Coordenadores Alexandre Pereira Pinto Ormonde, Luiz Roberto Carboni Souza e Sérgio Gabriel
Manual de
Ética Profissional e Estatuto da OAB
Autores
Diogo Basilio Vailatti Glaucia Guisso Fernandes Lucimara Aparecida Main DESTAQUES:
Palavras-chave em destaque Abordagem completa: Ética dos advogados, conciliadores, mediadores e servidores públicos Esquemas, quadros-resumo e questões comentadas
DIOGO BASILIO VAILATTI Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bolsista e pesquisador Capes. Mestre em Direito pela Universidade Nove de Julho. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Professor de Direito na Universidade Nove de Julho, Damásio e Central de Concursos. Advogado.
GLAUCIA GUISSO FERNANDES Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil na Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Empresarial na Universidade São Judas Tadeu. Professora de Direito na Universidade Nove de Julho e no Centro Paula Souza (ETEC). Licenciada em Direito na Universidade São Judas Tadeu. Instrutora na Oficina de Oratória Forense na Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo. Advogada. Conciliadora e Mediadora.
Coordenadores Alexandre Pereira Pinto Ormonde, Luiz Roberto Carboni Souza e SĂŠrgio Gabriel
Manual de
Ética Profissional e Estatuto da OAB Autores Diogo Basilio Vailatti Glaucia Guisso Fernandes Lucimara Aparecida Main
EXPEDIENTE Presidente e editor Italo Amadio diretora editorial Katia F. Amadio editoras Sue Ellen Gelli e Mayara Sobrane revisão ortográfica Karen Magri revisão técnica Flávia Martines Projeto gráfico Sergio A. Pereira diagramação WK Comunicação imPressão Bok2 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Main, Lucimara Manual de ética profissional e estatuto da OAB / Lucimara Main, Glaucia Guisso Fernandes, Diogo Basilio Vailatti ; coordenadores: Alexandre Pereira Pinto, Luiz Roberto Carboni Souza e Sergio Gabriel. -- São Paulo : Rideel, 2018. 304 p. Bibliografia ISBN 978-85-339-5270-6 1. Ordem dos Advogados do Brasil - Estatutos 2. Ética jurídica Brasil 3. Direito e ética I. Título II. Fernandes, Glaucia Guisso III. Vailatti, Diogo Basilio IV. Pinto, Alexandre Pereira V. Souza, Luiz Roberto Carboni VI. Gabriel, Sergio 18-0940
CDU 34:174 Índice para catálogo sistemático: 1. Direito : Ética profissional © 2018 – Todos os direitos reservados à
Av. Casa Verde, 455 – Casa Verde CEP 02519-000 – São Paulo – SP e-mail: sac@rideel.com.br www.editorarideel.com.br Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, especialmente gráfico, fotográfico, fonográfico, videográfico, internet. Essas proibições aplicam-se também às características de editoração da obra. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (artigos 102, 103, parágrafo único, 104, 105, 106 e 107, incisos I, II e III, da Lei no 9.610, de 19-2-1998, Lei dos Direitos Autorais). 135798642 0718
PREFÁCIO
É com grande honra e alegria que recebi e aceitei o convite para prefaciar esta importante obra de Diogo Basilio Vailatti, Glaucia Guisso Fernandes e Lucimara Aparecida Main, que tive o prazer de conhecer e pesquisar em conjunto no Mestrado da UNINOVE – Universidade Nove de Julho. Neste momento em que a ética está no centro das discussões, esta obra explora de forma bastante objetiva a temática para a advocacia em conformidade com a legislação vigente. É de extrema importância que o exercício desta atividade seja pautado por valores éticos, na medida em que a relação entre cliente e advogado baseia-se, principalmente, na confiança e na esperança de que a defesa e a preservação de seus direitos sejam asseguradas. O livro inova neste quesito ao abordar a ética também sob o ponto de vista dos serventuários e funcionários da Justiça, notadamente dos mediadores e conciliadores, como também dos funcionários públicos que atuam nos cartórios. Frise-se que, com o advento do Código de Ética dos Conciliadores, do novo Código de Processo Civil e da Lei de Mediação, e com a instituição de Códigos de Ética e de Conduta de Servidores por diversos Tribunais de Justiça do País, era preciso uma releitura dessa temática sob a perspectiva das inovações deles decorrentes. Na sequência, os autores voltam à sua atenção ao Estatuto da Advocacia, apresentando ao leitor os princípios norteadores da atividade dos advogados, das limitações que se impõem em função do exercício da advocacia, mas, igualmente, da sua importância na realização da Justiça. Abordam também o meio legal de representação por meio do mandato e quais os direitos e as prerrogativas dos advogados como decorrência desse instrumento. Explicitam, de forma didática, os procedimentos para obtenção da identidade profissional, isto é, a inscrição (inclusive suplementar), a transferência, e o pedido de licença e cancelamento nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (“OAB”), tanto para estagiários quanto para advogados. Mas, não menos importante os autores buscam também elucidar ao leitor as consequências decorrentes da quebra da ética profissional e, como consequência, das infrações e sanções disciplinares a que o advogado está sujeito, observado, claro, um processo disciplinar. Claramente, esta obra foi concebida primordialmente para estudantes de Direito, preparando-os para enfrentar o exame da OAB, na medida em que os autores apresentam variadas dicas, comentários artigo por artigo acompanhados de relevantes decisões administrativas no que diz respeito à atuação dos advogados em face do Estatuto da Advocacia, e a resolução e a explicação de questões outrora inseridas em exames da OAB. Sem dúvida, é uma fonte de estudo, consulta e pesquisa aos futuros operadores do Direito. Aos autores, meus votos de sucesso. Boa leitura! Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira Professor Titular da UFMS São Paulo, junho de 2018.
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SUMÁRIO PREFÁCIO ................................................................................................................... 5 CAPÍTULO 1 – O CONFLITO E O ACESSO À JUSTIÇA .............................................. 11 1.1 O papel dos advogados e dos conciliadores e mediadores no Estado Democrático de Direito ................................................................................... 14 1.2 Princípio da dignidade da pessoa humana .................................................. 19 CAPÍTULO 2 – MEIOS DE COMPOSIÇÃO PARA A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ...... 23 2.1 Autotutela ......................................................................................................... 25 2.2 Autocomposição .............................................................................................. 26 2.2.1 Autocomposição unilateral ................................................................. 26 2.2.1.1 Renúncia .................................................................................. 26 2.2.1.2 Reconhecimento jurídico do pedido .................................... 26 2.2.1.3 Desistência .............................................................................. 27 2.2.2 Autocomposição bilateral ................................................................... 27 2.2.2.1 Negociação............................................................................... 27 2.2.2.2 Mediação .................................................................................. 28 2.2.2.3 Conciliação .............................................................................. 30 2.3 Heterocomposição ........................................................................................... 34 2.3.1 Arbitragem ............................................................................................ 34 2.3.2 Solução jurisdicional ........................................................................... 38 CAPÍTULO 3 – ÉTICA DOS CONCILIADORES E MEDIADORES – ANÁLISE DO CÓDIGO DE ÉTICA DOS CONCILIADORES E MEDIADORES, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E DA LEI DE MEDIAÇÃO ............................................................... 42 3.1 A Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ............................ 42 3.2 Princípios éticos da conciliação e da mediação à luz do Código de Ética dos Conciliadores e Mediadores Judiciais (CECM), do Novo Código de Processo Civil (CPC) e da Lei de Mediação (LM) ........................................... 43 3.2.1 Princípio da confidencialidade ........................................................... 45 3.2.2 Princípio da decisão informada ......................................................... 48 3.2.3 Princípio da competência.................................................................... 50 3.2.4 Princípio da imparcialidade ................................................................ 54 3.2.5 Princípio da independência e autonomia ......................................... 57 3.2.6 Princípios do respeito à ordem pública e às leis vigentes e da cooperação........................................................................................................ 61 3.2.7 Princípio do empoderamento ............................................................. 64
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Manual de Ética Profissional e Estatuto da OAB 3.2.8 Princípio da validação ......................................................................... 66 3.2.9 Princípio da autonomia da vontade das partes ............................... 68 3.2.10 Princípio da isonomia .......................................................................... 72 3.2.11 Princípio da oralidade .......................................................................... 73 3.2.12 Princípio da informalidade ................................................................. 76 3.2.13 Princípio da boa-fé ............................................................................... 77 CAPÍTULO 4 – ANEXOS ............................................................................................. 80 4.1 Anexo 01 – Anexo III da Resolução 125 do CNJ – Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais ........................................................... 80 4.2 Anexo 02 – Código de Processo Civil (alguns artigos) ................................. 82 4.3 Anexo 03 – Lei de Mediação ........................................................................... 88 CAPÍTULO 5 – ÉTICA PROFISSIONAL DO ADVOGADO ........................................... 99 CAPÍTULO 6 – ESTATUTO DA ADVOCACIA – LEI NO 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994............................................................................................................................ 101 6.1 Dos princípios que regem a atividade do advocacia .................................. 101 6.2 Das atividades privativas da advocacia (Estatuto da OAB) ........................ 104 6.3 Da importância da atividade profissional do advogado – (Estatuto da OAB) ................................................................................................................... 106 6.4 Da atividade profissional................................................................................ 107 6.4.1 Da atividade profissional do advogado (Estatuto da OAB) ............. 107 6.4.2 Da atividade profissional do estagiário ............................................ 108 6.4.3 Dos atos praticados por pessoa sem a inscrição de advogado (Estatuto da OAB) ............................................................................................. 109 6.5 Do mandato (Estatuto da OAB) ...................................................................... 109 6.6 Dos direitos do advogado (Estatuto da OAB)................................................ 112 6.7 Das prerrogativas do advogado – (Estatuto da OAB), ................................. 112 6.7.1 Da prerrogativa da mulher advogada (Estatuto da OAB) ................ 118 6.8 Da inscrição nos quadros da OAB (Estatuto da OAB).................................. 120 6.8.1 Da inscrição do advogado ................................................................... 120 6.8.2 Da inscrição do estagiário (Estatuto da OAB) ................................... 122 6.8.3 Da inscrição suplementar e transferência (Estatuto da OAB) ........ 123 6.8.4 Do cancelamento (Estatuto da OAB) .................................................. 124 6.8.5 Da licença (Estatuto da OAB) .............................................................. 126 6.9 Da identidade profissional (Estatuto da OAB) ............................................. 126 6.10 Da sociedade de advogados (Estatuto da OAB)............................................ 127
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SUMÁRIO 6.11 Do advogado empregado (Estatuto da OAB) ................................................ 129 6.12 Dos honorários advocatícios (Estatuto da OAB) .......................................... 131 6.13 Das incompatibilidades e impedimentos (Estatuto da OAB)..................... 135 6.14 Da ética do advogado ( Estatuto da OAB) ..................................................... 137 6.15 Das infrações e sanções disciplinares (Estatuto da OAB)........................... 139 6.16 Da Ordem dos Advogados do Brasil – Dos fins e da organização (Estatuto da OAB) ............................................................................................. 143 6.16.1 Do Conselho Federal (Estatuto da OAB) ............................................ 146 6.16.2 Do Conselho Seccional (Estatuto da OAB) .............................................. 149 6.16.3 Da Subseção (Estatuto da OAB) .......................................................... 151 6.16.4 Da Caixa de Assistência dos Advogados (Estatuto da OAB) ........... 152 6.16.5 Das eleições e dos mandatos (Estatuto da OAB) .............................. 153 6.17 Do processo disciplinar (Estatuto da OAB) ................................................... 155 6.17.1 Dos recursos no processo disciplinar (Estatuto da OAB) ..................... 157 CAPÍTULO 7 – DA PUBLICIDADE DO ADVOGADO ................................................... 158 CAPÍTULO 8 – QUESTÕES DE EXAMES ANTERIORES ............................................. 162 CAPÍTULO 9 – ANEXOS ............................................................................................. 169 CAPÍTULO 10 – INTRODUÇÃO À ÉTICA DO FUNCIONÁRIO PÚBLICO FEDERAL ... 189 10.1 Deveres dos servidores públicos federais .................................................... 191 10.2 Deveres de atuação ......................................................................................... 192 10.3 Deveres de cumprimento de ordens e representação ................................ 192 10.4 Deveres de conduta ......................................................................................... 193 CAPÍTULO 11 – PROIBIÇÕES DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS ................... 194 11.1 Proibições relacionadas à atuação dentro dos limites da hierarquia ...... 194 11.2 Proibições relacionadas ao ofício .................................................................. 195 11.3 Proibições voltadas para a vida privada ....................................................... 196 11.4 Penas aplicáveis ao servidor federal por violação ética ............................. 196 CAPÍTULO 12 – PROCEDIMENTOS DE PUNIÇÃO ..................................................... 201 12.1 Sindicância ....................................................................................................... 201 12.2 Processo administrativo disciplinar.............................................................. 202 12.3 Recursos administrativos ............................................................................... 204 12.4 Revisão .............................................................................................................. 204 12.5 Limites da responsabilidade do servidor ..................................................... 205
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Manual de Ética Profissional e Estatuto da OAB CAPÍTULO 13 – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ................................................. 208 13.1 Dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário ................................................................................................................. 212 13.2 Dos atos de improbidade administrativa decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário .......................... 213 13.3 Dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública ............................................................ 213 CAPÍTULO 14 – COMISSÕES DE ÉTICA .................................................................... 217 CAPÍTULO 15 – QUESTÕES COMENTADAS POR TÓPICOS ...................................... 220 15.1 Introdução sobre a ética do servidor público federal ................................. 220 15.2 Deveres dos servidores públicos federais .................................................... 224 15.3 Proibições dos servidores públicos federais ................................................ 228 15.4 Penas aplicáveis ao servidor federal por violação ética ............................. 231 15.5 Procedimento de punição............................................................................... 240 15.6 Improbidade administrativa .......................................................................... 242 15.7 Comissões de ética .......................................................................................... 245 CAPÍTULO 16 – ANEXOS ........................................................................................... 247 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 324
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Capítulo 1 – O CONFLITO E O ACESSO À JUSTIÇA Os conflitos surgem pela intolerância e falta de diálogo entre pessoas, grupos, instituições e nações. As novas tecnologias suprem as necessidades individuais e coletivas e facilitam a vida cotidiana, mas aumentam o individualismo. Isso dificulta as relações humanas, pois diminui o contato direto entre as pessoas, criando ruídos na comunicação e distanciando ao invés de aproximar, causando frustrações. A globalização e a abertura dos mercados impactou a sociedade, suprindo as necessidades dos indivíduos de maneira superficial, trazendo novas demandas sem que estas, de fato, sejam tão importantes para se viver bem, feliz e dignamente. Augusto Cury, ao prefaciar seu segundo livro, no qual analisa o Sermão da Montanha, proclamado pelo homem mais feliz da história – Jesus Cristo, destaca que os seres humanos falharam na gestão da emoção e na busca pela felicidade, algo que nenhum tipo de bem material pode suprir ou substituir. Neste sentido:
A grande maioria das pessoas em todo o mundo falhou em desvendar os códigos da felicidade. Ricos quiseram comprar a felicidade com seu dinheiro, mas ela bradou-lhes: “Não estou à venda.” Celebridades quiseram seduzi-la com sua fama, mas ela soprou-lhes aos ouvidos: “Me encontro nas coisas simples e anônimas.” Generais quiseram dominá-la com suas armas, mas ela expressou categoricamente: “Sou indomável”. Jovens quiseram capturá-la com o prazer rápido, mas ela, sem meias palavras, proclamou: “Sonhos sem disciplina pro-
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Manual de Ética Profissional e Estatuto da OAB duzem pessoas frustradas, e disciplina sem sonhos produz pessoas fracassadas.” Os seres humanos sempre procuraram a felicidade como sedento procura a água, como o ofegante busca o ar, como o cientista explora o desconhecido, mas muitos deles morreram como mendigos emocionais, ainda que tenham morado em belas residências.1 Com o tempo, as pessoas se preocupam mais com o TER, do que com o SER; as relações entre os particulares e o Poder Público, nas questões individuais, coletivas e difusas, são focadas nos aspectos econômicos e financeiros, que também são importantes, mas não são tão relevantes quanto os sentimentos, as emoções e a própria comunicação, essencial para o ser humano, pois todos são responsáveis pela busca do melhor caminho para viver bem e resolver as pendências. Nesse contexto, deve haver o respeito quanto às variadas negociações que surgem na pós-modernidade, sem exageros, absolutismos, engessamentos ou sobreposições, respeitando a dignidade humana, o exercício da cidadania e a soberania do Estado, repensando os papéis das pessoas, das instituições públicas e privadas na resolução dos conflitos, nos âmbitos privado, judicial e arbitral. Diante das desigualdades existentes e dos abusos praticados, surgem os conflitos; a litigiosidade aumenta a busca pelo Judiciário para tentar resolver as pendências, mas não há um meio termo, prevalece o ganha ou o perde, mesmo que em parte e, cada vez menos há uma colaboração na busca por uma solução em que todos ganham, chegando a um interesse comum, dando oportunidade para cada um ter a possibilidade de, em conjunto, alcançar um caminho que não implique em perdas, mas sim em ganhos recíprocos. Outros meios de solução de conflitos, como a negociação, a mediação e a conciliação, devem ser viabilizados com a identificação da sua causa e a sua desconstrução, pois os envolvidos nessas circunstâncias são estimulados a resgatar suas responsabilidades e definir o melhor caminho para resolver a questão. Ao contrário do que ocorre no processo judicial, em que o Estado decide e não se preocupa com a continuidade das relações entre os envolvidos, este é um dos maiores cuidados durante a realização de outros meios de solução de conflitos, especialmente na mediação, em que, muitas vezes, o vínculo entre as partes é mais profundo e duradouro. Cumpre destacar que os cidadãos, operadores do Direito e, principalmente o advogado, devem resguardar o Princípio Constitucional da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, também conhecido como Princípio do Acesso à Justiça ou Direito de Ação, previsto no artigo 5o, XXXV, da Carta Magna, ampliando sua interpretação, neste sentido:
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CURY, Augusto. O homem mais feliz da história. São Paulo: Sextante, 2017, p. 8.
CAPítuLO 1 – O CONFLItO E O ACESSO À JuStIÇA
Paralelamente, temos em nossa Constituição Federal o PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA (inciso XXXV do art. 5o) que diz: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O interessante é que durante muito tempo esse acesso à Justiça foi interpretado de forma restritiva: o acesso única e exclusivamente por meio dos processos judiciais. Mas a realidade brasileira atual torna imprescindível que essa interpretação inclua outras formas de socorrer os cidadãos de modo mais abrangente, por exemplo, outros métodos de Resolução Adequada/Amigável de Disputas (RAD), como a arbitragem, a conciliação e a mediação, inclusive pré-processuais.2 O acesso à Justiça, na sua interpretação ampla e não restrita, deve favorecer a educação e a conscientização do cidadão de que ele é protagonista da sua própria história, sendo que ninguém está livre de problemas, mas deve conhecer e entender que há diferentes caminhos para viabilizar a resolução de possíveis conflitos. Trata-se de uma mudança de paradigma que deve ocorrer na família, nos diferentes setores sociais (comunidades religiosas, locais de recreação, ambiente de trabalho, condomínios), na educação escolar (ensino infantil, fundamental, médio e superior) e, principalmente, nas faculdades de Direito, que formam os profissionais que vão atuar, não só no litígio, mas na sua prevenção. É importante criar condições para que os seres humanos, defendendo suas posições como pessoas naturais ou pessoas jurídicas, de Direito público ou privado, possam buscar caminhos para resolver suas pendências e não só vislumbrar o Poder Judiciário como único meio para tanto, sendo que este Poder deve ser visto como exceção e não como regra para resolução de conflitos. Deve-se ingressar com uma ação no Poder Judiciário, buscando-se a prestação da jurisdição, somente naquelas hipóteses em que outros meios não foram possíveis, até mesmo por uma questão de responsabilidade social. Se o envolvido na pendência buscou meios para resolvê-la, mas não obteve um resultado satisfatório, não pode ser privado do direito de buscar o Judiciário para ter a prestação jurisdicional, embora seja o resultado imprevisível e, muitas vezes, desfavorável, havendo o risco do processo, além de ser oneroso, levar tempo e desgastar emocionalmente. A busca por outros meios de solução de conflitos não representa descrença ou desprestígio do Poder Judiciário, mas sim diminuição da litigiosidade, que está nas mãos de cada parte envolvida, pois nem sempre um terceiro poderá resolver, como ocorre com o Poder Judiciário que, mesmo sendo um poder legitimado no Estado Democrático de Direito, irá prestar a jurisdição, mas não quer dizer que coloque fim ao problema. Por outro lado, os diferentes métodos de resolução de pendênciasnão devem ser utilizados como meios de redução do número de processos judiciais e
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Apostila do curso Resolução de Conflitos para Representantes de Empresas – Terceira Oferta, ENAM (Escola Nacional de Mediação e Conciliação).
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Manual de Ética Profissional e Estatuto da OAB combate à morosidade, mas sim como acesso à Justiça, atribuindo às partes responsabilidade social, sendo uma tendência moderna, como destaca Humberto Theodoro Junior, citando Kazuo Watanabe:
(...) Ninguém melhor do que as próprias partes para alcançar soluções mais satisfatórias para suas contendas, chegando à autocomposição, por meio de alternative dispute resolution (ADR), na linguagem do direito norte-americano.
Kazuo Watanabe entende que esses métodos não devem ser estudados “como solução para a crise de morosidade da Justiça como uma forma de reduzir a quantidade de processos acumulados no Judiciário, e sim como um método para se dar tratamento mais adequado aos conflitos de interesses que ocorrem na sociedade.” Para o autor, deve-se tentar abandonar o que ele chama de “cultura da sentença”, que valoriza excessivamente a resolução dos conflitos por meio do Poder Judicário, para criar a “cultura da pacificação”, valorizando a solução amigável pelos próprios conflitantes, com o auxílio dos mediadores e conciliadores.3 Vale lembrar que, por uma questão técnica, o litigante deve demonstrar o seu interesse processual ou interesse de agir, que exige dois requisitos: a necessidade e a adequação, ou seja, deve comprovar em juízo que tentou resolver a questão anteriormente, que tem a necessidade de estar em juízo, bem como que optou pelo processo e pelo procedimento correto para a prestação jurisdicional, com a adequação. Cada vez mais deve-se conscientizar a sociedade de que cada indivíduo é protagonista da sua própria história, sem delegar sua responsabilidade para terceiros, especialmente para o Estado-Juiz. Cada um deve exercer a sua cidadania, discernindo que todas as ações e omissões geram consequências para a própria pessoa e para terceiros, existindo uma consciência individual e coletiva, um resgate do papel social. O cidadão deve entender que, antes de procurar o Judiciário, que é um Poder legitimado no Estado Democrático de Direito, e que ninguém pode ser impedido de buscar sua prestação jurisdicional, deve tentar resolver sua pendência, por meio do diálogo, da comunicação eficaz e não violenta, sendo o agente de transformação, não só porque se trata de um requisito técnico − pois, como dito, para estar em juízo deve-se demonstrar o interesse de agir, sob pena do processo ser extinto sem resolução do mérito, por ser o autor carecedor da ação, artigo 485, VI, do CPC −, mas, principalmente, por assumir sua responsabilidade social. 1.1 O PAPEL DOS ADVOGADOS E DOS CONCILIADORES E MEDIADORES NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
É interessante pois o próprio CPC, no seu artigo 3o, § 1o a 3o, mesmo com o processo judicial em andamento, lembra o cidadão e o encoraja a buscar outros
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Ibidem, p. 464.
CAPítuLO 1 – O CONFLItO E O ACESSO À JuStIÇA
caminhos, além de enfatizar como dever dos operadores do Direito, inclusive dos advogados, de estimular as partes na busca por outros meios de solução de conflitos, conforme prevê o mencionado artigo:
Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.4 Como dito, mesmo com a existência do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, isso não quer dizer que todas as pendências devem ser levadas para o Poder Judiciário. Este Poder, legitimado pelo Estado Democrático de Direito, deve ser acionado em situações em que todas as demais tentativas tenham sido esgotadas, não sendo regra para a resolução dos conflitos. Vale ressaltar que essa mudança de mentalidade deve partir dos operadores do Ddireito, incluindo advogados, mediadores e conciliadores, que devem conhecer e orientar aqueles que se encontram em situações de litigiosidade a buscar novos caminhos, pois nem sempre o processo judicial é a melhor forma de resolver a demanda, ressaltando que os direitos disponíveis, que admitem transação, devem ser resolvidos pelos próprios envolvidos, e até mesmo os direitos indisponíveis, de acordo com as previsões legais. O cidadão deve ser orientado quanto aos caminhos para obter a resolução de suas demandas. Trata-se de uma mudança de perspectivas, de enfoques, de mentalidade, de paradigma, representa um impacto na cultura do litígio! Sendo assim, compete ao advogado orientar o seu cliente, demonstrando os diferentes caminhos possíveis para tanto, destacando que, independente do caminho tomado, judicial, extrajudicial, arbitral, negociando (negociação provada ou ‘negócio processual’, este previsto no CPC), mediando, conciliando, dentre outros, é possível fazer justiça no caso concreto, sendo todos os meios viáveis, que não se excluem, mas se complementam. Não se trata de meios alternativos, mas sim adequados! O advogado, como o primeiro “juiz da causa” tem o dever de comunicar-se de maneira clara, objetiva, lógica, esclarecedora e pacífica com seu cliente ou com qualquer pessoa que busque sua orientação. Deve privilegiar os caminhos menos desgastantes e dispendiosos, favorecer a busca por um caminho de paz e ajudar os demais profissionais a exercerem seu trabalho, como ocorre, por exemplo, nas sessões ou audiências de conciliação e de mediação, auxiliando os conciliadores e os mediadores a viabilizarem o processo de comunicação, entre as partes, em benefício de todos.
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CÉSPEDES, Lívia; ROCHA, Fabiana Dias da. Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
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Manual de Ética Profissional e Estatuto da OAB Em razão do fenômeno da judicialização, não houve a divulgação e o estímulo necessários para ampliação de outros meios de solução de conflitos, muitas vezes denominados como “alternativos”, quando, na verdade, são “adequados”, não podendo ser vistos em segundo plano, como auxiliares, ou menos eficazes que o processo judicial, mas sim como a primeira opção para resolução consensual da demanda ou um caminho paralelo, já que, como dito, todos os meios se complementam, não se excluem. O conflito não pode ser perpetuado, como ocorre, muitas vezes, no âmbito judicial, com a ineficiência do sistema e a falta de eficácia nos resultados, frustrando o jurisdicionado, surgindo a crise do Estado Providência, com a necessidade de estimular o acesso à justiça, que não se resume apenas ao acesso ao Judiciário. Os diferentes meios de solução de conflitos permitem uma solução por cooperação entre as partes, podendo ou não ter a ajuda de um terceiro, em que todos os envolvidos ganham, buscando um interesse comum. Não há um vitorioso, evita-se o desgaste nas relações humanas, mantendo-as, possibilitando a comunicação, sem bloqueá-la, impede a perpetuação do conflito, modificando a ideia de sua judicialização, que nem sempre é o melhor caminho! Infelizmente, o processo judicial é utilizado para possibilitar vantagem pessoal ou servir como vingança, fazendo com que as partes deixem de ter responsabilidade pelo conflito e, muitas vezes, violem os princípios da lealdade e da boa-fé, agindo sem ética, sendo que o respeito e a probidade são imprescindíveis para se alcançar uma sociedade livre, justa e solidária. Todos os envolvidos no processo, operadores do Direito, devem estimular a busca por outros caminhos para resolução do conflito, já que a orientação desses profissionais, especialmente do advogado, que é o primeiro “juiz da causa”, faz toda a diferença na vida das pessoas e serve de exemplo, daí a importância de se comunicar bem e ser um facilitador da comunicação, com uma excelente argumentação, verbal e escrita, utilizando a retórica e as técnicas de oratória. O advogado exerce um relevante serviço público, indispensável para toda a sociedade, como destaca Biela Jr.:
Como é sabido, o advogado é indispensável à administração da Justiça nos termos do art. 133 da CF e, neste sentido o NCED especifica tal indispensabilidade aduzindo que o advogado é o defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes (NCED, art. 2o). Portanto, o advogado no seu ministério privado presta um serviço público e exerce uma função social. (...) (...)
Por outro lado, o advogado realiza a função social, quando concretiza a aplicação do direito e não apenas da lei, participando ativamente da justiça so-
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LUCIMARA APARECIDA MAIN Mestra em Direito pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Especialista em Gestão e Tecnologia em Segurança da Informação pela FIT – Faculdade Impacta de Tecnologia. Bacharel em Direito pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Professora de Direito Civil e Ética na Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Palestrante da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de SP. Membro da Comissão de Pesquisa e Pós-Graduação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de SP. Defensora Dativa no II Tribunal de Ética e Disciplina – TED – Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de SP (2010-2015).
A obra Manual de Ética Profissional e Estatuto da OAB foi elaborada por Diogo Basilio Vailatti, Glaucia Guisso Fernandes e Lucimara Aparecida Main, compondo a Coleção de Manuais pensada para a graduação do curso de Direito, preparação para o Exame de Ordem e diversos concursos públicos. O foco do manual será analisar a ética profissional sob três prismas: advocacia, serviço público e conciliadores/mediadores. A importância da obra nota-se em função da necessidade das noções éticas para a vida profissional, bem como dos recorrentes questionamentos sobre o tema no Exame de Ordem e nos concursos públicos. Todos os livros da coleção, bem como o presente, foram organizados por renomados professores (especialistas na área) e trazem estrutura didática, com destaques para pontos mais relevantes da temática abordada, incluindo esquemas, quadros-resumo e questões comentadas.
Especificações Formato: 170 mm x 240 mm No de páginas: 328 Miolo: offset 63 g Capa: cartão 250 g
ISBN: 978853395270-6
9 788533 952706
Capa: Sergio A. Pereira
Esta coleção, certamente, consistirá em importante instrumento para o estudo de cada uma das disciplinas da graduação em Direito, bem como será um diferencial na sua caminhada acadêmica e profissional, possibilitando excelentes resultados em provas e concursos.