Uso da biomassa para produção de energia na indústria brasileira

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VISÃO GERAL DE ENERGIA E BIOMASSA

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David O. Hall Jo I. House Ivan Scrase

Resumo ATUALMENTE , A BIOMASSA É RESPONSÁVEL por um terço da energia consumida nos países em desenvolvimento — variando de cerca de 90% em países como Uganda, Ruanda e Tanzânia a 45% na Índia, 30% na China e no Brasil e de 10% a 15% no México e África do Sul. Esses percentuais variam muito pouco, ainda que esses países consumam mais combustíveis fósseis/comerciais. As questões cruciais que se colocam são se haverá uma redução, no século XXI, do número de pessoas dependentes de biomassa para geração de energia, cerca de 2 bilhões, e quais serão as conseqüências duradouras dessa “eterna” dependência para o desenvolvimento econômico e meio ambiente locais e globais. Em 1996, o Banco Mundial reconheceu que “as políticas energéticas terão que contemplar o fornecimento e uso de biocombustíveis da mesma forma como tratam dos combustíveis modernos”. Muitos países desenvolvidos obtêm da biomassa uma quantidade significativa de sua energia primária: 4% nos EUA, 14% na Áustria, 18% na Suécia e 20% na Finlândia. Hoje, a energia da biomassa é responsável pelo fornecimento de pelo menos 2 EJ por ano na Europa Ocidental, o que representa cerca de 4% da energia primária utilizada (54 EJ). As estimativas apontam para um potencial de 9 a 13,5 EJ na Europa em 2050, dependendo da área disponível para cultivo, do rendimento e da possibilidade de recuperação dos resíduos. A contribuição

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da biomassa representa de 17% a 30% da demanda total de energia projetada para 2050. Existe um potencial considerável para a modernização do uso dos combustíveis de biomassa na produção de vetores energéticos convenientes, como eletricidade, gases e combustíveis automotivos, ao mesmo tempo em que se preservam usos tradicionais da biomassa. Essa modernização do uso industrial da biomassa já acontece em muitos países. Quando produzida de forma eficiente e sustentável, a energia da biomassa traz inúmeros benefícios ambientais e sociais em comparação com os combustíveis fósseis. Esses benefícios incluem o melhor manejo da terra, a criação de empregos, o uso de áreas agrícolas excedentes nos países industrializados, o fornecimento de vetores energéticos modernos a comunidades rurais nos países em desenvolvimento, a redução dos níveis de emissão de CO2, o controle de resíduos e a reciclagem de nutrientes. Maiores benefícios ambientais e energéticos podem derivar do cultivo de plantas perenes e florestas antes que de plantações com safras anuais, que são matéria-prima alternativa de curto prazo para a produção de combustíveis. Os sistemas agroflorestais podem desempenhar um papel importante na obtenção de energia e de vários outros benefícios para os agricultores e as comunidades. Para diminuir os níveis de emissão de CO2, o uso da biomassa como um substituto dos combustíveis fósseis (substituição total, co-firing etc.) é mais vantajoso, do ponto de vista socioeconômico, do que o uso de florestas para seqüestrar o carbono. Figura 1.1 — Consumo mundial de energia

Hidro 6%

Nuclear 5%

Biomassa 13%

Gás 19%

Mundo

Petróleo 33%

Total: 386 EJ, 9.205 Mtpe População: 5,3 bilhões 73 GJ per capita

Car vão mineral 24%

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Hidro 6%

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Biomassa 3%

Nuclear 8%

Petróleo 36%

Gás 24%

Países industrializados Total: 257 EJ, 6.131 Mtpe (67%) População: 1,3 bilhão (25%) 204 GJ per capita

Carvão mineral 23%

Hidro 6% Nuclear 1% Biomassa 33%

Gás 8%

Países em desenvolvimento Total: 129 EJ, 3.074 Mtpe (33%) População: 4,0 bilhões (75%) 32 GJ per capita Petróleo 25%

Carvão mineral 27%

Fonte: Hall e House (1995). Países industrializados: BP Statistical Review of World Energy 1990, British Petroleum PLC, Reino Unido (países industrializados = todos os países da O ECD mais o Leste Europeu e a ex-U RSS ). Países em desenvolvimento: 1990 UN Energy Statistics Yearbook, Nações Unidas, Nova Iorque, 1992. Biomassa: dados de 1987 obtidos em Biomass Users Network (BUN) (Rosillo-Calle e Hall, 1991). Nuclear e hidro convertidos em bases de petróleo equivalente para produzir a mesma quantidade de eletricidade. Mtpe = milhões de toneladas de petróleo equivalente.

Estudos de caso são apresentados neste capítulo para vários países, discutindo as dificuldades envolvidas na modernização da energia oriunda da biomassa e o potencial para transformá-las em oportunidades de empreendimentos. Conclui-se que os impactos de longo prazo dos programas e projetos relativos à biomassa dependem, principalmente, da garantia de geração de renda, sustentabilidade ambiental, flexibilidade e replicabilidade, ao mesmo tempo em que se consideram as condições locais e se oferecem vários benefícios, uma característica importante dos sistemas agroflorestais. A energia da biomassa deve ser ambientalmente aceitável

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para que seja assegurada a difusão de seu uso como uma fonte de energia moderna. A implementação de projetos de uso de biomassa exige iniciativas políticas governamentais que internalizem os custos econômicos, sociais e ambientais externos das fontes convencionais de combustível, de modo que os combustíveis produzidos a partir da biomassa possam competir “em pé de igualdade”.

1.1 Introdução UM QUINTO DE TODA A ENERGIA mundial é gerado a partir de recursos renováveis: de 13% a 14% a partir da biomassa e 6% a partir da água (Figura 1.1). No caso da biomassa, isso representa cerca de 25 milhões de barris de petróleo por dia (55 EJ/ano). Nos países em desenvolvimento, a biomassa é a fonte de energia mais importante (33% do total) para seus habitantes, que representam três quartos da população mundial. Devido ao fato de os dados sobre o uso da biomassa, para muitos desses países, não estarem disponíveis e, para outros, não serem regularmente atualizados, os valores globais exatos do uso da biomassa não estão disponíveis. Em alguns países em desenvolvimento, a biomassa é responsável pelo fornecimento de 90% ou mais da energia total. A biomassa também é usada como fonte de energia em alguns países industrializados, como os Estados Unidos (4%, equivalente em conteúdo energético a 1,9 milhão de barris de petróleo por dia), Áustria (14%) e Suécia (18%). A biomassa, geralmente e de forma errônea, é tida como um combustível inferior e raramente é incluída nas estatísticas energéticas, quando, na verdade, deveria ser considerada uma fonte renovável e equivalente aos combustíveis fósseis. Ela oferece flexibilidade, pois tem várias aplicações e pode ser usada na produção de diversos combustíveis. A biomassa pode ser queimada diretamente para produzir eletricidade ou calor, ou pode ser convertida em combustíveis sólidos, gasosos e líquidos por meio de tecnologias de conversão como a fermentação, empregada para produzir alcoóis, a digestão bacteriana, para produzir biogás, e a gaseificação, para produzir um substituto do gás natural. Os resíduos industriais, agrícolas e florestais podem ser usados como fontes de biomassa ou podem os plantios energéticos, como os de árvores e cana-de-açúcar, ser cultivados especificamente para serem convertidos em energia.

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No decorrer da história, o uso da biomassa tem variado consideravelmente, sob a influência de dois fatores principais: a densidade demográfica e a disponibilidade de recursos. Uma vez que a produção fotossintética anual da biomassa é cerca de oito vezes maior que a energia total usada no mundo e que essa energia pode ser produzida e usada de forma ambientalmente sustentável, visto que não libera CO2, não resta dúvida de que essa fonte potencial de energia armazenada deve ser cuidadosamente levada em consideração em qualquer discussão sobre o fornecimento de energia nos dias atuais e no futuro. O fato de que, no ano 2050, aproximadamente 90% da população mundial estará vivendo em países em desenvolvimento sugere que o cultivo da biomassa para fornecer energia estará muito presente entre nós no futuro, a menos que haja mudanças drásticas nos padrões mundiais de comercialização de energia. As informações sobre os padrões de produção e uso da biomassa são inadequadas até mesmo para serem tomadas como base para suposições, e mais inadequadas ainda para serem consideradas na criação de políticas e implementação de planos. Nos anos 80, discutiu-se muito uma suposta defasagem, em alguns países, na produção de lenha retirada das florestas plantadas e das matas nativas e o uso dessa lenha. Teriam as árvores sido extintas em Ruanda ou na Tanzânia, para citar dois exemplos, em 1987 ou 1990, como calculado por vários protagonistas? É claro que ainda há muitas árvores nesses países! Entretanto, não sabemos muito bem por que as estimativas de fornecimento de biomassa estavam erradas. Tampouco sabemos como coletar os dados de forma mais eficiente, quando a crescente preocupação com o cultivo da biomassa para energia não dispõe do financiamento necessário, em comparação com os recursos disponíveis para se analisar a produção e o uso dos combustíveis convencionais. Considerar somente a lenha como fonte de biomassa é um erro, pois faz com que o uso de outras fontes, como carvão vegetal, resíduos agrícolas sazonais, resíduos florestais e esterco de aves, seja ignorado em muitos países. Esses resíduos podem representar 30% a 40% do fornecimento total de biomassa. Além disso, a produção de lenha não se faz necessariamente com o corte de árvores e galhos, mas, em geral e principalmente, consiste em coletar gravetos e pequenos galhos, sem causar sérios danos às árvores. Dessa forma, as estatísticas de fornecimento e uso de biomassa devem considerar todas as formas de biomassa, monitoradas durante todas as estações do ano. Esses dados deveriam ser disponibilizados em intervalos

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regulares de tempo e usados no reconhecimento de tendências e no planejamento de ações futuras. É evidente que os dados sobre o uso de biomassa devem ser associados a informações precisas sobre o fornecimento de biomassa para que os balanços nacionais e regionais possam ser monitorados e para que se possa averiguar se ocorrem esgotamentos de recursos ou se um fornecimento sustentável de biomassa é possível. Outra questão importante é fazer com que as pessoas se adaptem ao fornecimento limitado de biomassa para que a sustentabilidade possa ser assegurada. Outro fato que quase nunca se reconhece ou documenta é que a biomassa, além de ser usada para cocção de alimentos nos setores doméstico e comercial, também serve como fonte de energia em processamentos agroindustriais e na fabricação de tijolos, telhas, cimento, fertilizantes e outros. Podem ser numerosos os exemplos desses usos, que não na cocção de alimentos, especialmente ao redor de vilas e cidades. Além disso, os vilarejos rurais e as indústrias de pequeno porte geralmente têm a biomassa como uma importante fonte de energia e desempenham um papel importante nas economias rural e nacional, que, cada vez mais, são o foco de políticas de desenvolvimento industrial. A biomassa energética provavelmente permanecerá como principal fonte de aquecimento nessas indústrias por muitos anos, uma vez que atualmente é a única economicamente viável e potencialmente sustentável que tem sido usada em média e larga escala. Na Índia, por exemplo, essas indústrias representam cerca de 50% do setor da manufatura e são responsáveis por grande parte dos empregos no país, sendo superadas somente pelo setor agrícola. O uso da biomassa energética, especialmente nas suas formas tradicionais, é difícil de ser quantificado, acarretando, assim, problemas adicionais. As duas principais razões para isso são as seguintes: a) a biomassa geralmente é considerada um combustível inferior e poucas vezes é incluída nas estatísticas oficiais e, quando o é, tende a ser desvalorizada. Usos tradicionais de bioenergia — como, por exemplo, na forma de lenha, carvão, esterco de animais e resíduos agrícolas — são erroneamente associados com os problemas do desmatamento e da desertificação. Por exemplo, na região central da Zâmbia, a principal área de produção de carvão vegetal do país, não há evidências de degradação da terra devido ao desmatamento causado pela produção de lenha para ser queimada ou para a produção de carvão;

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b) dificuldades em medir, quantificar e manusear a biomassa, visto que se trata de uma fonte de energia dispersa, e seu uso ineficiente resultam na obtenção de pouca energia útil. O carvão vegetal, por exemplo, é um combustível muito importante em muitos países em desenvolvimento, porém o rendimento na produção tem sido notoriamente baixo; por exemplo, cerca de 12% na Zâmbia e de 8% a 10% em Ruanda, em uma base seca. Existe um grande potencial para aumento de eficiência na produção de carvão vegetal. No Brasil, por exemplo, os melhores fornos têm uma eficiência em torno de 35%. A imagem relativamente pobre da biomassa está mudando devido a três razões principais, a saber: a) os consideráveis esforços feitos nos últimos anos, por meio de estudos, demonstrações e plantas-piloto, para se apresentar um quadro mais realista e equilibrado do uso e do potencial da biomassa; b) a crescente utilização da biomassa como um vetor energético moderno, principalmente em países industrializados; c) o crescente reconhecimento dos benefícios ambientais, locais e globais, do uso da biomassa e as medidas necessárias para o controle das emissões de CO2 e enxofre. Contrariando a expectativa geral, a utilização da biomassa em todo o mundo permanece estável ou está em crescimento por dois motivos: a) o crescimento demográfico; e b) a urbanização e melhoria dos padrões de vida. Conforme os padrões de vida sobem, muitas pessoas nas áreas rurais e urbanas nos países em desenvolvimento passam a usar a biomassa de formas diferentes, como, por exemplo, o uso de carvão vegetal e madeira em vez de resíduos e gravetos, o emprego da biomassa na produção de materiais de construção e em casas pré-fabricadas, além de outros usos. Por conseguinte, a urbanização não leva necessariamente a uma substituição da biomassa por combustíveis fósseis. Embora atualmente o uso da energia da biomassa seja predominantemente doméstico nas áreas rurais dos países em desenvolvimento, cada vez mais se percebe que também é uma fonte importante de combustível para os pobres que vivem nas cidades e para muitas indústrias de pequeno e médio porte. Deve-se então tratar, primeiramente, da questão da justiça

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social para os pobres, em particular para as mulheres, que são um elemento importante na provisão da energia da biomassa e no seu uso em atividades de cocção de alimentos. Em segundo lugar, aparece a questão do uso ambientalmente sustentável da terra, que requer que a biomassa, usada na cocção de alimento, produção de combustível etc., seja produzida de forma sustentável. Em terceiro lugar, o desenvolvimento e o crescimento do padrão de vida exigem um aumento do fornecimento de energia. Portanto, é imperativo que se concentre na produção e uso eficientes da biomassa energética, de modo que ela possa oferecer combustíveis modernos, como a eletricidade e combustíveis líquidos (a exemplo do que ocorre em muitos países industrializados), e também possa ser usada da forma tradicional, como fonte de calor. Espera-se que a demanda por biomassa cresça consideravelmente no futuro por várias razões. Primeiramente, como já se enfatizou, devido ao grande crescimento demográfico nos países em desenvolvimento; em segundo lugar, em decorrência do maior uso nos países industrializados, em parte por causa de questões ambientais; e, em terceiro lugar, por conta das tecnologias desenvolvidas atualmente, que permitirão a produção de novos combustíveis e o aperfeiçoamento dos já existentes ou da conversão de biocombustíveis em vetores energéticos mais eficientes, estimulando, dessa forma, a demanda por matéria-prima. Quando se consideram programas de bioenergia em larga escala, sejam eles globais ou locais, é necessário que se considerem os seguintes fatores: disponibilidade de terra (a curto e longo prazo), produtividades, espécies e variedades, sustentabilidade ambiental, fatores sociais, viabilidade econômica, benefícios indiretos, desvantagens e problemas decorrentes. Entre estes últimos, destacam-se o ciclo de nutrientes, a necessidade de fertilizantes e pesticidas, a relação consumo–produção de energia, os impactos causados na biodiversidade e na paisagem, a possibilidade de ocorrer erosões, eventuais concorrências com a produção de alimentos em terras férteis e o nível de subsídios necessários. Muitos desses problemas se minimizam quando a energia da biomassa é vista como uma forma de obtenção de vários benefícios locais e globais e como uma oportunidade de empreendimentos a longo prazo, para o melhor manejo da terra, com base em produtividades otimizadas e um investimento mínimo de recursos, enquanto se obtêm benefícios ambientais e sociais.

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O resto deste capítulo está dividido em sete seções. Na seção 1.2, o possível papel da biomassa como fonte de energia mundial no século XXI é examinado, destacando-se sete estudos recentes de cenários de desenvolvimento. A questão da disponibilidade de terra é abordada nesta seção. Enfatiza-se a necessidade de modernização da biomassa para que possa ser usada em serviços modernos de fornecimento de energia. Na seção 1.3, são examinados os custos das formas modernas de biomassa energética e os mercados em potencial para esses tipos de bioenergia. São discutidas também as barreiras à comercialização de sistemas de bioenergia e os possíveis efeitos de taxas cobradas sobre a emissão de carbono. Na seção 1.4, são fornecidos exemplos de uso da energia proveniente da biomassa, incluindo a eletricidade, a co-geração de calor e potência, as centrais de aquecimento, o biogás e os biocombustíveis líquidos produzidos a partir de vários tipos de matéria-prima. As questões relativas ao uso de florestas para fixar o CO2 ou ao uso da biomassa como um substituto de combustíveis fósseis para reduzir o nível de emissão de CO2 na atmosfera são discutidas na seção 1.5. As opções são complexas, uma vez que dependem dos padrões vigentes de uso da terra e das florestas. Porém, em última análise, a substituição de combustíveis que emitem CO2 é necessária para a preservação do meio ambiente global. Na seção 1.6, são discutidas várias questões ambientais que devem ser abordadas quando se implementam projetos de biomassa energética. Essas questões envolvem os balanços de energia e carbono, a reciclagem de nutrientes, a seleção de espécies, a biodiversidade, a conservação do solo e os projetos paisagísticos. Também é discutido o estabelecimento de um plano de diretrizes satisfatórias para agricultores, planejadores e o público em geral. Na última seção deste capítulo, enfatiza-se a atual competitividade de determinados tipos de energéticos oriundos da biomassa em alguns mercados. Numa conjuntura futura, em que outros tipos de combustíveis possam competir em “pé de igualdade”, a biomassa será favorecida devido aos problemas ambientais e socioeconômicos resultantes do uso de combustíveis fósseis e ao crescente interesse das grandes empresas produtoras de energia e dos governos preocupados com as questões das mudanças climáticas e da sustentabilidade.

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Este capítulo é baseado em seis artigos escritos por nosso grupo de pesquisadores de biomassa energética e publicados nos últimos anos. Consulte a bibliografia. Todas as referências bibliográficas são fornecidas nesses seis artigos.

1 . 2 Fu t u r o s c e n á r i o s g l o b a i s

para a biomassa energética NOS ANOS 90, FORAM PUBLICADOS vários estudos envolvendo cenários globais de energia que incluem questões como a eficiência na produção e consumo de energia e as energias renováveis. Alguns desses estudos abordaram a biomassa e previram importantes papéis para a bioenergia. Consideramos, a seguir, sete desses estudos. O primeiro deles, “As fontes renováveis — Cenário energético global intensivo” (“The renewables — Intensive global energy scenario — RIGES”), preparado como parte da Conferência UNCED, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, propõe uma participação importante da biomassa no século XXI. Sugere-se que até o ano 2050 as fontes renováveis de energia podem representar três quintos do mercado mundial de eletricidade e dois quintos do mercado de combustíveis diretos e que as emissões de CO2 em todo o mundo possam ser reduzidas em 75% dos níveis observados em 1985, benefícios que podem ser obtidos sem custos adicionais. Nesse cenário, a biomassa forneceria aproximadamente 38% dos combustíveis e 17% da eletricidade usados no mundo. Uma análise regional detalhada indica como a América Latina e a África poderiam tornar-se grandes exportadoras de biocombustíveis. O “Cenário energético ambientalmente compatível” (“The environmentally compatible energy scenario — ECES”), para o ano 2020, presume que as últimas tendências de mudança da estrutura tecnológica e econômica continuarão a predominar no futuro e assim, até certo ponto, atenderão simultaneamente aos propósitos econômicos e ambientais. O fornecimento de energia primária está estimado em 12,7 Gtep (533 EJ), dos quais 11,6% (62 EJ) seriam gerados a partir da biomassa obtida de resíduos, plantios energéticos e florestas. Esta estimativa não inclui os usos tradicionais e não-comerciais de biomassa energética nos países em desenvolvimento.

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O “Cenário energético sem combustíveis fósseis” (“A fossil-free energy scenario — FFES”) foi desenvolvido como parte de um estudo sobre o aquecimento global causado pela produção e consumo de energia, realizado pelo Greenpeace International. Estima-se que em 2030 a biomassa poderá fornecer 24% (91 EJ) da energia primária (384 EJ), em comparação com a estimativa dos apenas 7% (22 EJ) fornecidos hoje. A biomassa poderia ser fornecida tanto por países em desenvolvimento quanto pelos países industrializados. O “Conselho Mundial de Energia” (“The World Energy Council — WEC”) examinou quatro “casos” para o suprimento global de energia até 2020, em que a demanda de energia varia de uma demanda “baixa” (ecologicamente direcionada) de 475 EJ até uma “muito alta” de 722 EJ, com uma demanda “de referência” de 563 EJ. No caso ecologicamente direcionado, a biomassa tradicional poderia contribuir com cerca de 9% do suprimento total, enquanto a biomassa moderna forneceria 5% de um total de 24 EJ ou 561 Mtep. As novas energias renováveis (biomassa moderna, energias solar e eólica) poderiam, juntas, fornecer 12% do total. No caso de um alto crescimento da demanda, essas contribuições poderiam ser, respectivamente, 8% e 5% de um suprimento total mais alto. A Companhia Internacional de Petróleo Shell (Shell International Petroleum Company) realizou uma análise de quais seriam as principais fontes de energia depois do ano 2020, quando as energias renováveis já tiverem percorrido sua longa trajetória de amadurecimento e puderem competir com os combustíveis fósseis. Após 2020, em um cenário tendencial, as fontes renováveis, como a biomassa, as fontes eólica, solar e geotérmica, tornam-se as principais fontes de energia. No cenário de conservação, em que as novas formas de energia são menos necessárias, a biomassa torna-se a principal fonte, com uma participação pequena das outras fontes renováveis. Em ambos os cenários da Shell, os combustíveis fósseis inicialmente expandem sua participação no mercado, mas, após 2020, somente as fontes renováveis se expandirão. No cenário tendencial (crescimento sustentado), o uso total de energia em 2060 chega a 1.500 EJ (comparados aos 400 EJ hoje). Somente um terço desse total vem de combustíveis fósseis ou energia nuclear. A biomassa é responsável pelo fornecimento de 221 EJ (14% do total), dos quais 179 EJ vêm de plantios em vez de fontes tradicionais não-comerciais. As energias solar e eólica seriam res-

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ponsáveis pelo fornecimento de 260 e 173 EJ, respectivamente. No cenário de conservação (desmaterialização), o uso total de energia em 2060 é inferior a 940 EJ, dos quais 41% seriam fornecidos por combustíveis fósseis e energia nuclear. A biomassa provê 207 EJ (22% do total), com 157 EJ obtidos a partir de fontes exclusivas de bioenergia. As energias solar e eólica suprem 36 e 144 EJ, respectivamente. A Shell fundou, recentemente, a Shell International Renewables, que será um de seus principais empreendimentos e investirá, nos próximos cinco anos, meio bilhão de dólares em energia da biomassa e energia solar. O “Painel intergovernamental de mudanças climáticas” (“The intergovernmental panel on climate change — IPCC”) considerou várias opções de mitigação das mudanças climáticas, prevendo um aumento do uso de energia oriunda da biomassa em todos os seus cinco cenários. Neles, a biomassa tem uma participação crescente no total da energia produzida e consumida no século XXI, com um crescimento de 25% a 46% em 2100. No cenário de uso intensivo da energia da biomassa, no qual ela seria responsável por 46% da produção total de energia em 2100, o objetivo de estabilizar os níveis atuais de emissão de CO2 na atmosfera é atingido. Os níveis anuais de emissão de CO2 caem de 6,2 GtC, em 1990, para 5,9 GtC, em 2025, e para 1,8 GtC, em 2100. Isso resulta em um acúmulo de emissões de 448 GtC, entre 1990 e 2100, comparado a 1.300 GtC em seu cenário tendencial. O estudo do IIASA–WEC de 1998, “As perspectivas energéticas globais” (“Global energy perspectives”), examinou três cenários principais — caso A: crescimento elevado; caso B: meio-termo e caso C: ecologicamente direcionado. No caso A, três subcenários foram analisados: caso A1 com petróleo e gás, caso A2 com carvão mineral e caso A3 com biomassa e energia nuclear. No cenário A3, a biomassa poderia contribuir com aproximadamente 17% (316 EJ) da energia total até 2100 e, no cenário C1 (fontes renováveis e energia não-nuclear), a biomassa forneceria cerca de 30% (245 EJ) de um total menor de energia (878 EJ para C1 e 1.855 EJ para A3). O “Panorama energético mundial”, estudo realizado pela Agência Internacional de Energia, em 1998, abordou pela primeira vez o papel atual da biomassa energética e seu potencial futuro. Estima-se que até 2020 a biomassa estará contribuindo com 60 EJ (em comparação com as estimativas atuais de 44 EJ, 11% da energia total), o que corresponderá a 9,5% do suprimento total de energia. No período de 1995 a 2020 se verificará uma

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taxa de crescimento anual de 1,2% no suprimento de biomassa, em comparação com uma taxa de 2% para as formas convencionais de energia. A Tabela 1.1 apresenta as estimativas para o uso de biomassa no futuro a partir desses sete estudos. Os dados devem ser comparados com os do uso atual total de energia de aproximadamente 400 EJ, dos quais cerca de 55 EJ são obtidos a partir da biomassa, na maioria das vezes usada na forma de fontes tradicionais de energia. Tabela 1.1 — Papel de fontes moder nas de ener gia da biomassa no modernas energia suprimento global de energia no futuro (EJ), segundo Hall e Scrase (1998) Ano do cenário

Cenário 2025 a

2050

2100

IEA (1998)

60

I IASA –WEC (1998)

82 b

153 b

316 b

c

c

245 c

59 Shell (1996) I PCC (1996)

97

85

200-220

320

72

280

Greenpeace (1993)

114

181

Johansson et al. (1993)

145

206

59

94-157

WEC (1993) Dessus et al. (1992)

135

Lashof e Tirpak (1991)

130

— 215

— — 132-215 — —

Fontes: IEA (1988), I IASA –WEC (1998), Hall e Scrase (1998). a

2020 (suprimento total de energia primária).

b

Cenário A3 (nível de crescimento elevado — biomassa e nuclear).

c

Cenário C1 (ecologicamente direcionado — grandes projetos de energia renovável, sem energia nuclear).

A expectativa de maior participação da biomassa no suprimento de energia no futuro pode ser explicada por vários motivos. Primeiramente, os combustíveis obtidos a partir da biomassa podem substituir mais ou menos diretamente os combustíveis fósseis na atual infra-estrutura de suprimento de energia. As energias renováveis intermitentes, como eólica e solar, representam um desafio à maneira como distribuímos e consumimos energia. Em segundo lugar, os recursos em potencial (consulte a seção 1.2.2) são abundantes, uma vez que há disponibilidade de terras. As terras não destinadas à plantação de alimentos e os produtos agrícolas continuam a crescer mais do que a taxa de crescimento demográfico. Em terceiro lugar, nos países em desenvolvimento, a demanda por energia está crescendo rapidamente devido ao crescimento da população, à urbani-

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zação e à melhoria dos padrões de vida. Enquanto ocorrem algumas substituições de combustíveis nesse processo, a demanda total por biomassa também tende a crescer. As evidências em Mianmá, Madagascar, Zâmbia e Ruanda, por exemplo, indicam que a urbanização provoca um aumento da demanda por biomassa, principalmente por carvão vegetal para uso doméstico e industrial. Mesmo na Ásia Oriental e no Pacífico, onde há um considerável crescimento econômico e aumento no uso de combustíveis fósseis, a biomassa representa 33% do suprimento de energia. Como observado anteriormente, o Banco Mundial recentemente concluiu que “as políticas energéticas terão que contemplar o suprimento e uso de biocombustíveis assim como se incumbem dos combustíveis modernos [...] além de apoiar as formas mais eficientes e sustentáveis de uso dos biocombustíveis”. Essa mudança de perspectiva do Banco Mundial é muito significativa, embora a citação acima reproduza a concepção equivocada de que os biocombustíveis não podem, necessariamente, ser “modernos”.

1.2.1 A biomassa provendo combustíveis modernos

A biomassa tem um enorme potencial a ser explorado, principalmente no que diz respeito ao melhor aproveitamento das florestas existentes e de outros recursos da terra, à maior produtividade das plantas e a processos de conversão eficientes que empregam tecnologias avançadas. A biomassa tem um potencial de produção de energia muito maior do que o explorado hoje. Ela pode integrar-se a uma matriz de fontes de combustíveis, oferecendo maior flexibilidade de suprimento e segurança na produção, distribuição e consumo de energia. A bioenergia pode ser usada em pequena e larga escala de forma descentralizada, trazendo importantes benefícios tanto para a economia rural quanto urbana. A criação de empregos também é um fator importante nos países industrializados e o cultivo da biomassa propiciará o uso economicamente viável da terra improdutiva, posta de lado com o objetivo de evitar a superprodução de produtos agrícolas na Europa, América do Norte e em outros países. O desenvolvimento da produção de energia da biomassa em larga escala provavelmente dependerá, no futuro, de plantios energéticos específicos como, por exemplo, árvores, cana-de-açúcar, herbáceas perenes, capins perenes e colza. Para que esse processo seja bem-sucedido, a produ-

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tividade da biomassa, que é geralmente baixa, deve ser melhorada. As espécies florestais, por exemplo, têm uma produtividade menor que 5 t/ha/ ano (base seca) quando mal manejadas. Com um bom manejo, pesquisa e treinamento contínuos e o plantio de espécies e clones selecionados em solo apropriado, é possível obter uma produtividade de 10 a 15 t/ha/ano em regiões de clima temperado e de 15 a 25 t/ha/ano em países tropicais. Recordes de produtividade de 40 t/ha/ano foram obtidos com o eucalipto no Brasil e na Etiópia. Produtividades mais elevadas são possíveis também com plantio de herbáceas. No Brasil, por exemplo, a produtividade anual média da cana-de-açúcar cresceu de 47 para 65 t/ha/ano (massa colhida) nos últimos 15 anos. Em lugares como Havaí, África do Sul, Zâmbia e Austrália, é muito comum uma produtividade acima de 100 t/ha/ano. A produtividade atual e projetada e o custo de produção de plantações de biomassa nos Estados Unidos também foram calculados, junto com seus balanços energéticos. As produtividades líquidas atual e projetada variam, no caso do capim, de 9 t/ha/ano (seco em forno) em 1990 para 14,4 t/ha/ano em 2010 e, no caso da cana, de 18,5 t/ha/ano em 1990 para 29,3 t/ha/ano em 2010. Os balanços energéticos (relação produção–consumo de energia) crescem de 10,3 e 15,3 em 1990 para o capim e o choupo híbrido, respectivamente, para 11,7 e 18,5 em 2010, enquanto os custos caem de US$ 2,7-3,9/GJ em 1990 para US$ 1,9-2,7/GJ em 2010.

1.2.2 A disponibilidade de terra

A disponibilidade de terras é vista como uma limitação para a produção de biomassa em larga escala, mas há muitas áreas potencialmente disponíveis. Nos países tropicais, há grandes áreas de terras desmatadas e degradadas que se beneficiariam com a plantação de biomassa para fins energéticos. Por exemplo, em uma análise bem detalhada das áreas florestais de 117 países tropicais, constatou-se que em 11 deles poderia haver uma expansão dessas áreas em até 553 Mha. O Instituto de Pesquisa de Recursos Mundiais (The World Resources Institute) concluiu que, em 50 países tropicais, uma área de 67 Mha poderia ser realisticamente transformada em plantações nos próximos 60 anos, uma área de mais de 200 Mha poderia ser recuperada e, ainda, outros 63 Mha estariam disponíveis para o agroreflorestamento. Além disso, um outro estudo verificou que

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uma área de 265 Mha estaria disponível para reflorestamento e 85 Mha poderiam ser usados para o agroreflorestamento. O estudo “Agricultura rumo a 2010” (“Agriculture towards 2010”), realizado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), calculou o potencial de terras adequadas para plantio em mais de 90 países em desenvolvimento. É possível calcular a provável demanda de terras para plantio no futuro e subtrair esse valor do total estimado de terras agrícolas para obter uma estimativa das terras produtivas teoricamente remanescentes em 2025. A produção potencial de energia nessa área “remanescente” foi calculada levando em conta uma produtividade de biomassa de 10 t/ha/ano (150 GJ/ha/ano). De maneira geral, os países em desenvolvimento estarão usando somente 40% do seu potencial de terras para plantio em 2025, mas esse valor varia muito conforme as regiões. A Ásia, com exceção da China, cujos valores não estavam disponíveis, terá um deficit de 47 Mha, porém as produtividades da maioria dos plantios de produtos agrícolas usados na alimentação são baixas e existe uma grande possibilidade de melhora com o uso de variedades genéticas superiores e melhor manejo. As tecnologias agrícolas que propiciam ganhos de produtividade, como as variedades geneticamente desenvolvidas e as técnicas de manejo, ainda não são acessíveis a muitos fazendeiros e poderiam aumentar as produtividades em até 50%. A África, atualmente, usa apenas um quinto de seu potencial de terras para plantio e, em 2025, teria ainda 75% remanescentes, nas quais, teoricamente, poderia ser produzido um total de cerca de 10 vezes o seu consumo atual de energia. A América Latina usa somente 15% de seu potencial de terras para plantio e ainda teria 77% remanescentes em 2025, que poderiam produzir aproximadamente oito vezes o seu consumo atual de energia. As grandes extensões de áreas agrícolas excedentes na América do Norte e Europa poderiam tornar-se importantes áreas produtoras de biomassa. Nos Estados Unidos, os fazendeiros são pagos para não cultivarem cerca de 10% de suas terras e, na Europa, até 15% das terras produtivas podem constituir uma reserva não cultivada, embora esse percentual tenha variado nos últimos cinco anos. Além dos 30 Mha de terras mantidos improdutivos nos Estados Unidos, com o objetivo de evitar a superprodução ou conservar a terra, outros 43 têm um alto índice de erosão e mais 43 apresentam problemas de “aridez”, que poderiam ser atenuados com o cultivo de plantas perenes para a produção de energia. O Departamento

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de Agricultura dos Estados Unidos estima que mais 60 Mha poderão ser mantidos improdutivos nos próximos 25 anos. Na União Européia, formada por 12 países, pelo menos entre 15 e 20 Mha de terras agrícolas produtivas, área do tamanho da Inglaterra e do País de Gales juntos, podem ser mantidos improdutivos até os anos 20002010 e esse valor poderia aumentar para mais de 50 Mha ao longo do século XXI. Se toda essa terra fosse utilizada para plantar árvores, isso representaria um sumidouro anual de 90 a 120 MtC em um futuro próximo, levando em conta que a biomassa seca em forno é constituída por 50% de carbono e que a meta de produtividade de 12 t/ha/ano do Programa de Energia da Biomassa da União Européia seja alcançada. Alternativamente, essa área poderia fornecer entre 3,6 e 4,8 EJ/ano de energia da biomassa, substituindo de 90 a 120 Mt das emissões de carbono a partir do carvão, de 72 a 96 Mt das emissões a partir de petróleo, ou de 50 a 67 Mt a partir do gás natural (de 7% a 17% do total de emissões de carbono na União Européia em 1991). É possível fazer uma estimativa da extensão de terra global necessária para o cultivo de biomassa para atender ao consumo atual de energia (um resultado muito pouco provável). Supondo que uma produtividade média de 12 t/ha/ano seja alcançada no século XXI, que se tenha um conteúdo energético médio de 20 GJ/t de biomassa seca em forno e que os resíduos recuperáveis também sejam usados, isso indicaria que 950 Mha de terra seriam necessários para o cultivo de biomassa energética para substituir os combustíveis fósseis nas áreas industrializadas, embora nos países em desenvolvimento fossem necessários “somente” 305 Mha. Portanto, em escala global, há terra suficiente disponível para permitir que a biomassa cause um significativo impacto nos níveis de emissão de carbono na atmosfera e na produção de energia. Os países em desenvolvimento também poderiam beneficiar-se economicamente de suas terras, produzindo combustíveis a partir de biomassa que pudessem ser exportados para as regiões industrializadas ou permitindo que os países mais ricos pagassem pela implementação de tais plantações para contrabalançar seus altos níveis de emissão de carbono, como já vem ocorrendo em esquemas experimentais. Entretanto, esse procedimento pode mostrar-se pouco prático com o decorrer do tempo e provavelmente não-eqüitativo, a menos que haja benefícios locais durante o cultivo da biomassa e que ela seja usada para substituir combustíveis fósseis.

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1.3 Os custos e mercados da bioenergia moderna CONFORME SALIENTADO PELA REVISTA The Economist, “a biomassa tem que ser lucrativa, além de virtuosa”. Os custos da bioenergia já são competitivos em determinadas circunstâncias e, à medida que as tecnologias se tornam mais desenvolvidas, continuarão a diminuir. Entretanto, a maioria das tecnologias de obtenção de energia a partir da biomassa ainda não chegou ao estágio em que as forças de mercado possam, sozinhas, possibilitar sua adoção. Uma das principais barreiras à comercialização de todas as tecnologias de energia renovável é o fato de os mercados de energia atuais, de forma geral, ignorarem os custos sociais e ambientais do uso de combustíveis fósseis e os riscos associados a ele. As tecnologias de energia convencionais podem impor à sociedade vários custos externos, como, por exemplo, a degradação ambiental e os gastos com tratamentos de saúde, difíceis de serem calculados. Entretanto, as fontes de energia renováveis com baixo ou nenhum custo externo e com impactos externos positivos, como a diminuição dos níveis de emissão de SO2 e CO2, a criação de empregos, a regeneração de áreas rurais e a economia de divisas, são sistematicamente apresentadas como desvantajosas. Além disso, as fontes de energia convencionais tendem a receber grandes subsídios. A internalização dos custos e benefícios externos e a relocação mais eqüitativa de subsídios devem tornar-se uma prioridade para que todas as energias renováveis possam competir com os combustíveis fósseis em “pé de igualdade”. A busca de novas opções políticas precisa do estímulo de instrumentos políticos apropriados, como os créditos e as taxas sobre a emissão de enxofre e carbono. Na Suécia, taxas sobre a emissão de carbono foram introduzidas em 1991, equivalentes a aproximadamente US$ 150/tC, e são menores hoje. Na Noruega, a taxa é de US$ 120/tC. As estimativas de custo de redução das emissões de CO 2 podem variar consideravelmente, muitas vezes por um fator de 2 ou 3. Um artigo da OECD (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) apresenta a estimativa de que, para reduzir a emissão de carbono em 20% entre 1990 e 2010 e mantê-la estabilizada, seria necessária uma taxa média de US$ 210/tC em todo o mundo, o que equivale a US$ 36 por barril de petróleo (os impostos incidentes sobre o petróleo, em alguns países da Europa, são equivalentes hoje a uma taxa sobre a emissão de carbono

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de US$ 200/tC). A União Européia propôs uma taxa sobre a emissão de carbono de US$ 3 por barril de petróleo em 1993, que aumentaria progressivamente para US$ 10 por barril em 2000, o equivalente a US$ 0,5 por litro de gasolina ou US$ 0,15 por kWh de eletricidade gerada. Como as produtividades e tecnologias de conversão estão se aperfeiçoando, os custos estão baixando e continuarão a cair à medida que essa indústria se torne mais desenvolvida. Por exemplo, os custos unitários de construção de uma planta diminuem drasticamente à medida que mais plantas são construídas. O custo unitário de construção de um protótipo de gaseificador BIG–GT (veja abaixo) é de aproximadamente US$ 3 mil/ kW; já o custo unitário de construção de dez plantas idênticas cai para US$ 1.300/kW. O EPRI , Instituto de Pesquisa de Energia Elétrica dos Estados Unidos, calculou que o custo de produção de biomassa florestal em 1990 era de US$ 25/t e poderia ser reduzido para US$ 15/t em 2010. O custo de geração de energia com o uso de tecnologias de conversão mais eficientes e o cultivo dedicado de biomassa deverá situar-se em torno de US$ 0,6/kWh.

1 . 4 E xe m p l o s d e p r o j e t o s e u s o d e b i o e n e r g i a Finlândia

A FINLÂNDIA PRODUZ MAIS DE 20% de sua energia primária a partir de biomassa, com um consumo total equivalente a 6,1 milhões de tep (toneladas equivalentes de petróleo) em 1995. Cerca de 70% dessa energia é produzida a partir de combustíveis derivados, principalmente o licor negro resultante da produção de celulose, mas também cavacos e resíduos florestais; os outros 30% são obtidos a partir de turfa. A indústria de papel e celulose usa resíduos florestais e licor negro para suprir 60% de seu consumo de combustível, com plantas modernas de celulose capazes de atender todo o consumo próprio e também gerar uma quantidade excedente de eletricidade e combustíveis líquidos. Centrais distritais de aquecimento são usadas desde 1952 e suprem mais de 40% da demanda de aquecimento ambiental do país. Mais da metade das grandes centrais distritais de aquecimento usa biocombustíveis, da mesma forma que as centrais menores, e plantas de cogeração de calor e potência, queimando turfa, estão sendo introduzidas em algumas cidades maiores.

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Uma das razões para o sucesso da indústria de bioenergia na Finlândia é o apoio significativo do governo. Existem recursos de biomassa suficientes para se gerar o dobro da energia atualmente produzida, graças aos recursos florestais disponíveis e às reservas de terra não cultivadas. O governo fixou uma meta de aumento do uso de bioenergia de 1,5 milhão de tep até 2005, reduzindo com essa medida o nível de emissão de CO2 em 4,2 milhões de toneladas, o que corresponde a 6,7% da emissão total desse gás em 1996. Suécia

A Suécia obtém 18% de seu consumo total de energia (87 TWh ou 315 PJ por ano) a partir de biocombustíveis. O uso desses combustíveis pode ser dividido em três setores diferentes: 1) A indústria de produtos florestais tradicionalmente converte seus subprodutos em calor e eletricidade para consumo próprio. Em 1996, foram obtidos 36 TWh de licor negro, 7 TWh de resíduos de celulose e 9 TWh de resíduos de serraria. 2) O consumo doméstico anual por residência em 1996 foi de 12 TWh de lenha, geralmente na forma de toras usadas para aquecimento ambiental. 3) O uso de biocombustíveis para aquecimento distrital está crescendo rapidamente e representou 23 TWh em 1996. Desse montante, 12,4 TWh foram obtidos de combustíveis florestais (geralmente não processados), 4,5 TWh vindos de resíduos e 3,5 TWh a partir de turfa. Os plantios energéticos, de árvores e capim, foram usados também, mas, como acontece ainda hoje, contribuíram com uma quantidade pequena de energia. Existe um grande potencial para a produção de energia a partir de combustíveis oriundos da biomassa nativa, principalmente resíduos agroindustriais e plantios energéticos cultivados em terras marginais e em outros tipos. Atualmente, mais de 18 mil ha de salgueiro de curta rotação estão sendo cultivados em esquemas de bioenergia. A Suécia também importou uma pequena quantidade de combustíveis oriundos da biomassa, o que indica o potencial para o desenvolvimento de um comércio internacional de biocombustíveis no futuro.

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