PACTOS SOCIAIS, GLOBALIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO REGIONAL
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Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Fernando Ferreira Costa
Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Arley Ramos Moreno Eduardo Delgado Assad – José A. R. Gontijo José Roberto Zan – Marcelo Knobel Sedi Hirano – Yaro Burian Junior
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ORGANIZAÇÃO
Jorge R. B. Tapia Eduardo R. Gomes
Eduardo Salomão Condé
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Pactos sociais, globalização e integração regional / organização: Jorge R. B. Tapia, Eduardo R. Gomes, Eduardo Salomão Condé. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2008. 1. Pactos sociais. 2. Economia regional. 3. Políticas públicas. 4. Corporativismo. Tapia, Jorge Ruben Biton, 1953- II. Gomes, Eduardo R. III. Condé, Eduardo Antonio Salomão. IV. Título.
I.
cdd isbn 978-85-268-0805-8
320.11 338.9 350 321.9
Índices para catálogo sistemático: 1. Pactos sociais 2. Economia regional 3. Políticas públicas 4. Corporativismo
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Sumário
Apresentação JORGE R. B. TAPIA, EDUARDO R. GOMES e EDUARDO S. CONDÉ ....... 7 1 Concertações sociais, integração européia e a reforma da regulação social: redefinindo a agenda clássica do neocorporativismo? JORGE R. B. TAPIA e EDUARDO R. GOMES ................................................ 21 2 União monetária e pactos sociais na Europa PHILIPPE POCHET ..................................................................................................... 79 3 O renascimento do corporativismo nacional — efeito colateral indesejado da unificação econômica e monetária da Europa ou reação calculada à ausência de políticas sociais européias? JÜRGEN R. GROTE e PHILIPPE C. SCHMITTER .......................................... 119 4 Entre a desregulação e os pactos sociais: as respostas das economias européias à globalização MARINO REGINI .................................................................................................... 163 5 Empresário, democracia e desenvolvimento: tendências e desafios no liminar do novo milênio ELI DINIZ ................................................................................................................. 215
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Apresentação
JORGE R. B. TAPIA EDUARDO R. GOMES EDUARDO S. CONDÉ
Em um artigo publicado em 1998, Jacques Delors observou que o modelo social europeu “[...] é um sábio compromisso entre o jogo do mercado, a intervenção estatal ou do Banco Central e um vasto campo para a concertação, a negociação entre os parceiros sociais”.1 Partindo de um dos arquitetos da unificação européia antes e depois de Maastricht, essa citação indica o quanto a lógica da negociação e do pacto preside o processo europeu de unificação e representa, para muitos, um caminho de renovação do próprio Estado de Bem-estar. No sentido mais estrito da “concertação” — os recursos de negociação envolvendo um programa que se articula entre diferentes agentes públicos organizados —, não há um conjunto definido de regras que se distribuem de forma homogênea ao longo das diferentes experiências nacionais. Martin Rhodes observou com precisão que ocorre cooperação regulada entre parceiros sociais fortalecidos e construtores de pactos pragmáticos,
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Jacques Delors, “Dall’Integrazione Economica All’Unione Politica dell’Europa — Lezioni del passato, prospettive del futuro”, Stato e Mercato, 52, abr. 1998, p. 17. Jacques Delors presidiu a Comissão Européia entre 1978 e 1998.
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com diferentes estratégias dos atores em ambientes nacionais diversos e, muitas vezes, com inovações institucionais.2 Como também escreveu Regini no texto que integra esta coletânea, trata-se menos de dependência da trajetória e muito mais de um jogo interativo entre os atores, constituindo, por isso mesmo, “histórias” diversas. Fato é que o revival dos pactos sociais é um fenômeno europeu dos anos 1990. Mas, fenômeno interessante, duas características merecem ser mencionadas: a primeira, o surgimento de pactos em países sem nenhuma (ou quase nenhuma) tradição neocorporativa (caso de Holanda, Itália, Espanha, Bélgica, Irlanda e até alguns países do Leste) e, a segunda, a agenda de negociação, que incluiu, além do tema da moderação salarial, debates em torno da flexibilização do trabalho, da proteção social e do inevitável tema das reformas, previdência à frente. Se, no passado, como mencionam Tapia e Gomes no primeiro texto desta coletânea, o conflito distributivo era parte relevante da agenda, os anos 90 complexificaram essa temática com a lógica da unificação européia, das pressões macroeconômicas e do temário das mudanças demográficas, fiscais e do incremento da própria globalização. Um grande número de autores reacendeu o debate em torno da concertação por diferentes países e o fez por caminhos diversos. Ainda que por vias não-convergentes, Marino Regini, Martin Rhodes, Maurizio Ferrera ou Anton Hemerijck visualizam os pactos sociais como respostas adaptativas aos desafios internos e externos que, combinadas com instrumentos europeus como o método aberto de coordenação
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Martin Rhodes, “The political economy of social pacts”, in Paul Pierson (ed.). The new politics of the Welfare State. Oxford: Oxford University Press, 2000. pp. 165-94.
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Apresentação
(MAC),3 poderiam levar à ampliação da “Europa Social”. Para outros, como Phillipe Schmitter ou Wolfgang Streeck, os pactos sociais surgem muito mais como resposta à pluralidade de interesses em negociação e com relação às necessidades da própria unidade econômica européia. Essa controvérsia também está presente nos textos contemplados por este livro. Em uma linguagem própria da política, os pactos representam uma alternativa a um impasse derivado da própria natureza dos processos eleitorais e de policy making. A própria diversidade européia em política social e com relação à grande resiliência de diversas políticas (incluída a social) entra em relação direta com a unidade estabelecida pela União Econômica e Monetária (UEM). O grau de conflito entre os atores, os pontos de veto e a própria variedade nas formas de combinar eqüidade e eficiência (o núcleo do modelo social europeu) conduzem o caminho das mudanças por diferentes atalhos: sistemas de proteção, para serem alterados, requerem negociação; políticas (policies) necessitam de um jogo muito mais interativo. Uma vez no nível europeu, os membros do Conselho Europeu (chefes de Estado e Governo) acertam metas gerais e, nunca é demais lembrar, precisam retornar aos seus países. Lá a vida é bem mais difícil: sistemas tradicionais de proteção, resistência de grandes clientes de welfare ou a lógica eleitoral atuam incisivamente e, muitas vezes, colocam em risco a própria legitimação da liderança. Assim, os pactos 3
O método aberto de coordenação é uma astuciosa tentativa de fuga diante da ameaça de soma zero entre os planos nacional e comunitário na unificação européia. Ao mesmo tempo em que é mantida a autonomia nacional, ela deve levar em conta a subsidiaridade e as preocupações comuns aos vários estados. São definidos “alvos” comuns, elaborados planos nacionais, e estes são acompanhados pela Comissão Européia. Ainda que não obrigatórios, esses planos representariam, para os otimistas, constrangimentos que obrigariam à ação e à aprendizagem por monitoramento; para os pessimistas, a falta de obrigatoriedade limita sua ação.
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representam uma dupla vantagem: um caminho in medio virtus com a vantagem da distribuição de perdas e ganhos por diferentes atores. Trata-se da via do compromisso para superar a estratégia do embate. Países com tradições de maior conflito (como a França) e agenda liberal (Reino Unido) escapam dessa trajetória, enquanto os pactos surgiram na Itália, na Espanha, em Portugal, na Grécia, na Irlanda ou na Holanda para consolidar a superação de desafios e de impasses. A agenda do desafio previdenciário, da flexibilização com proteção (flexicurity) e de questões como moderação salarial encontrou, na capacidade de negociação e na disposição em “jogar” e participar dos atores, aliados na superação de dificuldades. Seja com relação aos desafios da unificação econômica, seja no desejo de manter aquilo que caracteriza o modelo social europeu (o mix eqüidade–eficiência), sem a erosão de uma sociedade estável. Os pactos sociais de segunda geração podem ser vistos como um instrumento de apoio político essencial tanto na condução de mudanças institucionais como em relação ao conflito distributivo. Mas eles enfrentam limites que não podem ser desprezados. Representam estratégias interativas e também respostas aos desafios. Mas podem enfrentar dificuldades explícitas com certas ações, por exemplo, da instituição-chave da governança econômica européia: o Banco Central Europeu (BCE). O mais conservador dos BCs, guardião do euro e obcecado pelo combate à inflação, teima em afastar-se da agenda “dura” do emprego, do bem-estar e do crescimento e insula-se em nome de sua independência à la Bundsbank. Para Martin (2000),4 os pactos são limitados pela estratégia econômica 4
Andrew Martin, “Social pacts, unemployment, and EMU macroeconomic policy”, in P. Pochet e G. Fajertag. Social pacts in Europe — New dynamics. Brussels: ETUC, 2000.
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restritiva do BCE, apesar de sua importância estratégica, e têm pouco poder para reduzir o desemprego. Sem um regime macro mais expansivo e com a indisposição da instituição-chave em representar qualquer papel em um processo de interação com parceiros sociais ativos, o resultado é um banco protegido de pressões e guardião também da “credibilidade” institucional; os parceiros sociais são chamados ao debate, mas, simultaneamente, são limitados pela própria lógica econômica, assim como as instituições nacionais recebem pressões adicionais por reformas. Neste caso, o resultado é lógico: reformas nacionais calibradas, negociadas e lentas, mas em uma lógica de proteção social. Ainda que caminhem no sentido da mudança, autores como Martin alertam para limites importantes à sua ação. Mas o principal é que os pactos retomaram, nos anos 1990, seu lugar ao sol e reassumiram posição de destaque no ambiente europeu. É esta a finalidade principal deste volume: trazer ao público brasileiro a temática da concertação e dos pactos recentes por alguns textos-chave ainda não publicados entre nós. E, ao mesmo tempo, incentivar o debate em torno do tema nestes trópicos que viram o campo de estudo sobre corporativismo e neocorporativismo submergir exatamente nos anos 90, em uma constelação histórica que se reafirma pela democracia e tem profunda necessidade de reformar-se em sua vida política e social. O tema dos pactos e da concertação representa mais um tijolo neste muro, sem que seja, ele mesmo, o fundamento último da construção. O primeiro texto, escrito por Jorge Tapia e Eduardo Gomes, é um importante esforço em recuperar o tema dos pactos sociais ontem e nos tempos recentes, caracterizando as distinções da agenda neocorporativa dos 70-80 e dos pactos versão “90”. Apresenta particularmente o papel da unificação européia nos anos 90, seus reflexos e os impactos sobre a agenda
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social, demonstrando que o debate sobre as diversas estratégias nacionais é de importância capital para compreender o esforço europeu em combinar a unificação com ajustes nas políticas, inclusive por meio de inovações institucionais. Para os autores, a agenda dos pactos sociais nos anos 90 guarda relação com a disciplina salarial associada ao novo contexto monetário europeu (o euro, em particular), com a discussão em torno da flexibilização do mercado de trabalho (envolvendo flexibilidade e coordenação) e como parte das estratégias para a reforma da proteção social. Objeto de controvérsia teórica, esse debate é tratado pelos autores em torno do caráter cíclico dos pactos e do pessimismo com relação ao eurocorporativismo (o ponto de Schmitter, Grote e Streeck); por outro lado, aborda a tese dos ajustes em nível europeu, marcados por autores como Goetschy (pactos econômicos com implicações sociais), Pochet e Fajertag (moeda única catalisadora de pactos); Crouch (e o debate em torno da reestruturação econômica) e as críticas (já mencionadas aqui) de Andrew Martin sobre o papel do BCE e os pactos. Observam os autores, analisando o novo contexto econômico e social europeu, o caráter mais amplo da agenda dos 90 para os pactos, um maior número de atores participantes e uma novidade importante, a saber: o papel da integração regional européia. No campo teórico, finalmente, as idéias de “troca política” dos anos 70 são enriquecidas pelos conceitos de capital social (Putnan), social learning (Hall) e pela preocupação sobre um institucionalismo centrado nos atores (Scharpf). O texto de Philippe Pochet, que aparece na seqüência, ressalta o revival das concertações nacionais e os impactos da unificação econômica européia, em particular com relação aos temas monetários, da competitividade, da sociedade da informação e da própria proteção social. As variadas mudanças
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econômicas combinadas com as necessidades de um crescimento não-inflacionário, o papel das relações industriais em um contexto de restrições salariais e a própria relação flexibilidade–seguridade são parte de um movimento para o estabelecimento de estratégias concertadas. Distribuindo suas descrições por alguns países adotantes de pactos, o autor enfatiza o fato de que os pactos recentes têm procurado acomodar as incertezas associadas a um difícil e um tanto imprevisível cenário econômico. A partir daí, sempre preocupado em trabalhar as diferentes estratégias nacionais, Pochet enfatiza o conteúdo dos pactos por seus efeitos com relação à união monetária, a flexibilização do trabalho e a seguridade social com referência aos autores (como Regini, Dolvik, Martin, Pakaslathi, Boldt, Visser e outros) e aos países. Paralelamente ao conteúdo dos pactos volta-se para os atores — governo, sindicatos, associações, os próprios partidos, e suas ações diante de questões como as restrições salariais e a própria União Econômica e Monetária. A situação pós-UEM é discutida por seus desafios e, conforme afirma Pochet, trata-se de verificar, no próprio texto, o impacto da variável externa aos países — a UEM — em relação aos próprios pactos sociais e como estes também servem de instrumentos de negociação nas próprias reformas de seguridade, com maior ou menor espaço de manobra dependendo dos países. A conclusão do autor é a emergência gradual de uma nova agenda de barganha (em um caminho difícil de ser traçado) sobre um contexto de limites salariais, de dificuldades para o pleno emprego, de um governo que vem se tornando (ele também) agente ativo das próprias mudanças. O terceiro texto é um importante trabalho de Philippe Schmitter e Jürgen Grote sobre o “renascimento do corporativismo nacional”. Os autores afirmam desde logo que o celebrado “renascimento” refere-se ao esforço de governos e
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associações para se adaptarem à já citada UEM, e, mais do que isso, que esse ressurgimento guarda relação com um fenômeno cíclico em relação ao próprio corporativismo, ou seja, o movimento corporativo atingiria seu ápice exatamente ao final da década de 1990. Os autores repassam a trajetória da literatura sobre corporativismo desde os anos 1970, ressaltando inclusive o movimento de vários estudiosos que insistiam em oferecer o dobre de finados ao modelo, destruído pela globalização, suas disfunções internas e todo o conjunto de mudanças sociais, econômicas e tecnológicas. Em tempos mais atuais, nas próprias palavras dos autores, o “cadáver” do corporativismo voltou à vida, incluindo o macrocorporativismo, em pactos bi ou tripartite (Irlanda, Finlândia, Espanha, Portugal, Bélgica, Itália, Holanda, Áustria, Suíça, Hungria, República Tcheca, Bulgária e até Polônia). E o futuro? O papel da União Européia e sua política econômica comum, com mais liberalização nos mercados, também pressiona os Welfare States europeus, alterando estratégias dos próprios atores. Assim, o desejo dos países em exercerem autonomamente seus processos políticos leva à utilização desse espaço para variadas ações. Mas, independente de qualquer coisa, o papel do macrocorporativismo depende diretamente do desenvolvimento da própria União Européia. Um futuro risonho para o corporativismo em sentido europeu enfrenta grandes problemas, particularmente pelas dificuldades de ação supranacional dos variados parceiros sociais. Pois o movimento ainda é fortemente nacional e com uma estratégia defensiva. Em sua forma cíclica, declinaria com o tempo o próprio corporativismo nacional, a menos que ele se tornasse fortemente europeu, o cenário mais improvável. Marino Regini, no quarto trabalho, reflete sobre os aspectos impactantes do cenário da globalização e dos desafios do Welfare State, argumentando sobre as múltiplas respostas nacionais e
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rejeitando a convergência de políticas. A convergência traz em si o modelo do caminho único da liberalização e do abandono das próprias estratégias concertadas, exigindo instituições específicas aos países, notadamente práticas imitativas em relação aos anglo-saxões. Contra a convergência, outros afirmam a dominância da concertação em lugar da não-coordenação. Ambos exageram e, deve ser lembrado, o fato predominante não é um ou outro caminho, mas a grande diversidade européia, sem tendências universalistas. Mesmo o neo-institucionalismo falha em explicar a própria divergência. Com relação às esferas de regulação do mercado de trabalho (rigidez x flexibilidade), às relações industriais cum barganha coletiva (centralizada x descentralizada) e ao sistema de seguridade social (expansão ou enxugamento), as instituições são muito semelhantes, mas as respostas nacionais também assim são diferentes. Examinando essas esferas, Regini mostra a tendência em relação às primeiras opções (rigidez, centralização ou expansão). Nunca ocorreu tendencialmente, em dez anos, convergência de práticas ou mesmo o caminho obrigatório da concertação. Existem caminhos diversos de flexibilização, diferentes condições para a barganha descentralizada, mudanças e cortes muito variados na seguridade. Há um escopo variado, soluções internas não-idênticas de uma política a outra e as soluções não parecem inequívocas em quase nenhum ponto da Europa. As explicações para as diferenças conduzem a quatro patamares, dois mais fracos e dois mais fortes. Os primeiros (a centralidade da unificação monetária e o equilíbrio de poder entre os atores) são vistos como fracos porque, no primeiro caso, existem exceções importantes e casos em que pactos foram adotados depois da unificação; o segundo porque existem casos em que mesmo organizações mais poderosas têm seu poder erodido. Já a explicação baseada nas estruturas econômicas e nos interesses dos atores nos sistemas
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de produção e o movimento em direção a um modelo intermediário ganham força para o autor. Particularmente no segundo caso, os diferentes pontos de partida indicam movimento em direção a um modelo forte — estimulados pelas decisões européias ou por aprendizagem institucional — significando que a origem diversa associa-se a um movimento de força centrípeta a um modelo intermediário. Ainda que possa ser criticada esta última tendência, é fato que os novos desafios requerem a busca de um novo equilíbrio e, em resposta, os atores movimentam-se por várias estratégias — mudar mais ou menos, menos ou mais pragmaticamente, por pactos ou outras formas — que, mesmo com diferentes pontos de partida, alcançam resultados relativamente convergentes. Neste caso, entre as exigências opostas de desregulação e concertação, as escolhas feitas dependem menos das instituições preexistentes e mais do jogo interativo entre os próprios atores. Cada um desses atores tem menos incentivos para questionar os pontos de convergência já acertados se os outros continuarem a apoiálos com convicção. Menos path dependence, muito mais jogo estratégico e matrizes de restrições e incentivos determinam acordos e resultados. O último texto do livro é uma reflexão sobre o Brasil, proporcionada por Eli Diniz, com relação ao papel do empresariado e da democracia. Não é um texto estrito sobre concertação; nesse sentido, seu ângulo de visão é diverso dos textos anteriores. Mas o trabalho representa um esforço interpretativo sobre as transformações econômicas recentes, as reformas orientadas ao mercado e a estrutura do processo decisório no país, com foco no papel político referenciado a atores estratégicos desse processo de mudança. Um aspecto importante é a recuperação do debate sobre o corporativismo no Brasil e os acordos aqui perpetrados, particularmente na
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década de 1990, para formulação de políticas e articulação de interesses — como as Câmaras Setoriais ente 1991 e 1995 (interrompidas no governo Cardoso) e a Câmara Regional do ABC — que, para a autora, representavam um esforço mais amplo de reforma do Estado, superando a tônica única de reformas administrativas e fiscais. Como escreveu Diniz, essas ações procuraram fortalecer as conexões do Estado com a sociedade e com as instituições representativas, expandindo também os meios de controle externo, bem como os mecanismos de accountability, vale dizer, os mecanismos de cobrança e de prestação de contas. Processos que foram fortemente alterados nos anos 90, com a institucionalização de um estilo tecnocrático de gestão e o desmonte das câmaras corporativas, pari passu o próprio reforço do Executivo em gerir o país pelo elevado volume de medidas provisórias, sendo esse poder aquele que limita a própria agenda do Congresso. Por outro lado, as interconexões governo–Congresso, ao lado da maior coesão ideológica no próprio governo, constituíram uma base parlamentar de centro-direita que ratificava posições políticas do Executivo e canalizava, para si, interesses dos diversos grupos. Combinava-se o insulamento burocrático com a organização de interesses mediada também pelo Legislativo. E, não menos importante, a articulação de interesses das arenas corporativas de negociação, notadamente empresários–Estado, foi sendo desmontada, com a redução ou a extinção de órgãos de negociação ou interlocução, com a preferência pela relação direta Executivo–empresários. Os organismos empresariais como a Ação Empresarial (1991), a Coordenadoria Legislativa da CNI ou a Organização Nacional da Indústria do Petróleo (ONIP) representam esforços de modernização empresarial ao mesmo tempo em que procuram, para longe de arenas corporativas institucionalizadas, reforçar conexões com o governo mais
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informais. Todas as transformações da década — internas e de cenário externo —, a ausência de canais institucionalizados para a solução de conflitos, mais a falta de pactos e negociações efetivas, aliada à falta da tradição empresarial em transigir suas relações com os trabalhadores, dificultam a construção de uma agenda comum para transigir e ceder. Como alguns outros livros nas Ciências Sociais, este deriva de uma complexa trajetória. Originalmente, esse esforço resultou dos trabalhos de pós-doutoramento de Jorge Tapia na França sobre “concertações sociais e as reformas do mercado de trabalho e do Welfare State” (2002), quando ele se debruçou sobre a literatura a respeito dos novos arranjos corporativos europeus. Posteriormente, Tapia pensou em divulgar essa produção no Brasil, onde acabou por encontrar semelhante interesse por parte de Eduardo R. Gomes, que, desde sua tese de doutoramento, vinha lidando com a temática do corporativismo empresarial, em níveis nacional, setorial e subnacional. Por último, Eduardo S. Condé incorporou-se ao projeto, a partir de sua tese de doutoramento (2004) sobre a União Européia e as transformações recentes no Welfare State, em que a temática dos pactos surgiu como uma das chaves interpretativas em debate. Desse interesse comum, nasceram alguns trabalhos em conjunto e alguns outros artigos individuais, enquanto se realizavam a seleção, a tradução e a edição dos artigos que agora compõem esta coletânea. Nosso trabalho foi positivamente surpreendido pela criação, em 2003, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente após essa modalidade de arranjos corporativos passar por um significativo descrédito na comunidade política brasileira. Esse novo fato veio reforçar a importância desses estudos
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com que estávamos trabalhando para compor o livro e que, naturalmente, eram pouco disseminados no Brasil. Ainda que o projeto do chamado “Conselhão” não seja uma expressão direta dos pactos de segunda geração, ele reativa um espaço público de debate entre diferentes atores da cena brasileira, incorporando empresários, trabalhadores (por suas associações e centrais), organizações civis, ministros de Estado e personalidades variadas. A estratégia política incorporada ao CDES mostra a disposição do governo central e seu reconhecimento acerca de uma esfera de debate adicional (sem sobreposição ou prejuízo das demais) além do próprio Parlamento e dos agentes políticos clássicos. Nada mais oportuno, por sua vez, que este livro traga a lume o debate mais recente sobre o tema dos pactos, lance luz sobre a experiência internacional, incorpore o Brasil a este debate e apresente textos que possam ser considerados clássicos sobre a segunda geração dos arranjos corporativistas.
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