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Em dobro

Lizandra Antunes

Os dois homens estavam impacientes. Um mantinha as mãos grudadas no vidro, o rosto apoiado entre elas, os olhos tão atentos quanto uma águia que mira a presa; já o outro, este contava no pulso os segundos até o desfecho daquela história, perambulando pelos cantos sem dar descanso às próprias pernas.

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José Maria era aflito. “Adiante, mulher!”, dizia ele, fitando aperreado o relógio no braço. João Paulo era mais contido, concentrado. “Vai… vai, guria...”, era só o que ele murmurava. José Maria ia de um lado para o outro. “E essa bexiga de hora que não passa... nego, é barril!”, reclamava ele. João Paulo quase não respirava e, quando o fazia, era capaz de embaçar todo o vidro com o bafo que lhe saía da boca; nessa situação, se mal conseguia fazer o essencial, quem diria ficar tagarelando! Ele preferia apenas ignorar a incessante agitação de seu companheiro de espera, mesmo sem poder negar que internamente se encontrava no mesmíssimo estado do outro.

José Maria, servidor público, já à beira da crise dos trinta e cinco, ele não parava quieto um segundo sequer e ainda não havia sido capaz de decifrar a aparente plenitude de espírito de seu colega; é que era bicho arretado o tal baiano mulato. Já João Paulo, gaúcho pálido, professor universitário, falido e bem pra lá dos quarenta, esse exercia a paciência com o sujeito ao lado, já que não era capaz de demonstrar tão bem sua própria inquietação quanto aquele que lhe acompanhava.

Tão diferentes, mas tão iguais naquele momento; presos a São Paulo pelo mesmo angustiante sufoco. Se tivessem conhecimento de sua real situação, não duvido nada que tivessem trocado um abraço amigo com direito a tapinhas no ombro. Foi então que aconteceu: finalmente os dois ouviram o choro! Maria Flor respirava fundo depois de tanto berrar e olhava para eles com expectativa e falta de fôlego. O médico tomou o menino no colo e foi mostrar à mãe, que de ansiedade recusou o privilégio e mandou que a criança fosse logo apresentada ao pai. Os olhos da dupla foram direto para os braços do doutor: já não podiam mais esperar para desvendar o maldito mistério. E qual não foi a surpresa! Aqui jaz o que se sucedeu: o doutor com o menino nos braços, Maria Flor com a adrenalina no teto, e dois pares de olhos atentos ao lado de lá do vidro. Logo o baiano ficou pálido. O gaúcho enrubesceu. Maria Flor não respirou. O doutor não entendeu. José Maria desmaiou primeiro. João Paulo caiu logo depois. O moleque era chinesinho. Desmaiou por último Maria Flor.

50 Um teto todo nosso: narrativas curtas

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