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Muamba madura

Adna Rahmeier

Raimunda chegou na rodoviária umas 3 da tarde o reflexo no piso do céu nublado quase cegando e anulando a luz do saguão de embarque usava uma legging, por cima uma saia e uma camiseta azul usava também um casaquinho contorcido na axila garrado na parede das costas alta, gorda a sapatilha margeando o topo do pé os olhos rodeados por uma sombra azul bebê blush e batom rosa denunciavam a peculiaridade morando no detalhe sentou do meu lado no sofázin do saguão entre encontros e despedidas ela olhou pra mim e começou a conversar

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“oi”

“oi, tudo bem?”

“tudo. cê vai viajar?”

“sim, eu vou. E você? também vai?”

“sim. eu vou pra Santa Catarina. Você também vai pra praia?”

“não, eu vou pro interior de São Paulo”

“mas você já foi pra praia?”

“já fui e já morei, gosto muito do mar”

“mas a viagem que eu vou não dá tempo de ficar. é só ir lá pra Itajaí e entregar essas mercadorias. não dáa tempo de ir ao mar”

“tenta arranjar um tempo, vale a pena”

“vou tentar. acho que dessa vez vai dá certo”

“e você vai sozinha?” olhou para os lados, pra baixo, começou a cutucar uma ferida no braço

“dessa vez eu vou”

“entendi. com quem você ia antes?”

“com meu marido, mas dessa vez ele não pode vir.”

“entendi” logo em seguida anunciaram meu embarque me ajeitei na costumeira poltrona da frente descansando a mente nas paisagens chegando de manhã ao meu destino pedi um café quente observando uma inquietação incomum na televisão

Sorriso de canto. Voltando a cutucar a ferida.

“Foz do Iguaçu” ouvindo esse nome pensei

“lá vem, vamos ver como minha cidade entrou para a história desta vez”

“o cheiro estranhou os motoristas do ônibus. Incomodados, pediram para revistar os sacos grandes que pareciam cheios de roupas. ao abrir um dos sacos, perceberam o peso a mais. vasculhando um

Um teto todo nosso: poesias pouco mais, sentiram alguns pedaços de roupas molhados. puxaram. a cor vermelho escura não negava o que poderia ser. em seguida, eles pediram pra atendente do guichê de vendas ligar para a polícia. a dona da bagagem ficou nervosa, aflita. Quando os policiais chegaram ela já sabia o que levava ali. O corpo do próprio marido. segundo informações seguras, a mulher matou o homem com 17 facadas e iria levar o corpo para Itajaí”

O close na cara da mulher não me deixou dúvidas ali estava Raimunda envergonhada, mas sem coragem de fugir ficou para contar sua história sua versão da morte que aconteceu antes das facadas a morte de si mesma cravada na pele da memória de tantas Raimundas algemadas e calejadas pela tentativa de ver o oceano ao menos uma vez.

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