O frango de Newton

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universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta

Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Elinton Adami Chaim– Esdras Rodrigues Silva Guita Grin Debert – Julio Cesar Hadler Neto Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Antunes – Sedi Hirano

Coleção Meio de Cultura Comissão Executiva Marcelo Knobel (coord.) – Andréa Guerra Eduardo Guimarães – Peter Schulz Sandra Murriello – Yurij Castelfranchi Conselho Consultivo João Schmidt – Luiz Davidovich – Miguel Nicolelis – Marcelo Gleiser Iván Izquierdo – Luisa Massarani – Sergio Pena – Antonio C. Pavão – Marcelo Leite Carlos Henrique de Brito Cruz – Carlos Nobre – José Antônio Brum – Carlos Vogt Leopoldo de Meis – Mauricio Tuffani – Alberto Passos Guimarães Mônica Teixeira – Ildeu C. Moreira

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o frango de newton a ciência na cozinha

massimiano bucchi

Tradução

Regina Célia da Silva

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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação B851f

Bucchi, Massimiano O frango de Newton: A ciência na cozinha / Massimiano Bucchi; tradução: Regina Célia da Silva – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2015. 1. Gastronomia – Inovações tecnológicas. 2. Ciência e tecnologia – Aspectos sociais. I. Silva, Regina Célia da, 1969-. II. Título.

cdd 641.013 301.243 isbn 978-85-268-1277-2 Índices para catálogo sistemático: 1. Gastronomia – Inovações tecnológicas 641.013 2. Ciência e tecnologia – Aspectos sociais 301.243 Título original: Il Pollo di Newton: La scienza in cucina. Copyright © 2013 Ugo Guanda Editore

Copyright © 2015 by Editora da Unicamp Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, dos detentores do direito. Printed in Brazil. Foi feito o depósito legal.

Direitos reservados à Editora da Unicamp Rua Caio Graco prado, 50 – Campus Unicamp cep 13083-892 – Campinas – sp – Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br – vendas@editora.unicamp.br

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meio de cultura Nosso cotidiano é permeado de ciência e tecnologia. Mas o que é ciência? Como é feita? Quem a faz? E a tecnologia? A coleção Meio de Cultura traz textos que, em linguagem acessível a todos (e às vezes divertida), apre­ sentam os caminhos e descaminhos da ciência e da tecnologia. Neles encontramos histórias de sucessos e fracassos, contradições e embates, enigmas e polêmicas da ciência e da tecnologia na sociedade – uma bússola para explorar a cultura científica até as fronteiras do saber.

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agradecimentos

A Gabriele Bucchi, Marco Cavalli, Serena Luzzi e Renato G. Mazzolini, pela leitura atenta e pelas inúmeras sugestões. A Giuseppe Pellegrini e Barbara Saracino, pelos comentários sobre as versões preliminares deste texto. A Alessia Bertagnolli, pela ajuda na revisão do texto e da bibliografia. A Emanuela Minnai, pelo estímulo paciente, constante e sapiente. A Davide Cassi e Monica Cioli, por algumas importantes informações e indicações bibliográficas sobre o quarto capítulo. A Patrícia Osseweijer e aos colegas do Departamento de Biotecnologia da Universidade Técnica de Delft, que me receberam durante a realização de parte das pesquisas para este volume. A Mario Bagnara, Cecilia Magnabosco e a todo o pessoal da Biblioteca Internacional La Vigna e da Wellcome Library, pela disponibilidade e colaboração.

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Aos participantes dos seminários da Universidade de Nij­ megen e da Universidade de York (Canadá), onde apresentei alguns temas discutidos aqui. As conversas com Carlo Cannella, das quais me lembro com prazer, foram ricas em estímulos para o meu trabalho.

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cardápio

1. entrada, seguida de primeiro prato – a culinária como ciência, a ciência como culinária, de sócrates à fusão a frio................................................................................................................................. 13 Entrada: A maionese, a ciência, as mulheres............................................. A culinária como ciência, ou de como Liebig instigou donas de casa contra médicos e farmacêuticos......................................... A ciência como culinária, ou de como uma revolução em geologia correu o risco de ser confundida com um minestrone................................................................................................................................................ Fusão a frio ou chantilly?..................................................................................................... Na cozinha, a ciência se torna “mais humana” (e divertida)............................................................................................................................................ Da ciência à la carte à ciência take-away? Medicina e gastronomia segundo Sócrates........................................................................................

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2. segundo prato – a ciência do frango................................................ 49 Morrer pela ciência: O frango de Bacon........................................................... 49

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O frango dos iluministas........................................................................................................ 54 Primeiro, as galinhas e as crianças: Os frangos de Pasteur, ou de como as descobertas ocorrem às vezes quando o cientista está de férias........................................................................................................................................... 59 O frango que Newton não comeu: O corpo ascético do cientista........................................................................................................................................................ 64 O frango comido ao vivo: A ciência em público e o corpo do líder........................................................................................................................................................... 69 Frangos metafóricos e frangos epistemológicos........................................ 75 Outros penosos: O pavão de Redi, o peru de Benjamin Franklin e o dos economistas (muito parecido com o frango de Bertrand Russell)............................................................................................... 77 3. bebidas à parte – cerveja, vinho, café, chá, chocolate e... controvérsias à vontade...................................... 81 A cerveja, a razão e o trabalho segundo Benjamin Franklin........................................................................................................................................................ 81 Cerveja, bactérias e beterrabas: A ciência no fermento de Louis Pasteur......................................................................................................................................... 87 Um gole de café e um de controvérsia................................................................... 94 Chá x café, ou do porquê de os reis não deverem lidar com testes clínicos.......................................................................................................................................... 105 Quem inventou o chocolate ao leite? E quem descobriu a água quente?.......................................................................................................................................... 107 Água gelada, um pedaço de borracha, Richard Feynman e a imprensa (misturar bem, servir frio).......................................................... 113 4. sobremesa sabor de ciência (e de sociedade) – de brillat-savarin à gastronomia molecular, passando pela culinária futurista........................................................ 117 A ciência gastronômica segundo Brillat-Savarin.................................. 117

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A ciência na cozinha de Pellegrino Artusi, ou da importância das celebridades científicas.......................................................... 124 Abaixo a massa: Ciência e tecnologia na culinária futurista....................................................................................................................................................... 131 O nascimento da gastronomia molecular, ou de como o encontro entre uma professora e um físico que sonhava com um equivalente de inverno do cone de sorvete levou cientistas e cozinheiros à mesma mesa .............................................................. 138 A culinária molecular: A ciência como fonte de inspiração ou “porto seguro”?........................................................................................................................... 147 Digestivo: Modos de entender a relação entre ciência e cozinha.......................................................................................................................................................... 153 referências bibliográficas............................................................................................ 157 índice dos ingredientes........................................................................................................ 169

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capítulo 1

entrada, seguida de primeiro prato – a culinária como ciência, a ciência como culinária, de sócrates à fusão a frio [Bacon] perguntou a eles quanto queriam por toda a pes­ ca. Os pescadores pediram uma certa quantia, mas sua senhoria não quis pagar acima de um certo limite. Ergue­ ram as redes e não havia mais que dois ou três peixinhos: sua senhoria lhes disse que eles teriam feito melhor se ti­ vessem aceitado sua oferta. Eles responderam que tinham esperança de pescar mais. No entanto, disse sua senhoria, a esperança é um bom almoço, mas um mau jantar. John Aubrey, Vidas breves de homens eminentes

Entrada: A maionese, a ciência, as mulheres “A ciência na cozinha” é o título de um quadro apresentado durante anos pelo mais antigo e seguido programa de televisão italiano dedicado à ciência, o SuperQuark. O quadro convida o telespectador a descobrir os proces­ sos físicos e químicos que ocorrem em uma cozinha. O primei­ ro episódio é dedicado à maionese. O quadro começa com uma série de entrevistas feitas na rua, no mercado ou na academia, nas quais se testa o conhecimento das pessoas sobre a maio­ nese: ingredientes necessários, procedimentos de preparação... As perguntas são breves e muitas vezes fora de contexto (“Quant­as vezes por ano a senhora a prepara?”, pergunta, por exemplo, o entrevistador a uma moça concentrada em fazer ginástica), mas, seja como for, muitas respostas revelam igno­ rância ou confusão total. Um motorista de ônibus fala de “fer­ 13

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mentação”; um cliente do mercado, de “salsinha” e “farinha”. Outros admitem que não se lembram sequer dos ingredientes usados para fazer maionese. Algumas perguntas dizem res­peito a crenças sobre a influência das condições meteorológicas, das fases da lua ou até mesmo do ciclo menstrual sobre o êxito da maionese. De volta ao estúdio, Piero Angela comenta: “Enfim, cada um tem a sua teoria, e nós temos a nossa”. Antes de dar início à explicação da “ciência da maionese”, no entanto, Angela nos propõe assistir ao vídeo de uma pegadinha. As protagonistas são um grupo de senhoras, alunas de um curso de culinária dado na casa de uma cozinheira especializada. As senhoras tentam e tentam fazer uma maionese, mas a maionese não quer saber, e com todas elas acontece a mesma coisa: a maionese desanda, como dizemos na gíria. No final, a pegadinha é reve­ lada, para grande alívio das aspirantes a cozinheiras. “Realizamos um pequeno truque para fazer desandar a maionese”, continua o apresentador, “mas vejamos primeira­ mente o que acontece com a maionese quando ela dá o ponto certo”. Com a ajuda de um filme e de uma animação, ele então ex­plica ao telespectador que a maionese fica densa por causa da pre­sen­ça de uma substância, a lecitina, contida na gema do ovo, que faz com que a água (contida no limão e no ovo) e o óleo se mis­turem. A lecitina na verdade se distribui ao redor das gotículas de óleo e impede que elas se reagrupem entre si, ligando-se à água. No caso da escola de culinária, as senhoras foram enganadas porque um antiemulsificante foi acrescen­ tado ao óleo. O quadro “A ciência na cozinha” não é apenas curioso, mas profundamente revelador de uma estratégia – aliás até mesmo de uma ideologia – de apresentação pública da ciência. 14

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Entrada, seguida de primeiro prato – A culinária como ciência...

A ciência ganhou um papel de destaque nas sociedades con­temporâneas, e, como tal, empenha-se constantemente para legitimar e ressaltar a própria relevância. São duas as es­ tratégias mais comuns de legitimação da ciência no âmbito público. A primeira está ligada à utilidade. A ciência justifica o próprio papel por meio dos benefícios projetados por suas apli­ cações e seus desdobramentos, sobretudo no campo tecnoló­ gico. A segunda estratégia enfatiza a sua importância cultural. A ciência se torna, assim, fonte de enriquecimento cultural, de prazer estético e até mesmo de entretenimento. É uma tradição que remete às conferências públicas de grande sucesso da Royal Institution da primeira metade do século XIX e às grandes fei­ ras e exposições nas quais as mais recentes criações da ciência e da tecnologia deixavam os visitantes de boca aberta. O mes­ mo acontece hoje, quando nos são apresentadas as imagens mais espetaculares de observações astronômicas ou da física das partículas. A ciência na cozinha constitui uma variação dessa estra­ tégia que prevê a entrada da ciência e dos seus métodos na vida cotidiana. Ao invés de oferecer o maravilhoso e o extraordi­ nário, a ciência se insinua na experiência de todos os dias, ex­ plicando-nos os mecanismos que governam as filas dos super­ mercados, os segredos físico-matemáticos do jogo de futebol e o motivo pelo qual, justamente, a maionese “acerta o ponto” ou “desanda”. Nessa estratégia, o conhecimento científico não é apresen­ tado como antítese do senso comum, não tenta subvertê-lo como se tornou típico em algumas formas de apresentação da ciên­cia, sobretudo a partir do enorme impacto público das re­ voluções na física do século XX. Uma das tarefas da ciência,

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segundo o físico Hermann Bondi,1 era “ultrapassar a expe­ riência de todo dia”; para o filósofo Gaston Bachelard, o desen­ vol­vimento das ciências era marcado por uma progressiva des­ con­tinuidade e um distanciamento do senso comum e da ex­periência cotidiana.2 Ao contrário, aqui a ciência se coloca ao lado do senso comum, pronta a tomá-lo pela mão e a elevá-lo, lançando luz sobre o significado de práticas consolidadas. Afinal de contas, como observa Piero Angela no início do programa, “os cozi­ nheiros são, a seu modo, inventores de reações químicas”. É uma estratégia retórica mais sutil. O senso comum não é contradito, mas ridicularizado como se se tratasse de uma série de rituais inconscientes no limite da magia; por isso, ape­ nas o observador externo, científico, possuiria uma explicação satisfatória. As pessoas entrevistadas na rua são uma repre­ sentação quase literal do senso comum (o “homem da rua”), e a elas são feitas perguntas, muitas vezes, deliberadamente in­ completas e que induzem ao erro para, desse modo, ressaltar sua ingenuidade. E quanto nos parecem divertidos, naïves e, em última análise, patéticas as senhoras no curso de culinária, en­ ganadas com tal facilidade por um simples truque de química! A ciência estende, assim, a própria autoridade e as pró­ prias modalidades de análise a setores da vida e da prática, como a culinária e os cuidados com a casa, tradicionalmente orientados pelo senso comum, acompanhando o homem da rua nesse novo processo de conscientização, com um toque até mesmo paternalista, quase como se ele fosse um selvagem que deixa finalmente a superstição. 1 Bondi, 1962; trad. it. 1973, p. 59. 2 Bachelard, 1938; trad. it. 1995.

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Figura 1.1 – Laboratório na cozinha (www.clementoni.it).

Utilizar a culinária e os seus segredos para apresentar e divulgar a ciência, hoje, tornou-se muito comum. Livros de divulgação, instalações em centros científicos, programas de televisão e rádio, jogos para crianças convidam a descobrir es­ ses segredos, propõem “receitas para se divertir com a ciência”, “receitas-experiências para aprender a ciência e a nutrição” e até mesmo “laboratórios epicuristas onde explorar a ciência da preparação das comidas”.3 Mas a apresentação da culinária como ciência não é de forma alguma nova. 3 Apenas a título de exemplo: Susan Strand Noad, Recipes for science fun. New York, Watts, 1979. Julia B. Waxter, The Science Cookbook: Experiment Recipes that Teach Science and Nutrition. Belmont, Fearon, 1981; Tina L. Seeling, The Epicurean Laboratory, Exploring the science of cooking. New York, Freeman/ Scientific American, 1991; Idem, Incredible Edible Science. New York, Free­ man/Scientific American, 1994; Peter Barham, The Science of Cooking. Berlin, Springer, 2001; trad. it.: La scienza in cucina. Torino, Bollatti Boringhieri, 2007; Robert L. Wolke, What Einstein Told His Cook. New York, Norton, 2002; trad. it.: Einstein al suo cuoco la raccontava così. Milano, Feltrinelli, 2010; E.

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A culinária como ciência, ou de como Liebig instigou donas de casa contra médicos e farmacêuticos Desde o século XVII, a preparação da comida e as atividades domésticas começaram a ser apresentadas como habilidades técnicas sofisticadas e dignas de conhecimento “científico”. Encontram-se, assim, referências frequentes à “cirurgia” e à dissecação de frangos e porcos e recomendações à boa dona de casa para que aperfeiçoe a sua competência em “física da culi­ nária” e em medicina.4

Giusti, La matematica in cucina. Torino, Bollatti Boringhieri, 2004. Muitos tex­tos propõem atividades dirigidas às crianças, como K. Woodward, Science in the Kitchen. EDC, 1992. Mais orientado para a análise científica, e que se tornou uma referência clássica, Harold McGee, On Food and Cooking, The Science and Love of the Kitchen. New York, Scribner, 1984; trad. it.: Il cibo e la cucina. Scienza e cultura degli alimenti. Padova, Franco Muzzio, 1989. O po­ pular programa de rádio semanal da BBC “The Naked Scientists”, animado por um grupo de físicos de Cambridge, possui uma coluna bem nutrida tam­ bém na web dedicada a experiências científicas na cozinha (http://www. thenaked­ scientists.com./html/content/kichenscience/). Na Itália, a coluna “Pentole e provette”, do químico Dario Bressanini, é publicada mensalmente na Le Scienze e no blog do autor; o site do programa de rádio de divulgação científica “Moebius”, apresentado por Federico Pedrocchi, na Rádio 24, pos­ sui um blog sobre a cozinha científica muitas vezes animado por comentários do físico e es­pecialista em culinária molecular Davide Cassi (cf. também o quarto capítulo). 4 Cf., por exemplo, Markham, 1615; Cock, 1675.

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Figura 1.2 – The dissection of a boiled ben (Rose, 1682, p. 39).

Figura 1.3 – Capa de The english Hus-wife (Markham, 1615), onde se destaca a importância de ter competências (em física e culinária).

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Já Tommaso Garzoni, em seu tratado sobre as artes e as profissões intitulado La Piazza Universale di tutte le professioni del mondo (1585), escreveu: Os vendedores de carne de cabrito [...] ou seja, os Açouguei­ ros [...] pouco se distinguem dos Anatomistas, e estão apenas um grau abaixo nisto: que os Anatomistas esquartejam e des­ membram os cadáveres humanos e, às vezes, cortam ainda os vivos, mas os Açougueiros despedaçam e desfazem os [cadáve­ res] de bichos e de animais com muito menos piedade do que se costuma fazer em um laboratório de Anatomia.5

Ao longo do século XIX, a atenção à culinária como ciên­ cia tornou-se um verdadeiro fenômeno nos planos científico, cultural e social. Em 1821, o químico Friedrich Accum publica um livro de química culinária, dedicado aos princípios cientí­ ficos da cozinha, com instruções concisas para preparar boas e genuínas conservas em azeite e vinagre, geleias e outras subs­ tâncias alimentares utilizadas na economia doméstica, com observações sobre a constituição química e as propriedades nutritivas de tipos diferentes de comida. Lancelot Sturgeon (pseudônimo), em seus Essays, Moral, Philosophical, and Stomachical on the Important Science Good Living, um clássico até hoje reimpresso, afirma que “um cozi­ nheiro, para se especializar completamente, não deve ser ape­ nas versado nos arcanos da cozinha, mas deveria possuir um conhecimento íntimo de ictiologia, de zoologia, de anatomia, de botânica e de química”.6 5 Garzoni, 1585; ed. 1588, p. 152. 6 Sturgeon, 1822, p. 190.

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