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O Garoto do Sinal

Maria Carolyna Henriques

Quando o sinal abriu, o garotinho saiu correndo e acabou deixando algumas balas caírem no chão. Observou, debaixo da única sombra ali por perto (o toldo de um botequim), os carros as esmagarem. Primeiro a de morango, depois a de uva e por último a de maçã-verde.

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Dois senhores estavam sentados naquele botequim tomando uma cerveja gelada, observaram o movimento e notaram o garotinho, sentado próximo ao meio fio e atento ao sinal.

– Olhe ali – um deles apontou em direção ao garoto – Os pais desse garoto tiveram uma ótima atitude, colocando a criança para trabalhar desde cedinho. – completou, o outro concordou.

– Sem falar que não fica por aí pedindo esmola igual tantos vagabundos por aí. – ele disse, dando um último gole no copo agora vazio. Ergueu a mão na intenção de chamar a atenção do garçom. Um homem jovem, parecia ter uns dezoito ou dezenove. Prontamente, ele foi em direção aos senhores. – Traz mais uma, garoto.

– Tem muito “mimimi” em relação a isso, na minha época era normal criança trabalhar. Eu, com uns 14 anos, já estava firme no açougue do meu tio. – o garçom não pôde deixar de notar as palavras duras do senhor.

Quando o sinal fechou, o garotinho prontamente correu em direção ao primeiro carro e, seguidamente, colocou saquinhos de bala no retrovisor. O chão, como uma chapa quente, queimava seus pés e isso fez com que ele desse pulinhos. Um dos senhores riu, sem graça.

Um teto todo nosso: narrativas curtas

– O bom é que para criança tudo vira diversão, não é mesmo? – ele disse. Os três ficaram parados, observando a criança pulando de um lado para o outro, como em uma corrida incessante, desesperado, como se cada balinha perdida valesse milhões. Daquela vez, apenas uma mulher havia lhe entregue algumas moedas.

– Não acho que ele esteja se divertindo. – o garçom se atreveu a falar, sem tirar os olhos do garoto, que agora corria para a sombra mais uma vez.

– Não parece que há nada de errado com ele. – um deles respondeu.

– Acho que existem outras maneiras de ensinar algo a uma criança. – o garçom disse, com um olhar pensativo.

– Esses moleques só aprendem apanhando! – o senhor mais impaciente revirou os olhos e gesticulou – Meu neto esses dias mesmo na minha casa fez uma manhã só! Não queria comer o prato todo de comida, tirei-lhe o videogame e meti nele umas boas palmadas, eu apanhei, o pai dele apanhou e ele para aprender a ser gente vai apanhar também. – sua voz era grosseira, como se estivesse novamente vivenciando a situação;

– Diz aí, qual seria a melhor maneira? – o outro senhor se dirigiu ao garçom, que apenas deu os ombros, ainda incomodado com a rispidez do que acabara de ouvir.

– Eu só acho estranho, em plena terça de manhã, uma criança estar em qualquer lugar que não seja a escola. – ele respondeu com o tom de voz baixo, enquanto tentava se manter firme.

– Mas isso é problema dele e da família dele. E outra! Como saber se ele não é desses moleques que não gostam de estudar? Está cheio por aí. – o senhor, ainda impaciente com o relato anterior, disse.

Não acho que isso seja uma questão de escolha. – decidido a interromper a conversa, o garçom recolheu a garrafa vazia e se virou em direção à cozinha.

Um teto todo nosso: narrattivas curtas 73

–Como você sabe? – o senhor perguntou de maneira debochada, fazendo com que o garçom parasse e, por alguns segundos, fechasse os olhos. Ele respirou fundo e se virou, encarando mais uma vez o garotinho saltante por entre os carros.

–Porque eu já fui o garoto do sinal. – ele respondeu e, finalmente, conseguiu se livrar da conversa.

Um teto todo nosso: narrativas curtas

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