1 minute read

As linhas de Evelina

Ana Flávia Nejaim

De palavras preencho minha vida, com tudo que me alimenta e me purifica. Sou livre. Estou viva, e a esperança em mim habita”. Foi assim que Evelina se sentiu no momento inexato em que, ao ler aquele microtexto, descobriu o que estava guardado dentro dela. Passaram anos e anos para que pudesse, finalmente, experimentar o êxtase.

Advertisement

A mãe, advogada. O pai, economista. Evelina, filha única, parecia não ter sido feita para alguma coisa que preste. Na escola, em nada era destaque, nem nos números, nem nas letras, nem nas humanidades. A garota olhava para os professores que se colocavam à frente e, feito uma tábula rasa, ouvia tanto, mas não compreendia bulhufas.

A mãe lhe dava pancadinhas na cabeça. “De novo não entendeu a tarefa, Evelina?! Assim não dá!” “Leia, leia, garota!” O pai gritava. “Está tudo aí, escrito. É só fazer o que pede o enunciado”. Com um sorriso desengonçado, Evelina balançava a cabeça e dizia que sim, que havia entendido. E as linhas emaranhadas em sua linda cabecinha demonstravam o contrário. Não havia compreensão. Não havia compreensão alguma.

Evelina cresceu e formou-se. Sabe-se lá como. Os textos passavam por sua vida, provas, atividades, redações, livros obrigatórios, aquilo tudo era blá blá blá sem sentido. “Leia, Evelina! Assim, nem na empresa da família você vai servir pra fazer alguma coisa. Leia, filha! Apenas leia! Está tudo escrito!” Mais uma vez, o pai gritava, enquanto a mãe baixava a cabeça e respirava fundo. “Garota burra, sei lá pra quem puxou.”

Mas, em um inesperado dia, quando tudo o que se esperava era mais incompreensão, um microconto cruzou o caminho de Evelina e as linhas de seu pensamento se endireitaram em um horizonte amplo e desconhecido:

“Então a palavra VIDA se encontrou com a verdadeira dona: MINHA VIDA. E nada mais foi como antes.”“Minha vida, é isso!” Evelina, com o coração descompassado, disse para si: MINHA VIDA. Desde então, Evelina cavuca contos, crônicas, poemas, romances, todos eles. Feito arqueóloga, escava orações, períodos, parágrafos inteiros. Alinha tudo meticulosamente, como se palavras fossem linhas que se estendem no oceano. Observa os textos nas suas mais variadas formas. Estranha-se estranhando-os. E assim preenche sua vida. “Sou livre. Estou viva, e a esperança em mim habita”.Sim, Evelina descobriu que nunca é tarde para aprender a voar.

Um teto todo nosso: narrativas curtas

This article is from: