Luiz Galdino
Mitologia indigena
Ilustraçþes de Severino Ramos
Mitologia indigena
Mitologia indigena Histórias selecionadas Luiz Galdino
Ilustrações
Severino Ramos
1ª edição – São Paulo – 2016.
por
© Copyright, 2016, Luiz Galdino Todos os direitos reservados Editora Nova Alexandria Avenida Dom Pedro I, 840 01552-000 São Paulo SP Fone/fax: (11) 2215-6252 E-mail: novaalexandria@novaalexandria.com.br Site: www.novaalexandria.com.br Ilustrações: Severino Ramos Preparação: Marco Haurélio e Jeosafá F. Gonçalves Leitura crítica e revisão final: Susana Ventura Projeto gráfico e capa: Viviane Santos Editoração eletrônica: SGuerra Design
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Galdino, Luiz Mitologia indígena / Luiz Galdino ; ilustrações de Severino Ramos. São Paulo : Nova Alexandria, 2016. p.168 : il. ISBN: 978-85-7492-384-0 1. Literatura folclórica. 2. Folclore : contos, mitos e fábulas indígenas. CDD: 398.2 Índice para catalogação sistemático 027- Bibliotecas gerais 027.7 - Bibliotecas universitárias 028 - Leitura. Meios de difusão da informação
Em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sem a autorização expressa da Editora.
Sumá rio Histórias de verdade e histórias de mentira 7 História da criação A criação do mundo Sol e Lua A criação do Sol e da Lua A criação das mulheres O caçador de onças O começo do mundo A origem da noite A grande inundação A vingança de Baíra A origem do fogo O roubo do fogo A primeira morte de Ari O mito de Uanari O mito de Inapirico O mito de Pereté Izi ou Jurupari Erém Agricultura Lenda de Mani A origem do guaraná A visita ao céu A velha gulosa (Ceiuci) Moça retrato da Lua A serra do banco 5
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A cobra Surucucu e o sapo Tarô-Bequê História da festa dos mortos O cariço de Iauacanã (flauta-de-Pã) A maloca dos mortos A cutia de ouro Tahina-Can: a estrela Vésper Cabeça de estrelas A maloca das mulheres A origem das estrelas O serpentário O Curupira e o caçador Macunaíma e as mulheres curiosas A guerra dos jiboia-tapuias com os cobéuas O veado e a onça foram fazer casa A raposa e a onça A raposa e a onça (2)
99 102 105 107 109 113 117 122 125 128 131 135 139 141 143 145
Índios Universais 147 Glossário 159 Bibliografia 163
Histรณrias de verdade e histรณrias de mentira
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Histó ria d a c r iaç ão
Tupã fez o mundo: Primeiro, o Grande Lago (Mar), depois o Rio Largo (Amazonas) e os rios menores que iam para o Grande Lago. Fez a Terra, depois as árvores e os bichos. Fez o cauaiua e fez o Tapiíti. Este mergulhou na água quente preparada por Tupã. E ficou branco. Cauaiua não quis banhar-se naquela água, ficou vermelho. O Tapiíti foi embora pelo mundo. Cauaiua ficou no mato.
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A criaç ão d o m u nd o
O primeiro mundo Deus levou para o céu. Os que ficaram, os encantados, sucuris e jiboias, resolveram fazer um mundo para eles. Então fizeram o mundo do corpo da irmã: Unhã-Mangaru. Se ela ficasse com a face voltada para o céu, nunca eles morreriam. Como ficou com a face para a terra, está nos chamando sempre para a sua companhia. Assim, ela disse aos seus irmãos: — Vocês me fizeram terra: está bem. Eu os chamarei sempre para mim.
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Sol e Lua
O Sol Antigamente, o Sol era um moço forte e bonito. E tinha uma tia que preparava o urucu para pintar os tucunas, nos dias de festa de Moça Nova. O Sol era quem rachava lenha para alimentar a fogueira em que a velha punha a panela para ferver o urucu. Mas a velha era muito aborrecida e estava sempre pedindo mais lenha ao Sol. O Sol somente trazia muirapiranga porque a tia dele gostava apenas daquele tipo de lenha. Um dia, ele trouxe muita muirapiranga, muita mesmo. E, para acabar com todo aquele trabalho, pediu à tia que o deixasse beber todo o urucu que estava fervendo. A velha pensou que ele morreria e o estimulou: — Beba! Beba tudo! O Sol bebeu todo o urucu, que estava na fervura, e foi ficando com a cara vermelha como urucu e muirapiranga. Em seguida, subiu para o céu e se enfiou entre as nuvens.
A Lua Antigamente, a Lua era mulher. E um dia, o Sol, que era irmão dela, plantou duas árvores chamadas “goçá”, que era para pintar os dentes das moças novas com o sumo das suas folhas. A irmã lhe perguntou o que tinha plantado na roça. — Duas árvores de “goçá”. A Lua foi procurar as árvores. Achou e pintou os dentes com o suco das suas folhas. E os dentes dela ficaram de um preto muito bonito.
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Quando o irmão veio, a moça tapou a boca e apenas lhe respondia de cabeça baixa. Não queria que o irmão visse que ela havia roubado as folhas de “goçá” e pintado os seus dentes com o suco delas. Um dia, a moça sentiu vontade de deitar-se com o irmão. E quando a noite veio, ela foi deitar-se com ele. Todas as noites, ia deitar-se com o irmão. Quando ela apareceu prenha, o Sol pensou: — Aqui não mora mais ninguém, só nós dois. Minha irmã se deitou comigo. Nessa noite, esperou a moça com a cuia cheia de um sumo de jenipapo e a pôs debaixo da rede. E quando a irmã se deitou ao seu lado, lhe foi passando pelo rosto, devagarzinho, o suco do jenipapo. De manhã, a irmã viu refletido na água o rosto todo pintado de jenipapo e que o irmão iria saber quem se deitara com ele. Então, fugiu para o céu. Hoje, ela é a Lua. Às vezes, é moça nova; às vezes, também está cheia. 14
A criaç ão d o S ol e d a Lua
Baíra criou o Sol e a Lua. O Sol é homem, a Lua é mulher. Baíra fez o membro do Sol da raiz da paxiúba. E da raiz do apuizeiro fez uma veia, Que pôs no sexo da Lua. Dessa veia saía sangue. E levou os dois para o céu. O Sol, porque é homem, sai de dia. A Lua, porque é mulher, sai de noite. Os homens na terra são como o Sol. As mulheres são como a Lua.
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A criaç ão d as m u lhere s
Baíra foi pescar e pegou muito peixe. Matou, porém, muito mais jandiás que aracus, tucunarés, jacundás e pacus. E pensou: — O que eu vou fazer com tantos jandiás? Naquele tempo não havia mulheres; só havia homens. Então, Baíra chamou os companheiros e falou: — Vou fazer mulher para todos nós. Mas primeiro vamos dormir. Baíra acordou de madrugada. Pegou uma porção de jandiás, soprou sobre eles e os peixes se transformaram em mulheres, gordas e bonitas como os jandiás. E deu a cada companheiro uma mulher. De início, os companheiros não quiseram acreditar que fossem mulheres, mas, à noite, foram se deitar com elas. Apenas Baíra não se deitou com nenhuma mulher. Durante muito tempo, Baíra viveu sem mulher. Um dia, resolveu ir pescar, levando o seu arco e suas flechas. E chegando ao rio, Baíra logo flechou um jandiá. Tirou a flecha, botou o peixe de lado e já se preparava para flechar outro quando ouviu uma voz que o chamava. Ao voltar-se para ver quem o chamava, Baíra viu uma cunhã muito bonita, de cabelos claros e compridos. E convidou-a: — Venha comigo! E a cunhã foi com ele. Em casa, Baíra lhe disse que estava com sede e a cunhã foi lhe buscar água. Entretanto, quando ela voltou, ele disse que não gostava de água e que ela lhe arranjasse outra bebida. A cunhã lhe pediu, então, milho e mel, que Baíra foi buscar e lhe entregou. A cunhã torrou o milho e o mastigou. Colocou-o, depois, numa cabaça com água e mel, e deixou a bebida fermentando durante vários dias
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num canto da casa. Baíra já não suportava mais tanta sede e disse à cunhã que queria experimentar da bebida que ela havia preparado. A mulher lhe serviu um pouco numa cuia; Baíra bebeu e pediu mais. — Gostei desta bebida — ele disse, alegre. E pediu que a cunhã lhe enchesse a cuia, de novo. A bebida era o cauim, que Cauaiua bebe até hoje. Quem a inventou foi a mulher de Baíra.
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O c açad or d e onç as
Baíra disse à mulher: — Vou fazer uma experiência. E, dizendo isso, preparou uma escada de muitos degraus, para tirar tucumã. E amarrou um cambito na ponta de uma vara. Depois, subiu no primeiro degrau da escada e começou a tirar tucumã. Quando a fruta caiu no chão virou onça. Baíra flechou a bicha e passou para o terceiro degrau da escada. Dali, tirou novo tucumã e aconteceu a mesma coisa de antes. E a cada onça morta, Baíra passava para outro degrau. Como os degraus eram muitos, muitas foram as onças que ele matou. Quando acabou de matar todas as onças, tirou-lhes os dentes e os levou para casa, fazendo com eles colares e brinquedos para as crianças. A sua proeza ficou conhecida em toda a tribo. Então, outro pajé quis repetir a experiência. Para tanto, armou uma escada com apenas três degraus. Então, subiu ao primeiro degrau e tratou de tirar um tucumã. O tucumã caiu no chão e virou onça. O pajé matou-a. Ao passar para o terceiro degrau, porém, e tentar tirar um novo tucumã, caiu da escada, justamente quando a nova fruta caída no chão virava onça. E a onça o comeu. Três dias Baíra esperou pela volta do pajé e, como ele não aparecesse, foi procurá-lo no mato. Baíra encontrou o arco e as flechas ao pé da escada de três degraus. E, junto às armas de caça do pajé, estavam também os seus ossos. Ele pegou tudo aquilo e soprou em cima dos ossos, para fazer o pajé voltar à vida. Os ossos, porém, gemiam no chão, mas não se juntavam para formar o esqueleto, nem a pele e a carne que os cobriam. Zangado com aquela situação, Baíra espalhou os ossos para os lados e eles foram se transformando em bichos: veados, quatipurus, queixadas, porcos-espinhos, macacos, lagartos e inhambus.
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ossos indígenas reúnem em suas tradições um acervo de mitos e heróis tão significativo quanto o de qualquer povo do planeta. Os mais antigos se confundem praticamente com o Gênesis e podem ser surpreendidos roubando o fogo dos deuses para ajudar a humanidade. Há os responsáveis pela desobediência e tantos outros que sobreviveram aos dilúvios e destruições de ordem variada. Toda essa representação simbólica volta-se ora para a explicação da origem do universo e da vida, ora para as fontes inaugurais de um povo ou uma nação indígena. A riqueza imaginativa e expressiva, em ambos os casos, se combina para dar corpo a narrativas de beleza singular, em que fenômenos climáticos, corpos astronômicos, fauna, flora e mundo humano se comunicam livremente e compartilham o mesmo status de importância porque, afinal, todos são vivos e se convertem uns noutros, o tempo todo: tanto a Lua pode descer para namorar um moço, quanto um tropel de crianças arteiras pode ir morar no céu e seus olhos, transformados em estrelas, velarem para todo o sempre a noite sobre a Terra.
ISBN 978-85-7492-384-0