha Primeira Comunhão. Foi meu primeiro contato com o padre José María, ao frequentar as aulas de catequese para aprender com ele o significado da religião católica, Ave-Maria, Pai-Nosso, Creio em Deus Pai, os Dez Mandamentos, os valores da nossa fé, amor, perdão, respeito e compaixão ao próximo. Devo confessar que tive medo, era tudo desconhecido pra mim e ele, “O Padre José”, com sua paciência e sotaque espanhol, me conquistou. Com minha mãe passei a frequentar as missas depois de receber a minha primeira comunhão e celebrar a vida de Cristo através da sua benção. Ainda não sabia que ele se tornaria uma figura tão importante e especial em nossas vidas. Lembro-me das procissões em Guaianases percorrendo as ruas com famílias inteiras orando, levando velas acesas e sendo guiados pelo padre José até a Igreja São Benedito. Eu representava um dos anjos entre tantos que ali estavam para encher de orgulho minha mãe Victoria e meu pai Newton. Foi, e é, um homem que dedicou a vida ao próximo, sempre acreditando e trabalhando por eles. Na verdade não saberia enumerar quantas famílias, jovens e crianças ele ajudou, não só com caridades, mas ensinando profissões, em salas de aulas, na Igreja São Benedito e outras paróquias em Guaianases. Comprou máquina para lapidar vidros, essa eu lembro bem porque meu filho do meio, o Rodrigo, só comia sopinhas industrializadas e nós guardávamos todos os potes e doávamos para os jovens transformá-los em copos. Criou creches para as crianças, promovia encontro de jovens, de casais, sempre participando ativamente em cada um deles. Amigo de todos sem se importar com a classe social da pessoa, para ele o importante sempre foi o caráter e a honestidade, que contavam em primeiro lugar. Ontem ainda, em um momento de grande tristeza para minha família 129


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com a morte súbita e trágica do meu irmão Evaldo Calabrez, que na época contava com apenas 20 (vinte) anos, em um acidente de carro na noite do dia 31/12/1970. Padre José María veio à nossa casa para nos trazer conforto em uma hora de grande tristeza, e por dias e meses ele retornou para com suas palavras aliviar o coração de meus pais e da família que perdeu o chão. Foi a partir desse momento que se tornou uma das pessoas mais importantes e próximas de nós. Essa amizade se fortaleceu dia a dia, e pudemos, assim, conhecer o grande homem que ele era. Meus pais Newton e Victoria Calabrez, apreciadores dos feitos do amigo com a comunidade de Guaianases, passaram a fornecer leite e pão para as creches que padre José María mantinha com doações. Lembro-me bem de quando reformou a Igreja São Benedito com a ajuda de pessoas da região que nele sempre acreditavam, e de seus esforços para conseguir doações de outros países mais ricos para ajudar uma comunidade tão carente, em um país ainda subdesenvolvido como então era o nosso. “Padre José”, como gostamos de chamá-lo, teve uma participação muito importante na minha vida. Como a morte do meu irmão me deixou muito abalada, e sem um amigo que pudesse confiar, foi nesse momento que ele, como ouvinte e conselheiro, me ajudou muito nas horas difíceis e de muitos conflitos, que com certeza ainda estão em nossas memórias. Tivemos muitos momentos felizes também. Ele me ajudou a organizar junto com um amigo de meu pai na época a missa e a festa para comemorarmos as Bodas de Prata de meus pais. Celebrou meu casamento e, no meio da cerimônia, deu-me, por assim dizer, um puxão de orelhas pelo atraso de uma hora. Realizou os batizados de meus três filhos, Newton Carlos, Rodrigo e Kálinka, momentos muito importantes para nossa família. Lembranças que são inúmeras, com meus pais, Cosme, eu e as crianças sentadas ao redor da mesa, saboreando a canja que ele tanto gosta com a torta de batatas e ovos, preparada por minha mãe, “Dona Victoria”, da maneira que se faz no país de 130


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origem dele, Espanha, e a qual eu tento fazer até hoje, e ele sempre diz: está boa, mas igual a que sua mãe fazia... Falta aprender mais um pouquinho, e aí rimos todos juntos. Lembranças da chácara de Ferraz de Vasconcelos onde ele tinha imenso prazer em ver as crianças brincado ao ar livre, curtindo a natureza que ele tanto preservava. O sino que os meninos tocavam e ele dizia: “isso não é para brincar” e dava broncas para logo em seguida rir, sem que as crianças notassem. As longas conversas com meu pai “Nirtão”, como gosta de chamá-lo o amigo sempre presente. O Hoje, em um momento triste, a doença e morte da minha mãe vieram abalar nossa família novamente, e o amigo sempre presente trouxe paz e conforto aos nossos corações. Infelizmente, após quatro anos e meio, veio a falecer meu pai. E o padre José nos deu apoio, carinho, conselhos, paz no coração, porque tínhamos que aprender a seguir em frente. Tivemos a honra de participar da celebração da missa na Catedral de São Miguel onde recebeu o título de Monsenhor (sendo designado, assim, bispo de Presidente Prudente), muitos padres e o bispo Dom Fernando em uma catedral lotada, dentre muitos amigos que ao longo de sua jornada conquistou e ainda conquista. A reforma da Catedral de São Miguel Arcanjo em São Miguel Paulista, a construção do seminário no mesmo bairro, dentre outras que com espírito de construtor inovador deixa a sua marca. O Amanhã, como bispo de Presidente Prudente Dom José María Camino Saracho continuou presente em nossas vidas e aqueles os quais ele nunca esquece. Aposentado mas não afastado, continua trabalhando em prol das comunidades por onde passa. Apesar da distância a presença dele em nossa família continua forte: batizou nosso neto Rodrigo Montano Calabrez, celebrou o casamento do nosso primeiro filho Newton Carlos com a Camila que gerou nosso neto Miguel, a quem ele deu sua bênção também, não com o batismo, pois esse foi batizado em Jacarezinho, Paraná, em uma linda cerimônia, Dom José estava compro131


A fé pela obra

metido em batizar outra criança na mesma data. Com tantos amigos temos que saber dividí-lo. Aqui deixo minhas lembranças e meus sentimentos, que tento expressar em palavras o quanto o respeitamos e o amamos. Obrigada, Dom José María. Obrigada, Liborio Caminho Saracho, por ser nosso amigo Ontem, Hoje e Sempre.

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Capítulo IV | Depoimentos

Cosme Deodato Thadeo Lembro-me de ir a algumas missas celebradas pelo padre José, principalmente as que realizava na Semana Santa. Na construção da Igreja São Benedito, que em dado momento, ainda não possuía telhado, quando ao fim de uma procissão pelas ruas do bairro, adentramos à mesma para observar o Cristo Crucificado, tendo como teto a luz do luar e o céu infinito, enchendo de estrelas nossas visões. Momentos marcantes estes que, acredito, influenciaram toda uma geração, que passou a admirar e a respeitar este jovem padre que acolhia nosso bairro como sua casa, sua missão cristã. Ausentei-me por alguns anos de São Paulo, e quando voltei, lá estava ele, que nunca havia abandonado sua paróquia. Minha primeira visão desta época foi a carreata de automóveis de São Cristóvão, que eram abençoados com água benta, ali mesmo na rua, ao passarem em frente à igreja e pararem para o motorista ouvir as bênçãos e receber o borrifar da água benta no rosto e no carro também. Era uma festa para todos, pois possuir um automóvel a esta época era algo de luxo que poucas famílias tinham o prazer de ter. Passados mais alguns anos, encontrei minha esposa, que era recém-separada, e cuja família possuía um laço muito forte de amizade com o padre José. A princípio a família de minha esposa ficou meio em dúvida sobre esta relação que envolvia muita coisa, como tabu e a aceitação de amigos e parentes a esta nossa situação. Foi quando minha esposa falou: “O padre José vai vir almoçar lá em casa e eu quero que você esteja presente para ouvir dele o que ele pensa deste relacionamento”, mas com a certeza que teria dele o apoio e a bênção tão esperada. No domingo seguinte sentamos os três no sofá da sala e então fui formalmente apresentado ao padre e ele nos alertou que havia três crianças a serem cuidadas e que a responsabilidade era muito grande, pois tanto a Igreja como a sociedade eram contra a dissolução dos casamentos, mas que via em nós, a enredos jovens e a forte relação nossa com os pequenos e que acreditava na formação de uma nova família, baseada 133


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na compreensão, amor e respeito, dando-nos assim a entender que aceitava nossa união. Era o apoio que nos faltava para enfrentar a tudo e a todos, sem medo de errar. Passaram os anos, e o padre José sempre presente às reuniões em casa com meu sogro e sogra, que tinham por ele profunda amizade e respeito, sendo que a recíproca também foi verdadeira. Muitos foram os domingos e alguns fins de ano que tivemos o prazer de recebê-lo em casa, e as crianças ficavam eufóricas com sua presença que, mesmo com o falecimento de dona Victoria e posteriormente do senhor Newton, padre José não deixou de nos agraciar com sua presença e carinho em nosso lar. As crianças se esbaldavam quando iam à chácara que padre José possuía em Ferraz de Vasconcelos. Ali passamos bons e ótimos momentos de descontração e alegria de suas infâncias, quer fossem em churrasco, almoço ou aniversários. E um final de semana, ele nos emprestou a chácara para que nela pernoitássemos juntamente com as crianças e seus coleguinhas. Foi uma noite memorável, dormimos no último andar da casa de três andares, que havia sido recém-reformada, com cheiro forte de madeira, com um frio grande lá fora e um ar de estarmos em um chalé europeu. As crianças jogaram videogame (do padre José) até tarde da noite e dormiram exaustas e satisfeitas. Ali mesmo na chácara comemoramos alguns aniversários das crianças e o do senhor Newton quando este completou sessenta anos, reunido com toda família e amigos especiais. Como esquecer as missas dos jovens às 11h das manhãs de todos os domingos, que tínhamos o prazer de frequentar, quer para as orações, confissões e cânticos, e acima de tudo, como motivo de encontro com os amigos da juventude, que o destino com certeza faria em pouco tempo que ficassem distantes, dado a maturidade que se aproximava e rumos para onde a vida nos levava na formação de nossos próprios lares. Os bailinhos, sempre muito respeitáveis e familiares na “Chácara dos Padres”, no Lageado, eram figuras 134


Capítulo IV | Depoimentos

constantes e marcantes destes eventos. Formávamos aí uma verdadeira família, pela união dos laços da amizade que, sem a permissão e o empreendedorismo do padre José, não teríamos a oportunidade de ter. Os encontros de casais e jovens, que serviam para unir ainda mais a relação entre si, as famílias e amigos, e que fortaleceram e estruturaram muitos lares dissolutos. Costumo falar com certeza que uma das cerimônias litúrgicas que mais gostei e me impressionou foi quando o padre José foi nomeado bispo. Foram cerca de três horas de cerimônia as quais não vimos o tempo passar, dada a intensidade e o cerimonial de bênção e posse da igreja ao padre José, culminando com a presença de tantos amigos e parentes que a Catedral de São Miguel Arcanjo, em São Miguel Paulista, não deu conta de acolher, tal a lotação de pessoas que se fez presente neste dia. A presença constante do padre José, quer nas primeiras comunhões de nossos filhos, casamentos de amigos e depois, dos filhos de amigos e mais recentemente meu filho também, e a qual impressionou com sua oratória e sermão a muitos amigos que não o conheciam ainda, e pelos quais recebemos muitos votos de parabéns pelo padre que celebrou o casamento. Mais recentemente, tivemos a satisfação e bênção de podermos batizar nosso neto Rodrigo com a presença do padre José, que se deslocou de Presidente Prudente para nos agraciar com sua presença no batismo e bênção do neto. Sua presença confortou nas horas derradeiras de dor e falecimento de minha sogra, com a extrema-unção, a qual esta, em seus últimos momentos de vida, se esforçou a participar, sabedora que sua hora havia chegado e aquela era sua última bênção antes de partir. O conforto e presença na hora em que meu sogro repentinamente também partiu. Como não lembrar também das caminhadas, idas e vindas do padre José atrás de donativos e auxílio para a criação de creches e alimentação das crianças carentes. A subdivisão dos espaços da Igreja São Benedito, para acomodar cursos de formação profissional aos jovens. 135


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Com seu jeito firme e certeza dos propósitos a serem alcançados, causou também polêmicas àqueles que eram contrários à mudança e evolução. Dos fatos e tempos em que se ali se detivesse, com certeza não teria alcançado e conquistado o legado que fez construir durante o tempo que esteve em nossa comunidade em São Miguel Paulista e Presidente Prudente. O seu respeito e dignidade para com as pessoas que o procuravam e procuram, pois mesmo longe, é, e será, para todos nós, uma figura marcante, que com sua postura religiosa, moral e ética, conquistou geração após geração, sendo profundamente respeitado e venerado por todos aqueles que tiveram o prazer e a grata satisfação de fazer parte de sua missão sacerdotal. Ao Monsenhor José María, o nosso muito obrigado por deixar-nos fazer parte de sua vida.

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Capítulo IV | Depoimentos

Jorge Sou grato ao Dom José María, que me ensinou o que é amizade, amor, compreender a espiritualidade através dos seus exemplos, da sua generosidade, o desapego, com entusiasmo contagiante e suas excelentes sugestões para formação da minha família e o significado e a responsabilidade cristã. As alegrias da minha vida: 1 – 22.09.79, fez o meu casamento na Igreja São Benedito; igreja totalmente nova, ele como pároco construiu. 2 – 1982, realizou o batismo do meu filho Samuel; foi uma grande festa. 3 – 1986, o batismo de minha filha Maité, nome este sugerido pelo Dom, que em basco significa (“amada”). Agradeço a Deus por ter enviado para Guaianases este querido basco, que me ensinou que é o amor incondicional.

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Carta ao meu grande amigo/irmão “pe. josé”... Rodrigo Calabrez de Freitas

Minha mãe, Elenir Calabrez, me ligou e disse que eu teria a oportunidade de escrever algo que tivesse me marcado sobre o padre José... Eu fiquei muito feliz, emocionado e me senti privilegiado. Durante o tempo que me dediquei a buscar em minhas lembranças esses momentos, percebi que poderia ter-lhe escrito mais vezes, pois as recordações são muitas. Gostaria que soubesse que sempre me emociono muito quando o encontro. A quantidade de lembranças boas são tantas e as saudade de um tempo que infelizmente passou é tão grande que uma noite de jantar regada à eterna tentativa de minha mão em reproduzir a fritada de ovos com batatas e a canja da Dona Victoria nunca serão o suficiente. O fato é que são muitos os momentos em família e entre amigos queridos que talvez não façam sentido ou tampouco remeta às suas lembranças. Digo isso porque são momentos guardados na memória de uma criança de 35 anos de idade... São pequenas passagens narráveis em segundos, mas passagens que marcaram a criança que aqui escreve e que carregará todos esses momentos para sempre em seu coração. Como não me lembrar: do sítio (último andar da casa onde ficava o videogame, chupar cana, o lago, o viveiros dos passarinhos, salão de festa, o gramado, a árvore que eu ora conseguia subir, ora não, a entrada dos carros e os puxões de orelha ou na raiz do cabelo que arrepiava meu corpo inteiro de tanto que doía), das missas de Crisma e Primeira Comunhão (o medo que eu sentia dele me chamar para ler a bíblia como fez algumas vezes com o meu irmão na frente de todos), a generosidade de batizar meu filho e por estar presente na despedida de minha avó... Mas nada superará a lembrança mais forte que tenho (e por mais simples que pareça ser) que é a que meus avós, Newton Calabrez e Victoria Sepulveda, sentados à mesa em casa. Eu nunca conseguirei descrever ou sentir na geração da filha e dos netos. 138


Capítulo IV | Depoimentos

Padre José, poderia escrever muito sobre minhas lembranças, mas entendo que não estamos aqui para falar da minha pessoa! Tenho muito a viver, experimentar, ousar, lutar, empreender e vencer. Só espero que, antes do fim de minha jornada, meu filho possa me olhar e ter a admiração que eu e todos que puderam conviver com o senhor, “meu amigo”, temos por ti! Vida longa, saúde e felicidade ao eterno padre José de Guaianases, de São Miguel e Presidente Prudente!

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Dom josé maría

Maria José Inês Japenino Peixoto O Dom José, para mim, é como o “Universo”! Está sempre em movimento! Este é o aspecto, a virtude, que mais o caracteriza quando penso nele ou o vejo no convívio familiar que sempre tivemos desde sua chegada ao Brasil. Tudo teve início com a primeira creche, que tive a alegria de ajudá-lo a montar. A creche João XXIII. Em nada se parecia com os equipamentos educacionais de hoje (frios e impessoais). As criações de coelhos, as várias árvores frutíferas (castanheira, abacateiro etc.) encantavam a todos que por lá passassem. Nesses quarenta anos de casada eu e meu marido João pudemos estar sempre juntos com o Dom, nos almoços, viagens, aniversários, e a cada momento nossa admiração, carinho e respeito por ele iam se consolidando. Meus pais, Iracema e Juanino o tinham como filho mais velho. O Dom sempre participou como amigo e irmão mais velho, nos orientando em todas as possíveis curvas que a estrada da vida nos surpreendeu. Desde que o Dom chegou a Guaianases, a maior preocupação dele era proporcionar às pessoas da comunidade em geral um meio digno em seus aspectos cultural e social. À disposição para ajudar os que necessitavam de socorro médico, às vezes tarde da noite ou madrugada afora, lá ia ele com a ambulância que havia adquirido tão logo percebeu a carência de meios próprios ou do governo em atender a população. Ainda, Dom José administrou mais duas creches mantidas pela prefeitura (Creche Vicente Matheus e Creche COHAB Prestes Maia). Outro traço marcante de sua personalidade que nós admiramos é o altruísmo, a força que o leva a pedir e distribuir tudo que conseguia (roupas, agasalhos vindos da Europa e maquinários mandados pela Kolping e também a oficina ofertada pela Pró-Vida Instituto de Promoção de Estudos e Pesquisas S/C) montando e mantendo cursos bíblicos, os encontros de casais com Cristo, as festas para angariar fundos para as diversas construções que 140


Capítulo IV | Depoimentos

começaram com a Igreja São Benedito, reforma da Igreja Santa Cruz e a construção de vinte ou mais capelas por todo o bairro de Guaianases e Cidade Tiradentes. Nosso convívio social se resumia ao café da manhã todos os domingos após a missa das oito, na casa da minha mãe (eu ia até lá com as crianças para esperá-lo), os almoços de aniversários e os domingos, quando vários padres e freiras amigas espanholas também participavam. Isto nos tráz muitas saudades. Hoje já estamos vivendo longe do Dom, mas procuramos nos encontrar toda vez que ele vem a São Paulo e também viajamos até Prudente de vez em quando. Nossos filhos, Leandro, Thais e Stela, têm um grande respeito por ele, estão ligados desde a infância, quando foram batizados pelo Dom e todos já estão casados, também com a bênção do Dom. Sentimo-nos privilegiados e gratos ao Pai por nos ter escolhido para caminhar e aprender com o Dom, e não poderia deixar de agradecer aos céus pelo presente inestimável que é a sua companhia.

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Padre josé maría e seus companheiros Rosa Antonietti (in memorian)

Em um clima de expectativa de uma Igreja reformada pós-conciliar, chegaram para missionar no Brasil os padres bascos (1964 e 1966). Pelas suas atitudes demonstraram, logo de início, que reinava em seus corações a vontade trabalhar junto ao povo sofrido na periferia de São Paulo, que, além da pressão de pobreza e falta de saneamento básico, sofria a pressão da ditadura militar. Na região Leste dois foram designados para trabalhar em Itaquera e Guaianases. Nesta última começou seu trabalho o Pe. José María L. Camino Saracho. Uma atitude que demonstrou sua ligação com o povo foi a escolha da primeira reunião na casa de Dona Helena, na Cidade Líder, em 15/11/1966, um dia depois de seu desembarque do navio em Santos-SP, com seus companheiros sacerdotes Iñaki, Narciso e Tiago (outros padres e diversas religiosas chegariam anos depois, para completar o grupo de agentes pastorais na região). Estes companheiros, no dia 13/11, ainda no navio, festejaram o aniversário natalício do Pe. José. Completava 35 anos de idade. Na época, receber visita de padres nas famílias, indicava que algo grave estava acontecendo como: extrema-unção (unção dos enfermos) ou morte. Mas, estes padres vieram sinalizar Ressurreição. Vida e Esperança para nosso povo. Bem rápido, procuraram se inteirar dos espaços físicos das nossas comunidades e se dedicaram a criar outros: CIFA (Comunidade Itaquerense das Famílias Amigas), ACPG (Ação Comunitária Paroquial de Guaianases) e ALFA (Associação Liderense das Famílias Amigas) com intuito de levar avante seu projeto, projeto esse que vinha ao encontro de nossas necessidades mais urgentes. Com sua facilidade de comunicação junto às famílias, com as quais se entrosavam, solicitou recursos humanos, como médicos, advogados, professores, para responder à uma parte de nossas necessidades sociais. Nos espaços adquiridos e criados, foram ministrados cursos profissionalizantes de Torneiro Mecânico, Eletricista, Encanador, Lapidador de Vidros, 142


Capítulo IV | Depoimentos

Ajustador Mecânico, Datilografia, Costura, Artesanatos, além de ensaios de Cânticos Litúrgicos, Cursos de Preparação para o Matrimônio, encontros com Catequistas, Alfabetização de Adultos, Atendimento de Farmácia e até uma quadra de esportes com um campo de bocha para os idosos. Em Itaquera e Guaianases foram criadas cinco creches. Com algumas famílias e entidades, conseguiram um coletivo para conduzir crianças às creches e fazer o seu retorno às famílias, uma ambulância para atendimento das comunidades, onde socorriam mulheres em trabalho de parto e doentes para serem atendidos nos hospitais mais distantes: Hospital São Marcos, em Ferraz de Vasconcelos, Pronto-Socorro de São Miguel, Hospital Santa Marcelina...) além de quatro OSEM (Orientação Sócioeducativa para o Menor), que atendiam o menor carente. Conseguiram também o convênio junto à prefeitura de São Paulo para ajudar na manutenção dessas entidades. Nas reuniões setoriais (Itaquera e Guaianases), reinava um alegre entrosamento entre todos. A Região Leste Dois de São Paulo promovia confraternizações de Natal, Ano-Novo e também Festas Juninas onde se dançava quadrilha e cantava músicas do nosso folclore, sem deixar de lado a apresentação do folclore de outras nacionalidades, inclusive do povo basco. Após muitos anos de dedicação ao povo de Guaianases, Pe. José trabalhou na Cúria junto com Dom Angélico e com Dom Fernando Legal, nomeado vigário da Catedral de São Miguel Arcanjo. Foi sagrado bispo em 1999, como auxiliar da diocese de São Miguel Paulista e, pouco depois, bispo de Presidente Prudente. Como bispo emérito, em pleno vigor ainda, hoje continua com seu olhar velando sobre as necessidades do povo, tornando-o cada vez mais humano, portanto mais cristão. Aos padres e Irmãs bascas, missionários dos Reinos, na nossa Região, que nos mostraram uma nova visão de Igreja, nossa imensa gratidão. Desejamos que o Senhor da Messe continue, com seu Amor, a multiplicar, generosamente os frutos de toda a sua dedicação ao povo da nossa Região.

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Ateu que viu a luz

Juarez Inácio da Costa Naquela tarde fria, porque garoava na Grande São Paulo ou seja no bairro operário de Guaianases, onde passei a minha infância feliz e traquina de filho de operário nordestino das Alagoas, uma figura teatral se destacava no cenário de meu pequeno mundo de fantasias. Eu era neste tempo estudante de um curso de teatro e via tudo e a todos como a peça representada em qualquer palco onde estivesse. Nesse dia o cenário era na nave da Paróquia de São Benedito, o padroeiro do bairro. Sentado confortavelmente a um canto, uma figura de trajes escuros, pele europeia, um tanto já calvo e aos olhos uns óculos escuros de aro dourado observava atentamente ao seu redor, como um juiz em julgamento. Por que eu, simples mortal e leigo, estava ali não sei explicar. Fazíamos com certeza alguma atividade lúdica que as comunidades de base costumam motivar aos seus frequentadores, não sei! Mas o fato é que ali nascera uma semente de uma boa planta que já há vários anos produziu bons frutos e novas sementes de dinamismo, fraternidade. Em suma, iluminação de caminhos para mim e tantas outras pessoas que passaram com certeza por aquele primeiro olhar penetrante e filosófico de quem veio para transformar este universo de seres indecifráveis que somos nós. Como um maestro foi pouco a pouco construindo uma grande orquestra e estendeu sua obra para outros horizontes, pois é sinônimo de transformação. E quem é? É padre José! Que é de Maria! O Dom Liborio Camino Saracho e para muitos José María.... Essa figura enigmática é tão simples como o rústico, tão bela como o rubi, tão frágil como as flores, tão sólido como o diamante e voluntariamente contribuiu em minha trajetória de trabalho e formação política. Pois é no subconsciente que se moldam os humanos! Se assim posso dizer! São fatos que ficam na memória. Não conseguimos descrever como queríamos, mas somos impregnados por essas atitudes ao longo do tempo, nosso parceiro de jornada. Tenho dito. Se não expliquei é porque também vim para confundir. Eu ateu, que crê em ti! 144


Capítulo IV | Depoimentos

Francisca Inácio da Costa Como grande parte dos moradores de Guaianases eu me incluo nos beneficiados conscientes ou não do trabalho social que Dom José exerceu no bairro desde os primeiros dias que ele chegou com seus amigos padres. De início, para localizar os paroquianos, mas em nenhum momento deixou de observar as condições de moradia, água, luz, saúde... Em resumo, condições básicas mínimas de vida. Criou grupo de voluntários para atuar em cada uma das necessidades apontadas. Com a ajuda de padre Narciso convocou jovens da Igreja e pessoas das irmandades, de início cerca de 30 nesse grupo, que inclui a mim, meu irmão e duas irmãs, sendo que até aquele momento nem frequentávamos a igreja por proibição de nosso pai. Por aí dá para perceber o quanto eles inovaram... Mas a influência dele, visto que era o vigário! No primeiro ano fizeram a Primeira Comunhão cerca de 900 crianças e sem a tradicional roupa branca!! Todos de uniforme escolar. Muito teria que contar... Vou tentar resumir e falar da minha convivência com ele (Dom José). Primeiro: ajudou a direcionar o meu entendimento sobre religião católica, o que é importante, o que é crença etc. Depois me a ajudou a fazer escolha de trabalho, o que fazer em questão de estudos, o que era viável e o que era sonho; me ajudou a ser prática! Segundo: me convidou para fazer parte do grupo de jovens que iria administrar a primeira creche de Guaianases em convênio com a prefeitura e eu como diretora; que responsabilidade... Com o treinamento da Secretaria do Bem-Estar Social fomos aos poucos tomando gosto. Após um ano e pouco, estávamos entre as mais bem avaliadas das 16 criadas naquela etapa.... Infelizmente como tudo neste país, os que fazem a coisa direito não são 145


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valorizados, com a mudança de prefeito que naquela época era da ditadura, o “ilustre” Sr. Maluf (Arena) com bases em discurso feito por Dom José... Partidários de um grupo encabeçado por seus assessores de imprensa lançam mão de denúncias anônimas à secretaria ou ministério do Trabalho sobre nossa situação funcional... Pichações na rua como forasteiro etc. Tudo isso apenas pelo apoio da formação ou implantação de diretoria distrital no bairro da Arena, é lógico! Em resumo: não encontrando maiores argumentos valeu-se de uma cláusula no contrato que dizia que quando não houvesse interesse de uma das partes o contrato seria rompido. E assim, com uma carta dando prazo de 24 horas para desocuparmos a creche! Esta carta foi entregue por uma assistente social com lágrimas nos olhos! Nesta data havia cerca de 100 crianças de 0 a 3 anos frequentando normalmente e cerca de 7 a 8 funcionárias ganhando o mesmo salário mínimo, inclusive o meu! O que o prefeito não contava foi com a nossa postura. Ofereceu estabilidade de salário diferenciado de acordo com a função. Todas nós dissemos não! Tentaram apelar para a nossa consciência; respondemos que quem deveria ter pensado nisso era o prefeito. Diante de nossa postura e falta de condições de repor de imediato funcionários públicos preparados para tais funções, o dito prefeito não teve outra alternativa que oferecer de volta a creche para Dom José. Conversando com ele, perguntei-lhe: e o senhor vai aceitar? E ele me respondeu: sim, Francisca. Porque com sem-vergonha, sem-vergonha e meio! Mas, impôs-lhe a seguinte condição: que se desculpasse publicamente! Fato que Maluf tratou de fazê-lo na frente de cerca de 200 pessoas, arregimentado pelos seus pares. Não sei se poderia ter citado esta nossa conversa.. É porque endosso as palavras dele em todos os sentidos. Ainda sem nenhum convênio para manutenção da creche, saíamos de

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Capítulo IV | Depoimentos

madrugada entre 5h e 6h da manhã para o Ceasa à procura de frutas, verduras e legumes mais baratos. Enfim, foram muitas passagens marcantes, na convivência com Dom José. Durante um período, desenvolvia alguns serviços para a paróquia, como oficina de costura, entre outros... Ele me custeava a faculdade (fato que tenho certeza de que fez e faz para muitos jovens até hoje). Em tempo: a creche permanece com administração por parte da Igreja Católica de Guaianases. Lógico que com outros administradores adaptados às atuais exigências, mas o fruto foi plantado por Pe. José María nos anos de 1967 e 1968. Seu lema: “Não serve para viver quem não vive para servir”

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José Raimundo Eu, José Raimundo, resido em Guaianases desde 1955. Nesse mesmo ano comecei a frequentar a Igreja Santa Cruz em Guaianases. Lá prestei serviços vários anos, desde cedo. Após a morte de Sua Santidade, o Papa Pio II, comecei como sacristão e coroinha. Certa vez, em um domingo após os batizados, eu estava lá, quando adentraram dois padres espanhóis, procurando o atual vigário, Pe. Victor Kavolis, pois, era assunto muito sério. Foi aí que eu fiquei conhecendo o futuro pároco da Santa Cruz e São Benedito. Isto foi no início de 1967. Passando pouco tempo um dos padres espanhóis, era o novo vigário de Guaianases Pe. José María Liborio Camino Saracho, com o qual trabalhei muitos anos nas celebrações eucarísticas, batizados e casamentos. Então o Pe. José María, teve inicio como vigário em 1967. Foi ele quem batizou os meus 4 (quatro) primeiros filhos. Foi o Pe. José María quem concluiu a construção da Matriz de São Benedito de Guaianases, ficando por aqui uns 22 anos. Dom Fernando Legal, então bispo da diocese de São Miguel Paulista, levou o nosso então querido Pe. José María para a diocese de São Miguel Paulista. O nosso bom amigo (...) passou a Monsenhor; em seguida passou a ocupar o cargo de bispo com dignidade e postura. Hoje o nosso Pe. José María é Bispo Emérito em Presidente Prudente, São Paulo. Eu só aprendi coisas boas com o nosso Dom José María. Através dele, a Cúria Metropolitana adquiriu uma chácara grande, situada na Estrada do Lajeado, em Guaianases. Foi o Pe. José María quem criou o Encontro de Casais com Cristo, nessa mesma chácara onde hoje funciona uma creche, e tem a comunidade João XXIII. O Pe. José não gostava que fizesse nada sem ordem dele.. Quando a gente pedia alguma coisa, ele sempre dizia sim, sim! Tudo isto é o que lembro da passagem do Pe. José María. Hoje Dom José 148


Capítulo IV | Depoimentos

M. Liborio Camino Saracho. No dia 16-06-1991, a diocese de São Miguel Paulista recebia de Deus e da sua Igreja grande presente, sem dúvida: Dom José María Liborio Saracho, Bispo Auxiliar de Dom Fernando Legal. Pe. José María veio para cá com 37 anos e com muita disposição, a fim de evangelizar o nosso povo de Guaianases. Que o Espírito Santo ilumine sempre o nosso e sempre querido Dom José María Liborio Saracho. Muitos anos de caminhada e evangelização. Quando Deus quer, as coisas acontecem. Onde está a igreja, está o espírito de Deus.

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Dionizio Ribas Quando o então padre José María começou a trabalhar em Guaianases, na minha opinião ele deixou claro que para ser um bom cristão, não basta só orar, orar e orar, mas é necessário aquele algo a mais. Como levar a palavra do Evangelho a outras pessoas e ajudar os mais carentes. Aliás a frase que eu vi e li pela primeira vez na sala de reuniões demonstrava bem isso: “não serve para viver quem não vive para servir” e isso ele fez maravilhosamente bem, criando tantas obras sociais, como creches, cursos, atendimento com a ambulância, e tantas outras boas obras que seria redundância enumerá-las. Pessoalmente o que não esquecerei nunca foi o convite que ele me fez para participar do Encontro de Casais com Cristo na Vila Ré e que mudou muito a minha pessoa, e também as reuniões anuais em janeiro na Chácara Paroquial com os coordenadores de equipes e os cursinhos de noivos também na chácara nesses eventos. Minha esposa e eu conhecemos muitas pessoas e fizemos grandes e sinceras amizades. Outra coisa que me tocava muito eram as suas homilias, e assisti a algumas palestras dele com duração de duas horas ou mais, e o pessoal quase nem se mexia nas cadeiras. São algumas coisas entre tantas que eu achei que devia citar. Lamento que, por motivos particulares e profissionais, e por ser um católico ausente, não continuei participando como antes em algumas equipes. Sem mais Lourdes, um abraço e desejo êxito que esse propósito se torne uma realidade e espero estar por aqui e adquirir alguns exemplares.

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Capítulo IV | Depoimentos

Elisabeth, Jorge e Família Querido “padre José”, sua chegada a Guaianases foi bastante importante, não só para as famílias, mas também para o próprio desenvolvimento do bairro, devido à sua maneira sincera, simples, amável e objetiva, sempre pronto a ajudar e resolver os problemas de todos que precisavam. Então, devido a esta maneira que Deus lhe deu, muito prático, inteligente, dotado de muita capacidade de transformar e evangelizar, o povo foi conhecendo e criando laços de fraternidade, renovação e amizade; construiu em várias comunidades e igrejas. Nos Colibris como por exemplo: Prestes Maia, Tiradentes, Lajeado Velho, Jardim Helena, Jardim SãoPedro. E no próprio bairro a grande transformação da matriz de São Benedito que no momento não estava sendo muito bem aproveitada. Então ele foi adequando ao que as pessoas necessitavam, principalmente as crianças que não tinham onde ficar após o término das aulas, criando salas e espaços com vários cursos profissionalizantes. Não podemos nos esquecer das primeiras creches: João XXIII, Prestes Maia e Vicente Matheus que vieram a existir pela capacidade e amor de Dom José. Quanto à nossa família não sei se consigo escrever, pois a emoção já tomou conta do meu coração. Papai e mamãe, Juanino e Iracema, estimavam-no o muito e queriam sempre a sua presença nos almoços aos domingos, comemorações de aniversários, Páscoa, Natal etc. Sempre foi muito importante, pois trazia um coração aberto, alegre, otimista e desta forma a família queria sempre estar unida. No decorrer desses anos só temos a agradecer, não só pela amizade, mas também pelo seu trabalho realizado, levando evolução para o bairro com muita dedicação, generosidade e bondade, tanto nos momentos alegres realizando casamentos (Maria José, Dalva, Elisabeth) e batizados dos nossos filhos, como também nos momentos mais tristes. Quando papai e mamãe partiram para a pátria celeste, ele estava ao nosso lado e nos consolava e 151


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fortalecia. Não podemos nos esquecer dos momentos do seu aniversário em minha casa ou em casa de mamãe com minha filha (Maité). Por se dar na mesma data (13/11) a mamãe fazia dois bolos; era muito divertido, importante e inesquecível. Ao padre José, ao Dom José, o nosso amigo e irmão, nossa eterna amizade, amor e gratidão. Obrigado. Obrigado a Deus por tê-lo mandado da Espanha para o Brasil, e mais, de São Paulo para Guaianases. Terminando sua missão em nosso bairro, foi para São Miguel Paulista, onde permaneceu por mais alguns anos. Recebendo o título de bispo, foi para Presidente Prudente, onde se aposentou e felizmente continua fazendo o que mais ama! Deus o abençoe sempre! Nós te amamos muito. Ao padre José, ao Dom José, nossa eterna gratidão.

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Capítulo IV | Depoimentos

Silvia Helena Ribas Gomes Quando o padre José chegou a Guaianases, não sei se em 1967, 1968, minha família tinha bastante convivência com o antigo pároco do bairro que era o padre Victor, que inclusive frequentava nossa casa. Achei que nós demoraríamos a nos adaptar. No entanto, ainda que de uma maneira diferente, começamos o contato com o padre José. Primeiramente porque entrei na catequese e a partir daí a minha frequência à igreja aumentou. Depois não havia como não comparar as duas maneiras de administração, visto que logo que chegou ao bairro o padre José imprimiu um novo time de trabalho ao local. Assim, logo começaram obras de reforma da igreja, do salão paroquial, dando ênfase a cursos profissionalizantes e programas assistenciais. Essa foi a parte que mais me fez admirar o novo jeito de administrar: com a participação da comunidade nós víamos as coisas andarem. Havia sempre cursos novos e atendimento a população. No meu caso, logo comecei a participar de encontro de adolescente e em seguida com o OSEM, um programa em parceria com a prefeitura municipal que visava atender meninos e meninas carentes. Lembro-me de que foi a primeira vez que participei ativamente trabalhando em favela (até então nunca tinha entrado em uma...) e cortiços. Com essas crianças a quem tínhamos que dar reforço escolar, atividades recreativas esportivas, de lazer e artesanato, além de lanche e outras atividades, pude aprender um pouco de “vida”. E isso foi muito marcante. Aliás até hoje é fundamental à minha formação. O interessante é que, paralelamente ao que estávamos trabalhando com a criançada, havia outros programas de atendimento a jovens e adultos. Acho que esse novo jeito da comunidade – participativa – foi um grande diferencial que o padre José nos trouxe. Deixo um abraço e o registro de que torço muito para o sucesso de sua empreitada. Quero ter o privilégio de ler a biografia de Dom José. 153


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Marcos Eduardo Ribas Não tenho palavras para enfatizar o enorme trabalho que Dom José realizou em nosso bairro. Guaianases e nós, moradores, devemos muito à atuação de Dom José. Fiz parte do conselho paroquial, e lembro o pulso firme com que administrava nossa paróquia. As creches, os cursos que foram implantados, os encontros de casais com Cristo, os encontros de jovens com Cristo, os churrascos beneficentes, as ambulâncias que prestavam serviços, e tantos outros. O padre José sempre mencionava que a oração é muito importante, mas precisava vir acompanhada de ações. E ele era o coordenador dessas ações.

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Capítulo IV | Depoimentos

Maria Ignez de Moraes Vicenti Gostaria muito de dizer tudo o que Dom José foi em minha vida. Quando chegou aqui a Guaianases, eu tinha 11 anos de idade (já faz um tempinho); lembro-me de que logo começou a fazer quermesses para assim, conseguir levantar a Igreja São Benedito. Minha mãe então começou a dar catequese, coisa que amava fazer. No decorrer do tempo íamos conhecendo melhor o nosso pároco, que não só cuidava de nossas almas, mas também era preocupado com a nossa vida do dia a dia. Ficou então sabendo que em minha casa, o entendimento entre meus pais era péssimo. Então encorajou minha mãe para que ela desse aulas de corte e costura e também costura industrial. Foi com seu incentivo que surgiu então a professora de costura industrial e corte e costura Vitalina. Minha mãe, aí sim, realizava seu grande sonho, e também conseguia realizar o sonho de tantas mulheres, que até então só eram donas de casa. Todo final de curso era uma festa e tanto e em algumas delas lá estava o seu maior incentivador: Dom José María. Após algum tempo também orientava para que se pegasse serviço de firmas, para que assim, também, algumas alunas pudessem trabalhar após ter se formado. Foram maravilhosos anos de convivência, e sempre nos incentivando (digo nós, pois eu trabalhava com minha mãe na oficina). Após alguns anos já fora da oficina, também trabalhei para ele, quando ajudou o sr. Amaral a tirar sua gráfica da falência, sempre encorajando o sr. Amaral a não desistir (desistir: palavra e atitude que creio ele não conhecer até hoje). Só trabalhei como secretária alguns anos. Dentro deste período, realizou meu casamento em 10/05/1975. No ano de 78 tive minha filha Flavia, que também foi batizada pelo mesmo. Sempre estive em contato com o D. José, para participar em uma comuni155


A fé pela obra

dade, que quando ainda em fase de construção, foi ele que nos incentivou a ir em frente, pois como dizia ele: enquanto vocês não tiverem coragem mesmo, não levantarão esta igreja. E foi com seu incentivo moral e financeiro, que hoje temos aqui em Guaianases a Paróquia Beato João XXIII sito à Rua Cruz do Espírito Santo, 1.136. Hoje, tenho 56 anos de idade e posso dizer com toda certeza e orgulho que Dom José María foi o pai presente que nunca tive, sempre estava ao meu lado e também de minha mãe quando mais precisávamos. Obrigada por tudo.

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Capítulo IV | Depoimentos

Dona Rita e Família Eu, dona Rita e família, agradecemos ao Dom José pela missão na qual ele realizou para as famílias que moravam do outro lado de estação, favorecendo os moradores da Vila Minerva e adjacências. Ele preocupado com as famílias que atravessavam a antiga estação de trem de Guaianases para ir para a Paróquia São Benedito. Tínhamos que atravessar a linha do trem e havia uma porteira, onde aconteciam vários acidentes. Ele teve a ideia de comprar um terreno do outro lado da estação e construir uma comunidade. E o sonho se tornou realidade e esta comunidade hoje é a Paróquia Sagrada Família, que através da união das famílias do grupo CEBS e irmãs canadenses com Dom José concretizaram este sonho. Que a Sagrada Família te abençoe e te guarde! Nós seremos eternamente gratos!

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A fé pela obra

Vilmar Riquete Vilmar Riquete, ministro extraordinário da Eucaristia, conta que Dom José María, mudando para a casa no bairro Bongiovani atrás da capela Menino Jesus de Praga, assumiu como pároco a Capela Menino Jesus de Praga e Capela Santa Mônica, que pertenciam à Paróquia Bom Jesus de Pirapora, dividindo com o Pe. Carmelo. Na Capela Santa Mônica celebrávamos apenas uma missa ao mês, Dom José veio celebrar a Missa e disse: “vamos celebrar uma Missa por semana” e escolhemos os sábados à noite. Celebrávamos no salão. A Capela estava em construção, mas ele resolveu que as missas seriam na Capela, mas eu disse: “Dom José, não há condições, a Capela está com andaimes no meio, pois estamos rebocando a capela”. E ele disse: “não tem problema; fazemos a missa assim mesmo”. Então vi a pessoa simples, humilde, dedicada , que é. Pensei: um bispo celebrando a missa naquelas condições, sem nenhum conforto. Vi que para ele os valores são outros. Realizar sua missão de Pastor não importando onde estão as suas ovelhas. E cada dia fui admirando mais, e vendo que eu estava diante de um representante de Cristo que vive mesmo sua vocação.

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Capítulo IV | Depoimentos

Poema dedicado a dom josé na ocasião da sua vinda ao Brasil Aluno do Seminário

Con Murria en los corazones tan grandes como camiones, se van a suelos lejanos cuatro de nuestros Hermanos. Antes de salir de aqui, em este gran salón, encogido el corazón, les queremos presentar algo que puedan llevar. Al gran D. José María dedicamos estos versos para que recuerde un día los sucedidos perversos durante su tirania. A un rico planto de alubias unas moscas acudieron y pagaron su ousadía e en triá de D. José María. El hecho sucedío así: Por el comedor paseaba un prefecto, por ver si allí junaba algun desperfecto. De pronto um latino que lloraba. D. José María allí estaba dispuesto siempre a resolver lo que pudiera suceder. Pero el latino gemía porque en el plato tenía dos moscas que, por atrevidas, pasaron a mejor vida. “?Qué passa?”, dise funesto, “porque no hay quien aguante esto”. “És que al plato una mosca ha caído”, dise el nino compungido. “Trae”, dice con voz ronca como cuando hechaba broncas. Y va, y se come la mosca. Lo que nunca nos contó fue lo que después pasó. Si el tímpano se cascaba, si de la cama botabas, si en el estudio gritabas, si en el pátio te asustabas, no hace falta profecia, para decir que tronaba, para decir que se oía, para decir que sonaba el silbo de D. José María. Era potente y certero, era firme y altanero el silbo de marinero. 159


A fé pela obra

En la lectura de notas sudamos más de uma gota los que con él estábamos y no muy bien nos prontábamos. Pasada listas interminables con los cuatros intocables y con doses y con trece que servía de entremeses. Y el muy ladino decía: “Fulano de Tal: perico lleno. Mengano de Cual: trabaja...buscando la forma de no trabajar”. Cierto día decidió leer en el comedor las notas de los mejores y las de los peores. Y mirando com bravura comenzó la lectura. Subió e un latino a la mesa y dijo con voz aviesa: “He aquí a José el gamberro, a quien le imite echo el perro”. Duró poco ésta postura y de los Buenos empezó la lectura. Mas cual no fue su sorpresa al ver de nuevo en la mesa para que fuese imitado quien el aquel mismo estrado como gamberro fue tratado. El mismo Jóse era a la vez bueno y gamberro: !qué doblez! En conducta un cinco raspado el gran Jóse había sacado y lo del nueve em aseo !qué aseado! Era cosa de los hados. “Estudiar para obispos que curas ya hay bastantes”, decía el famoso tunante. Este era siempre el primero gran consejo dominguero ante lafirme protesta del domingo guardar fiesta. Y !ay! del latino que osaba pedir solemne permiso para salir del estudio pues el water le apremiaba. Mearse primeiro haría em el estudio un latino antes que conseguiría permiso del P. Camino. La classe de matemáticas bravamente se pasaba, pero en la de geografia, quién era el que no se dormia?. Al, principio anduvimos como pulpos em garage hasta que por fin tuvimos engrasado el engranage. Entrados ya en rodage organizaba barridos y dado nuestro corage era un 160


Capítulo IV | Depoimentos

tirano perdido. Cuentan que un buen día cuando en classe repetia montes y ríos mongoles alguién en la puerta llama; D. José María grita: “Que nadie pase, que vaya a buscar caracoles”. Mientras, en la puerta alguién impaciente estaba. El Obispo y el Rector nuestros, Jefe y Protector eran quienes llamaban y a quienes se les gritaba. De entonces hemos recogidó este poema escogido de un latino cantador y muy poco estudiador: “No cantes, latino mío, que ese tu canto de amor lleva ele co del castigo. No cantes, latino, calla; no cantes, latino, huye que te coge el pescador”. Com hechos em poesia buen humor y simpatía, a quien se marcha al Brasil deseamos suertes mil.

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A fé pela obra

Ensinamentos

P R OV É R B I O S E F R AS E S D E D OM J O S É

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Ensinamentos

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A fé pela obra

“Quem muito se queixa da vida nem sempre se queixa porque tudo lhe falta, mas, sim, porque nada quer dar!” “Não sei como é possível ao homem viver em sociedade e não pensar em ninguém” “Deus nunca prometeu riquezas a quem O ama; Ele quer que os ricos O amem naqueles que são pobres”

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Ensinamentos

Provérbios que sempre nortearam a vida e as obras de dom josé

“Quando fores pedir uma graça ao senhor, pergunte a ti mesmo se já não Lhe negaste dez” “A maneira com que recebes os humildes mostra o quanto amas Deus” ‘Se pedes tudo a Deus conforme suas precisões, não Lhes, negue o que Ele às vezes, lhe pede...”

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A fé pela obra

“É fácil fazer o bem quando muitos ajudam” “Dizem que só os pobres entram no céu. Se for verdade, poucos chegarão lá. Porque não há pobre que não queira ser rico” “ Que lição! Não custa ao pobre dar muito do pouco que tem, enquanto há ricos que só pensam em ver quanto custa o pouco que dão” “Quando olhas um pobre, vês o que lhe falta; quando um pobre te olha, ele pede o que sobra” 166


Ensinamentos

“Não enterre seus talentos. Faça produzir para sua comunidade paroquial, para sua cidade. E lembre-se; cada qual responderá pelos próprios dons e não pelos dos próximos” “Não serve para viver quem não vive para servir” “A fé sem obras não vale nada” “Educa a criança e não terás que punir o adulto” 167


A fĂŠ pela obra

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Ensinamentos

Frases que identificam seu jeito de ser

“Se quer ser feliz, escolha uma paróquia que ninguém quer! Lugar que não se destaca em nada. Se tiver que se destacar, que seja pelo serviço que você presta. É lá que você vai crescer, vai servir e será feliz!” “Se eu tivesse que voltar, eu voltaria para uma paróquia que tivesse as características da paróquia de Guaianases – 1967, sem nada!... Para fazer tudo!” 169


A fé pela obra

“Eu gosto das coisas bonitas. A educação que recebi da família me ajudou muito. Eu gosto de mexer com construção, aprendi com meus irmãos que são construtores. Não precisa de luxo, precisa ser bom” “Uma Igreja tem que ser um lugar onde o povo se sinta bem”

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Ensinamentos

“De manhãzinha eu gosto de entrar na catedral; ela está vazia. Fico ali sozinho e sinto alegria de ver que ela é bonita” “A pedra, o ferro e a madeira fazem um conjunto austero de beleza” “Meu conceito de beleza é austero. A Igreja não deve chamar a atenção pelo luxo. Fico nervoso quando vejo muitas flores na igreja”

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A fé pela obra

“Gosto muito das pinturas. Gosto muito de contemplar a imagem de Cristo, porque ninguém precisa perguntar quem ele é” “Eu gosto de andar na rua, tomar café na padaria”

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Ensinamentos

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A fé pela obra

AGRADECIMENTO AOS COLABORADORES PARA A EDIÇÃO DO LIVRO BIOGRÁFICO DE DOM JOSÉ Agradeço a todos que de alguma forma me ajudaram a realizar este projeto, me enviando artigos e depoimentos. Confiaram em mim ao depositar, de acordo com suas possibilidades, valores necessários à manutenção dos profissionais envolvidos na execução da obra. E finalmente, sou grata à minha família pelo total apoio e paciência.

Maria de Lourdes Inácio

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Agradecimentos

Ada Maria Antonietti, Adelaide Mota, Afonso e Marlene, Amaurí e Zilar, Ana Gonçalves Carneiro, Ana Maria, Ana Maria Saracho, Angelita e Rita, Lemes Pinto, Antonio e Madalena Petrim, Antonio Militão Soares, Aparecida e Sergio, Assunção Moura, Augustinha, Aurelino Soares de Andrade, Aurélio e Nieves, Auri Leite de Oliveira, Benedita Nogueira, Benigna, Cidinha e Ademir, Claudete Gonçalves, Claudia Bucci, Cosme Deodato, Cristina Gatto, Cristina e Julinho, Cristóvão e Fátima, Dalila Soares, Dalva Japequino, Dionizio Ribas, Dolores e Pedro Peraz, Dom Benedito, Donizete S.Ferreira dos Stos, Ecy F.Diorio, Edna Ribeiro Couto, Elenir Calabrez, Eleonora e Wilson Tâmega, Eliana Regina de Andrade, Eliane S.dos Santos, Elisabete Torres, Elizabete, Elzinha, Francisca Inácio da Costa, Francisco, Gaiskar, Geraldo Cavalcante, Giane Chagas, Giselda C.Fiorini, Givanice Jorge de S.Roseti, Helio Medeiros Vale, Inácio e Anabel, Irmãs de Sta Catarina de Sena, Isabela da C.Souza Ruiz, Ivone Mastropaulo, Izaura, Jair Apdo Pereira, Joana e Quirino, Joana, Inácio da Costa Abrahão, João Inácio da Costa, Joaquim Marques, Jorge Gomes Fernandes, Jorge Gutierraz Gonçalves e Elisabete Japequino Gonçalves, José Nilton e Iara, José Raimundo, Joseba, Josefa, Josune, Juarez Inácio da Costa, Julia A.Carneiro, Juscelia, Kátia Marques, Laura da Conceição, Leda Apda Ribas, Leide Zumalde, Leni Mota Sales, Levi Sales, Liege Apda Conceição, Luiz e Cleuza, Luiza Rosa Rubino, Magda e Sergio, Magnólia Soares e Vitor, Marcia Regina de Araújo, Margarete e Dionizio Piovete, Mari Eli, Mari Tere, Maria Apda Ferreira, Maria Apda Torres, Maria Camino e Sergio, Maria Cleonice de Carvalho, Maria do Socorro Ferreira, Maria do Socorro Lima, Maria Eliza Piazzi e Antonio V.Marcondes, Maria Gonçalves Carneiro, Maria Ignês M.Vicenti, Maria Izabel Gomes, Maria Izabel Nogueira, Maria Jesus e Gonçalo, Maria José, Maria José e Paulo, Maria José Inês Japquino Peixoto, Maria Richardelli Unzueta, Maria Rosa N.da C.Alexandre e Luiz Alexandre, Maria Salete G.Careli, Mariana e Salvador, Mariana Pereira Faria, Mário Angelo Braggio, Marlene I.da Costa Souza, Miguel Dubovisk, Neusa e Zezinho, Nilza Maria Piazzi e Sergio Roberto Bertelli, Odair Japequino e Sula, Onélia, Pe. José Luiz, Pe.Domingos, Pe.Inhaqui, Pe.Narciso, Pe.Paulo, Pe.Pedro, Pe.Sanderson, Pedro Delatorre, Pedro Galiani, Pedro Isaias, Pedro Piazzi Filho e Nilza, Pedro Piazzi Neto e Monica, Regina, Regina Ferreira de Araújo, Ricardo Silva Carlos, Roberto e Rosa, Rosa Antonietti, Rosa Inácio N.da Costa, Rosangela, Rose Diorio, Rose e Pádua, Rosilda M.Viana, Sebastiana Nazaré, Silvia Ribas, Silvio, Sonia I.N.Marin, Tamaoki, Teófilo Barbosa de Souza, Tereza de Fátima e Benedito de Camargo, Terezinha da Costa Ramos, Valter Inácio da Costa, Vera Neusa, Vera Torres, Vicente Moura, Vitor Rodrigues, Wesley Heleno de Oliveira e Yasone

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A fé pela obra

Organização: Maria de Lourdes Inácio Edição: Ivan Zumalde Textos: Xavier Bartaburu Produção executiva: Susanne Sassaki

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CapĂ­tulo IV | Depoimentos

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A fé pela obra

“ Nã o s e r v e p a ra v i v e r q u e m n ã o v i v e p a ra s e r v i r ” Dom José

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