2 minute read

Voo G3-7471

Daiane Pereira Rodrigues

Será lindo volver después de tantos años. Abrazar a los nuestros con impaciente júbilo. Encontrar todo tan cambiado. Y descubrir, de pronto, que no nos hemos ido. Juan

Advertisement

Manuel Marcos

As lágrimas que prometeu não deixar cair acariciavam sua face ansiosa. Dois mil e trezentos guaranis e uma passagem de volta. Na linha 30 em direção ao aeroporto talvez não soubesse por que estava regressando, para quem, para onde... Trabalhar amanhã, talvez a única coisa que o liga àquela cidade. Toda uma vida dedicada ao trabalho e agora levava essa mala com as roupas que ele mesmo teria que lavar. Mas é só mais um trabalho. Trabalho...Aprendeu cedo o sentido da palavra. Nove irmãos, quintal de terra vermelha e galinhas. No chão de madeira a butuca do cigarro do pai pisada com os pequenos pés de engraxate, que não tinham sapatos para lustrar. Queria ir longe, estudar na escola onde a mãe ensinava, ir para a capital, prestar serviço militar. Agora iria longe, lá no alto, voando para essa capital já sem sentido. Uma vida mudada pelo nascimento de uma filha, duas... três? Uma vida sacrificada, duas, três. Nunca faltou nada. Faltou tudo. Aquele abraço (de despedida) guardado durante mais de vinte anos. Agora a filha entendia, ele não. Como entender que seja merecedor de tanta humilhação? Como entender a solidão? A traição? Perdeu a chave da escola no meio do mato aquela vez. Perdeu o voo de ida, a vida. A encontrou há mais de 1000km naquela gargalhada estridente do me-

100 Um teto todo nosso: narrativas curtas nino de dentinho quebrado. E agora ele ia, ansioso para não voltar a perder o voo e não para voltar para aquele inferno. Inverno.

Caminha sozinho pelo longo estacionamento do aeroporto, o vento na cara, na careca... O que vai encontrar ao desembarcar? Como será a vista lá de cima? De sina. A mesma vida de um outro homem, o mesmo homem de uma outra vida... ¿Cambio señor? Não, obrigado. O cambio valia a pena, e a volta será que realmente valia? Señor, estamos teniendo una promoción... nãã... NO!, eu não entendo muito bem. E essa situação será que ele entendia? Mais um gole de café, o décimo, o vigésimo do dia. Perdeu o RG, sempre perdia. Mas e agora, teria identidade? Esse homem sensível que ela não soube ver, que uma filha não soube ver, e a outra tampouco. E o neto será que vê? Sorri.

Migraciones, documentos, carimbos, permisos... Sentado na sala de espera olhava as lojas que vendem lembranças. O menino falou “vovô” minutos antes de ele partir; a filha saiu do hospital com a roupinha que ele escolheu, mas depois não quis dançar com ele na festa de formatura. A outra era mais companheira, para limpar o terreno, para jogar futebol. E agora estava lá, sem responder nem dar notícias. Anunciaram o voo e ele estava ansioso para ver o céu lá de cima, para encontrar alguém que o respeitasse e o cuidasse, alguém com quem ter esse aconchego que teve na casa da filha: dias de paz em contato com o guarani do vendedor do ônibus, com o portunhol da nova família, com o sorriso daquele menino que era mais que um neto: um recomeço. O voo. Era como ver uma maquete projetada sobre uma grande mesa, como ver um rio de nuvens estando em cima de uma ponte: uma superfície plana, mas fluida. Via manchas. Uma nova percepção do espaço, dele mesmo. Viu o verde das paisagens, as manchas marrons de terra ou de água, o desenho do relevo, os quadradinhos-casas encaixados minuciosamente pela mão do homem. Viu muito e viu pouco, o tempo frio e nublado não deixava ver. Ia

Um teto todo nosso: narrattivas curtas 101 para um frio ainda mais intenso. Pensamentos. Lembranças que não podia comprar. Nem vender. Preocupação. Solidão.

Lá de cima, pôde ver que em Assunção já não estava frio, havia um lugar cálido com aconchego e sopas quentes. Lá perdeu e encontrou a identidade, encontrou o apoio, o perdão. O avião pousou suave no aeroporto Afonso Pena. Ele já não sentia frio.

Um teto todo nosso: narrativas curtas

This article is from: