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Trou Noir

Juciane Cavalheiro

A manhã prometia ser igual a tantas outras. Anita estava nos preparativos da festa de 15 anos de sua única filha, Helena. A fila do supermercado estava mais lenta do que o habitual. Aproveitou para conferir item por item de sua lista mental, sabia exatamente o que era necessário para uma festa para 40 pessoas. Como era costume, na véspera da festa oficial, ocorriam festas menores, com o propósito de discutir detalhes, como roupa, coreografias, enfim, motivos para reunir com os mais próximos. Este seria o segundo encontro, o primeiro tinha sido em uma fazenda de um dos amigos. Nesta noite, a festa seria toda organizada por Anita. 15 melhores amigas, 15 melhores amigos, dinda, ela, Heitor, Helena, e mais 3 casais, pais mais próximos e amigos de longa data, antes mesmo do nascimento dos filhos. Tocou nos ovos que estavam no carrinho, poderiam quebrar com o peso dos pepinos, mudou-os de posição. Neste momento, seus olhos começaram a se fixar na bunda da moça que estava à sua frente, as mãos do homem que a acompanhava adentrando discretamente pela parte de trás de sua calça. A outra mão deslizava pelo pescoço, que deixava a mostra uma tatuagem, parecia um sol, não conseguia identificar. Seus olhos oscilavam de uma mão para outra, fortes e vivas.

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Pagou, desconcertada, as suas compras, troca as senhas. Chamou o seu carro. Sentiu uma náusea gostosa. Tirou as compras. Quebrou metade dos ovos. Bateu o braço no elevador. Tropeçou ao entrar na porta. Tirou as roupas. Tomou banho.

Um teto todo nosso: narrativas curtas

Olhou-se no espelho. Há quanto tempo não se olhava no espelho? Talvez quando estava à espera de Helena. Como contemplava a sua barriga! Talvez aí já não era mais para si que olhava.

Toca-se como nunca fizera. Talvez N.W. tenha a tocado assim antes de conhecer Heitor. Sentiu-se exausta, enxarcada, feliz, confusa, infeliz.

Nina estava cuidando de tudo para o jantar. Que bom que tinha resolvido chamá-la. Helena chegou, já vieram algumas amigas também. Heitor chegou. Colocou um tênis, uma roupa para uma caminhada e saiu. Estava sufocando. Caminhou. Correu. Caminhou. As mãos do homem em meu corpo. Não conseguia esquecer das mãos daquele homem. Outros corpos correndo ao seu lado, suados, distantes, pensativos, sorridentes.

Sentou. Pediu e tomou uma água. Um homem e uma mulher se aproximaram, talvez fossem recém-casados, pediram uma água e um guaraná. Logo o homem verborragiu:

– O que adianta você caminhar todo dia e continuar a beber refrigerante? Cuide suas celulites!

– Vá à merda, Carlos, ela rebatou. – Há tantos homens neste mundo que têm outras preocupações mais importantes em um relacionamento.

Seguiu o caminho de casa. Seu cadarço desatou. Atei. Ao seu lado, três homens, meia idade, arrumados, bonitos. Escutou um deles falar que havia marcado um encontro com uma garota que tinha conhecido em um aplicativo, por isso sugeriu ao grupo irem ao pub trou noir. Toparam na hora.

Trou noir, o nome ficou ressoando até a entrada de casa. Tomou banho. Ficou pronta em 15 minutos. Cabelo curto. Tinha a vantagem de secar rápido. Só as gorduras que tinham se acumulado em seu corpo não ajudavam muito na hora de se vestir, mas hoje ficou com a primeira roupa que experimentou.

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Convidados à mesa. Jantar servido. Todos sorridentes e aparentemente felizes. Encheu a sua taça. Heitor estranhou. Finalmente ele a notou. – Anita, você beberá vinho? Acho que só vi você bebendo em nosso casamento! – Um bom motivo, Helena completará 15 anos daqui a dois meses, deve ser essa a razão, respondeu.

Festa terminou relativamente cedo. 23:30 já estavam com seus respectivos pijamas. Heitor, como sempre, deitou e adormeceu. Anita havia se acostumado com os hábitos de Heitor. Entrava no quarto, tomava banho, colocava o pijama e dormia. Ela, por sua vez, intensificava suas leituras. Dois dias da semana, quintas e sextas-feiras, Heitor dormia na cidade vizinha, havia obras para supervisionar na filial. Retornava no sábado, próximo ao meio-dia.

Trou noir! Trou noir! Começou a seguir o pub e tudo o que encontrava no Instagram que remetia ao nome. Era assim que se sentia, um buraco negro! Não conseguiria, depois daquelas mãos, escapar de se encontrar neste espaço-tempo que só dependia dela.

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