Tarsila do Amaral

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Coleção Cadernos de Desenho

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GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Governador José Serra

universidade estadual de campinas

Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Fernando Ferreira Costa

Conselho Editorial

Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Arley Ramos Moreno Eduardo Delgado Assad – José A. R. Gontijo José Roberto Zan – Marcelo Knobel Sedi Hirano – Yaro Burian Junior Coleção Cadernos de Desenho Concepção e Coordenação Editorial Lygia Arcuri Eluf Comissão editorial da coleção cadernos de desenho Antonio Carlos Rodrigues Tuneu Ernesto Bonato – José Roberto Zan Luise Weiss – Lygia Arcuri Eluf Paulo Mugayar Kuhl

Diretor-Presidente Hubert Alquéres Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro Clodoaldo Pelissioni Diretora de Gestão de Negócios Lucia Maria Dal Medico

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ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação T177 Tarsila do Amaral / organizadora: Lygia Eluf. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.

104 p. – (Cadernos de desenho) 1. Amaral, Tarsila do, 1886-1973. 2. Arte brasileira. 3. Desenho.

I. Eluf, Lygia, 1956- II. Título.

ISBN 978-85-7060-626-6 Imprensa Oficial CDD 709.81 ISBN 978-85-268-0814-0 Editora da Unicamp 745.4

Índices para catálogo sistemático: 1. Arte brasileira 2. Desenho

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Copyright © by organizadora: Lygia Eluf Copyright © 2008 by Editora da Unicamp Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional Lei nº 10.994, de 14/12/2004

Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor. Lei nº 9.610, de 19/02/1998 Impresso no Brasil 2008

Editora da Unicamp Rua Caio Graco Prado, 50 Campus Unicamp Caixa Postal 6074 Barão Geraldo 13083-892 Campinas SP Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br vendas@editora.unicamp.br

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Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1.921 Mooca 03103 902 São Paulo SP Brasil www.imprensaoficial.com.br livros@imprensaoficial.com.br SAC Grande São Paulo 011 5013 5108 | 5109 SAC Demais Localidades 0800 0123 401

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Coleção Cadernos de Desenho

O desenho é o modo imediato de registro de nosso olhar. Por meio dele, interpretamos o que vemos, o que sentimos e nossa relação com o mundo. Por meio dele, distinguindo as coisas, aprendemos a amá-las. É onde o pensamento do artista se materializa, organiza, expressa e cons­trói. O desenho como meio de conhecimento, de apropriação, de comunhão. É a figura do desejo: desejo inconsciente de expressar algo indizível. A idéia dos cadernos de desenho sempre me fascinou. Por meio dessas anotações, quase des­pre­tensiosas, muitas vezes somos capazes de regis­trar a essência de nosso pensamento visual. Os ca­der­nos têm acompanhado os artistas por toda a his­tória. Eles reúnem aspectos pouco conhecidos de sua produção. Esses cadernos guar-

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dam momentos de cumplicidade únicos, quase nunca ­divulga­dos, geralmente acessíveis somente aos ­olhos do pró­prio artista. Seu uso recorrente, como bloco de anotações, carnês de viagem ou diários de artistas, guarda o pensamento construtivo que norteia o processo de criação e da construção das imagens. A Coleção Cadernos de Desenho pretende reve­lar o que está oculto, guardado na intimidade do caderno de bolso, do ateliê, da expressão primeira do artista em contato com o mundo que o cerca. Procuramos pri­vilegiar o desenho como meio de expressão artística, como registro de idéias, sensa­ções e pensamentos, como projeto ou ainda como meio independente de realização plástica.

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Agradecimentos

Falar desta coleção é lembrar do trabalho e da generosidade de um cole­cio­nador italiano que este­ve no Brasil nos anos 1970 e movimentou de maneira única (até os dias de hoje) o cenário artístico do país. Agradecemos à família Gnuti/­Busin­ co por esta oportunidade de mostrar esse acervo inédito. Precisamos agradecer também à família de Tarsila do Amaral, que gentilmen­te cedeu ao Tuneu, pelos longos anos de amizade, a reprodução dos desenhos. A existência desses desenhos foi a mola propulsora da coleção. Lygia Eluf

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Algumas liçþes sobre desenho

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Matisse tinha relação com um desenho linear muito objetivo, em que os vazios mantêm tanta importância na composição quanto a linha. Todos os primeiros artistas modernos mantiveram essa fatura, quer nos projetos, ou em desenhos tratados como obra em si. Paul Klee tinha como norma: “Nenhum dia sem uma linha”. A divisa (“nulla dies sine linea”) adotada por Klee vem de Apeles, pintor grego, respeitado e hábil desenhista, em pleno século IV a.C., que, conforme depoimento do autor clássico romano Plínio, o velho (23 a 79 a.C.), “adotara a divisa e a inscrevera na porta de seu ateliê”. Nos desenhos de Tarsila vemos essa pureza de tratamento revelando uma objetividade, intenção clara que faz antever os volumes; eles dizem exatamente o que será volume ou não nas futuras pinturas, em relação aos que se transformaram em pinturas. No final do século XIX os artistas tinham visão do que estamos mostrando aqui quando falamos de modernidade, como Degas: “O desenho não é forma, é maneira de ver forma” (in Degas dança desenho, Paul Valéry. Cosac & Naify, 2003).

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Uma das lições de Tarsila com relação ao desenho: numa das nossas tardes de sábado, quando levei novos trabalhos e, como sempre, não desenhara sistematicamente como precisava, ela disse: “Quando você não puder desenhar, escreva seu nome 20 vezes!”. O que me impressionou é como a disciplina mais uma vez aparece como a palavra de ordem do pensamento e da organização dos processos criativos no procedimento de Tarsila. Penso que, para os primeiros modernos, que na realidade vinham de uma formação clássica, acadêmica, ou talvez fossem os últimos humanistas, esse traço disciplinar aparece constantemente. Esse aprofundamento na busca do projeto elaborado fez Tarsila manter sempre consigo um pequeno bloco, onde podia anotar, desenhando onde estivesse para não deixar que “escapassem” eventuais e úteis idéias. Nos desenhos a bico-de-pena, seu recurso técnico era a retomada do traço quando este se esvaziava, para não perder a intensidade, e com isso mantê-lo contínuo como se usasse uma caneta com carga. Coisa da qual se orgulhava muito, da mesma maneira que prezava uma boa letra,

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sua e de qualquer pessoa, empenhando-se para que seus textos fossem perfeitamente legíveis. Ensinar, para ela, tinha a mesma clareza, embora sem imposição; muitas vezes só percebíamos dias depois da lição recebida. Seu percurso de aprendizado em Paris nos dá claramente um roteiro que chega até Léger, o último de seus professores europeus, quando Tarsila ouve, talvez, o que procurava e trabalha na direção da reinvenção do nacional através da linguagem universal que se tornavam o cubismo e suas ramificações por todo o planeta. Léger é quem formata seu ensinamento, tão caro a ela, dizendo: “A vida plástica, o quadro são feitos de relações harmoniosas de volumes, de linhas, de cores. São essas três forças que devem reger a obra de arte” (in Funções da pintura, Fernand Léger. Difel, 1965, p. 38). O pensamento em torno da forma fez das palmeiras, tão pessoais em seu trabalho, elemento de síntese, fruto de inúmeros desenhos. Em plenos anos 1920, fez-nos conviver com uma tal reinvenção da natureza que, enquanto bichos listrados falam, seres humanos tão solitários, muitas vezes sem boca, estão impossibilitados de falar. Criação pura, ela nos estimula a imaginação. Tarsila sempre afirmou que o cubismo em seus estudos correspondia a seu “serviço militar da pintura”, ao mesmo tempo em que, para outro contemporâneo seu e antítese da construção que foi Duchamp, estudar era, segundo sua própria denominação, ir a “aulas de natação”. Uma época de opostos também. Graças a sua liberdade inventiva, temos um bestiário novo, uma nova botânica, onde, como escreveu Aracy Amaral no texto do álbum Desenhos de Tarsila (Editora Cultrix, São Paulo, 1971):

insetos; toda uma metamorfose fixada que a artista funde numa orquestração unitária. Depois do início do aprendizado com Pedro Alexandrino (1917), surge o hábito que se tornaria para ela o desenho, o desenho como a palavra “escrevinhada”, às pressas, pelo poeta. Surgem então os primeiros cadernos de desenhos, pequenos, para que coubessem numa bolsa, onde a estudante disciplinada fixa todos os momentos que a rodeiam, em descanso, na rua, cenas de parques, animais na fazenda, familiares, gente que passa. O desenho se afirma, assim, aos poucos, como a base de sua obra posterior.

Mais adiante... Uma das séries de desenhos menos conhecidas — a da viagem ao Oriente Médio... Talvez seja a mais bela dentre as séries realizadas por Tarsila em suas viagens, pela atmosfera intimista, pela meticulosidade da linha silenciosa, “suspensa” e horizontal no desenvolvimento de sua grafia; como a de um compositor musical. [...] O lápis parece deslizar, autômato guiado por uma força interior e não pela mão que estabelece relações com a realidade em torno.

Estamos lidando com pensamento de qualidade quando entendemos a invenção do que vemos em seus desenhos, nível intelectual, maturidade e riqueza, expressão das mais pessoais de sua época. Mário de Andrade diz: “Num equilíbrio admirável entre expressão e realização formal, ela prova bem o que pode uma imaginação criadora a serviço duma cultura inteligente e crítica” (Coluna “Arte”, Diário Nacional, Bichos com cinco patas cuja cauda é cabeça em meio a São Paulo, 21 dez. 1927). Mesmo quando Tarsila está no exterior, todos notam uma flora mágica, na qual os cactos se assemelham a animais, as pedras são árvores a distância, as aves parecem com a mesma clareza que aqui, suas qualidades, seu apu-

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ro, sua inventividade, permanecendo o sentido universal que buscou expressar por meio de sua obra, ou de sua personalidade. Ela fez o Brasil ser compreendido por esse universal, característica humanista que permeou o nosso modernismo e que herdamos da modernidade européia. Por isso, lemos também no texto “A pintura brasileira contemporânea”, de Romero Brest (Buenos Aires, 1945): [...] Um pequeno desenho de Tarsila exposto aqui recentemente vale por toda uma definição de sua estética purista: um traço que limita sem variações significativas, tanto o telhado das casas como as elevadas palmeiras, sem que uma sombra o interrompa ou o apóie, como se o lápis não se tivesse podido deter numa marcha lenta e firme que perseguia a coerência de uma melodia; uma composição tão clássica como poder-se-ia exigir do mais clássico dos pintores tradicionais; uma expressão poética tão simples e tão sábia como a dessas depuradas imagens, feitas de palavras soltas e ritmo interior, como se cultivado por Valéry, o mestre do purismo. (In Tarsila, sua obra e seu tempo, Aracy Amaral, 3a ed., revista e ampliada, p. 454)

herdamos, tão importante para a “leitura” da arte moderna brasileira. O desenho, com seu princípio caligráfico, narrativo, e suas implicações experimentais, não me permite finalizar sem delegar à cultura, apuro crítico de Mário de Andrade, este final, em Aspectos das artes plásticas no Brasil: O verdadeiro limite do desenho não implica de forma alguma o limite do papel, nem mesmo pressupondo margem.

Com sua personalidade capaz de impor uma imagem inusitada a um país que ainda hoje não tolera qualquer alteração comportamental, tenho a sensação de perceber a dor da solidão de Tarsila. Como ela manteve a sua ordem mental, neste ambiente tão hostil, resignando-se sempre diante da não-compreensão — uma constante e diária presença? Como nunca alterou sua voz? Mansamente, pacientemente, sempre teve o que dizer a todos, e ninguém desconfiou da possibilidade de algo errado. Construindo uma obra com imensa convicção e um Tarsila, quando desenhava em viagem, conseguia rapi- amor à arte inspirador e comovente, faz de nós todos cadamente captar o essencial, traduzir o que via escolhen- tivos de um encantamento poucas vezes visto. do precisamente os objetos, as figuras, e, sinteticamente, transmitir o todo sem perder a emoção, por isso consideramos tanto esses desenhos. Neles, vemos e lemos a clareza de sua intenção em nos fazer acompanhar seu pensamento e mergulhamos instantaneamente em seu procedimento criativo. Quando acompanho a linha de um de seus desenhos, ouço sua voz, como ouvi muitas vezes, sempre entusiasmada, pretendendo a nossa cumplicidade. Tanta inteligência e tanto humor, só o modernismo Antonio Carlos Rodrigues (Tuneu) é professor de pintura no ins­ brasileiro poderia nos ter ensinado essas invenções, esse tituto de artes da Unicamp. Foi o único aluno de Tarsila, com universo gráfico, a tradição do desenho e esse acervo que quem conviveu por mais de uma década, até sua morte em 1973.

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Fragmentos de uma viagem ao oriente

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