A teoria da hist贸ria de Karl Marx
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universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta
Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Esdras Rodrigues Silva – Guita Grin Debert João Luiz de Carvalho Pinto e Silva – Luiz Carlos Dias Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Luiz Coltro Antunes – Sedi Hirano
coleção marx 21 Comissão Editorial Armando Boito Junior (coordenador) Alfredo Saad Filho – João Carlos Kfouri Quartim de Moraes Marco Vanzulli – Sedi Hirano Conselho Consultivo Alvaro Bianchi – Andréia Galvão – Anita Handfas Isabel Loureiro – Luciano Cavini Martorano Luiz Eduardo Motta – Reinaldo Carcanholo – Ruy Braga
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gerald a . cohen
a teoria da hist贸ria de karl marx Uma defesa
tradu莽茫o
Angela Lazagna
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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.
ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação C66t
Cohen, Gerald Allan, 1941-2009. A teoria da história de Karl Marx: Uma defesa / Gerald A. Cohen; tradução Angela Lazagna. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013. 1. Karl Marx, 1818-1883. 2. Materialismo histórico. 3. Filosofia marxista. I. Angela Lazagna. II. Título.
cdd 335.411 335.4119 isbn 978-85-268-1034-1 Índices para catálogo sistemático:
1. Karl Marx, 1818-1883 2. Materialismo histórico 3. Filosofia marxista
335.411 335.4119 335.411
Título original: Karl Marx’s theory of history: A defense Copyright © by Michele Cohen Copyright © 2013 by Editora da Unicamp Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, dos detentores dos direitos. Printed in Brazil. Foi feito o depósito legal.
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Para meu pai e em mem贸ria de minha m茫e
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portanto, o que todos disseram foi... “depende... tudo depende... tudo depende de onde você vive e do que você possui para construir”. S. Bone e M. Adshead, The little boy and his house
Na produção social de sua existência, os homens estabelecem determinadas relações que são indispensáveis e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado estágio evolutivo das suas forças produtivas materiais. A soma total dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura política e legal, e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo social, político e intelectual da vida em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é a sua existência social que determina a sua consciência. Num determinado estágio do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou — o que é apenas uma expressão
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legal para a mesma coisa — com as relações de propriedade, no interior das quais elas estiveram operando até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações se convertem em seus entraves. Inicia-se então uma época de revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a imensa superestrutura é transformada com maior ou menor rapidez. Considerando essas transformações, faz-se mister uma distinção entre a transformação material das condições econômicas de produção — que pode ser determinada pela precisão da ciência natural — e as formas legal, política, religiosa, estética ou filosófica — em resumo, as formas ideológicas no interior das quais os homens se tornam conscientes desse conflito e o resolvem. Da mesma forma que nossa opinião sobre um indivíduo não está baseada no que ele pensa de si próprio, também não podemos julgar tal período de transformação por sua própria consciência; ao contrário, essa consciência deve ser explicada mais precisamente a partir das contradições da vida material, a partir do conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma formação social jamais perece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contém; e relações de produção novas e superiores nunca aparecem antes que as condições materiais de sua existência tenham amadurecido no seio da própria antiga sociedade. Por isso, a humanidade sempre se propõe apenas as tarefas que pode resolver, pois, observando o problema mais de perto, o que sempre se descobrirá é que a própria tarefa somente surge quando as condições materiais para a sua resolução já existam ou estejam ao menos em processo de formação. Em linhas gerais, os modos de produção asiático, antigo, feudal e o moderno burguês podem ser designados como épocas progressivas na formação econômica da sociedade. As relações de produção burguesas são a última forma antagônica do processo social de produção — antagônica não no sentido do antagonismo individual, mas no sent ido de um antagonismo que surge das condições sociais de vida dos indivíduos; ao mesmo tempo, as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam as condições materiais para a resolução desse antagonismo. Essa formação social encerra, pois, a pré-história da sociedade humana. Karl Marx, 1859
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sumário
agradecimentos . .............................................................................................................................................
13
notas sobre as referências . .................................................................................................................
14
prefácio . .................................................................................................................................................................
15
introdução à edição de 2000: reflexões sobre o marxismo analítico..........
19
– representações da história em hegel e marx.............................................................
33
– a constituição das forças produtivas. ...........................................................................
61
1. A estrutura econômica e as forças produtivas .....................................................
61
2. Algumas precisões terminológicas ...............................................................................
70
3. A força de trabalho
4. A ciência........................................................................................................................................... 5. Mais candidatos à lista......................................................................................................... 6. O desenvolvimento das forças produtivas ...............................................................
74
– a estrutura econômica................................................................................................................
97
1. O direito de propriedade nas forças produtivas .................................................
97
I
II
III
.................................................................................................................
78 81 89
2. As disposições possíveis e impossíveis dos produtores em relação à
propriedade. .................................................................................................................................. 100 3. A subordinação. .......................................................................................................................... 104 4. Redefinindo o proletariado................................................................................................. 105
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5. A definição estrutural de classe
IV
6. A individualização das formas sociais. ..................................................................... 7. Os modos de produção. ......................................................................................................... 8. Variedades de troca econômica. .....................................................................................
108
– as propriedades sociais e materiais da sociedade...............................................
125
. ...................................................................................
112 114 120
1. Introduzindo a distinção. ..................................................................................................... 125 2. A matéria e a forma no processo de trabalho. ..................................................... 136 3. O valor de uso e a economia política......................................................................... 140 4. O valor revolucionário da distinção........................................................................... 143 5. Contra as invectivas de Marx a Mill
146 6. As relações de trabalho......................................................................................................... 149 V
..........................................................................
– fetichismo..................................................................................................................................................
153
1. O fetichismo na religião e na economia................................................................... 153 2. O que há de verdadeiro e de falso no fetichismo. .............................................. 154 3. Diagnóstico do fetichismo da mercadoria.............................................................. 158 4. Diagnóstico do fetichismo do capital......................................................................... 161 5. O fetichismo da mercadoria e do dinheiro. ............................................................ 163 6. O fetichismo da mercadoria, da religião e da política
164 7. O comunismo como libertação do conteúdo......................................................... 168 VI
. ...............................
– a primazia das forças produtivas......................................................................................
173
1. Introdução....................................................................................................................................... 173 2. Afirmações da primazia em Marx: O “Prefácio de 1859”........................... 175 3. Afirmações da primazia em Marx: Para além do “Prefácio”.................. 182 4. Argumentos a favor da primazia.................................................................................... 190 5. A natureza da primazia das forças produtivas. ................................................... 200 6. Forças produtivas, relações materiais, relações sociais.............................. 206 7. “Todos os modos de produção anteriores eram essencialmente
conservadores”........................................................................................................................... 210 8. Adendo............................................................................................................................................... 212 VII
– as forças produtivas e o capitalismo...........................................................................
217
1. O surgimento do capitalismo............................................................................................ 218 2. A estrutura econômica capitalista e o modo de produção
capitalista. ...................................................................................................................................... 222 3. Capitalismo e desenvolvimento das forças produtivas.................................. 236
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4. Quatro épocas.............................................................................................................................. 241 5. A missão do capitalismo e o seu destino.................................................................. 245 6. Os pressupostos do socialismo........................................................................................ 248 7. Por que as classes são necessárias?. .......................................................................... 251 VIII
– a base e a superestrutura, poderes e direitos...................................................
261
1. Identificando a superestrutura......................................................................................... 261 2. O problema da legalidade................................................................................................... 263 3. A explicação das relações de propriedade e do direito pelas relações
IX
de produção................................................................................................................................... 4. As bases necessitam das superestruturas. ............................................................... 5. A estrutura econômica é observável de maneira independente?........... 6. Mais sobre direitos e poderes........................................................................................... 7. Direitos e poderes do proletariado. ............................................................................. 8. Adendo...............................................................................................................................................
271
– a explicação funcional em geral......................................................................................
295
276 280 282 286 292
1. Introdução....................................................................................................................................... 295 2. Explicação...................................................................................................................................... 297 3. Os enunciados da função e as explicações funcionais. ................................. 300 4. A estrutura da explicação funcional. .......................................................................... 305 5. Confirmação.................................................................................................................................. 311 6. Todas as explicações funcionais são verdadeiras?. ......................................... 313 7. A explicação da consequência e o modelo dedutivo-nomológico. ........ 319 X
– a explicação funcional no marxismo..............................................................................
325
1. Introdução....................................................................................................................................... 325 2. Críticas conceituais à explicação funcional. ........................................................ 327 3. Funcionalismo, explicação funcional e marxismo. .......................................... 330 4. Elaborações................................................................................................................................... 332 5. Exemplos marxianos............................................................................................................... 337 XI
– valor de uso, valor de troca e capitalismo contemporâneo. .................
345
1. Introdução....................................................................................................................................... 345 2. A sujeição do valor de uso ao valor de troca
3. Uma contradição típica do capitalismo avançado. .......................................... 4. Mishan e Galbraith.................................................................................................................. 5. Revisão do argumento............................................................................................................
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......................................................
346 350 356 358
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6. O capitalismo é uma condição necessária da contradição
característica?. ........................................................................................................................... 7. Uma objeção................................................................................................................................. 8. A tendência do capitalismo e Max Weber ................................................................ 9. Obiter Dicta...................................................................................................................................
362
– impedimento. .........................................................................................................................................
375
XIII
– reconsiderando o materialismo histórico............................................................
393
XIV
– materialismo histórico restrito e materialismo
XII
histórico inclusivo . ..............................................................................................................................
366 369 371
419
Adendo: Sobre a superestrutura. ......................................................................................... 444
– o marxismo após o colapso da união soviética...................................................
447
apêndice i
– karl marx e a extinção das ciências sociais.......................................
455
apêndice ii
– algumas definições....................................................................................................
477
Valor de uso......................................................................................................................................... Mercadoria.......................................................................................................................................... Valor de troca..................................................................................................................................... Dinheiro................................................................................................................................................. Capital. ...................................................................................................................................................
477
obras citadas . ...................................................................................................................................................
489
XV
478 480 481 484
De Marx e Engels........................................................................................................................................ 489 De vários autores............................................................................................................................ 491
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índice onomástico.........................................................................................................................................
496
índice por assunto........................................................................................................................................
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agradecimentos
Gostaria de agradecer profundamente pela permissão para a reprodução dos extratos das obras a seguir: E. P. Thompson, The making of English working class: reproduzido sob a permissão de Victor Gollanez Ltd. Karl Marx e Friedrich Engels, Selected Works, German Ideology e Selected Correspondence: reproduzidos sob a permissão de Lawrence & Wishart Ltd. Karl Marx, Capital, Theories of Surplus Value, Poverty of Philosophy e A Contribution to the Critique of Political Economy: reproduzidos sob a permissão de Lawrence & Wishart Ltd. Karl Marx, Grundrisse, trad. Martin Nicolaus (Pelican Books em associação com a New Left Review, 1973), pp. 78, 86, 87, 88, 90, 109, 157-8, 158, 164, 193, 208, 265, 268, 274, 320, 325, 326, 422, 462, 495, 506, 508, 510, 512, 513, 529, 612, 641, 652, 705-6, 706, 749, 754, 831-2, 852-3, 872, 893, 915-16, 970. Direitos de tradução © Martins Nicolaus, 1973. Reproduzido sob a permissão de Penguin Books Ltd e Random House, Inc. Karl Marx, Capital, vol. I, trad. Ben Fowkes (Pelican Books em associação com a New Left Review, 1976), pp. 990, 1004, 1064. Direitos de edição © New Left Review, 1976. Direitos de tradução do Apêndice © Rodney Livingstone, 1976. Reproduzido sob a permissão de Penguin Books Ltd.
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notas sobre as referências
Os títulos completos das obras citadas com o lugar e a data de publicação estão enumerados nas páginas 354-361 (R.I). As passagens em itálicos correspondem à forma original, salvo indicação contrária. Com exceções secundárias, as edições citadas das obras de Hegel, Marx e Engels são traduções inglesas, mas muitas vezes modifiquei a tradução a fim de fornecer outra mais literal. Pelo que sei, as únicas obras mencionadas em alemão que não foram publicadas em inglês são as notas escritas por Marx em 1858, incluídas na edição de Berlim dos Grundrisse de 1953, mas não na tradução da Pelican de Martin Nicolaus (Harmondsworth, 1973). A primeira é citada como Grundrisse (Berlim) e a segunda, como Grundrisse.
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prefácio
1. Este livro defende o materialismo histórico oferecendo argumentos em seu favor, mas, sobretudo, apresentando — tal como espero — a teoria de uma forma atrativa. A apresentação respeita dois imperativos: por um lado, o que Marx escreveu e, por outro, os níveis de clareza e rigor que distinguem a filosofia analítica do século XX. O objetivo é construir uma teoria da história sustentável que esteja, em geral, de acordo com o que Marx disse sobre o tema. Ele certamente consideraria pouco familiar parte do que segue; de qualquer modo, gostaria que ele pudesse reconhecê-lo como uma exposição razoavelmente clara do que ele pensava. Esse desejo não é arrogante. Marx foi um pensador incansável e criativo que desenvolveu muitas ideias em muitas direções. Ele não teve tempo, vontade, ou tranquilidade acadêmica para ordená-las completamente. Não é arrogância pretender oferecer uma versão menos desordenada de alguns dos principais pensamentos que ele mesmo propiciou.
2. A reconstrução aqui oferecida é menos ambígua que a teoria no seu es-
tado original. Ela é, portanto, mais fácil de criticar, o que eu não lamento. No entanto, há uma provável reação, a qual desejo antecipar e evitar, nomeadamente, que eu tenha instituído uma “teoria geral histórico-filosófica, cuja vir-
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tude suprema consiste em ser supra-histórica”1. Não necessito ser advertido de que a história é “sempre mais rica em conteúdo, mais variada, mais multifacetada, mais vivaz e ‘astuta’”2 do que qualquer teoria que a represente. As passagens citadas são advertência contra um certo mau uso da teoria, mas alguns marxistas as citam a fim de disfarçar sua própria aversão à teoria. Eles deveriam se lembrar que Marx e Lênin não eram contrários à teoria.
3. Louis Althusser tem exercido uma forte influência sobre o interesse em
curso no materialismo histórico; vejo-me obrigado a dizer uma palavra acerca da minha atitude em relação ao seu trabalho, que é apenas mencionado neste livro. A favor de Marx de Althusser me persuadiu de que o crucial de Marx que perdura encontra-se em O capital, bem como nos seus escritos preparatórios a essa obra. Essa convicção me auxiliou a escrever este livro e por isso sou grato a esse autor. Mas quando passei ao Ler O Capital — um conjunto de ensaios de Althusser e outros [autores] — fiquei desapontado. Pouco extraí dos ensaios de Althusser, afora o reconhecimento de como a língua francesa pode ser empregada de maneira elegante — e evasiva. Considerei outras coi sas melhores, especialmente a contribuição de Balibar. No entanto, não penso que ela tenha se beneficiado da forma que foi apresentada, a qual evidenciava a influência de Althusser. Considerei, acima de tudo, grande parte de Ler O Capital essencialmente vaga. Talvez seja lamentável que o positivismo lógico, com sua insistência na precisão do compromisso intelectual, nunca tenha se difundido em Paris. A filosofia anglófona há muito tempo relegou o positivismo lógico, mas é infinitamente a melhor por nele ter se engajado. A moda althusseriana poderia ter consequências desastrosas para o marxismo na Grã-Bretanha, onde a lucidez é uma herança preciosa, bem como, em geral, não se supõe que uma explicação teórica, para sê-la, deva ser de difícil compreensão.
4. Minhas diferenças doutrinais específicas em relação aos althusserianos
não necessitam ser descritas aqui. Elas são abundantes. 1 Marx, para a redação de um jornal russo, novembro de 1877, in Selected Correspondence, p. 294. 2 Lenin, “Left-wing comunism”, p. 76.
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prefácio
O que eu defendo, pois, é um materialismo histórico à moda antiga, uma concepção tradicional3, segundo a qual a história é, fundamentalmente, o pleno desenvolvimento da capacidade produtiva humana, e as formas de sociedade surgem e desaparecem na medida em que possibilitam ou impedem esse desenvolvimento. O foco está nos conceitos mais básicos da teoria, os de forças produtivas e relações de produção, e haverá excepcionalmente pouca discussão, como expressam os livros sobre Marx e a sociedade, quanto ao conflito de classe, à ideologia e ao Estado. A principal parte do livro (capítulos de II a X) é precedida de um esboço das “Representações da história em Hegel e Marx”, assim denominado por discorrer sobre ideias que carecem do grau de articulação sugerido pelo termo “teoria”. O capítulo II se inicia com um complexo argumento a favor da tese de que o que Marx chamou de estrutura econômica consiste exclusivamente nas relações de produção; as forças produtivas não a integram. O restante do capítulo, que é menos intrincado, enuncia o que são as forças produtivas e examina o que o se pode designar por seu desenvolvimento. O capítulo III se dedica às relações de produção e à estrutura econômica que elas compõem. Ele considera os laços que unem os produtores imediatos aos seus meios de trabalho, bem como a seus superiores de classe. No capítulo IV, a distinção entre forças produtivas e relações de produção é demonstrada como sendo um caso específico de uma distinção mais geral, profundamente arraigada em Marx, entre as características materiais e as características sociais da sociedade. O capítulo V utiliza os resultados do capítulo IV para fornecer uma descrição do fetichismo da mercadoria e do capital e uma interpretação parcialmente nova do comunismo. O capítulo VI demonstra que Marx atribuiu uma primazia explicativa às forças produtivas, argumentando, de maneira menos conclusiva, que ele estava certo. O capítulo VII estabelece um certo contato entre as afirmações do capítulo VI e determinados períodos da história real. De acordo com o capítulo VI, as estruturas econômicas são como são por que, ao sê-lo, permitem que a capacidade produtiva humana se expanda. Segundo o capítulo VIII (sobre “Base e superestrutura”), as superestruturas são como são porque, ao sê-lo, consolidam as estruturas econômicas. Esses enun ciados são explicações funcionais, sendo a explicação funcional amplamente 3 Cuja exposição “mais fértil” (ver Hobsbawm, “Introduction”, p. 10) é o Prefácio à Crítica da
economia política, acima citado, pp. vii-viii.
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suspeita inclusive no marxismo. É o que defendem em termos gerais os capítulos IX e X, com menção especial ao materialismo histórico. O capítulo XI examina alguns males da sociedade capitalista contemporânea. Defende que a relação entre valor de uso e valor de troca sob o capitalismo conduz a uma irracionalidade peculiar quando o capitalismo é avançado4. O primeiro Apêndice reproduz um artigo concernente ao capítulo V, e o segundo define cinco expressões frequentemente empregadas neste livro.
5. Este livro tem muitos pontos fracos e possuiria mais [outros] se não fosse a generosidade de cinco amigos que comentaram de maneira incisiva a totalidade do primeiro esboço. A Danny Goldstick, John McMurtry, Chris Provis, Bill Shaw e Arnold Zuboff, muito, muito obrigado. Outros críticos encorajadores foram Chris Boorse, Maggie Cohen, Irving Dworetzsky, Keith Graham, Bill Hart, Helle Kanger, Stig Kanger, Mendel Kramer, Collin McGinn, Jakob Meløe, Robin Murray, Jan Narveson, Mike O’Pray, Tim Scanlon, Chuck Taylor, Richard Wollheim, Allen Wood e Sigurd Zienau, que faleceu em outubro passado, privando a mim e a muitos outros de um precioso mentor. Katherine Backhouse e Veryan Gilliatt datilografaram o manuscrito. Elas foram extraordinariamente pacientes e amáveis. O Canada Council e a British Academy me permitiram passar um ano livre das obrigações docentes. Possuo uma dívida muito especial com Michael Cohen e Glanrydd Rowlands. Não tentarei descrever o que devo a Maggie, Gideon, Miriam e Sarah.
Uma nova edição me permite acrescentar duas observações. Primeiramente, gostaria de agradecer a Bertell Ollman e John Torrance, que fizeram críticas extremamente valiosas ao texto manuscrito. Segundo, lamento não haver indicado que o capítulo V e o Apêndice I deste livro, diferentemente do seu restante, propõe uma exposição sem defesa das ideias de Marx. Isso explica o motivo pelo qual a teoria do valor se destaca no capítulo V e no Apêndice I, a despeito da negação presente no penúltimo parágrafo da p. 407. Londres, maio de 1979
4 Uma versão anterior do capítulo XI, seriamente desfigurada por revisões que a mim não foi
permitido o controle, foi publicada no livro de Gordon Bermant e Gerald Dworkin et al. (orgs.), Market and Morals, Washington, 1977.
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introdução à edição de 2000 : reflexões sobre o marxismo analítico
O presente livro recebeu mais atenção do que lhe teria sido conferida em outras circunstâncias, devido à coincidência de ter sido publicado, justamente, em um momento em que vários pesquisadores marxistas também começavam a se dedicar a um trabalho semelhante que, atualmente, é denominado “marxismo analítico”. Tanto eles como eu tínhamos um “Compromisso sem Reverência”1 com o marxismo, e formamos um grupo que vem se encontrando anualmente há mais de 20 anos. Na presente Introdução, indicarei o que é o marxismo analítico — item 1 — e descreverei como se deu a formação do grupo que o promoveu — item 2. O item 3 constitui um interlúdio pessoal, ao narrar de maneira particular como me tornei um marxista analítico. No item 4, a analiticalidade do marxismo analítico é detalhadamente delineada e, no item 5, discutir-se-á acerca da verborragia2, a bête noire do marxismo analítico. O item final aborda a irrefreável questão: o marxismo analítico é marxista?
1 Este é o título de um artigo que exibe o seguinte subtítulo: “Reflections on Analytical Marxism”. Esse artigo foi publicado em Imprints, de 1997, e dele foi extraída grande parte da presente
Introdução. 2 Bullshit, no original em inglês. Segue, pois, uma breve explicação sobre o sentido que Gerald
Cohen confere a esse termo. Bullshit pode significar charlatanice, disparate, tolice; uma conversa ou um escrito infundado ou desonesto, sendo uma expressão comumente empregada no inglês coloquial dos Estados Unidos. O filósofo Harry G. Frankfurt a tomou de empréstimo para intitular seu livro: On Bullshit. Regarding the manipulation of truth. Princeton (Nova
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a teoria da história de karl marx
1 . Marxismo analítico Não tentarei definir o marxismo3. Com relação ao “analítico”, ele possui no presente contexto dois sentidos relevantes e relevantemente diferentes: um sen tido amplo e um sentido estrito. Todo marxismo analítico é analítico num sentido amplo e frequentemente é analítico num sentido estrito. Em cada um dos sentidos de “analítico”, ser analítico é ser o oposto à forma de pensamento tradicionalmente pensada como parte integrante do marxismo: o pen samento analítico, no sentido amplo de “analítico”, é o oposto do assim de nominado pensamento dialético; e o pensamento analítico, no sentido estrito de “analítico”, é o oposto do que se pode chamar de pensamento “holístico”. O procedimento decisivo que fundou o marxismo analítico foi a rejeição da afirmação de que o marxismo possui seus próprios métodos intelectuais efi cazes. A rejeição dessa afirmação possibilitou a apropriação de uma rica metodologia convencional que o marxismo, para o seu detrimento, renegou. A metodologia convencional, que tenho em mente, utiliza técnicas intelectuais que foram elaboradas no interior de várias correntes da ciência social e da filosofia ocidentais (e, sobretudo, anglófona) não marxistas. As técnicas em questão são normalmente concebidas como “analíticas” num sentido amplo, pois sua utilização requer e favorece a precisão do enunciado, de um lado, e o rigor do argumento, de outro. Podemos distinguir três conjuntos desses tipos de técnicas. Primeiramente, existem técnicas de análise lógica e linguística que no século XX desenvolveram a filosofia positivista e pós-positivista, inicialmente entre os germanófonos, mas posteriormente (em decorrência do nazismo), pre-
Jersey), Princeton University Press, 2005 (publicado no Brasil em 2005 pela editora Intrínseca, sob o surpreendente título Sobre falar merda. Sua versão em francês foi publicada sob o título De l’art de dire des conneries. Paris, Éditions 10/18, 2006, e a espanhola, On bullshit. Sobre la manipulación de la verdad. Barcelona, Paidós Contextos, 2006). Nesse livro, Frankfurt argumenta que bullshit é indiferente à verdade (diferentemente do bullshitter, o mentiroso só pode mentir se acreditar na verdade). Já Cohen, em seu texto “Deeper into bullshit”, apresenta outra interpretação do termo, criticando Frankfurt; argumenta, pois, que existem aqueles que acreditam na verdade, mas terminam por produzir bullshit, bem como aqueles que o fazem deliberadamente. Ver: G. A. Cohen, “Deeper in Bullshit”, in Sarah Buss e Lee Overton (orgs.), The contours of agency: essays on themes from Harry Frankfurt. Cambridge, The Mit Press, 2002. Decidimos, pois, traduzir a expressão, no sentido que Cohen lhe confere, por verborragia, definida pelo dicionário Houaiss como o “uso de uma quantidade excessiva de palavras e de enorme fluência, para dizer coisas de pouco conteúdo ou importância”. (N. do T.) 3 Ver, contudo, o item 6, que contém algum esforço nessa direção.
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