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Universidade Estadual de Campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador Geral da Universidade Edgar Salvadori de Decca

Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Arley Ramos Moreno Eduardo Delgado Assad – José A. R. Gontijo José Roberto Zan – Marcelo Knobel Sedi Hirano – Yaro Burian Junior

Coleção Unicamp Ano 40 Comissão Editorial Carola Dobrigkeit Chinellato Eduardo Roberto Junqueira Guimarães João Luiz Pinto e Silva Jorge Ruben Biton Tápia Paulo Franchetti

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Samir Yazbek

Os Gerentes peรงa teatral em quatro cenas

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ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação Y29g

Yazbek, Samir. Os Gerentes / Samir Yazbek – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2009.

1. Teatro brasileiro (Comédia) 2. Dramaturgia. 3. Teatro do absurdo. I. Título. cdd 869.25 792 isbn 978-85-268-0842-3 792.015 Índices para catálogo sistemático: 1. Teatro brasileiro 2. Dramaturgia 3. Teatro do absurdo

869.25 792 792.015

Copyright © by Samir Yazbek Copyright © 2009 by Editora da Unicamp Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.

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Esta peça foi escrita no final de  e início de , durante minha participação no Programa Artista Residente, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ao longo desse tempo, foram feitas duas leituras dramáticas abertas ao público, que muito contribuíram para a realização deste trabalho. Agradeço especialmente aos professores e alunos que integraram o elenco dessas leituras: Cauê Gouveia, Leonardo Costa, Miguel Atênsia, Mario Santana (chefe do Departamento de Artes Cênicas) e Sara Lopes (Diretora do Instituto de Artes). Samir Yazbek

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Sumário

Apresentação Mario Santana ............................................. 

 

Cena  Primeiro Hotel de uma cidade. O Gerente  trabalha. Entra a Mulher. ........... 

Cena  Segundo Hotel da mesma cidade. O Gerente  trabalha. Entra o Homem. .......... 

Cena  Terceiro Hotel da mesma cidade. O Gerente  fala ao telefone com o Gerente . ....................................... 

Cena  Primeiro Hotel da mesma cidade. O Gerente  fala ao telefone com o Gerente . ....................................... 

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Apresentação

Mario Santana

Do homem impotente A dramaturgia de Samir Yazbek exala amor pelo homem impotente. As suas abordagens metafóricas das mazelas que afligem o homem contemporâneo têm se refinado com a crueldade que é conveniente aos verdadeiros artistas/criadores. Este texto, Os Gerentes, realiza bem o que acabo de dizer. Nele a índole criativa do autor para mostrar a beleza de nossa fragilidade se aprimora e se reorienta pela clave cômica. Mas vamos com calma. A dramaturgia de Yazbek expõe a nossa impotência em gerirmos os próprios desejos e, nesse processo, a dificuldade de não nos boicotarmos. Através da fraqueza de seus anti-heróis, o leitor/espectador entrevê a magnitude de nossa humanidade, do

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que podemos ser. Palavras compreensíveis e vagas, essas. Leia o texto Os Gerentes, então. Este meu texto não tem importância nenhuma e será esquecido. No máximo, lido pelos diretores das montagens que a obra do Samir proporcionará. Vá ler o texto, caro leitor, e depois, se for o caso, retorne a este prefácio. Bem, se foste ao texto, ótimo. Continuo, então, dizendo que a experiência da relação com o outro, a experiência do encontro de indivíduos, que nos caracteriza como humanos, é o cerne da ação dramática explorada por Samir Yazbek. O autor começa a peça com uma situação aparentemente simples: um provável casal tenta encontrar-se. O compromisso, assumido décadas antes, acaba sendo intermediado pelos gerentes dos hotéis nos quais se procuram. Quando, enfim, se vêem frente a frente, o encontro não se completa, ou melhor, o desencontro se completa e abrem-se perspectivas de novos encontros e desencontros. Pense após ler a peça: seria possível que esse encontro se realizasse? Pense na vida: o que o encontro humano requer dos envolvidos para se dar realmente? O que o encontro amoroso requer para não ser impossibilitado pelos interessados, ou para não se estabelecer como um fingimento? Claro que o texto do Samir não responde a isso. Mas sua leitura nos põe a pensar... e, mais,  |

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nos ajuda a pensar... as delicadas e críticas ações que constituem a nossa humanidade e conformam a nossa experiência de vida, a nossa ciência de ser. É da essência do fenômeno teatral a ação humana desdobrar-se para além dos limites de sua manifestação no cotidiano. Isto, o ultrapassar a medida, é inerente às principais instâncias do teatro: manifesta-se na ação dramática, no desempenho do ator e na configuração do acontecimento cênico. Afirmo isso porque estou pensando a dramaturgia de Samir Yazbek a partir de parâmetros que dão caráter teatral à criação ficcional: ação inicial de crise que se desdobra para além do conhecido ou confortável; personagens que se engajam em ações que ultrapassam as fronteiras da conduta habitual e assim expõem possibilidades de experiências humanas num patamar de intensidade normalmente evitado. No centro desse raciocínio, então, está a consideração de que a manifestação teatral trabalha para além dos limites da experiência conhecida e para além da medida na conduta do agente. Creio que é exatamente a partir desse ponto que uma obra de caráter teatral manifesta a qualidade artística do seu criador. E é a partir da exploração que faz desses aspectos que percebo a importância da contribuição de Samir Yazbek como criador. Mas retomemos a peça. Apresentação

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Em Os Gerentes a simplicidade da situação inicial demonstra uma abordagem direta do conflito que impulsiona a ação dramática: a busca pelo encontro lança os protagonistas em estado crítico na cena, num movimento de busca intenso e conturbado que estabelece uma situação que questiona o próprio sentido do encontro. A ação inicial não se estende desnecessariamente para levá-los a uma situação de impasse; “o autor não aquece o óleo, apresenta a frigideira fervendo e nela já dançam os personagens” — como dizia meu saudoso mestre Yan Michalski sobre Nelson Rodrigues. Ao “apresentar os personagens na frigideira fervente”, a situação inicial imediatamente se acentua em direção ao quase inverossímil. Quase porque a coerência interna da trama não nos permite duvidar da situação em andamento, por mais que pareça incrível. Incrível? Não é uma questão de credibilidade, mas de verossimilhança. São apenas quatro cenas para dar-se a ação dramática d’Os Gerentes. Um homem espera uma mulher por três dias em um hotel e, como ela não chega, crê que possa ter havido um engano quanto ao lugar e parte para outro hotel; uma mulher procura um homem num hotel e é avisada de que, provavelmente, ele a esperara por dias e resolveu procurá-la em outro lugar; ele chega ao  |

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segundo hotel e, não a encontrando, parte para um terceiro; ela chega ao segundo hotel e não o encontra por pouco; o gerente do terceiro hotel, quando ela chega, corre à rua, alcança o homem e o traz à presença dela... ele não a reconhece e, quando ela parte indignada, ele confessa ao gerente que fingiu não reconhecê-la... e a ação se desdobra para além do esperado. Veja que, apesar da minha pífia narrativa de parte do enredo, o que nele se desenvolve é a exploração das possibilidades e dos sentidos que os personagens dão ao encontro como um evento deflagrador de novos estados. A imitação das ações humanas se configura numa seqüência de situações com tal ficcionalidade que nos dá a certeza de tratar-se de matéria do real processada poeticamente. Não nos deparamos com a cópia de uma aparente situação retirada da realidade; encontramo-nos ante um organismo artificialmente montado, para nele reconhecermos aquilo que nos diz respeito na ficção representada. Assim, Samir revela ter a verve necessária aos bons dramaturgos. Por fim, afirmo com certo prazer que a dramaturgia de Samir Yazbek não é pós-dramática. E me dou o direito de não explicar aqui o vasto campo que o “pós-dramático” abarca. No entanto, afirmo. Afinal, o compromisso que esse autor tem de explorar com clareza e coerência Apresentação

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dramatúrgica questões vitais que conduzem as nossas experiências de vida desdobra-se em propostas ricas de teatralidade e de sentido para quem as lê. Porque em sua obra a mímesis se processa em lente aristotélica, isto é, regida pelo possível a ação dramática imita a ação humana sem copiá-la. Se fosse preciso explicar, diria que a ação da peça se processa a partir de possibilidades factuais reconhecíveis no real, mas sem negá-lo ou afastar-se inconseqüentemente dele (por exemplo, seduzida pelo exercício de linguagem — tão caro ao “pós-dramático”), organiza-se pinçando do acontecimento real só o imprescindível. Com isso, o processo mimético explicita sua artificialidade e potencializa o campo de sentidos que abarca. Samir Yazbek faz dramaturgia para Teatro, com “tê” maiúsculo. Teatro que não abdica de seu caráter essencial, que é representar o homem através de experiências vitais, por meio da imitação e não da cópia das ações humanas. Assim, sua dramaturgia prima pela estratégia para ser eficiente na exposição da substância de vida que estetiza. Todo verdadeiro artista chafurda na matéria vida, nas experiências humanas e, a partir da maneira como é afetado por elas, produz sua obra. Aí está o processo, como o compreendo. O mestre russo V. Meyerhold defendia isso afir |

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mando que “a arte está para a vida, assim como o vinho está para a uva”. Trago esse princípio comigo como um amuleto, desde garoto. O vinho é um modo de ser da uva, através do artifício humano. De maneira análoga, o constructo teatro seleciona as ações colhidas nas parreiras da experiência humana e as transforma em experiência estética para embriagar o espectador. Não escreveria isso se não acreditasse que o modo como Samir Yazbek macera e põe a fermentar o que colhe de sua experiência de vida resulta em excelente arte dramatúrgica. Maio de 

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Personagens (por ordem de entrada) Gerente  Mulher Gerente  Homem Gerente 

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Cenário Três hotéis em uma cidade qualquer

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Ação Quatro cenas durante um dia qualquer

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Cena  Primeiro Hotel de uma cidade. O Gerente  trabalha. Entra a Mulher.

MULHER — Com licença. GERENTE  — Pois não. MULHER — (Mostrando um cartão) O se-

nhor sabe me dizer se este homem está hospedado aqui? GERENTE  — A senhora se chama? (A Mulher mostra outro cartão) Então a senhora veio? MULHER — Como assim? GERENTE  — O cavalheiro que a senhora procura estava aqui hoje à tarde. MULHER — Está falando sério? GERENTE  — Por que não estaria? MULHER — Mas será que ainda terei tempo de encontrá-lo? GERENTE  — Ele já foi embora há pelo menos uma hora.

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MULHER — O senhor sabe para onde ele

foi? GERENTE  — Infelizmente não. MULHER — Mas nós combinamos de nos

encontrar hoje, neste hotel. GERENTE  — Será que o cavalheiro entendeu a mesma coisa que a senhora? MULHER — Por que o senhor está me dizendo isso? GERENTE  — É que ele já estava hospedado aqui há três dias. MULHER — Três dias?! GERENTE  — Ele me disse que o encontro de vocês estava marcado para três dias atrás. MULHER — Meu Deus... GERENTE  — A cada dia que passava, ele ficava mais indignado com o fato da senhora não vir. MULHER — Mas nós combinamos que o encontro seria hoje! GERENTE  — Tentei acalmá-lo, mas hoje ele acordou dizendo que iria embora de qualquer jeito. MULHER — Mas como ele foi errar de dia? GERENTE  — Tem certeza que ele errou? MULHER — Nós chegamos a assinar um papel. GERENTE  — Que papel?

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