PolĂtica Fiscal e Desenvolvimento no Brasil
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Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Fernando Ferreira Costa
Conselho Editorial Presidente
Paulo Franchetti Alcir Pécora – Arley Ramos Moreno José A. R. Gontijo – José Roberto Zan Luis Fernando Ceribelli Madi – Marcelo Knobel Sedi Hirano – Wilson Cano
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organização
Márcio Percival Alves Pinto Geraldo Biasoto Jr.
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Obra publicada com apoio do Instituto de Economia da Unicamp Copyright © by Organizadores Copyright © 2006 by Editora da Unicamp
ficha cata lo gr á fica el a b o r a da pel a b ib lioteca centr a l da unica mp P759
Política fiscal e desenvolvimento no Brasil / organização: Márcio Percival Alves Pinto, Geraldo Biasoto Júnior. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006. 1. Reforma tributária – Brasil. 2. Finanças públicas – Brasil. 3. Política tributária – Brasil. 4. Desenvolvimento econômico. I. Pinto, Márcio Percival Alves. II. Biasoto Júnior, Geraldo. III. Título. CDD 336.200981 336.810981 338.9109 isbn 85-268-0747-181 Índices para catálogo sistemático
1. Reforma tributária – Brasil 2. Finanças públicas – Brasil 3. Política tributária – Brasil 4. Desenvolvimento econômico
336.200981 336.200981 336.81 338.9
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Sumário
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Márcio Percival Alves Pinto e Geraldo Biasoto Jr.
Parte i O Sistema Tributário Brasileiro: Desenvolvimento, Deformações e Desafios da Globalização 1 A lógica das reformas: a evolução do sistema tributário (1966-2002) . . . 21 Fabrício Augusto de Oliveira
2 O sistema tributário brasileiro: uma trajetória de fragmentação . . . . . . . 39 Geraldo Biasoto Jr.
3 Globalização, integração continental e harmonização fiscal: o Brasil na contramão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Fernando Rezende
4 Os tempos mudaram . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 José Serra e José Roberto Rodrigues Afonso
5 A carga tributária sobre produtos selecionados em sua relação com a política de exportação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, José Roberto Rodrigues Afonso, Sulamis Dain e Erika Amorim Araújo
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Parte ii A Questão Fiscal: um Histórico das Propostas, dos Interesses e das Dificuldades 6 Gasto social federal em uma dimensão macroeconômica: 1995-2001 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 Jorge Abrahão de Castro (Coord.), Manoel Moraes, Francisco Sadeck, Bruno Duarte e Helenne Simões
7 Transferências fiscais no Brasil: o lado “esquecido” da reforma tributária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 Sergio Prado
8 A crise da dívida estadual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237 Mônica Mora
9 A situação financeira dos estados e a reforma tributária . . . . . . . . . . . . 263 Francisco Luiz C. Lopreato
Parte iii As Grandes Questões da Reforma Tributária 10 Pós-constituinte e impostos indiretos: deformar ou reformar? . . . . . . 289 José Roberto Rodrigues Afonso e Erika Amorim Araújo
11 Equívocos da reforma tributária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 331 Clóvis Panzarini
12 A questão fiscal e a Lei de Responsabilidade Fiscal . . . . . . . . . . . . . . . . 343 Amir Antônio Khair
13 A economia política da reforma tributária de 2003. . . . . . . . . . . . . . . . . 371 Sulamis Dain
Parte iv Déficit Público, Financiamento do Estado e Desenvolvimento 14 A polêmica sobre o déficit público e a sustentabilidade da política fiscal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399 Geraldo Biasoto Jr.
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15 Fundos setoriais de ciência e tecnologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 423 Valéria Delgado Bastos
16 Crise e “ajuste” das finanças do estado de São Paulo (1980-2005) . . . . 459 Márcio Percival Alves Pinto, Marcos Antonio Macedo Cintra e Carlos Eduardo G. Cavalcanti
Sobre os Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 517 Lista de Siglas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 521
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Introdução márcio percival alves pinto e geraldo biasoto jr.
A política fiscal tem ocupado lugar de destaque no cenário econômico e político brasileiro há alguns anos. Como todo o tema que é alçado da área técnica à pauta da grande mídia e do debate político, seu entendimento e análise ganham movimento próprio, muitas vezes completamente alheios aos marcos colocados pela discussão teórica. O número mágico do superávit primário passou de componente da política macroeconômica a uma espécie de símbolo da governabilidade e da força política da autoridade econômica. A proposta deste livro é recuperar o debate econômico acerca dos elementos da política fiscal e de seu impacto sobre a dinâmica da economia brasileira. Trata-se de ir além da avaliação da sustentabilidade das políticas governamentais pelo mero monitoramento de um número único e sintético como o superávit primário, ou mesmo pelo acompanhamento da relação entre a evolução das dívidas públicas e o Produto Interno Bruto (PIB). O que nos importa, e os textos que se seguem o elucidam, é recuperar para o debate sobre a política fiscal as suas múltiplas dimensões. Dimensões estas que não são visíveis apenas nas categorias de análise de quaisquer políticas fiscais, como a forma de tributação, o perfil dos gastos públicos, as estruturas e padrões de endividamento, as leis que regulam as contas públicas e as responsabilidades do aparato estatal no processo econômico. No caso brasileiro, deve-se ir além e reconhecer a presença da política fiscal como ferramenta de intervenção de um Estado que sempre se propôs parte integrante e ativa do processo de desenvolvimento. Por isso, as instituições 9
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fiscais não são fortuitas, mas foram desenhadas para desempenhar funções muito precisas dentro das tarefas que o Estado assumiu na trajetória de crescimento econômico. Nunca será ocioso afirmar: é impossível compreender a política fiscal ao largo da forte presença estatal no desenvolvimento do país. Por tudo isso, a lógica de construção deste livro é partir da organização institucional do Estado brasileiro para chegar à desmontagem de suas estruturas que culminam em sua desorganização e de suas políticas, notadamente no que toca aos instrumentos de mobilização e canalização de recursos econômicos para dar suporte ao desenvolvimento econômico e social. Não se pode, nesse sentido, deixar de iniciar essa empreitada por outro caminho que não a mais debatida das reformas: a tributária. A preocupação não será apenas a forma mais eficiente de arrecadar recursos pela cobrança de impostos, mas a identificação das vias pelas quais a desorganização da capacidade de intervenção do Estado em seu papel de agente ativo na alocação e direcionamento de recursos financeiros entre setores econômicos e segmentos sociais, deteriorou as condições de financiamento dos gastos com as políticas sociais e o investimento em infra-estrutura econômica. Os cinco textos que analisam o sistema tributário brasileiro procuram enfocar seu nascimento e suas peculiaridades utilizadas para alavancar o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, suas deformações e novos desafios. Em “A Lógica das Reformas: a Evolução do Sistema Tributário (19662002)”, Fabrício Augusto de Oliveira discute o sistema tributário brasileiro como instrumento de política econômica de que dispõe o governo para implementar seu programa de ações e viabilizar objetivos assumidos com as forças políticas que lhe dão sustentação. A partir dessa perspectiva de análise, o autor procura compreender a razão pela qual o sistema tributário brasileiro, após conhecer duas grandes reformas em tão curto espaço de tempo (1966 e 1988), apresenta-se, desde a década de 1990, com uma estrutura de baixa qualidade em termos da natureza e composição de seus impostos, e na contramão de princípios relevantes das finanças públicas, tais como a competitividade, a eqüidade e o equilíbrio federativo. Em “O Sistema Tributário Brasileiro: uma Trajetória da Fragmentação”, Geraldo Biasoto Jr. detalha a evolução e a dinâmica do sistema tributário, revelando a desarticulação institucional que atingiu o Estado brasileiro. Demonstra que o sistema tributário forjado pelas reformas dos anos 1960 foi se tornando disfuncional devido a diversos fatores, dentre os quais: o processo inflacionário, a mudança na inserção externa da economia, o excesso de incentivos e subsídios oferecidos no contexto do processo de acumulação de
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Introdução
capital e a conflagração das unidades federativas em busca de expansão da atividade econômica. Sustenta ainda, que as mudanças paliativas realizadas no aparato tributário soçobraram, uma vez que não se logrou consolidar um novo padrão de financiamento. Estendendo um olhar para o futuro, Fernando Rezende, em “Globalização, Integração Continental e Harmonização Fiscal: o Brasil na Contramão”, demonstra que o sistema tributário brasileiro acumulou severas distorções. Para um sistema que havia alcançado um elevado grau de modernidade no final dos anos 1960, a situação no início do século XXI revela-se um acentuado retrocesso. Tributos cumulativos, praticamente extintos com a reforma tributária de 1966, foram progressivamente reinseridos para dar conta das necessidades de financiamento dos encargos do setor público e de atendimento das metas de ajuste fiscal, em um contexto de queda na qualidade da administração tributária. Para o autor, isso acarretou perda de competitividade da produção doméstica no mercado global e contribuiu para aumentar a injustiça na repartição da carga tributária na sociedade brasileira. Sugere ainda que, embora o debate sobre a necessidade de uma ampla reforma tributária esteja no centro das atenções, desde o início dos anos 1990, as dificuldades para se acomodar os múltiplos interesses envolvidos impediram a realização da reforma. Defende o autor que a principal restrição ao avanço da reforma tributária reside na necessidade de manter o superávit fiscal requerido para sustentar o equilíbrio macroeconômico e a estabilidade monetária. Em um contexto de vulnerabilidade externa e baixo dinamismo econômico que prevaleceu durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso, a modernização tributária tornou-se prisioneira de um círculo vicioso, no qual a má qualidade da tributação prejudicava a retomada do crescimento, e o baixo crescimento não abria espaço para a adoção de medidas mais ousadas que ameaçassem as metas do ajuste fiscal. Devem-se acrescentar ainda as particularidades do federalismo fiscal brasileiro, no qual o protagonismo dos Estados requer uma difícil negociação política para conciliar a modernização dos tributos, a harmonização fiscal e a autonomia federativa. José Serra e José Roberto Rodrigues Afonso, em “Os Tempos Mudaram”, sugerem que a responsabilidade fiscal tornou-se mais do que uma lei no país. Defendem que se formou uma nova cultura na administração pública, com mudanças relevantes nos hábitos fiscais. Argumentam que nem sempre se percebe o alcance da profunda mudança promovida nas políticas e práticas fiscais, até porque era generalizado o ceticismo de que o projeto
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do Governo Federal fosse aprovado pelo Congresso Nacional e, depois, de que a lei fosse implementada com sucesso. Porém, mostram que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi regulada por uma lei complementar, aprovada por quorum qualificado do Congresso Nacional. Não resultou, portanto, de um ato unilateral e de força do Poder Executivo. Evidenciam também que a Lei de Responsabilidade Fiscal passou a se aplicar às três esferas de governo (federal, estadual e municipal), e a todos os poderes de cada instância. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, José Roberto Rodrigues Afonso, Sulamis Dain e Erika Amorim Araújo, em “A Carga Tributária sobre Produtos Selecionados e sua Relação com a Política de Exportação”, discutem o créditoprêmio do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Procuram demonstrar a importância decisiva desse instrumento de política fiscal para a equiparação da competitividade das exportações brasileiras às vantagens concedidas pelos países concorrentes a suas empresas exportadoras. Defendem que um sistema de incentivos estável e uma taxa de câmbio real estimulante são fatores imprescindíveis nas decisões de investimento nos setores afetados pelo comércio exterior, sobretudo em um ambiente global em que o dinamismo das exportações define as condições para a obtenção de taxas de crescimento mais elevadas. A segunda parte do livro é composta por quatro artigos e destina-se a alargar os horizontes da análise do campo tributário para o conjunto das políticas fiscais, enfocando, em especial, o padrão de gastos, as transferências entre níveis de governo e o endividamento. Em trabalho de grande fôlego e volume de pesquisas, Jorge Abrahão de Castro, Manoel Moraes, Francisco Sadeck, Bruno Duarte e Helenne Simões analisam o “Gasto Social Federal em uma Dimensão Macroeconômica: 19952001”. Os autores procuram medir o esforço estatal na provisão de recursos para o atendimento das necessidades sociais e, com isso, aferir a adequação do suporte financeiro à consecução de um conjunto de diretrizes e ações destinadas a proporcionar satisfação social. Para os autores, a evolução do Gasto Social Federal pode ser dividida em dois períodos distintos. No primeiro, que engloba o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o gasto social se expandiu de forma constante e em ritmo mais acelerado que o crescimento econômico e populacional, configurando um momento de descolagem do ciclo econômico e sem preocupações quanto ao ajuste fiscal. No segundo, que envolve grande parte da segunda gestão de FHC, apesar de o gasto social ter se mantido em patamar semelhante ao do período anterior, predominou uma tendência às
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Introdução
oscilações de acordo com o ciclo econômico e aos ajustes nos gastos, principalmente com o deslocamento da prioridade para o pagamento dos juros da dívida pública, o que acarretou aumento dos gastos financeiros. Além disso, o Governo Federal adotou a estratégia de utilizar fontes de financiamento do gasto social, como as contribuições sociais, a fim de enfrentar o desequilíbrio fiscal e financeiro, uma vez que as arrecadações dessas fontes cresceram à frente dos gastos sociais. Em “Transferências Fiscais no Brasil: o Lado ‘Esquecido’ da Reforma Tributária”, Sérgio Prado discute um aspecto da questão tributária que tem sido relativamente negligenciado, qual seja, a partilha de recursos entre os níveis de governo. Defende que em uma Federação, onde inexiste um orçamento nacional e a alocação do gasto público é operada por meio de uma multiplicidade de orçamentos soberanos, a tributação constitui apenas uma parte do sistema. A forma pela qual os recursos são distribuídos entre os diversos orçamentos e os mecanismos para sua adequação ao perfil de distribuição de encargos entre níveis de governo tornam-se cruciais. Diante disso, para o autor, a reforma tributária, nos moldes propostos, deve preservar as distorções existentes na institucionalidade tributária, com grande possibilidade de vir a agravá-los. Mônica Mora, no artigo intitulado “A Crise da Dívida Estadual”, argumenta que a discussão sobre a reforma fiscal e tributária no país tem como pano de fundo a questão federativa, que transparece na tributação sobre valor adicionado e na participação dos governos subnacionais na receita da União e no endividamento subnacional. O dilema entre a autonomia das unidades da Federação e a soberania da União, próprio aos regimes federativos, está presente no debate sobre o endividamento subnacional. O endividamento constituiu-se em um espaço privilegiado de negociação da autonomia subnacional e onde transcorreram relações baseadas em poder real, muitas vezes em detrimento da transparência. A institucionalização das relações e suas implicações revelam-se particularmente relevantes na medida em que especificidades do caso brasileiro resultaram em um passivo estadual superior a 20% do PIB, em meados da década 1990. A autora procura, então, desvendar a natureza dessas relações e compreender o federalismo em sua dimensão mais obscura. Discutem-se ainda as implicações para a descentralização e a autonomia federativa decorrentes do processo de endividamento e de seus desdobramentos. Francisco Luiz C. Lopreato analisa, em “A Situação Financeira dos Estados e a Reforma Tributária”, a eleição, pelo Governo Federal, da questão fiscal
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como foco da política econômica e a geração de superávits primários suficientemente elevados para dar sustentabilidade à dinâmica da dívida pública. Para o autor, o equilíbrio de longo prazo das contas públicas tornou-se condição necessária à redução dos prêmios de risco-soberano e das taxas de juros, permitindo a transição para um círculo virtuoso de baixa taxa de juros, financiamento do balanço de pagamentos, câmbio estável e superávits primários independentes de cortes de gastos. O autor sustenta que a discussão centrada no ajuste do setor público colocou limites às mudanças na estrutura tributária e deixou de lado pontos relevantes, tais como os problemas financeiros estaduais e a distribuição de recursos entre as esferas de governo. A terceira parte do livro procura alçar as grandes questões, que parecem submersas, enredadas nas dificuldades em se debater pontos cruciais. Quatro textos procuram jogar luzes sobre essa questão. Em “Pós-constituinte e Impostos Indiretos: Deformar ou Reformar?”, José Roberto Rodrigues Afonso e Erika Amorim Araújo procuram refletir sobre as diversas ondas de projetos de reforma tributária com o foco concentrado na tributação indireta, mais especificamente no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e nas contribuições sociais sobre vendas. Os autores sugerem que o aperfeiçoamento do sistema tributário brasileiro deveria respeitar alguns limites determinados por condicionantes internos. No âmbito do setor público, a reforma não deveria comprometer o ajuste fiscal. Isso, de um lado, implicaria a manutenção do elevado patamar de arrecadação e, de outro, requereria a preservação do equilíbrio federativo. No âmbito do setor privado, a aceitação de um novo pacto tributário exigiria que os contribuintes apreendessem as reais correções dos impactos deletérios do sistema. Na prática, isso significaria que os contribuintes não sofreriam tratamento tributário diferenciado em virtude do acesso também distinto às oportunidades de sonegação. Mas, sugerem que persiste a dúvida se o Governo Federal, os governos estaduais e municipais, e a última instância decisória, o Congresso Nacional, estariam interessados em e/ou em condições de enfrentar os desafios por soluções ousadas e corajosas. Para os autores: A tentativa de se promover uma reforma que não leve em consideração e/ou não consiga lidar com esses condicionantes condena o sistema tributário nacional a ser alvo de críticas antes mesmo que as mudanças pretendidas para corrigir suas mazelas tenham sido completamente implementadas. A resultante de um conjunto de mudanças pontuais, que não tenha sido capaz de lidar com as distintas e divergentes dimensões em
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Introdução
que os referidos condicionantes se apresentam, é a demanda por uma nova reforma tributária.
Clóvis Panzarini, em “Equívocos da Reforma Tributária”, argumenta que o sistema tributário, especialmente o ICMS, é ineficiente, complexo e injusto. Todavia, questiona se a Proposta de Emenda à Constituição – PEC n. 285/2004 – poderá harmonizar o “inferno tributário do país”. Em princípio, a proposta poderá simplificar o ICMS, acabar com os créditos acumulados dos exportadores, pôr fim à fratricida “guerra fiscal” entre os Estados e reduzir a carga tributária. Todavia, o autor problematiza se a implementação das cinco alíquotas do ICMS, ao invés “das atuais 44”, e a unificação das legislações serão capazes de resolver a maioria dos problemas tributários do país. Para o autor, a proposta, gestada pelo Governo Federal e Secretarias Estaduais de Fazenda, teria como único foco o aperfeiçoamento dos controles fiscais com vistas à redução da sonegação. Defende que a reforma deveria ser, efetivamente, muito mais profunda. Para o Governo Federal “a pior reforma seria nenhuma reforma, mas a proposta poderá deteriorar alguns aspectos do atual ‘Frankenstein Tributário’”, segundo Panzarini. Questões fundamentais do sistema tributário permaneceriam intocadas, tais como a baixa participação dos impostos diretos na arrecadação total, a elevada regressividade do sistema tributário, a crescente disputa de base tributária entre Estados e Municípios, e a ineficiência do modelo de transferências constitucionais. Amir Antônio Khair, em “A Questão Fiscal e a Lei de Responsabilidade Fiscal”, demonstra que a deterioração fiscal no país se deu a partir de 1995, quando a relação entre a Dívida Líquida do Setor Público e o PIB cresceu devido às altas taxas de juros. Mostra ainda que o aumento da carga tributária em mais de seis pontos percentuais no mesmo período evitou o agravamento do problema. O autor argumenta que, se a carga tributária for mantida no novo sistema tributário, a solução para a crise fiscal deverá necessariamente passar pelo crescimento econômico, recomposição do equilíbrio atuarial da previdência do setor público, o controle e a racionalização das despesas públicas e a redução drástica das taxas reais de juros, maior responsável pela debilidade fiscal do país. Sulamis Dain, em “A Economia Política da Reforma Tributária de 2003”, discute as principais decisões tomadas em 2003 e no início de 2004. De seu ponto de vista, predominou a lógica de curto prazo a fim de preservar o aumento na arrecadação tributária e garantir o superávit primário crescente, adiando as decisões de maior impacto federativo.
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Para a autora, o cerne da reforma se encontrava na criação da legislação nacional do ICMS, em substituição às 27 legislações estaduais, aliada à tentativa de simplificação de sua estrutura de alíquotas para apenas cinco. Diante de inúmeras dificuldades na tramitação dessa Proposta de Emenda Constitucional, decidiu-se por seu desmembramento, procurando aprovar as questões passíveis de consenso entre os parlamentares e os governadores. Assim, “foram adiados todos os temas relativos ao ICMS, e com eles a possibilidade de desonerar de forma unificada e significativa os consumos essenciais em termos de alimentos e medicamentos. A reforma não foi capaz de modernizar o sistema do ICMS (regime físico, alíquotas por dentro)”. Buscou-se ainda mitigar a cumulatividade das contribuições sociais sobre faturamento e lucro, mediante a reforma do Programa de Integração Social (PIS), do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Diante das resistências para se avançar na reforma tributária, a autora analisa o processo decisório no Congresso Nacional, a fim de projetar, para os futuros governos, tendências e incertezas quanto às possíveis transformações no sistema tributário brasileiro. Geraldo Biasoto Jr., em “A Polêmica sobre o Déficit Público e a Sustentabilidade da Política Fiscal”, sugere que poucos temas do debate econômico brasileiro carregam tantas dificuldades de compreensão teórica e prática quanto o déficit do setor público. A partir da extrapolação mecânica para o orçamento público da necessidade de igualação entre receitas e despesas domésticas, bem como da suposta ineficiência intrínseca da máquina pública, o autor defende que a análise das variáveis macroeconômicas foi relegada a segundo plano. A ditadura do superávit primário sepultou os temas da incidência tributária, da composição do gasto público e das condições de financiamento do Estado. No sentido de recolocar pontos de grande relevo, mas perdidos nas simplificações atuais, alguns temas de grande importância são repostos: i) o papel do déficit público na análise das políticas macroeconômicas; ii) os conceitos de déficit e a identificação dos espaços relevantes da política fiscal; iii) a política fiscal brasileira e sua capacidade (ou incapacidade) de gerar impactos favoráveis sobre as variáveis macroeconômicas. Valéria Delgado Bastos, no artigo “Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia”, delineia que a política brasileira de ciência e tecnologia procurou equacionar a ausência de fontes estáveis de recursos. O problema teria sido enfrentado por meio da criação dos fundos setoriais de ciência e tecnologia, com receitas vinculadas, tanto na captação como na aplicação dos recursos.
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Introdução
A vinculação destinava-se a assegurar fontes estáveis, sem o tradicional descasamento de maturidades, evitando cortes orçamentários e remanejamentos de despesas para outros fins. Infelizmente, sua análise dos dados relativos aos orçamentos aprovados e executados desses “fundos” entre 1999 e 2002 evidencia problemas operacionais em seu funcionamento, bem como limitações da política de ciência e tecnologia em termos de baixo estímulo à inovação tecnológica. No artigo final, Márcio Percival Alves Pinto, Marcos Antonio Macedo Cintra e Carlos Eduardo G. Cavalcanti, em “Crise e ‘Ajuste’ das Finanças do Estado de São Paulo (1980-2005)”, traçam os contornos centrais do processo de ajuste das contas públicas paulistas, a partir da execução orçamentária do Governo do Estado de São Paulo e da evolução do estoque de sua dívida, entre 1980 e 2005. Buscam também identificar os impactos do ajuste fiscal na economia paulista. Os autores explicitam que esse longo período foi marcado por profunda deterioração da capacidade de financiamento e de gasto do setor público paulista. Em um primeiro momento, durante o processo de democratização, houve diversas tentativas de execução de uma política fiscal anticíclica pelo governo do Estado de São Paulo, em um contexto de ruptura do padrão de financiamento do setor público brasileiro. Isso levou ao endividamento crescente do setor público paulista com o Banco do Estado de São Paulo (Banespa). Em um segundo momento, entre a promulgação da Constituição Federal (1988) e o início do governo Mário Covas, fortaleceram-se os mecanismos para a descentralização da receita sem que se alterasse ou fosse impedida a obtenção de recursos por meio de endividamento mobiliário, antecipação de receita orçamentária ou utilização de restos a pagar. O aumento das receitas próprias e a ampliação dos repasses mediante as transferências constitucionais (principalmente para os Municípios) garantiram a consecução dos objetivos pretendidos, embora tenham se revelado insuficiente para sanar as dificuldades financeiras de Estados e Municípios. Em um terceiro momento, implementou-se um forte ajuste patrimonial – mediante o refinanciamento do estoque de dívida e a privatização das empresas estaduais e do Banespa – e no fluxo de caixa – expansão da receita e contenção dos gastos – do Estado de São Paulo entre 1995 e 2005. Os autores defendem a hipótese de que a política de ajustes no estoque e no fluxo foi encontrando seus limites à medida que se foi esgotando a capacidade de o Tesouro estadual manter seus gastos primários, em um horizonte de baixo dinamismo da economia e, portanto, da arrecadação, e um elevado estoque de dívida.
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Não é demais lembrar ao leitor que este livro é um convite à reflexão sobre os temas atuais da política fiscal. Por isso, o intento não é o de esgotar todas as questões, mas o de expor sua complexidade e desencadear uma discussão mais ampla sobre o superávit primário que continua submersa em meio à lógica do diálogo com o mercado.
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O Sistema Tributário Brasileiro: Desenvolvimento, Deformações e Desafios da Globalização
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