Métodos matemáticos - Volume 1

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MÉTODOS MATEMÁTICOS Volume 1


universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta

Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Elinton Adami Chaim – Esdras Rodrigues Silva Guita Grin Debert – Julio Cesar Hadler Neto Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Antunes – Sedi Hirano

Unicamp Ano 50 Comissão Editorial Itala M. Loffredo D’Ottaviano Eduardo Guimarães


Jayme Vaz Jr. Edmundo Capelas de Oliveira

MÉTODOS MATEMÁTICOS Volume 1


Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação Bibliotecária: Helena Joana Flipsen – crb-8a / 5283

V477m

Vaz Júnior, Jayme, 1964Métodos matemáticos / Jayme Vaz Jr., Edmundo Capelas de Oliveira. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2016. v.1. 1. Equações diferenciais. 2. Funções de variáveis complexas. 3. Funções especiais.

4. Sturm-Liouville, Equação de. I. Oliveira, Edmundo Capelas de, 1952- II. Título.

cdd 515.35 515.9 515.5 515.7 e-isbn 978-85-268-1426-4 Índices para catálogo sistemático: 1. Equações diferenciais 2. Funções de variáveis complexas 3. Funções especiais 4. Sturm-Liouville, Equação de

Copyright © by Jayme Vaz Jr. Edmundo Capelas de Oliveira Copyright © 2016 by Editora da Unicamp

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515.35 515.9 515.5 515.7


Dedicado a Maria Clara e Liliane J. Dedicado a Ivana E.



Sumário

Apresentação

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Introdução

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1. Preliminares 1.1. Equações da fı́sica matemática 1.1.1. EDO . . . . . . . . . . . 1.1.2. EDP . . . . . . . . . . . 1.1.3. EDT . . . . . . . . . . . 1.2. Sistemas de coordenadas . . . . 1.2.1. Gradiente . . . . . . . . 1.2.2. Divergente . . . . . . . 1.2.3. Rotacional . . . . . . . 1.2.4. Laplaciano . . . . . . . 1.2.5. Teoremas integrais . . . 1.3. Separação de variáveis . . . . . 1.4. Exercı́cios . . . . . . . . . . . .

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1 1 2 4 8 9 15 15 17 18 23 23 27

2. Variáveis complexas 2.1. Números complexos . . . . . . . . 2.1.1. Conjugação complexa . . . 2.2. Plano complexo . . . . . . . . . . . 2.2.1. Plano complexo estendido . 2.3. Forma polar de números complexos 2.4. Funções elementares . . . . . . . . 2.4.1. Função exponencial . . . . 2.4.2. Funções trigonométricas . . 2.4.3. Funções hiperbólicas . . . . 2.4.4. Função logaritmo . . . . . .

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31 32 33 34 37 38 42 43 44 45 45

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2.5. Funções analı́ticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.5.1. Regiões do plano complexo . . . . . . . . . . . 2.5.2. Limite, continuidade e derivada . . . . . . . . . 2.5.3. Analiticidade e condições de Cauchy-Riemann . 2.5.4. Funções harmônicas . . . . . . . . . . . . . . . 2.5.5. Funções analı́ticas e pontos de sela . . . . . . . 2.6. Diferenciação e integração . . . . . . . . . . . . . . . . 2.6.1. Integração no plano complexo . . . . . . . . . . 2.6.2. Teorema integral de Cauchy . . . . . . . . . . . 2.6.3. Existência da integral indefinida . . . . . . . . 2.6.4. Fórmula integral de Cauchy . . . . . . . . . . . 2.6.5. Derivadas de funções analı́ticas . . . . . . . . . 2.7. Séries de Taylor e Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . 2.7.1. Séries de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.7.2. Métodos práticos para séries de potências . . . 2.7.3. Séries de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.7.4. Singularidades e zeros . . . . . . . . . . . . . . 2.8. Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.8.1. Resı́duos e polos . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.8.2. Teorema dos resı́duos . . . . . . . . . . . . . . 2.8.3. Lema de Jordan . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.9. Aproximação assintótica de integrais . . . . . . . . . . 2.10. Continuação analı́tica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.11. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3. Equações diferenciais ordinárias 3.1. EDO de primeira ordem . . . . . . 3.2. EDO linear de ordem arbitrária . . 3.3. Solução por séries . . . . . . . . . . 3.4. Método de Frobenius . . . . . . . . 3.5. Solução por representação integral 3.6. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . 4. EDO no domı́nio complexo 4.1. EDO: De R para C . . . . . . . 4.2. Analiticidade das soluções . . . 4.2.1. EDO de primeira ordem 4.2.2. EDO de segunda ordem

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47 48 50 51 53 53 54 55 58 63 63 64 66 66 68 71 72 73 74 76 77 86 90 95

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103 103 112 120 126 143 150

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155 155 158 158 160


4.3. Equações fuchsianas . . . . . . . . . 4.3.1. EDO de primeira ordem . . . 4.3.2. EDO de segunda ordem . . . 4.3.3. Confluência de singularidades 4.4. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . .

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163 165 166 176 178

5. Funções especiais 5.1. Função gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.1.1. Função beta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.1.2. Função poligama . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.1.3. Função gama incompleta e outras relacionadas 5.2. Função hipergeométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.3. Função hipergeométrica confluente . . . . . . . . . . . 5.4. Funções de Bessel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.4.1. Funções de Hankel . . . . . . . . . . . . . . . . 5.4.2. Funções de Bessel modificadas . . . . . . . . . 5.4.3. Funções de Bessel esféricas . . . . . . . . . . . 5.5. Funções de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.5.1. Funções de Legendre associadas . . . . . . . . . 5.6. Polinômios ortogonais clássicos . . . . . . . . . . . . . 5.6.1. Fórmula de Rodrigues . . . . . . . . . . . . . . 5.6.2. Algumas propriedades . . . . . . . . . . . . . . 5.6.3. Expansão em polinômios ortogonais . . . . . . 5.7. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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181 181 187 188 192 195 204 208 219 220 222 222 239 242 244 250 253 256

6. Problema de Sturm-Liouville 6.1. Considerações gerais . . . . . . . . 6.2. PSL regular . . . . . . . . . . . . . 6.3. PSL singular . . . . . . . . . . . . 6.3.1. Forma normal de Liouville . 6.4. Expansão em autofunções . . . . . 6.5. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . .

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269 269 275 279 284 288 290

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A. Respostas e/ou sugestões

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Referências bibliográficas

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Índice remissivo

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Apresentação

Este livro, composto por três volumes, poderia ter um tı́tulo e um ou mais subtı́tulos, ou ainda um duplo tı́tulo. Optamos por manter um único tı́tulo: Métodos matemáticos (M2 ). A justificativa deriva de os autores haverem ministrado, por alguns anos, as disciplinas chamadas métodos de matemática aplicada e métodos matemáticos da fı́sica, ambas direcionadas aos estudantes dos cursos de matemática, matemática aplicada, fı́sica e engenharia. Ele é o resultado das diferentes versões das notas de aulas escritas para esses cursos. O universo dos M2 é gigantesco, e a porção deles que será discutida ao longo dos três volumes faz parte dos chamados métodos analı́ticos. Os igualmente importantes métodos numéricos não fazem parte deste livro, pois são objetos de outras disciplinas nesses cursos. Existe uma rica literatura dedicada aos assuntos que se encaixam nessa denominação genérica de M2 . Livros, contudo, não competem entre si, mas se complementam. A visão autoral reflete-se no foco de cada obra, dedicando uma maior atenção a um assunto ou outro, e também no público-alvo. Dessa forma, encontramos livros de M2 com muito material em comum, apresentados essencialmente no mesmo nı́vel, mas direcionados para estudantes de fı́sica, como [AWH13, But68, Ha99, MF53], para os de engenharia, tal qual, por exemplo, [Gre98, Kre11], ou para ambos, como [IM59, RHB06], e inclusive outros que se destacam pela maior perspectiva matemática, como [CH89, WW96]. Nesse cenário, qual a razão de ser deste livro? Depois de várias experiências ministrando M2 para públicos com interesses distintos, os autores entendem que o material básico de apoio para essa disciplina deve estar focado no método em si, não em sua aplicação em problemas especı́ficos. Em um curso de matemática ou de matemática aplicada, os métodos matemáticos são relevantes, em particular, nas aplicações, isto

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é, na resolução de uma especı́fica questão advinda de outras áreas do conhecimento, englobando não apenas as ciências exatas e tecnológicas, mas também áreas da biologia ou economia, por exemplo. Por outro lado, na fı́sica ou na engenharia, o problema já existe e a metodologia é apenas para ser utilizada. Em geral, o foco não é necessariamente o mesmo, e, portanto, em nosso entender, o material básico de apoio para uma disciplina, nessas circunstâncias, não deve carregar um particular viés de público-alvo. Nessa percepção, as particularidades dos grupos de estudantes devem ser deixadas para referências complementares. Vários livros, como [AWH13] ou [But68], usados pelos autores quando estudantes de graduação, são muito bons, mas repletos de aplicações fı́sicas que, eventualmente, não despertam interesse em outros estudantes, às vezes até mesmo produzem o efeito contrário, quando usados como referência básica da disciplina. Diante desse quadro, surgiu o projeto de transformar as notas de aula, escritas nesse espı́rito universal, em um livro. A preocupação do texto é simples e objetiva. Apresenta-se a teoria com o rigor matemático necessário e discute-se uma série de exemplos, a fim de fixar as ideias apresentadas. Ao final de cada capı́tulo, encontra-se uma série de exercı́cios propostos para o estudante praticar e/ou enfrentar o desafio de elaborar a solução do exercı́cio não exatamente igual àquele abordado no texto. Todos esses exercı́cios propostos contam com resposta e/ou sugestão. Tivemos a felicidade de conhecer, na vida acadêmica, pessoas cujo convı́vio enriqueceu nossas trajetórias e que, direta ou indiretamente, influenciaram este trabalho. Foram tantas que uma tentativa de listar nomes seria incompleta devido às inevitáveis omissões involuntárias. De uma forma geral, gostarı́amos de agradecer aos nossos professores que, com seus ensinamentos, foram fontes de inspiração e aos alunos que, com suas dúvidas e sugestões, ajudaram a aprimorar este trabalho. Entretanto, não podemos deixar de agradecer explicitamente ao professor doutor Waldyr A. Rodrigues Jr. pelos anos de amizade e colaboração. Gostarı́amos também de agradecer à Editora da Unicamp e sua equipe pelo apoio.

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Introdução

Vamos discorrer sobre os temas abordados neste volume. O primeiro capı́tulo apresenta as chamadas equações da fı́sica matemática, a partir dos protótipos das equações do tipo hiperbólico, a equação de onda; do tipo parabólico, a equação de difusão; e a equação de Laplace, representante das equações do tipo elı́ptico. São introduzidos os sistemas de coordenadas nos quais se apresentam as expressões para o gradiente, divergente, rotacional e laplaciano, além dos clássicos teoremas integrais e separação de variáveis, tema este que será discutido especificamente quando da abordagem das equações diferenciais parciais. No segundo capı́tulo são abordadas as variáveis complexas e as funções analı́ticas. Começamos com os números complexos, as clássicas funções elementares, enfatizando as trigonométricas, as hiperbólicas, a exponencial e a logarı́tmica. Depois, numa sequência natural, são introduzidos os conceitos de limite, continuidade e derivada, para depois concluir com o conceito de analiticidade e as condições de Cauchy-Riemann. Enfim, após o conceito de integração no plano complexo, discute-se a importante fórmula integral de Cauchy, séries de Laurent e métodos práticos para séries de potência. Após o conceito de resı́duo e a discussão de singularidades, formula-se o teorema integral de Cauchy e o lema de Jordan, visando o cálculo de uma integral no plano complexo. Aproximações assintóticas e o processo de continuação analı́tica concluem o capı́tulo. No terceiro capı́tulo são abordadas as equações diferenciais ordinárias, primeiramente são discutidas de forma completa as equações diferenciais ordinárias de primeira ordem e depois as equações diferenciais ordinárias lineares de ordem arbitrária. É dada ênfase nas equações diferenciais ordinárias lineares, de segunda ordem e não homogêneas; em particular, discute-se a obtenção da solução geral da respectiva equação homogênea

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e uma solução particular da equação não homogênea. Discutem-se as soluções por série de potência e o importante método de Frobenius. Conclui-se o capı́tulo com a chamada representação integral da solução. O quarto capı́tulo é dedicado ao estudo das equações diferenciais ordinárias no domı́nio complexo. É explicitada a mudança dos reais para os complexos e a analiticidade das soluções. São discutidas as equações de primeira e segunda ordens e as chamadas equações fuchsianas. O estudo da confluência de singularidades é abordado a partir da equação hipergeométrica, visando à equação hipergeométrica confluente. O quinto capı́tulo é dedicado às funções especiais. Começamos com uma introdução, a fim de abordar as funções gama, beta, poligama, gama incompleta e outras relacionadas. Agora, sim, as funções especiais que são soluções de equações diferenciais ordinárias, lineares, homogêneas e de segunda ordem. Como representante da solução de uma equação diferencial ordinária com três singularidades, incluindo uma no infinito, discute-se as funções hipergeométricas, que contêm como casos particulares os polinômios de Gegenbauer, Legendre e Chebyshev. As funções hipergeométricas confluentes, também conhecidas como funções de Kummer, com dois pontos singulares, têm como casos particulares os polinômios de Laguerre e Hermite, além das funções de Bessel, Airy e Whittaker. As funções de Bessel e os polinômios de Legendre, devido à vasta classe de problemas em que tais funções emergem, recebem uma atenção maior. Também merecem destaque os polinômios ortogonais, em que são discutidas as respectivas fórmulas de Rodrigues e propriedades, além de apresentarmos expansões em polinômios ortogonais. O sexto capı́tulo é todo ele reservado ao estudo dos problemas de Sturm-Liouville. Após as considerações gerais, apresenta-se o problema de Sturm-Liouville regular bem como propriedades. Os problemas de Sturm-Liouville singular são apresentados a partir de uma especı́fica equação, abordada em um exemplo. O clássico problema de expansão em autofunções conclui o capı́tulo. Este volume apresenta ainda um Apêndice, em que são apresentadas as respostas e/ou sugestões de todos os problemas que foram deixados a cargo do leitor, bem como uma lista de Referências bibliográficas, todas elas comentadas. O Índice remissivo conclui o texto.

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Preliminares 1.1. Equações da fı́sica matemática

A descrição matemática de muitos sistemas, em particular daqueles descritos pelas leis da fı́sica, se faz geralmente em termos de equações diferenciais (EDs), embora não seja incomum encontrarmos também equações integrais ou até mesmo equações integrodiferenciais. Sob uma perspectiva histórica, os chamados métodos da fı́sica matemática, ou da matemática aplicada de uma forma mais geral, podem ser vistos como um conjunto de ferramentas desenvolvidas tendo como objetivo principal solucionar problemas envolvendo esses tipos de equações, muito embora em vários casos essas ferramentas adquiriram interesse intrı́nseco e levaram a importantes áreas de pesquisa. O principal objetivo prático ao estudar as EDs é encontrar suas soluções. Ocorre que isso, em geral, não é uma tarefa simples. Mesmo não sendo uma tarefa simples, seria desejável que pelo menos tivéssemos um método geral para buscar essas soluções. A realidade, porém, é que os vários métodos conhecidos para resolver uma ED dependem crucialmente da natureza dessa ED. Em outras palavras: um método pode ser efetivo para uma classe de ED e não para outra. Por isso, o estudo das EDs deve começar por estabelecer uma classificação útil e efetiva dessas

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1. Preliminares equações para depois estudarmos os métodos de solução de ED de uma determinada classe. Um primeiro critério que podemos utilizar para classificar as EDs é de acordo com o número de variáveis dependentes (VDs) e variáveis independentes (VIs) da equação. Podemos classificar as EDs em equações diferenciais ordinárias (EDOs), equações diferenciais parciais (EDPs) e equações diferenciais totais (EDTs) segundo o número de VDs e VIs, a saber: tipo EDO EDP EDT

VI 1 >1 1

VD 1 1 >1

As EDs também são classificadas de acordo com ordem e grau. Dizemos que uma ED é de ordem n quando a ordem da maior derivada envolvida nessa ED for justamente n. Se a ED for polinomial nas derivadas, dizemos que o grau da ED é a potência da derivada de maior ordem envolvida nessa equação. Uma ED é dita linear quando ela for linear na VD e em todas as suas derivadas presentes na equação; caso contrário, a ED é dita não linear. Observação: Neste texto, para y = y(x), usaremos y 0 ou dy/dx para denotar a função derivada, enquanto, para u = u(x, y, . . .), usaremos ux ou ∂u/∂x para denotar a função derivada parcial.

1.1.1. EDO Uma EDO de ordem n é portanto uma equação da forma F (x, y, y 0 , . . . , y (n) ) = 0, onde x é a VI e y é a VD. Encontrar uma solução dessa EDO significa encontrar uma função y = φ(x), tal que essa equação seja satisfeita no sentido de uma identidade, F x, φ(x), φ0 (x), . . . , φ(n) (x) ≡ 0. A EDO linear de ordem n mais geral é da forma (P0 (x) 6= 0)

P0 (x)y (n) + P1 (x)y (n−1) + · · · + Pn−1 (x)y 0 + Pn (x)y + Q(x) = 0,

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1.1. Equações da fı́sica matemática onde Pi (x) com i = 0, 1, . . . , n são os coeficientes da equação e Q(x) é o termo independente. A importância das EDOs é colossal. Desde a formulação das leis do movimento por Newton que as EDOs desempenham um papel essencial na descrição de uma vasta gama de fenômenos. Denotando, como habitual nesses casos, a VI por t, a chamada segunda lei de Newton é geralmente apresentada na forma d~ p/dt = F~ , onde p~ = m~v é o momentum de um objeto (m é sua massa e ~v sua velocidade) no qual age uma força F~ . Quando esse objeto é uma partı́cula pontual, essa ED pode ser escrita como d2 ~x d~x m 2 = F~ ~x, , t , dt dt onde ~x = ~x(t) é o vetor que descreve a posição da partı́cula e onde admitimos que a força que age sobre ela pode depender da sua posição, velocidade e variar com o tempo. Um dos exemplos mais simples de ED é aquele associado ao problema do oscilador harmônico (OH), ou seja, d2 x + ω2x = 0 dt2

(1.1)

com x = x(t) e ω 2 uma constante positiva. Poderı́amos dedicar páginas e mais páginas a discutir e apresentar os mais diversos contextos em que a equação do oscilador harmônico (EOH) surge ou possa vir a surgir. O exemplo mecânico mais simples p é o do sistema massa-mola, onde a constante ω é dada por ω = k/m, sendo k a constante da mola e m a massa. Quando efeitos de amortecimento (por exemplo, presença de forças de atrito) são levados em conta e ainda temos a presença de forças externas, temos a EOH amortecido e forçado d2 x dx dx 2 +γ + ω x = F x, , t , dt2 dt dt onde γ é uma constante. Se F = 0, dizemos que a EDO é homogênea. Em muitos casos a força externa depende apenas do tempo e assim temos d2 x dx +γ + ω 2 x = F (t). dt2 dt

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1. Preliminares Essa é uma EDO de segunda ordem, linear, não homogênea e com coeficientes constantes. As EDOs de segunda ordem, lineares e com coeficientes variáveis também têm grande importância. Como exemplos podemos destacar a equação de Bessel, x2 y 00 + xy 0 + (x2 − ν 2 )y = 0

(1.2)

com y = y(x) e ν uma constante, e a equação de Legendre, (1 − x2 )y 00 − 2xy 0 + λy = 0

(1.3)

com y = y(x) e λ uma constante, dentre muitas outras com denominações geralmente associadas aos nomes de grandes matemáticos. Mas o que destacam estas e outras EDOs na ampla classe de EDO com coeficientes variáveis? Muitas dessas EDOs surgem quando tentamos resolver certas EDPs usando o método chamado separação de variáveis. Por isso, em vez de exibir um compêndio dessas importantes EDOs, é mais interessante observarmos primeiro onde elas surgem.

1.1.2. EDP Quando passamos a estudar fenômenos nos quais o conceito de campo passa a ter uma importância fundamental, como por exemplo no eletromagnetismo ou na dinâmica de fluidos, surgem as EDPs. Uma EDP é uma equação da forma F (x, y, . . . , u, ux , uy , . . . , uxx , uxy , . . .) = 0, onde x, y, . . . são as VI, u, a VD e ux = ∂u/∂x etc. Uma função u = u(x, y, . . .) é uma solução (ou superfı́cie integral) dessa EDP se ela satisfaz a equação na forma de uma identidade. Encontrar uma solução de uma EDP é uma tarefa muito mais árdua do que no caso de uma EDO, tanto que podemos encontrar problemas em aberto apesar da enorme quantidade de estudos produzidos a esse respeito. Um problema envolvendo uma EDP consiste em encontrar uma solução da EDP satisfazendo certas condições. Por exemplo: encontrar uma solução que tem um determinado valor em uma dada hipersuperfı́cie do espaço de

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1.1. Equações da fı́sica matemática coordenadas (x1 , . . . , xn ). O tipo e a utilidade de uma condição irá depender da equação em questão. Dizemos que uma EDP é linear quando for linear em u e em todas as suas derivadas, mas, se uma EDP for linear apenas na derivada de maior ordem, dizemos que ela é quase linear. Os exemplos mais importantes de EDPs são as lineares de segunda ordem, que em n VI são da forma n n X X L[u] = Aij (x)uxi xj + Bi (x)uxi + F (x)u = G(x), i,j=1

i=1

onde x = (x1 , . . . , xn ), Aij = Aji e Bj são os coeficientes, bem como aproveitamos para introduzir a notação do operador diferencial L[u]. Se G = 0, dizemos que a equação é homogênea, caso contrário dizemos que é não homogênea. São essas equações que às vezes são chamadas de equações da fı́sica matemática, as quais discorremos no que segue. Equação da onda A amplitude u = u(x, t) das vibrações transversais livres de uma corda em um ponto x no instante t é descrita pela equação utt = c2 uxx . Essa EDP é conhecida como a equação da onda. A constante c é identificada como a velocidade da onda. A generalização envolvendo mais dimensões espaciais é utt = c2 ∇2 u

(1.4)

onde ∇2 é o operador laplaciano. Como modelos descritos por essa equação, em duas dimensões podemos pensar nas vibrações de uma membrana e em três dimensões na propagação de ondas acústicas ou de ondas sı́smicas em meios homogêneos, isotrópicos e elásticos. Modelos mais realistas para propagação de ondas podem levar em conta a possibilidade de a velocidade da onda variar de acordo com a frequência ou a amplitude da onda. Com a presença de forças externas, temos a equação não homogênea utt − c2 ∇2 u = F (x, t).

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1. Preliminares Equação da difusão – Equação do calor Outro exemplo importante de EDP é a equação de difusão do calor, ou simplesmente equação do calor ou equação de difusão, ut = kuxx .

(1.5)

Essa equação descreve, por exemplo, a situação idealizada da variação da temperatura u = u(x, t) ao longo de um meio unidimensional com difusividade térmica k ou a variação da concentração de partı́culas u em um processo coletivo de difusão unidimensional. A generalização para um maior número de dimensões espaciais é ut = k∇2 u

(1.6)

Uma generalização importante da equação de difusão é a chamada equação de reação-difusão, ut = kuxx + R(u), onde R(u) (chamado termo de reação) é uma função de u(x, t). Diferentes escolhas de R(u) fornecem equações com diversas e interessantes aplicações. Equação de Laplace Em muitos problemas, em particular naqueles em que estamos interessados no cálculo de potenciais, como por exemplo o potencial eletrostático u em uma região sem cargas, encontramos a equação ∇2 u = 0

(1.7)

com u = u(x1 , . . . , xn ). Esta é a equação de Laplace. Suas soluções são muitas vezes denominadas funções harmônicas. Exemplos bem conhecidos de funções harmônicas são as partes real e imaginária de uma função analı́tica.

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