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Ler a si mesma

Vívian Marchezini Cunha

Catarina pegou seus diários antigos na velha caixa de papelão que trouxera da casa dos pais quando se casou com Gustavo. O casamento já nem existia mais, mas em todo esse tempo ela não havia mexido ali. Não sabia bem o que procurava naqueles cadernos e agendas que a acompanhavam desde o início da adolescência. Apenas tinha a certeza de que, qualquer que fosse a pergunta, a resposta estaria ali, nos registros de sua constituição como pessoa, como mulher.

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Passou pelas páginas já amareladas, decoradas com figurinhas, adesivos, fotografias de atores de tv e cinema retiradas de revistas e jornais, cópias de desenhos feitos à mão, clipes coloridos, trechos de música e poemas. O conteúdo escrito por ela ia crescendo à medida que ela mesma ia avançando na adolescência e juventude. Os amores iam deixando de ser platônicos, começavam os namoros (que não foram muitos).

Por meio de seus escritos, geralmente feitos em momentos de sentimentos difíceis, situações complicadas para uma jovem garota, pôde ver um tanto de seus padrões. Apaixonada (demais), entregue (demais), moldável (demais). Isso nem era tanta novidade assim, depois de anos de terapia. Mas Catarina pôde ver o fio de sua história amorosa se desenrolando e tecendo um amadurecimento que lhe deu orgulho.

Sim, orgulho, mesmo neste momento de sua vida em que se vê mais uma vez devastada pelo fim de um relacionamento amoroso, desta vez com Felipe.

Um teto todo nosso: narrativas curtas

Catarina viu naquelas tantas páginas que hoje, aos quarenta e poucos, mantém sua capacidade de se apaixonar e se entregar, mas já não é tão moldável a ponto de se perder de si mesma como fez em quase todos os relacionamentos anteriores. Hoje se conhece mais, se sente mais segura para defender suas ideias e diferenciar o que vai incorporar e o que não vai, dentre o universo que a outra pessoa lhe oferece. Catarina hoje consegue ter e ser seu próprio universo, e pôde constatar isso com a leitura de seus diários.

Ler a si mesma foi como dar um abraço, necessário e curativo, em cada uma daquelas Catarinas: a de 13, a de 23, a de 33 e a de hoje.

Um teto todo nosso: narrattivas curtas 65

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