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Universidade Estadual de Campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador Geral da Universidade Edgar Salvadori de Decca
Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Arley Ramos Moreno Eduardo Delgado Assad – José A. R. Gontijo José Roberto Zan – Marcelo Knobel Sedi Hirano – Yaro Burian Junior Coleção Multilíngües Diretor da Coleção Fausto Castilho Comissão Editorial Fausto Castilho – Oswaldo Giacóia Júnior Franklin Leopoldo e Silva – Bento Prado(†) Paulo Franchetti
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Descartes
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T Tradução e notas César Augusto Battisti
O Tradução e notas Marisa Carneiro de Oliveira Franco Donatelli Edição em francês e português
Apresentação geral e apêndices César Augusto Battisti Marisa Carneiro de Oliveira Franco Donatelli
Coleção Multilíngües de Filosofia Unicamp Série A
Cartesiana II
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ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação Descartes, René, 1596-1650. D453m O mundo (ou Tratado da luz) e O homem / René Descartes; apresentação, apêndices, tradução e notas: César Augusto Battisti, Marisa Carneiro de Oliveira Franco Donatelli. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009. (Coleção Multilíngües de Filosofia Unicamp – Série A – Cartesiana II) 1. Ciência – Filosofia. 2. Física – Filosofia. 3. Filosofia moderna. 4. Homem. I. Battisti, César Augusto. II. Donatelli, Marisa Carneiro de Oliveira Franco. III. Título. IV. Título: Tratado da luz e O homem. cdd 501 530.01 190 128
isbn 978-85-268-0847-8 Índices para catálogo sistemático: 1. 2. 3. 4.
Ciência – Filosofia Física – Filosofia Filosofia moderna Homem
501 530.01 190 128
Título original: Le monde de René Descartes ou Traité de la lumiere Copyright da tradução © by tradutores Copyright © 2009 by Editora da Unicamp
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Editora da Unicamp Rua Caio Graco Prado, 50 – Campus Unicamp Caixa Postal 6074 – Barão Geraldo cep 13083-892 – Campinas – sp – Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br – vendas@editora.unicamp.br
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SUMÁRIO
Nota prévia
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O homem
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Apêndices
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O mundo ou Tratado da luz
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NOTA PRÉVIA
Apresentamos aos leitores de língua portuguesa O mundo ou Tratado da luz e O homem, obras escritas por Descartes (-) entre os últimos meses de e o fim de 1, mas publicadas apenas postumamente. No ano de , em Leiden, publicou-se pela primeira vez O homem, em uma tradução latina2, feita por Florent Schuyl com base em duas cópias do original francês, conservadas na Holanda e cedidas por Alphonse Pollot e Antoine Studler van Surck, amigos de Descartes. Dois anos depois, em , algumas livrarias3 de Paris publicaram O mundo ou Tratado da luz,
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A correspondência de Descartes nos permite seguir traços do percurso de sua composição. Eis alguns exemplos (cujo correspondente é o padre Mersenne). A carta de de novembro de anuncia O mundo (sem mencionar o nome), ao apresentar a pretensão do filósofo de “explicar todos os fenômenos da natureza, isto é, toda a física” (AT I, ). A de junho de anuncia o início da redação do que virá a ser O homem — concebido como parte d’O mundo —, quando Descartes diz: estou pensando “se descreverei como ocorre a geração dos animais em meu Mundo” (AT I, ). A de novembro de fala da renúncia de Descartes à publicação do texto, por questões ligadas à condenação de Galileu (AT I, -). Todas as traduções feitas aqui e mais adiante são nossas. A sigla AT, seguida do volume e da(s) página(s), se refere à edição das obras completas de Descartes: René Descartes, Œuvres de Descartes. vols. Publicadas por Charles Adam e Paul Tannery. Paris: Vrin, . O título era o seguinte: Renatus Des Cartes De Homine, figuris & latinitate donatus à Florentio Schuyl, Inclytae Urbis Sylviae Ducis Senatore, & ibidem Philosophiae Professore. Cf. AT XI, .
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em francês4, também com base em uma cópia. Nesse mesmo ano, Clerselier publica O homem, dessa vez segundo o texto original francês, com anotações do médico francês Louis de la Forge e com a tradução do prefácio de Schuyl à edição latina5. É no ano de , anos depois, que Clerselier publica, pela primeira vez, os dois textos em conjunto, O mundo e O homem, mas não em sua “ordem natural” 6 (AT XI, xii), embora ele mesmo reconhecesse que o original francês d’O homem trouxesse por título “Capítulo XVIII”, indicando se tratar de uma continuação d’O mundo, obra interrompida no final do seu capítulo XV. São esses os quatro documentos utilizados pela edição standard da obra cartesiana, organizada por Charles Adam e Paul Tannery (AT), as Œuvres de Descartes, as quais servem de base às edições atuais. O mundo e O homem se encontram no seu volume XI, páginas - e páginas -, respectivamente. Para O mundo, Charles Adam e Paul Tannery trazem a edição de Clerselier de , com as variantes, ao pé da página, da edição de . A divisão dos capítulos é de Descartes, mas os títulos não o são, e divergem nas duas edições: os da edição de são fornecidos por Adam e Tannery em separado (AT XI, ix-x). Para O homem, os organizadores trazem a edição de Clerselier de , que é também a de . As ilustrações que constam no tratado são retiradas dessa edição de Clerselier. Das figuras, apenas duas são de Descartes, as únicas que constam no corpo do texto. Quanto às outras, Clerselier as encomendou a dois especialistas: Louis de la Forge, doutor em medicina de La Flèche, cujas figuras estão indicadas pela letra F, e Gerard van Gutschoven, professor em Louvain, cujas figuras estão indicadas pela letra G7. Na verdade, trata-se de figuras esquemáticas que têm por finali4
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O título era: Le Monde de Mr. Descartes, ou Le Traitté de la Lumiere, & des autres principaux objets des Sens. Seu título era: L’Homme de René Descartes, & un Traité de la Formation du Foetus du mesme Autheur. Avec les Remarques de Louys de La Forge, Docteur em Medecine, demeurant à La Fleche, sur le Traitté de l’Homme de René Descartes, & sur les Figures par luy inventées. Essa edição apresenta o seguinte título: L’Homme de René Descartes, et la Formation du Foetus, avec les Remarques de Louis de la Forge. A quoy l’on a ajouté Le Monde, ou Traité de la Lumiere, du mesme Autheur. Em seu prefácio, Clerselier informa que as figuras, nas quais não se encontram essas letras, são comuns aos dois autores (AT XI, xix). Apesar de constar na primeira nota da edição AT que as figuras de Schuyl serão designadas pela letra S, salvo melhor juízo, elas não aparecem no conjunto das gravuras.
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dade facilitar a compreensão das explicações contidas no tratado, uma vez que, segundo Clerselier, as figuras feitas por Schuyl, em sua edição latina de , não se apresentavam muito adequadas para a compreensão do texto de Descartes. Elas se encontram no final do volume XI das Œuvres. O homem não tem partes ou divisões, mas Clerselier as introduz, cada uma com seus diferentes artigos. A tabela dessas divisões introduzidas por Clerselier se segue ao tratado (AT XI, -). São tais textos, em sua edição de , que servirão de base às traduções aqui publicadas. Essa edição não traz nenhuma modificação em relação às edições anteriores; apenas acrescenta em apêndice (cuja localização nos tratados é indicada por um asterisco) variantes não assinaladas nas edições anteriores e algumas observações ou correções (AT XI, -). Nós reproduziremos, depois das traduções dos tratados, essas notas adicionadas pela nova edição de (as variantes serão simplesmente reproduzidas, enquanto as outras notas serão traduzidas). Reproduziremos em apêndice também a tradução da tabela dos títulos da edição de d’O mundo (diferente da de , mantida no tratado), a tradução da tabela das divisões d’O homem, introduzidas por Clerselier (mas inexistentes no tratado), bem como as figuras não inseridas no interior do texto francês (que são as figuras d’O homem, com exceção de duas delas). Seguem as observações finais desta breve apresentação, a começar pela que diz respeito ao nome dos tratados. Pelas indicações de que dispomos, nenhum dos nomes foi dado, na íntegra, pelo próprio Descartes. Quanto à primeira obra, O mundo ou Tratado da luz, segundo o autor do prefácio à edição de 8, o original trazia apenas a expressão “Tratado da luz”, ainda que, desde a carta a Mersenne de de novembro de (AT I, ), o termo “Mundo” tenha sido também utilizado por Descartes para designar o texto e tenha continuado a sê-lo por muito tempo. Em de janeiro de , Descartes ainda o mencionará, ao se referir aos Princípios da filosofia: “meu Mundo se mostrará em breve ao mundo [...] e o nomearei Summa Philosophiæ” (AT III, )9. As expressões “Tratado da luz” ou “Da luz” aparecem na carta ao padre Vatier de de fevereiro de
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O autor D. R. (não identificado) afirma: “E, por mais que em diversos lugares ele [Descartes] o nomeie seu Mundo, aqui, no entanto, onde não fala senão do mundo visível, eu vi no original apenas estas palavras ‘Tratado da luz’” (AT XI, viii). Cf. outras ocorrências: AT I, , , ; II, , , .
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10. Outros termos foram utilizados (principalmente, “meu tratado” e “minha física”) por Descartes, para se referir seja diretamente ao tratado, seja ao seu conteúdo11. Está, de todo modo, expresso no título O mundo ou Tratado da luz algo de intrigante e, ao mesmo tempo, revelador, por propor uma “identidade” entre a totalidade do mundo e um fenômeno em particular, a luz. O título da segunda obra, O homem, foi dado pelo próprio Clerselier na primeira edição de , mas a edição latina já trazia o título Renatus Des Cartes De Homine. No original, pelo que sabemos, nada constava além da indicação “Capítulo XVIII”. Por outro lado, a correspondência se refere a’O homem como um assunto a ser tratado n’O mundo, como pode ser constatado em sua carta a Mersenne de junho de (AT I, ; cf. nossa nota ). Alguns meses mais tarde, em outra carta, Descartes se refere a ele do mesmo modo, quando afirma que ampliará o tratamento que será dado ao homem n’O mundo. Diz ele: “Falarei do homem em meu Mundo um pouco mais do que pensei, pois pretendo explicar todas as suas principais funções” (AT I, ). Mesmo no período em que se dá a discussão em torno da publicação do livro Henrici Regi fundamenta Physices12, Descartes não menciona um título específico para esse texto em que se encontra uma descrição das funções do corpo humano (AT IV, , , ). Essa discussão sobre os títulos das obras, aparentemente pouco relevante, esconde, na verdade, questões referentes à relação entre elas e ao modo como devemos considerá-las. De um ponto de vista “lógico”, talvez se devessem chamar os textos, respectivamente, de “Tratado da luz” e de “Tratado do homem”, reservando o título “O mundo” à obra como um todo, ao conjunto dos dois tratados. É a isso que se inclinam alguns especialistas13, certamente tendo em conta o fato de o Discurso do método, 10
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Cf. AT I, ; . Nessa segunda ocasião, diz Descartes: “[...] o tratado que contém todo o corpo de minha física traz o nome Da luz [...]”. Por exemplo: AT I, , -, -, , , , , , , . Ao tomar conhecimento desse livro, Descartes acusa Regius de copiar “palavra por palavra” trechos, sobre o movimento dos músculos, que compõem uma parte de seu texto ainda não publicado, além de não respeitar a ordem na exposição de sua física. Esse é o caso de S. Gaukroger (René Descartes, The world and other writings. Traduzido e editado por Stephen Gaukroger. Cambridge University Press, ). Diz ele: “O Tratado da luz e o Tratado do homem — aos quais eu me referirei sob o título coletivo O mundo — constituem juntos o projeto sistemático mais ambicioso que Descartes jamais empreendeu” (Gaukroger, , p. vii).
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sem os distinguir, nomeá-los apenas “tratado”14 e o fato de o segundo texto ser parte do primeiro (seu capítulo XVIII, dizia o original), como confirma a correspondência do autor. Por outro lado, tradicionalmente, desde os primeiros editores, tem-se preferido identificar “O mundo” com o “Tratado da luz”, deixando O homem como obra à parte. Talvez seja por dificuldades desse gênero que, na edição certamente a mais comentada que temos desses tratados, A. Bitbol-Hespériès e J.-P. Verdet tentem manter a identidade individual de cada texto e a unidade do conjunto ao nomearem a obra toda “Le Monde, L’Homme” e não raras vezes falarem do tratado do “Monde incluant L’Homme”15. Conforme o espírito da Coleção Multilíngües de Filosofia, a presente edição traz lado a lado os textos em francês e as respectivas traduções como que em espelho. Cada página apresenta três numerações: a normal da atual edição (ao pé da página), a dos textos-fonte (Œuvres) das traduções (no alto à esquerda) e a dos originais em que os editores das Œuvres se basearam. As figuras, quando inseridas no interior do texto francês, foram reproduzidas no interior da tradução: é o caso de todas as figuras d’O mundo e de duas, apenas, das d’O homem, estando as outras nos Apêndices. As traduções, feitas independentemente, contaram com aporte financeiro de órgãos de fomento. O projeto de tradução d’O mundo foi financiado pelo CNPq, e o projeto de tradução d’O homem foi financiado pela FAPESB, entidades às quais agradecemos o apoio. César Augusto Battisti Marisa Carneiro de Oliveira Franco Donatelli
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Cf. AT VI, , , , . Cf. René Descartes, Le Monde, L’Homme. Introdução de Annie Bitbol-Hespériès; notas de Annie Bitbol-Hespériès e Jean-Pierre Verdet. Paris: Éditions du Seuil, .
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[ ]2 Propondo-me a tratar aqui da luz, a primeira coisa da qual quero vos advertir é que pode haver diferença entre o sentimento3 que dela temos, isto é, a idéia que dela se forma em nossa imaginação por intermédio de nossos olhos, e o que nos objetos há que produz em nós esse sentimento, isto é, o que há na flama ou no Sol que se chama pelo nome de “luz”. Pois, embora cada um comumente se persuada de que as idéias que temos em nosso pensamento sejam inteiramente semelhantes aos objetos dos quais procedem, não vejo, contudo, razão alguma que nos assegure de que assim o seja; mas,
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Como diz a nota a, ao lado, as Œuvres seguem a edição de , reproduzem sua paginação no alto e dão as variantes da edição de ao pé da página. As notas da nova edição (), assinaladas por um asterisco (*), como no final da nota a, são fornecidas por nós em apêndice. Cf. AT XI, -, para as notas sobre O mundo. A divisão em capítulos é de Descartes, mas os títulos não. O título da obra também não é, na íntegra, de Descartes. Cf. nossa “Nota prévia”. “Sentimento” é, aqui, sinônimo de “sensação”.
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pelo contrário, observo várias experiências que nos devem fazer duvidar disso. Vós bem sabeis que as palavras, sem ter semelhança alguma com as coisas que significam, não deixam de nos fazer concebê-las — e, com freqüência, sem que prestemos atenção ao som dos vocábulos ou a suas sílabas —, de sorte que pode acontecer que, após termos ouvido um discurso cujo sentido compreendemos muito bem, não possamos dizer em qual língua ele fora proferido. Ora, se palavras, que nada significam senão pela instituição dos homens, são suficientes para nos fazer conceber coisas com as quais não têm semelhança alguma, por que a natureza não poderá, ela também, ter estabelecido certo signo que nos faça ter o sentimento da luz, mesmo que tal signo nada tenha em si que seja semelhante a esse sentimento? Não é assim que ela estabeleceu o riso e as lágrimas para nos fazer ler a alegria e a tristeza na face dos homens? Mas direis talvez que nossos ouvidos nos fazem verdadeiramente sentir apenas o som das palavras e nossos olhos, apenas o semblante daquele que ri ou chora, e que é nosso espírito que, tendo retido o que significam essas palavras e esse semblante, no-lo representam ao mesmo tempo. A isso eu poderia responder que é igualmente nosso espírito que nos representa a idéia de luz todas as vezes que a ação que a significa toca nosso olho. Porém, sem
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perder tempo em disputas, agirei melhor ao trazer um outro exemplo. Pensais vós que, mesmo quando não prestamos atenção à significação das palavras e ouvimos tão-somente o seu som, a idéia desse som, formada em nosso pensamento, seja alguma coisa de semelhante ao objeto que é sua causa? Um homem abre a boca, move a língua, solta sua respiração: nada vejo em todas essas ações que não seja muito diferente da idéia do som que elas nos fazem imaginar. E a maior parte dos Filósofos4 assegura ser o som nada mais que certa vibração do ar que atinge nossos ouvidos, de modo que, se o sentido da audição trouxesse ao nosso pensamento a verdadeira imagem de seu objeto, seria necessário, em vez de nos fazer conceber o som, que nos fizesse conceber o movimento das partes do ar que nesse momento vibram contra nossos ouvidos. Mas, como talvez nem todos queiram crer no que dizem os Filósofos, trarei ainda um outro exemplo. O tato é, dentre todos os nossos sentidos, aquele que é considerado o menos enganoso e o mais seguro; assim, se eu vos mostrar que o próprio tato nos faz conceber várias idéias que não se assemelham de nenhum modo aos objetos que as produzem, penso que não deveis achar estranho se eu disser que a vista pode fazer o mesmo. Ora, não há ninguém que não saiba que as idéias de cócegas e de dor, que se formam em nosso pensamento na
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O termo “Filósofos” designa os escolásticos, assim como o termo “Doutores”.
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