A fala dos quartéis

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universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta

Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Esdras Rodrigues Silva – Guita Grin Debert João Luiz de Carvalho Pinto e Silva – Luiz Carlos Dias Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Luiz Coltro Antunes – Sedi Hirano

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Freda Indursky

a fala dos quartéis e as outras vozes

Segunda edição revista e ampliada

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação In2f

Freda Indursky.

A fala dos quartéis e as outras vozes / Freda Indursky. – 2. ed. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2013.

1. Análise do discurso. 2. Presidentes – Brasil – Discursos, ensaios, conferências. 3. Brasil – História – 1964-1985. I. Título.

e-isbn 978-85-268-1090-7

cdd 401.41 320.981 981.063

Índices para catálogo sistemático:

1. Análise do discurso 2. Presidentes – Brasil – Discursos, ensaios, conferências 3. Brasil – História – 1964-1985

Copyright © by Freda Indursky Copyright © 2013 by Editora da Unicamp 1a edição, 1997

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À memória de meus pais, que perseguiram o direito de existir.

A Andrei, Alexei, Giordanna e, agora, Sophia, que exerçam o direito de dizer.

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sumário

apresentação: Eni Puccinelli Orlandi...............................................

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prefácio.......................................................................................................

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primeira parte: Preparando a análise............................................

17 17 17 18 19 21 26 37 39 59

1 Questões prévias...........................................................................................

1.1 O tema . . ..............................................................................................

1.2 O problema ........................................................................................

2 Primeiras posições........................................................................................

2.1 O materialismo histórico .................................................................

2.2 A linguística.. .....................................................................................

2.3 A teoria do discurso .........................................................................

3 Quadro teórico de referência. . ....................................................................

4 Da teoria à prática.......................................................................................

segunda parte: O funcionamento do discurso presidencial...... 65 1 Construção do sujeito presidencial . . ........................................................ 67 1.1 O imaginário do sujeito presidencial ............................................. 67 1.2 As diferentes representações do sujeito presidencial .................. 81 1.2.1 O nós político e a não pessoa discursiva .................................... 81 1.2.2 A construção da quarta pessoa discursiva . . ................................ 93 2 A construção discursiva do outro ............................................................ 110 2.1 A representação consensual do outro ............................................. 111 2.1.1 O cidadão no discurso da República Militar Brasileira . . ............ 111 2.1.2 POVO como representação do outro . . ......................................... 123 2.2 A representação do CONTRÁRIO..................................................... 144 2.2.1 A representação lexical do CONTRÁRIO. . .................................... 144 2.2.2 A representação gramatical do CONTRÁRIO. . ............................. 146 3 A interlocução discursiva . . ......................................................................... 158 3.1 O processo de interlocução discursiva . . ......................................... 162 3.1.1 A interlocução na enunciação ...................................................... 163 3.1.2 A interlocução no discurso.......................................................... 165 3.1.3 Algumas análises.. .......................................................................... 172 terceira parte: A construção da homogeneidade imaginária

e suas rupturas.. .............................................................................................. 189

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1 Da determinação à sobredeterminação................................................... 190 1.1 Da determinação filosófica à referência ........................................ 191 1.2 Da determinação filosófica à determinação gramatical . . ............. 197 1.3 Da determinação gramatical à determinação linguística . . ........... 210 1.4 Da determinação linguística à determinação discursiva.............. 214 1.5 A determinação discursiva: Uma prática em três níveis................ 218 1.5.1 A determinação intradiscursiva ................................................... 220 1.5.2 A determinação intersequencial .................................................. 221 1.5.3 A determinação interdiscursiva ................................................... 225 1.5.4 Da determinação discursiva à sobredeterminação discursiva ................................................................................................. 231 1.6 Sobredeterminação: Da origem ao deslocamento . . ....................... 236 2 Sobre a heterogeneidade do discurso presidencial................................ 239 2.1 O discurso relatado.......................................................................... 241 2.1.1 Discurso relatado marcado (DRM) ............................................. 243 2.1.2 Discurso relatado indireto formal (DRIF). . ................................ 246 2.1.3 Discurso relatado indireto informal (DRII) ............................... 248 2.2 O funcionamento discursivo da negação ....................................... 260 2.2.1 A negação externa ......................................................................... 266 2.2.2 A negação interna . . ........................................................................ 281 2.2.3 A negação mista . . ........................................................................... 289 2.3 Incisas discursivas............................................................................ 300

conclusão.................................................................................................. 311 1 Das definições. . .............................................................................................. 311 2 O entrelaçamento discursivo da determinação e da indeterminação............................................................................................. 313 2.1 Determinação e indeterminação no funcionamento discursivo ................................................................................................. 314 2.2 A indeterminação no processo de determinação discursiva ....... 315 2.3 Determinação e indeterminação na negação discursiva .............. 316 2.4 Determinação e indeterminação nas incisas discursivas ............. 317 3 Em busca de uma síntese final. . .................................................................. 318 posfácio: As outras vozes e as feridas ainda abertas......................... 323 bibliografia............................................................................................ 343 1 2 3 4

Discursos presidenciais ....................................................................... 343 Obras citadas ........................................................................................ 345 Dicionários ........................................................................................... 350 Gramáticas ............................................................................................ 350

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apresentação

O golpe dos militares e seu modo de dizer

A nossa história política pode ser contada de muitas maneiras e pode ser compreendida através de diferentes propostas de análise.

A que se apresenta neste livro inscreve-se na filiação teórica da análise de discurso francesa em que a materialidade da linguagem — o como se diz — é fio condutor da compreensão dos sentidos. Estes, por sua vez, enquanto relação a, nunca existem em si, mas nas relações que se estabelecem em sua produção. Partindo assim do princípio de que a linguagem não é transparente e de que os sentidos derivam da inscrição da língua na história, Freda Indursky procura compreender o discurso dos militares no re­ gime ditatorial que se segue ao Golpe de 1964.

Trabalhando minuciosamente as formas com que esse discurso se faz, a autora mostra assim a textualização do político em um período em que a interdição ao dizer — ou seja, a censura — se acom­panhava, do outro lado (o dos que tinham o poder), de um dizer rarefeito, mas altissonante no sentido tradicional (republicano?) da retórica política. A esse discurso demos o nome de “língua de espuma” (As formas do silêncio, Editora da Unicamp, 1990), pois é um dizer que bate forte, mas não ressoa, cala.

Quem seriam os “nós”, pergunta-se Freda Indursky, tantas vezes evocados nessas falas dos quartéis? O que essas falas pro­du­ ziam como efeitos de sentido e como eficácia na divisão do poder?

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Apresentação

A sua análise, procurando compreender o “sujeito presidencial”, trabalha noções como a não pessoa, a quarta pessoa, ex­ plicitando o processo de interlocução discursiva próprio a esse discurso. A autora nos faz, assim, aprofundar a compreensão dos sentidos produzidos nesse processo, pela excelente exploração da questão da determinação (tanto linguística quanto discursiva), da he­terogeneidade e do funcionamento da negação presentes nessas falas. E vemos, então, quantos sentidos pode ter um “nós” em relação ao sistema, ao governo, à coletividade de brasileiros ou a segmentos da sociedade. Quantos sentidos pode ter o “povo”, quantos sentidos pode ter “brasileiro”. E quanto se pode apagar de tudo isso em um discurso autoritário.

Processos de exclusão que simulavam, no entanto, a abrangente pátria de todos nós (?) eram praticados com ou sem a consciência dos militares que constituíam o lugar oficial no qual as palavras “faziam” sentido, jogando para o sem sentido o que não era seu. Até hoje, aliás, tem muita gente sem discurso. Hoje ainda se tem poucos sentidos para falar dos nossos (e aqui não ponho nem aspas nem grifos) guerrilheiros ou para dizer a luta armada. Porque é preciso muitas histórias para que outros sentidos sejam possíveis onde se pôs silêncio, onde se criou o sem sentido.

Se uma ditadura se apresentasse com a violência que lhe é própria, ela não se sustentaria. Mas o não se apresentar com a sua própria violência não significa que ela a esteja ocultando em qualquer lugar obscuro. Não. Ao contrário, o que a ditadura faz é justamente dizer-se cotidianamente como algo natural, familiar, sem constituir um período de exceção. É essa normalidade a sua maior violência. Sua violência simbólica. Sem altos nem baixos. No seu efeito de senso comum, de discurso social aceitável, e fato de opinião pública, não de alteração da vida comum.

Por isso, acho importantíssimos os trabalhos como o de Freda Indursky, que analisam o dia a dia dessas falas presidenciais. Indo à raiz da questão, pela análise rigorosa das formas simbólicas, a autora procura explicitar os lugares em que esses efeitos de senti10

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dos se formam, assim como procura apreender seus mecanismos de funcionamento.

A historicidade do texto, na perspectiva da análise do dis­ curso, não está no contexto fora da linguagem, mas na maneira como o discurso se textualiza, no modo como essa exterioridade está simbolizada. Ela é interna ao próprio texto. Ao explicitar o modo de funcionamento de marcas da linguagem, que são o traço dessa exterioridade no texto, Freda possibilita que tenhamos acesso ao funcionamento desses discursos e possamos compreender melhor essa história política brasileira não como ela é contada, mas como ela é falada pelos que dela participam, como ela se faz, se fazendo neste ou naquele sentido.

A autora nos mostra tudo isso, analisando um aspecto bem delimitado do discurso militar. Devemos, no entanto, tomar esses fatos de linguagem que nos mostra Freda Indursky como um exemplar de um discurso bem mais amplo, no qual podemos exercitar nossa capacidade de compreensão sem estacionar nos gestos de interpretação que já nos destinaram nessa história. Isso certamente é bastante útil mesmo, ou principalmente, agora que já estamos em nossa normalidade democrática.

Eni Puccinelli Orlandi Campinas, 1996.

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prefácio Mémoire et oubli sont indissociables dans l’énonciation du politique Courtine

Este livro é o resultado de uma pesquisa realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos da Lin­ guagem, na Unicamp, da qual resultou minha tese, intitulada A fala dos quartéis e as outras vozes: Uma análise do discurso presidencial da Terceira República (1964-1984), apresentada e defendida em dezembro de 1992.

Muitos poderão indagar o que determinou a escolha de meu tema. Para responder, direi que, em face da tarefa acadêmica, pareceu-me que ela seria mais leve, caso fosse fruto do prazer. Assim, decidi unir minhas duas paixões — o discurso político e a análise do discurso — para examinar o discurso político de 1964, que marcou profundamente o país e minha geração.

O que me impulsionou foi, pois, a necessidade pessoal de rever aquele período histórico com o intuito de iluminar as prá­ticas discursivas daqueles tempos para melhor realizar o ritual de fechamento de um ciclo de vida. Gestos analíticos, gestos de leitura, gestos de interpretação que exorcizam a memória da­ queles anos.

Por outro lado, nada mais adequado para atingir meus propósitos do que a análise do discurso, já que, por seu viés, é possível trabalhar com uma materialidade bastante complexa, concomitantemente linguística e histórica.

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Prefácio

Ao mesmo tempo, a passagem da tese para o livro conduziu-me a um necessário processo de síntese, cujo resultado não deverá prejudicar, espero, nem as análises empreendidas, nem as interpretações propostas.

O livro formalmente constitui-se de três partes. Na primeira, que leva por título “Preparando a análise”, encontram-se expostas as questões teóricas e metodológicas que embasam todo o livro. A segunda parte, organizada em três capítulos, examina “O funcionamento do discurso presidencial”. Para tanto, detém-se na construção do sujeito presidencial, na construção discursiva do outro e no processo de interlocução discursiva que se instaura nesse espaço discursivo. A terceira parte, intitulada “A construção da homogeneidade imaginária e suas rupturas”, compõe-se de dois capítulos que analisam as propriedades desse discurso. O primeiro é dedicado ao exame do processo de determinação discursiva e o segundo detém-se na heterogeneidade que atravessa esse discurso.

A fala dos quartéis vem à luz no ano de 1994, passados 30 anos de todos aqueles acontecimentos. Espero contribuir para iluminar as práticas discursivas daquele período que não deve jamais ser esquecido. A esse propósito, vale lembrar que, no entendimento de Courtine, “memória e esquecimento são indissociáveis da enunciação do político”. Por isso, transcrevo aqui o poema de Eduardo Alves da Costa, “No caminho, com Maiakóvski”, que esclarece apropriadamente por que julguei que este livro ultrapassa o limiar do interesse puramente acadêmico.

Na primeira noite Eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim e não dizemos nada Na segunda noite, já não mais se escondem; pisam as flores,

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matam o nosso cão e não dizemos nada Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.

E porque não dissemos nada já não podemos dizer nada.

Lembrar, nesse caso, é a condição do dizer. E é o exercício d­ essa memória que tem recebido as mais diferentes formas: vídeos, discussão da Lei de Anistia, retificação da causa mortis no re­g istro de óbito de Vladimir Herzog, e, agora, os depoimentos que estão sendo feitos frente à Comissão Nacional da Verdade.

Em face desses acontecimentos, decidi elaborar um novo capí­tulo para a segunda edição de A fala dos quartéis e as outras vozes. Formalmente, será um Posfácio. Essa designação aponta, de forma concreta, o lugar que ocupa na obra e, metaforicamente, sinaliza o desejo de que este ciclo sombrio possa vir a fechar-se, efetivamente, levando como título As outras vozes e as feridas ainda abertas.

Freda Indursky Porto Alegre, agosto de 2013.

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primeira parte

Preparando a análise

1 Questões prévias Vão ser precisos anos e anos para entender o que se passou.

Edgar Morin

1.1 O tema

O Golpe de Estado de 1964 representa uma ruptura com o pacto populista inaugurado por Vargas e mantido por Goulart.

Dentre as várias consequências que se lhe seguiram, destaca-se, de imediato, a suspensão das formas constitucionais de representati­ vidade, substituídas no exercício do poder pelas Forças Armadas que, pretextando salvar a pátria da corrupção, da desordem, do desmando e do comunismo, elaboraram a doutrina da segurança e do desenvolvimento nacionais. Com tais propósitos, politizou-se a corporação militar que se perpetuou por 20 anos no poder, instaurando o autoritarismo no Brasil.

Esse período já foi objeto de inúmeros trabalhos de cunho sociológico, político, jornalístico, jurídico, econômico e semiótico.

Entretanto, acreditamos que ainda é possível produzir conhe­ci­ mento teórico sobre seu funcionamento discursivo sem incorrer em redundância. Propomo-nos, pois, examinar o discurso 17

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presiden­cial da República Militar Brasileira à luz da análise do dis­curso (AD).

1.2 O problema

Examinar o funcionamento do discurso presidencial do regime militar brasileiro implica necessariamente analisar o fun­ cionamento de um discurso autoritário. Tal investigação será conduzida por alguns questionamentos que podem assim ser expressos: 1) Existem regularidades que percorrem os discursos de todos os

presidentes militares? Tais regularidades, caso existam, podem ser entendidas como responsáveis pela manutenção de um mesmo discurso, daí resultando o discurso da República Militar Brasileira?

2) Existem diferenças entre os discursos dos presidentes mili­ tares? Tais diferenças, se porventura existirem, assinalariam trans­formações no discurso da ditadura? E, nesse caso, como interpretar tais modificações? Seriam elas indício da inexistência de um discurso único? Apontariam para diferentes discursos no interior do mesmo regime militar?

3) Transformações podem coexistir com regularidades?

Em suma: tais questionamentos conduzem o trabalho analí­ tico, em um primeiro momento, para o exame endógeno do corpus discursivo, na medida em que o foco da comparação incide sobre as alocuções dos diferentes presidentes, tomando-as em sua relação interna.

Entretanto, tal reflexão mostra apenas parte da problemática envolvida nesse trabalho, pois interessa igualmente investigar se/ como os discursos presidenciais da República Militar Brasileira relacionam-se com outros discursos. Ou seja:

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1) O discurso presidencial do ciclo militar refere outros dis­cur­

sos? Em caso positivo, qual a natureza dessa relação? Seria de sustentação/articulação ou, ao contrário, de tensão/confronto?

2) Em caso negativo, o discurso oficial apaga a existência de outros discursos, encapsulando-se em si mesmo?

Tais questionamentos conduzem o trabalho analítico para o exame do corpus em sua natureza exógena, na medida em que o foco da observação ainda incide sobre as alocuções presidenciais da República Militar Brasileira, tomando-as, entretanto, em sua relação com a exterioridade, com o discurso-outro.

O duplo ordenamento que embasa as análises dessa investigação pode ser assim sumarizado: 1) O discurso presidencial da República Militar Brasileira é úni-

co, uniforme e homogêneo, daí resultando um espaço discursivo hermeticamente fechado sobre si mesmo?

2) O discurso presidencial da República Militar Brasileira é heterogêneo, não constituindo um espaço discursivo impermeável a outros discursos do campo político?

Decidir sobre a coexistência ou a exclusão de tais proprie­dades implica assumir uma posição teórica. É o que faremos nas duas seções que se seguem.

2 Primeiras posições

Não pretendemos examinar exaustivamente todas as teorias existentes que se propõem a trabalhar com o discurso. Estabeleceremos um recorte teórico que marcará nossa posição no concerto das diferentes perspectivas, determinando, por conseguinte, qual a acepção de discurso que adotamos e em que vertente teórica este trabalho está inscrito.

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A partir do momento em que a linguística determinou que seu objeto de estudo encontra seu limite na frase, o discurso, por sua própria natureza e extensão, ficou dela excluído. Citando Osakabe, [...] a rejeição do discurso enquanto objeto de especulação da linguística teve como justificativa seu caráter complexo por oposição ao caráter simples das entidades e das regras explicativas de unidades até o nível da frase, por conseguinte, “pela rejeição, essa entidade ganha pelo menos um traço característico: o de não se confundir com a frase por estar além dela”1.

Essa exclusão determinou a necessidade de buscar um caminho próprio para considerar o discurso como objeto de estudo.

Em Orlandi lê-se que o objeto específico da análise de dis­curso (AD) é o discurso, e não a língua, e que sua unidade de análise é o texto, e não o signo ou a frase, sendo texto aqui considerado “não em seu aspecto extensional, mas qualitativo, como unidade significativa da linguagem em uso, logo unidade de natureza pragmática”2. A autora ainda assinala que essas diferentes acepções de objetos são complementares, pois “o deslocamento em relação à unidade de análise — passagem frase/texto — pode implicar uma diferença metodológica em relação à consideração do objeto específico”3.

No que concerne a esse deslocamento, Osakabe afirma que [...] uma teoria linguística desde que vise ao discurso (isto é, desde que coloque como objeto explicativo não a frase, mas o discurso) necessariamente terá outros fundamentos que aqueles propostos quer pelo estruturalismo, quer pela linguística gerativo-transformacional4.

1

Osakabe, 1979, p. 9.

Orlandi, 1986, p. 107.

3 Idem, ibidem.

4 Osakabe, 1979, p. 38.

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