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“Homens”, de Melina Vargas (1978)

Thais Jacóe Soares

Todo mundo sabe que a auto-estima do espécime masculino humano poderia ser estudada pelos jornais de Psicologia mundo afora. Por isso, não fiquei surpresa, com meus quase 30 anos, quando aquele senhor, que bem poderia ser meu avô, achou que seus avanços sexuais seriam aceitos. O que, sim, me surpreendeu foi o descaramento e a patifaria do que escreveu por aí depois sobre mim.

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Estive certa vez em agradável noite de leitura de poesia em Venice Beach, onde pude ouvir escritores novos e outros já publicados. Ao final, enquanto fumava um cigarro do lado de fora esperando uma amiga, aproximou-se de mim um senhor idoso pedindo o isqueiro emprestado. Reconheci o senhor, um autor publicado, mas dei de ombros: os livros dele nunca me agradaram, e duvido que agradem a qualquer mulher.

Não entendi bem o porquê, convidou-me a tomar algo em seu apartamento, o que recusei. Saindo a amiga, fomos pra minha casa e não pensei mais no episódio até ouvir de amigos que andava o senhor dizendo por aí que tinha me acompanhado naquela noite e que tínhamos feito toda variedade de sordidez nos dias que se seguiram. Disse o senhor que estivemos juntos por iniciativa minha, que lhe tinha telefonado. Ademais, contou que fumamos isso e bebemos aquilo e que, depois, tirei a roupa e fizemos sexo. Que um homem diga que dormiu com uma mulher que o rejeitou não é novidade.

A surpresa veio meses depois, quando mostraram-me um trecho de um livro recente seu aludindo ao ideado encontro.

Sei que se tratava de mim porque realmente moro em um prédio defronte ao deque, o que me leva a crer que o senhor mencionado seguiu a mim e à amiga naquela noite. Deu-me, no entanto, o nome de Mercedes, o que creio tenha a ver mais com a memória, na qual já não se deve confiar, que com um suposto desejo de ocultar meu prenome verdadeiro.

Imagino que seja difícil engolir que uma mulher possa dizer não a um homem, ainda mais se ela é escritora aspirante e ele um autor renomado. O curioso foi a maneira como o homem se valeu do escritor para fantasiar o encontro. Primeiro, focou na descrição da minha aparência, como se me resumisse a isso e me fizesse o favor de tolerar-me apesar do sorriso falso e da conversa chata. Tão chata, parece, que o impediu de performar sexualmente, o que, em seguida, ele imaginou resolver com um delírio asqueroso e abjeto de poder, dominação e posse.

Podem nos tratar por objetos, podem dizer-nos “cadela”, podem entreter toda sorte de devaneio sexual execrável. Nada disso os faz mais que o pouco que são. No caso do senhor por quem tive a audácia de não me interessar, é (como ele disse) a morte: não passa de um velho safado que tenta usar delírios megalomaníacos pra compensar um pênis murcho.

Um teto todo nosso: narrativas curtas

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