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Goiabada com goiabada

Mariana Porto

Julieta era a menina dos olhos do tamanho do mundo e dos cabelos cor de cobre que, de tão longos que lembro serem na época, se arrastavam no chão. Julieta aceitou ser minha amiga logo no primeiro dia de aula, talvez por conta da minha estranheza que a chamava a atenção. Dizia que meu nariz pontudo e minha cara redonda não combinariam em outros rostos se não no meu, acredito que isso concentrava certa beleza exótica na menina barrigudinha que eu costumava ser.

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No recreio, Julieta reunia diversos amigos em roda e contava histórias que criava em seus sonhos. Como perfeita seguidora daquela única amiga que o bom universo me provera, encontrava-me todas as vezes à sua direita, ouvindo cada sílaba que saía dos seus finos lábios, os quais frequentemente estavam sujos de algum doce que engolira.

Eu também queria contar histórias e ser ouvida como minha colega Julieta, mas o dom da fala sem vergonha não me foi dado e quando queria ser ouvida, as palavras se quebravam em sons gagos e meu rosto se pintava na cor de olhos de menina apaixonada. Os mesmos olhos que, sem propriamente saber, eu olhava para Julieta. Mas eu nunca fui nenhum Romeu, apenas mais uma Maria alguma coisa que queria contar histórias como a melhor amiga de infância.

Os anos se passaram e a “boniteza” de Julieta só aumentou gradativamente, enquanto a minha esquisitice manteve-se a mesma, nem mais nem menos, apenas amadureceu comigo. Nossas conversas já não se encaixavam e, enquanto ela, minha inspiração, dizia que histó- rias eram para crianças e não para meninas-mulheres do oitavo ano, minha fome por compartilhar minhas criações ainda estava presente, assim como a de provar um doce de goiabada com goiabada. Assim, comecei a escrever escondido em um caderninho pautado que ganhei de brinde em alguma loja do centro. Não permitia a leitura por ninguém, porque tudo o que eu mais queria, era ter Julieta sentada à minha direita, lendo minhas palavras no intervalo antes da aula de biologia, enquanto seus olhos do tamanho do mundo se colorissem de vermelho cor do amor.

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