A lógica da arquitetura

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Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Fernando Ferreira Costa

Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Arley Ramos Moreno Eduardo Delgado Assad – José A. R. Gontijo José Roberto Zan – Marcelo Knobel Sedi Hirano – Yaro Burian Junior

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LÓGICA DA ARQUITETURA

PROJETO, COMPUTAÇÃO E COGNIÇÃO

William J. Mitchell

TRADUÇÃO

Gabriela Celani

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ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação M696L

Mitchell, William J. (William John), 1944A lógica da arquitetura: projeto, computação e cognição / William J. Mitchell; tradução: Gabriela Celani. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2008.

1. Projeto arquitetônico. 2. Projeto auxiliado por computador. 3. Percepção visual. I. Título. cdd 729.02854 001.6424 701.15 isbn 978-85-268-0798-3 Índices para catálogo sistemático: 1. Projeto arquitetônico 2. Projeto auxiliado por computador 3. Percepção visual

729.02854 001.6424 701.15

Título original: The Logic of Architecture Copyright © 1990 by Massachusetts Institute of Technology Copyright © 2008 by Editora da Unicamp

Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.

Editora da Unicamp Rua Caio Graco Prado, 50 – Campus Unicamp Caixa Postal 6074 – Barão Geraldo cep 13083-892 – Campinas – sp – Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br – vendas@editora.unicamp.br

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P REFÁCIO

À EDIÇÃO BRASILEIRA

A expressão computational design (ou, ainda, design computing) ainda não é muito conhecida no Brasil. Trata-se, contudo, de uma área de pesquisa bem estabelecida em diversos países do mundo, em especial na Inglaterra, na Alemanha, nos Estados Unidos e na Austrália. Essa área de pesquisa insere-se na teoria da arquitetura, mas tem sido também aplicada ao desenho industrial e à engenharia civil. Pode-se dizer que o computational design começou a se desenvolver a partir do movimento dos métodos em projeto (design methods movement) na década de 1960, que buscou explicitar o processo de projeto, tendo como um de seus objetivos possibilitar a incorporação do computador no trabalho do arquiteto de maneira mais útil e eficiente. Nas últimas décadas, os computadores passaram a ser utilizados em quase todas as fases do processo de projeto em arquitetura, engenharia civil e desenho industrial, tornando-nos extremamente dependentes dos sistemas CAD. Contudo, a influência do uso desses programas nas fases iniciais do projeto, em especial na arquitetura, ainda é muito pequena. A grande maioria dos arquitetos continua utilizando métodos tradicionais para a geração da forma, partindo em geral de fluxogramas, e utilizando o computador simplesmente como suporte, sem aproveitar seu grande potencial para a realização de tarefas repetitivas na geração de alternativas. Os novos sistemas de CAD paramétrico prometem revolucionar essa fase do trabalho, mas obrigam o arquiteto a se adaptar aos métodos e metáforas escolhidos por seus programadores, tirando sua liberdade de criação. O computational design é uma área de pesquisa que procura desenvolver, por um lado, uma teoria computacional do processo de projeto apoiada nas ciências cognitivas, e, por outro, métodos e aplicações que permitam o desenvolvimento de projetos com o uso de meios computacionais. Essas aplicações, em princípio, não precisam ser necessariamente implementadas em computador, embora o uso da máquina seja imprescindível para a viabilização de algumas técnicas que requerem procedimentos exaustivos e extremamente complicados. Alguns exemplos dos métodos e teorias utilizados no computational design são a gramática da forma (shape grammar), a computação evolucionária (algoritmos genéticos), os autômatos celulares e as transformações topológicas. Em sua obra seminal The logic of architecture, publicada em 1990 pela MIT Press, Mitchell pretendia reunir as bases teóri-

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cas do computational design e lastrear o desenvolvimento de uma nova geração de programas destinados a auxiliar mais efetivamente o arquiteto no processo de projeto. Contudo, segundo Flemming (1992), a relevância dessa obra estender-se-ia além da área do computational design. Em uma resenha publicada no Journal of Architectural Education, Flemming apontava um segundo objetivo do livro: estabelecer uma fundamentação teórica para a arquitetura propriamente dita, como resposta às deficiências da disciplina de teoria da arquitetura observadas pelo autor naquele momento de inflexão na história da arquitetura. A dificuldade da tradução da obra de Mitchell começa pelo nome da área do conhecimento em que ela se insere, o computational design. A palavra computational remete inevitavelmente à palavra “computador”, o que poderia resultar em motivo de preconceito por parte do leitor. Segundo Flemming (op. cit.), contudo, o termo a que Mitchell se refere “não deve ser confundido com o processamento numérico, devendo ser entendido no sentido mais abrangente no qual o termo é empregado nas ciências da computação, ou seja, como uma operação ou seqüência de operações efetuadas sobre representações simbólicas” (p. 105). A palavra design, por outro lado, não tem tradução definitiva em português, podendo significar, dependendo do contexto, desde “projeto arquitetônico” até “desenho industrial”. Esta tradução da obra The Logic of Architecture destina-se a alunos de graduação e pós-graduação em arquitetura, engenharia civil e desenho industrial, bem como a professores e pesquisadores das áreas de teoria e projeto da arquitetura e de computer-aided design. Observem que escrevo aqui o nome CAD por extenso, uma vez que não estou me referindo aos editores gráficos em si, mas ao processo de projeto verdadeiramente assistido pelo computador.

Referência FLEMMING, U. “The logic of architecture. Design, computation, and cognition (Book review)”, Journal of Architectural Education, 46/2, nov. 1992, pp. 104-6.

Agradecimentos Gostaria de agradecer... À professora doutora Maria Antonieta A. Celani, fundadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (LAEL-PUC-SP), pelo auxílio na tradução de termos da lingüística.

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À professora doutora Ítala M. L. d’Ottaviano, do Centro de Lógica e Epistemologia da Universidade Estadual de Campinas (CLE-UNICAMP), pelo auxílio na tradução de termos da lógica. Ao professor doutor Ton Marar, do Instituto de Matemática e Computação da Universidade de São Paulo, campus São Carlos (IMEC-USP-SC), pelo auxílio na tradução de termos da geometria e da topologia. Aos alunos da disciplina IC058 (1o semestre de 2004) do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Construção da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (FEC-UNICAMP), pela leitura crítica do texto. À editora MIT Press, pela cessão dos direitos autorais. Ao FAEPEX e à FAPESP, pelo apoio financeiro à pesquisa. À FAPESP, pela bolsa de aperfeiçoamento técnico concedida a Momchil Rumenov Stoyanov, que redesenhou todas as imagens do livro. À Editora da UNICAMP, pela grande oportunidade. À minha família, pela paciência e pelo carinho. E ao professor William Mitchell, pela confiança em mim depositada. Gabriela Celani

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Caí nesses pensamentos; e havia duas maneiras de expressá-los; uma histórica, por meio da descrição das principais obras... a outra lógica, por meio da definição das regras e das recomendações dessa arte na forma de algum método adequado: e nesta eu fiz minha escolha; não apenas por ser a mais direta e elementar, mas principalmente por ser a mais robusta. Sir Henry Wotton, The elements of Architecture, 1624

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SUMÁRIO

P REFÁCIO ...................................................................................................................

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1

D ESCRIÇÕES

2

F ORMA

3

MUNDOS

4

L INGUAGENS

CRÍTICAS .........................................................................

71

5

R ACIOCÍNIO

PROJETUAL ......................................................................

85

6

TIPOS

E VOCABULÁRIOS ......................................................................

97

7

O PERAÇÕES

8

L INGUAGENS

9

F UNÇÃO ...............................................................................................................

10

O

DE EDIFÍCIOS ................................................................

15

ARQUITETÔNICA ....................................................................

39

PROJETUAIS ............................................................................

51

PROJETUAIS ..................................................................... 121 DE FORMAS ARQUITETÔNICAS .................. 143

197

PROJETO COMO RESULTADO DA FUNÇÃO .................... 221

NOTAS ...........................................................................................................................

251

B IBLIOGRAFIA ........................................................................................................

259

GLOSSÁRIO ...............................................................................................................

279

Í NDICE

REMISSIVO ............................................................................................. 293

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P REFÁCIO

Tradicionalmente, os arquitetos sempre se interessaram pela forma e pela função dos edifícios, e pela maneira de relacioná-las entre si. Louis Sullivan, contudo, sugeriu que “a forma deveria seguir a função”. Sua proposta, entretanto, não fornecia suficiente orientação, uma vez que ele não especificava com precisão o que queria dizer com “forma” ou “função”, nem tampouco com “seguir”. Neste livro, pretendo fornecer uma definição mais precisa para esses termos e, com base nessa fundamentação, explicar a estrutura do pensamento arquitetônico. A discussão aqui desenvolvida pode ser considerada uma resposta a um problema crucial proposto por John Summerson há muitas décadas. Em seu ensaio “The case for a theory of modern architecture” (1957), Summerson escreveu: As concepções que emergem da preocupação com o programa necessitam, em um dado momento, cristalizar-se em uma forma final, e quando o arquiteto atinge esse ponto ele necessita apoiar sua concepção sobre o discernimento, o senso de autoridade e a convicção que fornecem coesão ao projeto como um todo, fazendo com que as relações iminentes se fechem em uma unidade visualmente compreensível. Ele pode ter extraído do programa um conjunto de relações interdependentes que resultam em uma unidade quase que biológica, mas ele ainda precisa enfrentar a hierarquização de um grande número de variáveis, e como fazê-lo é a grande questão. Não existe consenso teórico sobre o que acontece ou deveria acontecer quando se atinge esse ponto. Trata-se de uma lacuna. Poderse-ia até falar de uma linguagem arquitetônica ausente.

Procurarei mostrar aqui como as linguagens arquitetônicas1 podem ser estabelecidas, interpretadas e utilizadas. Aplicar uma linguagem que resolva problemas exclusivamente funcionais significa simplesmente construir. Contudo, quando existe, além disso, uma intenção retórica e uma preocupação com qualidades formais, então o ato de construir torna-se arquitetura. (Daí a famosa afirmação de Nikolaus Pevsner de que um abrigo de bicicletas é um edifício, mas a catedral Lincoln é uma obra de arquitetura.) Desse modo, interessam-me ao mesmo tempo os usos práticos e poéticos das linguagens arquitetônicas. Minha abordagem parte de algumas idéias da lógica moderna, às quais acrescento informações sobre pesquisas recentes em inteligência artificial e ciências cognitivas, contudo sem exigir do leitor qualquer conhecimento prévio desses assuntos. O ferramental técnico introduzido é, em sua maior parte, elementar e informal. Começo considerando como os edifícios podem ser descritos com palavras e mostrando como essas descrições podem ser formalizadas utilizando-se a notação de cálculo de pre-

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dicados de primeira ordem. Isso conduz à idéia de uma linguagem crítica para a descrição das qualidades dos edifícios. Ao abordar a questão da representação por meio de desenhos e maquetes, desenvolvo a noção de mundos projetuais que provêm elementos gráficos que podem ser manipulados de acordo com determinadas regras gramaticais. Apresento o processo projetual como um processo de operações lógicas inserido nesses mundos, tendo como objetivo satisfazer a predicados de forma e função declarados em uma linguagem crítica. A tese principal aqui apresentada constitui-se de três partes principais. Em primeiro lugar, proponho que a relação entre crítica e projeto arquitetônico seja entendida como a aplicação de uma linguagem crítica em forma de cálculo proposicional sobre um mundo projetual. Em segundo lugar, mostro como mundos projetuais podem ser especificados por gramáticas formais. Em terceiro lugar, demonstro que as regras de tais gramáticas codificam o conhecimento sobre como criar edifícios que funcionam adequadamente. Desse modo, a relação entre forma e função é fortemente influenciada pelas regras sintáticas e semânticas sob as quais o projetista opera. Espero que esta discussão seja de interesse geral para arquitetos e estudantes de arquitetura preocupados com os fundamentos teóricos de sua área, mas tenho também um objetivo mais prático. A tecnologia da informática vem revolucionando a maneira de fazer arquitetura, mas as bases teóricas do computeraided architectural design (CAAD) raramente são explicitadas — e quando isso é feito, elas são freqüentemente frágeis e incoerentes. Existe uma necessidade urgente de desenvolver uma teoria computacional do projeto que seja abrangente e rigorosa, e que possa fornecer uma base adequada para o desenvolvimento de implementações. Não posso afirmar ter sido capaz de desenvolver tal teoria em sua totalidade, mas levanto aqui algumas questões que me parecem relevantes, explorando alguns pontos de partida para a busca de respostas.

Agradecimentos Este livro nasceu a partir de seminários sobre teoria do projeto ocorridos nas universidades de Harvard, Carnegie-Mellon e Cambridge. Sou grato aos meus alunos e colegas dessas universidades por seus estimulantes questionamentos. O capítulo 8 baseia-se em trabalhos desenvolvidos em colaboração com George Stiny, com quem minhas discussões ao longo dos anos têm sido uma fonte produtiva de novas idéias. Gostaria de agradecer, em especial, a Cláudia Knauer, pela produção das ilustrações, a Yasuyo Iguchi, pelo projeto gráfico da versão original do livro, e a Debra Edelstein, minha editora na MIT Press. William J. Mitchell 14

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1 — D ESCRIÇÕES

DE EDIFÍCIOS

Distinções O início da arquitetura é o espaço vazio, caracterizado por Platão em Timeu como “a mãe e receptáculo de todas as coisas criadas e visíveis e de certa forma sensíveis”. A arquitetura é a arte das distinções no espaço contínuo, por exemplo, entre o cheio e o vazio, o interior e o exterior, a luz e a escuridão, o calor e o frio. Quando tais distinções são feitas, um mundo amorfo transforma-se em um mundo com partes diferenciadas, organizadas de uma maneira especial. Assim, mitos sobre a criação freqüentemente recontam atos sucessivos de distinção a partir dos quais a forma do mundo emerge. O livro do Gênesis, por exemplo, descreve o mundo antes da criação como “sem forma e vazio”, e então conta como Deus “separou a luz da escuridão” e “dividiu as águas que havia sob o firmamento daquelas que estavam sobre o firmamento”. O mar e a terra então apareceram e tornaram-se o hábitat de diferentes criaturas. Em uma escala mais modesta, arquitetos também criam distinções no espaço para produzir formas habitáveis. Em diversas ilustrações sobre a criação do universo (em especial nas de William Blake) Deus é representado como um arquiteto que, com seu compasso, converte o caos em forma por meio da divisão e da diferenciação (Figura 1-1). Assim, os meios da arquitetura são determinados, basicamente, por nossa capacidade de criar e sentir diferenciações físicas do espaço. Por esse motivo, a arquitetura é freqüentemente classificada, juntamente com a pintura e a escultura, como uma arte visual, preocupada sobretudo com as diferenciações óticas da luz, da cor e da superfície. Essa tendência se confirma pelo fato de freqüentemente utilizarmos desenhos e fotografias para observarmos um edifício, ao invés de experimentarmos o objeto real. Contudo, esse tipo de observação pode ser enganoso. A distinção entre o calor e o frio, o ar parado e a brisa, os odores, os sons, o toque das superfícies sobre a pele e a sensação de movimento podem ser componentes igualmente importantes ao experimentarmos um edifício. Por meio da sensibilização às dimensões, nuanças e sutilezas das diferenciações espaciais é que se desenvolvem as habilidades de compreender, sentir-se comovido por, e, finalmente, criar arquitetura.

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Figura 1-1 — O criador como um arquiteto que traz ordem ao caos. William Blake, The Ancient of Days, frontispício de Europa, a Prophecy, 1794. Coleção Lessing J. Rosenwald, Library of Congress, Washington, D.C.

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Os sentidos e os campos perceptivos

Figura 1-2 — Amostra de campo visual em forma de quadrícula que resulta em uma matriz de níveis de intensidade.

Somos capazes de perceber as distinções do espaço por meio dos diferentes estímulos que atingem nossos órgãos receptores. Conjuntos de estímulos (por exemplo, um conjunto de manchas luminosas atingindo a parte posterior de nossa retina) constituem um campo perceptivo.1 Aristóteles estabeleceu cinco diferentes modalidades sensoriais: visual, auditiva, tátil, olfativa e gustativa. Mais recentemente, adicionou-se a essas a modalidade cinética (a sensação de movimento do corpo). Tem-se sugerido ainda que o sentido do tato poderia ser subdividido nas modalidades de sensação de calor, frio, pressão e dor. Acredita-se que essa diferenciação estaria diretamente relacionada à forma de organização de nosso sistema nervoso: para cada modalidade há um sistema receptor que transforma estímulos físicos em estados psíquicos correspondentes. A psicofísica costuma distinguir quatro atributos em cada modalidade sensorial: qualidade, intensidade, extensão e duração. Quando uma mancha colorida aparece em uma tela de projeção de cinema, por exemplo, o espectador sente suas características de tonalidade, saturação e luminosidade (intensidade), área (extensão), e o tempo de sua exposição (duração). Enquanto atributos como cor, nota musical e odor são qualitativos, atributos como intensidade, extensão e duração variam em magnitude, podendo ser medidos quantitativamente. Podemos imaginar os dados captados por nossos receptores sensoriais como conjuntos de estímulos físicos. Os dados expelidos por eles são conjuntos de símbolos correspondentes, que têm seus atributos quantitativos e qualitativos avaliados e são então gravados em uma memória. É possível fazer uma analogia desse modelo com um scanner a laser. No scanner, o campo visual é representado por um conjunto de pequenas células quadradas (pixels) que são varridas de forma que gerem uma matriz correspondente de níveis de intensidade codificados numericamente (Figura 1-2).

Segmentação

Figura 1-3 — Delimitação de contornos (primal sketch).

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A segmentação de campos perceptivos (em especial de campos visuais) em partes distintas que podem ser vistas como “coisas” separadas é um dos processos mais básicos de nossos sistemas de percepção.2 Consideremos, por exemplo, o campo visual (ou seja, a matriz de níveis de intensidade) apresentado na Figura 1-3a. Podem-se facilmente traçar contornos, subdividindo esse campo em áreas contínuas de intensidade constante. A representação gerada, que pode ser compreendida como uma espécie de mapa da imagem original, é chamada, pelos especialistas em

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análise de imagens, de primal sketch (Marr, 1979). Existem inclusive programas de computador especialmente desenvolvidos para gerar esses mapas. Teorias recentes sugerem que o sistema visual humano utiliza, em um nível pré-consciente, mecanismos semelhantes a esse processo (Fischler e Firschein, 1987). Entretanto, a delimitação de contornos de um campo visual nem sempre resulta em áreas fechadas. Surgem algumas vezes contornos abertos, como na Figura 1-4. Além disso, pode ser muito difícil detectar bordas em áreas de uma imagem com transições graduais em vez de mudanças bem definidas de tonalidade. O uso de diferentes algoritmos e de diferentes parâmetros para os quais as tonalidades são consideradas “iguais” ou “diferentes” pode resultar em diferentes configurações de bordas e em diferentes subdivisões do campo visual. Mesmo neste nível simplificado de processamento visual, diferentes observadores podem interpretar uma mesma cena de maneiras distintas.

Figura e fundo A diferenciação de figuras do fundo contra o qual elas aparecem constitui-se na etapa seguinte ao processamento dos sentidos. Tomemos como exemplo a fachada da Vila Snellman, de Gunnar Asplund (Figura 1-5). Nossa tendência é interpretá-la como um conjunto de figuras bem definidas (janelas e motivos decorativos), organizadas sobre um pano de fundo (parede). Contudo, a distinção entre figura e fundo nem sempre é tão clara. Segundo Rudolph Arnheim (1974), é possível interpretar os cheios e vazios de uma fachada de distintas maneiras (Figura 1-6). Pequenas janelas parecem formas soltas sobre o fundo contínuo de uma parede. Ao aumentarmos a proporção de aberturas em relação à parede, tal como acontece na arquitetura gótica,

Figura 1-4 — Contornos abertos e ambíguos.

Figura 1-5 — Janelas e motivos decorativos (figuras) sobre uma parede (fundo): fachada da Vila Snellman, de Gunnar Asplund, 19171918.

DESCRIÇÕES DE EDIFÍCIOS

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Figura 1-6 — Diferentes proporções entre cheios e vazios resultam em diferentes figuras.

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Figura 1-7 — Agrupamentos de figuras elementares formando novas figuras.

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chegaremos a um ponto em que a fachada passa a ser interpretada com uma sucessão de elementos abertos e fechados, sem a predominância de um ou outro como figura ou fundo. Levando esse procedimento ainda um pouco mais adiante, chegaremos a uma nova situação em que, como na fachada de um edifício de escritórios, os espaços cheios passam a ser simplesmente os finos montantes das esquadrias sobre um fundo envidraçado. Além de distinguirmos figuras elementares, muitas vezes aplicamos inconscientemente uma estruturação sobre as superfícies e os espaços que vemos. Isso se dá pelo agrupamento de figuras elementares em figuras mais complexas. O conjunto de bolinhas da Figura 1-7a, por exemplo, é imediatamente interpretado como um círculo. Ainda mais surpreendente é o fato de interpretarmos o conjunto de elementos da Figura 1-7b como dois triângulos sobrepostos. Esse fenômeno foi muito estudado pelos psicólogos da Gestalt, que formularam suas leis de percepção visual de figuras.3 Eles observaram que figuras próximas umas das outras tendem a ser agrupadas em uma unidade (lei da proximidade, Figura 1-8a). De acordo com a lei da similaridade, figuras semelhantes também tendem a ser agrupadas (Figura 1-8b), e os dois efeitos podem ainda ser combinados (Figura 1-8c). Outra conhecida lei da Gestalt, a lei do fechamento, sugere que figuras com contornos fechados tendem a ser vistas como unidades (Figura 1-9). Segundo a lei da boa continuidade, contornos relativamente suaves e ininterruptos também ajudam a definir unidades (Figura 1-10). A lei da simetria diz que objetos simétricos também tendem a ser vistos como unidades (Figura 1-11). Apesar de o arcabouço teórico da psicologia da Gestalt não mais ser aceito em sua totalidade, suas leis de percepção ainda são úteis na fundamentação de generalizações empíricas. É possível notar como Asplund manipula todos esses efeitos para conseguir uma vitalidade dinâmica na aparentemente simples fachada da Vila Snellman. A proximidade e a similaridade permitem-nos perceber linhas horizontais e verticais de aberturas, mas essa leitura é afetada pelo ritmo complexo da fileira superior de elementos e pela variação de tamanho das janelas de cada pavimento. Os efeitos da lei da boa continuidade sofrem a interferência (sem ser completamente neutralizados) da introdução de pequenos desalinhamentos horizontais e verticais. As figuras fechadas das janelas em arco contrastam com as curvas abertas dos elementos decorativos. A simetria geral é sugerida de maneira sutil, porém suficientemente clara para remeter a uma composição de unidade clássica (como em um palácio renascentista). Contudo, essa composição aparentemente simétrica desaparece após uma inspeção mais detalhada. O efeito final é de um fascinante jogo de expectativas e surpresas, que surge conforme nossa percepção vai estruturando-se. Uma figura é algo a que dirigimos nossa atenção no campo visual. As leis da Gestalt descrevem como tendemos a fazer

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Figura 1-8 — Agrupamentos por proximidade e similaridade.

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Figura 1-9 — Formas fechadas tendem a ser “lidas” como figuras.

Figura 1-10 — Boa continuidade: tendemos a perceber prioritariamente as formas que possuem linhas mais contínuas e menos interrupções (neste caso, um retângulo e um quadrado).

Figura 1-11 — Simetria: tendemos a perceber prioritariamente as formas que possuem simetria (neste caso, os “T”s e não os “L”s, que são assimétricos).

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Figura 1-12 — Inversão figura/fundo.

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