Por dentro da caixa-preta

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POR DENTRO DA CAIXA-PRETA


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Reitor JOSÉ TADEU JORGE Coordenador Geral da Universidade FERNANDO FERREIRA COSTA

Conselho Editorial Presidente PAULO FRANCHETTI ALCIR PÉCORA – ARLEY RAMOS MORENO – EDUARDO DELGADO ASSAD JOSÉ A. R. GONTIJO – JOSÉ ROBERTO ZAN – MARCELO KNOBEL SEDI HIRANO – YARO BURIAN JUNIOR

Comissão Editorial da Coleção Clássicos da Inovação CARLOS H. DE BRITO CRUZ – SÉRGIO QUEIROZ AMÉRICO MARTINS CRAVEIRO – TAMÁS SZMRECSÁNYI – MARCELO KNOBEL Conselho Consultivo da Coleção Clássicos da Inovação TAMÁS SZMRECSÁNYI (coordenador) – ADRIANO DIAS BATISTA – EDUARDO ALBUQUERQUE ELIANE BAHRUTH – FÁBIO ERBER – GUILHERME ARY PLONSKI – JAIR DO AMARAL FILHO – JOÃO CARLOS FERRAZ JOSÉ CARLOS CAVALCANTI – JOSÉ MIGUEL CHADDAD – LUIZ MARTINS – MÁRIO POSSAS – MONICA TEIXEIRA PAOLO SAVIOTTI – ROBERTO VERMULM – RUY QUADROS DE CARVALHO – SERGIO BAMPI

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Nathan Rosenberg

POR DENTRO DA CAIXA-PRETA TECNOLOGIA E ECONOMIA


Leia os outros lançamentos da coleção: Trajetórias da inovação Tecnologia, aprendizado e inovação O quadrante de Pasteur Da imitação à inovação Uma teoria evolucionária da mudança econômica As fontes do crescimento econômico Mudança técnica e transformação industrial ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação R723p

Rosenberg, Nathan, 1927Por dentro da caixa-preta : tecnologia e economia / Nathan Rosenberg; tradutor: José Emílio Maiorino. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006. (Clássicos da Inovação) Tradução de: Inside the black box: technology and economics. 1. Inovações tecnológicas. 2. Tecnologia – Aspectos sociais. 3. Desenvolvimento econômico. I. Título.

ISBN

cdd 338.476 301.243 330.9

85-268-0742-0 Índices para catálogo sistemático: 1. Inovações tecnológicas 2. Tecnologia – Aspectos sociais 3. Desenvolvimento econômico

338.476 301.243 330.9

Inside the black box Published by The Press Syndicate of the University of Cambridge First published 1982 Copyright © 1982 by Nathan Rosenberg Copyright da tradução © 2006 by Editora da Unicamp 1a reimpressão, 2009 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.

Editora da Unicamp Rua Caio Graco Prado, 50 – Campus Unicamp Caixa Postal 6074 – Barão Geraldo CEP 13083-892 – Campinas – SP – Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br – vendas@editora.unicamp.br

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SUMÁRIO

PREFÁCIO................................................................................

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Parte I – VISÕES DO PROGRESSO TÉCNICO 1

A historiografia do progresso técnico ................................. 17

2

Marx como estudioso da tecnologia................................... 67

Parte II – ALGUMAS CARACTERÍSTICAS SIGNIFICATIVAS DAS TECNOLOGIAS

3

Interdependências tecnológicas na economia norte-americana ............................................................... 95

4

Os efeitos das características da oferta de energia sobre a tecnologia e o crescimento econômico ................. 131

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Sobre as expectativas tecnológicas ..................................... 163


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O aprendizado pelo uso .................................................... 185

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Quão exógena é a ciência? ............................................... 215

Parte III – DETERMINANTES MERCADOLÓGICOS DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

8

Mudança técnica na indústria de aeronaves comerciais, 1925-1975 – David C. Mowery e Nathan Rosenberg ....... 245

9

As implicações econômicas da revolução da VLSI – Nathan Rosenberg e W. Edward Steinmueller ................... 267

10 A influência da demanda de mercado nas inovações:

uma revisão crítica de alguns estudos empíricos recentes – David C. Mowery e Nathan Rosenberg ........... 289

Parte IV – TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA E LIDERANÇA: O CONTEXTO INTERNACIONAL

11 As transferências internacionais de tecnologia:

implicações para os países industrializados ......................... 363 12 A liderança tecnológica dos Estados Unidos e

a concorrência estrangeira: De te fabula narratur? ................ 411 LISTA DE TABELAS .................................................................... 429


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PREFÁCIO

O objetivo central deste livro pode ser enunciado de forma simples. Por muito tempo os economistas têm tratado os fenômenos tecnológicos como eventos acontecendo no interior de uma caixa-preta. Reconheceram, é claro, que esses eventos têm conseqüências econômicas significativas, e na verdade devotaram um considerável esforço e engenho para rastrear, e até mesmo mensurar, algumas dessas conseqüências.Apesar disso, a classe dos economistas acatou um tanto rigorosamente uma regra auto-imposta de não se interrogar muito seriamente sobre o que acontece nessa caixa. O propósito deste livro é abrir e examinar o conteúdo da caixa-preta à qual a mudança tecnológica foi consignada pelos economistas.Acredito que, agindo dessa forma, será possível esclarecer consideravelmente alguns importantes problemas econômicos. Isto porque as características específicas de certas tecnologias possuem ramificações no campo dos fenômenos econômicos que não podem ser compreendidas sem um exame minucioso de tais características.Tento mostrar, assim, nas páginas que seguem, como as características específicas de tecnologias individuais deram forma a alguns desenvol-

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vimentos de grande interesse para os economistas: o ritmo de melhoria da produtividade, a natureza do processo de aprendizagem subjacente à própria tecnologia, a rapidez da transferência tecnológica, e a eficácia das políticas governamentais com as quais se pretende influenciar as tecnologias de maneiras particulares. Os vários capítulos do livro refletem uma preocupação primordial com alguns dos aspectos que distinguem as tecnologias industriais do século XX: a crescente dependência com relação à ciência, mas também a considerável sutileza e complexidade da dialética entre a ciência e a tecnologia; o rápido crescimento dos custos de desenvolvimento associados a novas tecnologias e os dois fenômenos estreitamente relacionados – o dos longos tempos de gestação e o do alto grau de incerteza tecnológica –, associados à exata previsão das futuras características de desempenho das tecnologias emergentes; a estrutura em mutação tanto das relações intersetoriais como daquelas entre os fabricantes de bens de capital e seus eventuais usuários; e as características de uma tecnologia em mudança no decorrer de seu próprio ciclo de vida. Cada um dos capítulos da parte II representa uma tentativa de identificar algumas características significativas de tecnologias industriais avançadas específicas – ou do processo por meio do qual tais tecnologias emergiram e foram introduzidas na economia. Os capítulos das partes III e IV dão prosseguimento a esse exame contra o pano de fundo de uma preocupação com questões de políticas públicas e com as implicações da transferência tecnológica no contexto internacional. O livro começa por uma ampla revisão, na parte I, da literatura histórica sobre a mudança técnica. Essa revisão é uma tentativa de proporcionar um guia para um amplo conjunto de escritos, incluindo aqueles de alguns historiadores sociais e teóricos da sociedade, assim como os de economistas e historiadores econômicos, que lançam luz sobre a mudança tecnológica como fenômeno histórico. É desnecessário repisar dois pontos: (1) que a história passada é uma fonte indispensável de informações para quem quer que se interesse em ca-

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racterizar as tecnologias, e (2) que tanto os determinantes como as conseqüências da inovação tecnológica levantam questões que vão muito além dos domínios geralmente atribuídos a economistas e historiadores econômicos. O primeiro capítulo discute alguns aspectos da conceituação da mudança tecnológica e em seguida passa a considerar o que a literatura tem tido a dizer sobre (1) o ritmo da mudança tecnológica, (2) as forças que influenciam sua direção, (3) a rapidez com que novas tecnologias se difundiram, e (4) o impacto da mudança tecnológica sobre o crescimento da produtividade. Um capítulo separado é devotado a Marx. O impacto intelectual de Marx tem sido tão generalizado como para classificá-lo tanto como uma grande força social na história quanto como um intérprete externo da história. E ainda assim, muito curiosamente, meu argumento é que a análise de Marx da mudança tecnológica abriu caminhos para o estudo dos domínios da tecnologia pelos quais, posteriormente, quase ninguém passou. A parte II constitui, sob importantes aspectos, o núcleo do livro. Cada um de seus capítulos amplia uma argumentação a respeito de algumas características significativas das tecnologias industriais, características essas normalmente suprimidas em discussões sobre mudança tecnológica carentes de especificidade histórica ou conduzidas em contextos com altos níveis de agregação. O capítulo 3 explora uma variedade de formas pouco visíveis de como os melhoramentos tecnológicos penetram na economia. Cada uma dessas formas, argumenta-se, é importante na determinação das conexões entre as inovações tecnológicas e o crescimento da produtividade que emana da inovação. O capítulo 4 considera explicitamente algumas características significativas de diferentes formas de energia. Nos anos 1970, na seqüência do embargo árabe do petróleo, tornou-se uma prática comum tratar a energia como alguma grandeza indiferenciada, exprimível em btus, e cujo uso é de interesse da sociedade minimizar. Esse capítulo examina algumas das complexidades das interações de longo prazo entre a mudança tecnológica e as fontes de energia. Ele enfatiza, em

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particular, a freqüentemente imperfeita substitutividade entre fontes de energia em contextos industriais e a conseqüente subotimalidade dos critérios para sua utilização, que deixam de levar em conta as características específicas das diferentes formas de energia. O capítulo 5,“Sobre as expectativas tecnológicas”, aborda uma questão de relevância comum para uma ampla variedade de ramos industriais – de fato para todos os ramos que estejam experimentando ou com expectativas de experimentar taxas substanciais de aperfeiçoamento técnico. Meu argumento é de que uma tomada de decisão racional sobre a adoção de uma inovação requer cuidadosa consideração do que se espera do ritmo futuro da inovação tecnológica. Uma análise desse tipo levará com freqüência a decisões anti-intuitivas, até mesmo a ritmos de adoção mais lentos, que podem parecer irracionais a partir de outros pontos de vista.As expectativas com relação ao comportamento futuro dos sistemas tecnológicos e de seus componentes aparecem como um fator importante e negligenciado na difusão de novas tecnologias. Os últimos dois capítulos da parte II dizem respeito primordialmente a questões da maior relevância para os setores de alta tecnologia – setores nos quais o desenvolvimento de novos produtos envolve grandes custos de desenvolvimento, longos prazos de maturação e considerável incerteza tecnológica (especialmente com respeito às características de desempenho do produto), e que dependem de maneira significativa de conhecimentos próximos às atuais fronteiras da pesquisa científica. O capítulo 6, “O aprendizado pelo uso”, identifica uma fonte importante de aprendizagem que brota da experiência real com o uso de produtos caracterizados por um alto grau de complexidade sistêmica. Em contraste com a aprendizagem pela prática, que lida com o aperfeiçoamento de habilidades que têm sua origem no processo produtivo, a aprendizagem pelo uso envolve uma experiência que tem início onde termina a aprendizagem pela prática. A importância da aprendizagem pelo uso é explorada em algum detalhe com relação à indústria aeronáutica, mas há fortes indí-

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cios que sugerem que ela pode ser um fenômeno muito mais difundido em outros ramos de alta tecnologia. O capítulo final na parte II, “Quão exógena é a ciência?”, volta-se explicitamente para a natureza das interações ciência–tecnologia nas indústrias de alta tecnologia. São examinadas algumas das maneiras como essas indústrias se vêm apoiando nas crescentes reservas de técnicas e conhecimento científico. Contudo, o capítulo também considera um conjunto de questões bem mais amplas a respeito da institucionalização das ciências e da maneira como a agenda das ciências é formulada nas sociedades industriais avançadas. Assim, uma importante tese do capítulo é que, longe de constituírem forças exógenas à arena econômica, o conteúdo e o direcionamento dos empreendimentos científicos são fortemente modelados por considerações tecnológicas, as quais, por sua vez, estão profundamente incrustadas na estrutura das sociedades industriais. Os três capítulos que constituem a parte III compartilham um interesse comum pelo papel das forças de mercado na conformação tanto do ritmo quanto da direção das atividades de inovação. Esses capítulos tentam examinar a composição de forças que constituem a demanda e a oferta de novos produtos e processos, especialmente nos ramos de alta tecnologia. Essa análise, por sua vez, tem implicações diretas na preocupação dos governos com a aceleração do ritmo da atividade de inovação.As considerações políticas emergem, assim, como um elemento importante desses capítulos. O capítulo 8 examina a história da mudança técnica na indústria aeronáutica comercial durante o período de cinqüenta anos, entre 1925 e 1975. Esse ramo foi, e continua sendo, um caso notável de êxito, sob o ponto de vista tanto do crescimento da produtividade como do contínuo sucesso dos Estados Unidos nos mercados internacionais. Por uma série de razões, incluindo a importância estratégica militar da aviação e o interesse pela segurança dos passageiros, o papel do governo norte-americano tem sido particularmente proeminente no que diz respeito à aeronáutica. Esse capítulo avalia o impac-

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to das políticas governamentais e considera a possível relevância de tais políticas para outros setores. O capítulo 9 examina a revolução tecnológica em andamento através da integração em escala muito larga. O capítulo mostra que existe uma série de fatores no caminho entre uma capacidade tecnológica em expansão e o sucesso comercial. O crescimento da densidade dos elementos de circuito, com o conseqüente melhoramento dramático da capacidade dos circuitos integrados individuais, oferece um grande potencial para a aplicação de técnicas eletrônicas em muitos campos. O sucesso de tais aplicações dependerá de desenvolvimentos internos do setor, mas também da criação de mecanismos que traduzam essas novas possibilidades tecnológicas em vantagens econômicas palpáveis. O capítulo 10 não enfoca qualquer ramo individual, mas analisa uma série de estudos empíricos recentes sobre mudança técnica. Esses estudos, que têm em comum uma ênfase sobre o papel dominante da demanda de mercado no processo de inovação, têm sido amplamente citados como proporcionando uma base adequada para a formulação de uma política governamental bem-sucedida de inovação. Argumentamos que tais estudos são, analítica e conceitualmente, seriamente incompletos. O capítulo tenta proporcionar uma estrutura mais abrangente, para a realização de análises e também para a formulação de políticas. Finalmente, os dois capítulos da parte IV estabelecem uma discussão sobre a mudança tecnológica em contexto internacional, com o primeiro capítulo voltado para sua longa história, e o segundo, para seu presente e futuro. O capítulo 11 presta atenção principalmente à transferência de tecnologias da Grã-Bretanha para o resto do mundo. Essa transferência engloba uma grande parte da história da industrialização mundial, pois a industrialização do século XIX foi, em uma medida considerável, a história da transferência para o estrangeiro de tecnologias já desenvolvidas pela primeira sociedade industrial. Devota-se particular atenção às condições que modelaram o sucesso dessas transferências, mas uma preocupação central é o seu impacto final sobre o país exportador da tecnologia. O último capítulo tece

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especulações em torno das expectativas com relação ao futuro, de uma perspectiva norte-americana, perspectiva essa freqüentemente dominada pelo temor da perda da liderança tecnológica norte-americana, especialmente em ramos de alta tecnologia.Tentou-se identificar, com base em algumas das características específicas dos ramos de alta tecnologia, possíveis elementos de um cenário futuro. Tenho confiança de que a economia mundial dos anos 1990 será vigorosamente modelada pela distribuição internacional de aptidões tecnológicas; mas ela também será modelada por forças econômicas e sociais que influenciam intensamente a relativa eficácia com que as tecnologias disponíveis são exploradas. Tenho também a suspeita de que o mundo dos anos 1990 será um bocado mais complexo – e mais interessante – do que o que atualmente pintam os arautos do desafio japonês, exatamente como o cenário apresentado no Desafio americano, de Jean-Jacques Servan-Schreiber, publicado em 1968, guardou pouca semelhança com a subseqüente década de 1970. Este livro é, sob muitos aspectos, uma continuação do empreendimento intelectual que tomou corpo em meu livro anterior, Perspectives on Technology. Enquanto na introdução daquele livro eu afirmava que meu interesse em lidar com a mudança tecnológica havia tido o efeito de transformar um economista num historiador econômico, estou agora inclinado a dizer que boa parte do conteúdo deste livro pode ser lida como as meditações de um historiador econômico que veio parar – não totalmente por acidente! – no século XX. Para o bem dos historiadores econômicos que ainda pensam em si mesmos como jovens, e que têm como certo que estudar história é estudar algum passado remoto, devo dizer que o século XX já é, neste momento, em sua maior parte, história.

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PARTE I

VISÕES

DO PROGRESSO TÉCNICO


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HISTORIOGRAFIA DO PROGRESSO TÉCNICO*

Seria impossível abarcar a totalidade da historiografia sobre o progresso técnico num único ensaio, ainda que tal ensaio pudesse ser bem mais longo que este. Isso porque, num sentido fundamental, a história do progresso técnico é inseparável da história da própria civilização, na medida em que trata dos esforços da humanidade para aumentar a produtividade sob uma gama extremamente diversificada de condições ambientais. Mesmo se fôssemos definir a tecnologia num sentido relativamente estrito de “equipamentos” – algo que não faremos –, excluindo os fatores organizacionais, institucionais e gerenciais, a gama de materiais que poderíamos desejar mencionar ainda seria desconcertantemente grande. O texto que segue, portanto, é necessariamente muito seletivo. Neste ensaio, consideraremos em primeiro lugar a natureza e o caráter do progresso técnico. As seções seguintes irão explorar a partir daí a literatura mais relevante sobre o ritmo e a direção do pro* Este trabalho foi publicado originalmente em italiano com o título “Progresso tecnico: L’analisi sto-

rica”, in Il Mondo Contemporaneo, vol.VIII: Economia E Storia, nº 2, 1978, p.626-45. A versão inglesa foi reimpressa com a autorização dos editores do Dizionario Critico di Storia Contemporanea.

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gresso técnico, a difusão de novas tecnologias e, finalmente, o impacto do progresso técnico sobre o crescimento da produtividade.

DEFINIÇÃO

E CARACTERIZAÇÃO DO PROGRESSO TÉCNICO

Um problema central ao se examinar o progresso técnico, e que torna difícil até mesmo defini-lo ou caracterizá-lo de pronto, é que ele assume muitas formas diferentes. Isso porque o progresso técnico não é uma coisa, mas muitas coisas.Talvez o mais profícuo denominador comum subjacente a essa multiplicidade de formas seja o fato de o progresso técnico compreender certos tipos de conhecimento que tornam possível produzir, a partir de uma dada quantidade de recursos, (1) um maior volume de produto ou (2) um produto qualitativamente superior. A segunda categoria é extremamente importante e não deve ser considerada uma idéia secundária.A grande massa de escritos dos economistas sobre o tema da mudança técnica – tanto teóricos como empíricos – trata esse fenômeno como se sua natureza fosse somente a de um redutor de custos, ou seja, como se fosse possível exaurir tudo o que há de significativo sobre a mudança técnica em termos dos aumentos de produção por unidade de insumos em decorrência dessa mudança. O progresso técnico é tratado normalmente como a introdução de novos processos que reduzem os custos de produção de um produto essencialmente inalterado.Talvez as principais razões para a popularidade desse enfoque sejam estas: trata-se de uma simplificação útil que torna possível analisar um amplo espectro de problemas com um instrumental analítico relativamente simples, e que permite dar tratamento quantitativo a um sem-número de questões econômicas interessantes. Ao mesmo tempo, entretanto, ignorar a introdução de novos produtos e o aprimoramento de sua qualidade equivale a ignorar algo que pode muito bem ter sido a mais importante contribuição de longo prazo do progresso téc-

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nico ao bem-estar humano. As sociedades industrializadas do Ocidente desfrutam atualmente de um bem-estar material de nível superior, não simplesmente porque consomem maiores quantidades per capita dos bens disponíveis, digamos, ao final das guerras napoleônicas, mas pelo fato de terem à sua disposição formas inteiramente novas de transporte rápido, de comunicações instantâneas, poderosas fontes de energia, medicamentos que reduzem a dor e salvam vidas, e um estonteante rol de bens inteiramente novos com os quais sequer se sonhava cento e cinqüenta ou duzentos anos atrás. Excluir do progresso técnico a inovação de produtos, especialmente quando se consideram longos períodos históricos, equivale a encenar Hamlet sem o príncipe. Naturalmente, nem todos os economistas ignoraram a inovação de produtos. Não é de surpreender que o assunto tenha sido tratado de forma mais cuidadosa e imaginativa por economistas que também foram sérios estudiosos da história econômica. Para começar, Simon Kuznets observou que o fato de uma inovação dizer respeito a um produto ou a um processo é algo que depende muito da perspectiva que se adota (Kuznets, 1972). As inovações de processo envolvem tipicamente equipamentos ou maquinário novos, nos quais tais inovações estão corporificadas; esse maquinário ou tais equipamentos constituem uma inovação de produto, do ponto de vista da firma que os produz. Assim, o conversor Bessemer era uma inovação de processo para os fabricantes de ferro e aço, mas uma inovação de produto para os fornecedores de equipamentos para a indústria do ferro e do aço. Mais ainda, Kuznets havia documentado ricamente, em um tempo tão remoto como 1930 (Kuznets, 1930), o papel central da inovação de produtos no crescimento econômico de longo prazo.1 Kuznets argumentou que as altas taxas de crescimento agregado das economias industrializadas têm sido o reflexo de mudanças 1 Um resumo desse livro, anterior a ele, havia aparecido no Journal of Economic and Business History,

Aug., 1929, p.534–60, e foi reimpresso em Kuznets (1953), cap. 9,“Retardation and Industrial Growth”. Ver também Kuznets (1971), cap. 7.

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contínuas na composição do setor industrial e de seu catálogo de produtos.Todos os ramos industriais que crescem rapidamente experimentam, em algum momento, uma desaceleração em seu crescimento, à medida que diminui o impacto da redução de custos da inovação técnica. Além disso, devido à elasticidade-renda e à elasticidade-preço de longo prazo da demanda serem normalmente baixas para bens de consumo antigos, as futuras inovações redutoras de custo terão um impacto agregativo relativamente pequeno nessas indústrias. Portanto, o crescimento rápido continuado requer o desenvolvimento de novos produtos e de novos ramos industriais. Naturalmente, Kuznets não foi o único a enfatizar a importância dos novos produtos. Joseph Schumpeter havia enfatizado, ao longo de toda a sua vida, o papel central do progresso técnico para a compreensão da dinâmica do crescimento capitalista. Sua grande obra, Business Cycles (1939), concentrou-se fortemente no papel histórico da inovação tecnológica para explicar o alto grau de instabilidade das economias capitalistas. Seu livro posterior, Capitalism, Socialism, and Democracy (1942), é praticamente uma ode ao impacto benéfico do que ele chamou os “perenes vendavais da destruição criadora”. Esses “vendavais” estavam estreitamente ligados às inovações de produtos, que varriam para longe os antigos ramos industriais fabricantes de produtos antigos. Assim, o progresso econômico, para Schumpeter, não consistia na redução de preços entre fabricantes de arreios. O comportamento competitivo que realmente importou, a longo prazo, resultou das ações inovadoras dos fabricantes de automóveis, que eliminaram a produção de arreios como atividade econômica.Assim, para Schumpeter, a inovação de produtos tinha implicações fundamentais tanto para se entender a natureza do capitalismo enquanto força histórica como para a compreensão da natureza do processo competitivo. Isto porque os economistas haviam incorretamente presumido que o problema “está em como o capitalismo administra as estruturas existentes, ao passo que o problema relevante é como ele as cria e destrói” (Schumpeter, 1942, p.84).

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