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Um cavalo no meu jardim

Ana Júlia Poletto

Eu, que nunca acreditei em príncipes em cavalos brancos, ao abrir a janela me deparo com ele: lindo, que de branco só tinha a mancha entre os olhos grandes. De onde teria vindo? Como aqui chegou? Olhou-me, bufou, e procurou verdilências para saciar sua boca nervosa.

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Observei: pêlo marrom, grande, bem cuidado, com o porte que só os cavalos têm (príncipe algum se equipara!), quase selvagem, não fosse…Não fosse eu? Talvez. Talvez a minha rua. Talvez assim, ele ali, eu aqui, no meu jardim. Abri o portão e fui me aproximando, devagar. Porque se aproximar do selvagem dá um frio na nuca, uma fraqueza nas pernas.

Explico: minha rua é um beco sem saída, e o cavalo estava ali, observando os cães da vizinhança, pastando míseras margaridas que cresciam entre os paralelepípedos. Quando ele me viu perto, relinchou, notei a minha pequenez. Ele tão mais livre, mesmo assim, em pleno concreto. Ele, sem saber de nós. Ele, apesar de nós. Confesso: tive medo. Tive medo da sua altura, das suas patas, da sua altivez, da sua beleza. Tive medo, antes e acima de tudo, que essa força e essa liberdade nunca mais estivessem assim, tão perto, ao alcance da mão.

E então ele se foi, com seu dono, que corria pela rua (tão perdido quanto eu) em busca do seu cavalo. Ele, o cavalo, olhava-nos com seus olhos de rio profundo e céu claro. Ouso arriscar o seu pensamento: o que fazem esses seres aqui, numa rua sem saída?

Um teto todo nosso: narrattivas curtas 99

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