Coleção Cadernos de Desenho
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GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Governador Geraldo Alckmin
Universidade Estadual de Campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador Geral da Universidade Edgar Salvadori de Decca
Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Christiano Lyra Filho José A. R. Gontijo – José Roberto Zan Marcelo Knobel – Marco Antonio Zago Sedi Hirano – Silvia Hunold Lara
Coleção Cadernos de Desenho Concepção e Coordenação Editorial Lygia Arcuri Eluf Comissão editorial da Coleção Cadernos de Desenho Antonio Carlos Rodrigues Tuneu Edith Derdyk – José Roberto Zan Luise Weiss – Lygia Arcuri Eluf Paulo Mugayar Kühl
Diretor-Presidente Marcos Monteiro Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro Flávio Capello Diretora de Gestão de Negócios Lucia Maria Del Medico
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Fayga Ostrower
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ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação F294
Fayga Ostrower / organizadora: Lygia Eluf. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011. 192 p. – (Cadernos de Desenho) 1. Ostrower, Fayga, 1920-2001. 2. Artes plásticas. 3. Arte brasileira. 4. Desenho. I. Eluf, Lygia, 1956-. II. Título.
ISBN 978-85-268-0918-5 Editora da Unicamp ISBN 978-85-7060-
cdd 709 709.81 743
Índices para catálogo sistemático: 1. Ostrower, Fayga, 1920 2. Artes plástica 3. Arte brasileira 4. Desenho
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Copyright © by organizadora: Lygia Eluf Copyright © 2011 by Editora da Unicamp Nesta edição, respeitou-se o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Foi feito depósito legal na Biblioteca Nacional Lei no 10.994, de 14/12/2004 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor. Lei no 9.610, de 19/02/1998 Impresso no Brasil 2011
Editora da Unicamp Rua Caio Graco Prado, 50 Campus Unicamp 13083-892 Campinas sp Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718 | 7728 www.editora.unicamp.br vendas@editora.unicamp.br
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Coleção Cadernos de Desenho
O desenho é o modo imediato de registro de nosso olhar. Por meio dele, compreendemos o que vemos, o que sentimos e nossa relação com o mundo. Por meio dele, distinguindo as coisas, aprendemos a amá-las. É onde o pensamento do artista se materializa, se organiza, se expressa e se constrói. O desenho como meio de conhecimento, de apropriação, de comunhão. É a figura do desejo: desejo inconsciente de expressar algo indizível. A ideia dos cadernos de desenho sempre me fascinou. Por meio dessas anotações, quase despretensiosas, muitas vezes somos capazes de registrar a essência de nosso pensamento visual. Os cadernos têm acompanhado os artistas por toda a história. Eles reúnem aspectos pouco conhecidos de sua produção. Esses cadernos guar-
dam momentos de cumplicidade únicos, quase nunca divulgados, geralmente acessíveis somente aos olhos do próprio artista. Seu uso recorrente, como bloco de anotações, carnês de viagem ou diários de artistas, guarda o pensamento construtivo que norteia o processo de criação e da construção das imagens. A Coleção Cadernos de Desenho pretende revelar o que está oculto, guardado na intimidade do caderno de bolso, do ateliê, da expressão primeira do artista em contato com o mundo que o cerca. Procuramos privilegiar o desenho como meio de expressão artística, como registro de ideias, sensações e pensamentos, como projeto ou ainda como meio independente de realização plástica. Lygia Eluf
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Agradeรงo a Noni Ostrower e Carlos Martins por aceitarem essa aventura editorial. Lygia Eluf
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Arte, sabor de vida
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No ano de 2009, quando estava preparando vários eventos para comemorar os 90 anos de nascimento de minha mãe, Carlos Martins trouxe a sugestão de incluir Fayga na coleção Cadernos de Desenho, organizada por Lygia Eluf. Sua escolha recaiu sobre alguns dos desenhos que minha mãe fez em nove cadernos de anotações, no período de 1954 a 2001. Sempre vi esses cadernos como um entre os vários materiais de trabalho de seu ateliê, junto com os rolos de entintagem, as goivas ou as matrizes de xilogravura. Nos cadernos, ela desenhava esquematicamente as gravuras e assinalava as que tinha vendido ou doado para galerias e museus onde expôs, pelo mundo afora. Foi Carlos Martins quem trouxe um novo olhar sobre esses desenhos, como ele explica em seu texto. Nas primeiras conversas sobre este projeto, combinamos que a emoção e as lembranças pessoais
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também fariam parte da publicação. Como toda relação entre mãe e filha, brigamos, fizemos as pazes, aprendemos uma com a outra. Para mim, as lições mais fortes ocorreram no final de sua vida, quando ela teve graves problemas de visão. Além da família e de um grupo muito próximo de amigos, não desejava que ninguém soubesse dessa limitação. Não queria que sentissem pena dela, queria decidir por si quais os compromissos que conseguia assumir ou não. Sua persistência e coragem em enfrentar os problemas com a visão foram mais uma prova de seu amor à arte. Depois de um tempo, muito triste e deprimida, ela voltou a trabalhar, buscando se adaptar à nova situação. Para escrever o último livro1 não pôde usar sua velha máquina de escrever. Comprou um computador, usava 1
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A grandeza humana: cinco séculos, cinco gigantes da arte. Rio de Janeiro, Campus, 2003.
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letras enormes e encostava uma poderosa lupa na tela. Assim conseguia ler o que havia escrito. Lutou bravamente contra esses dois obstáculos: o aprendizado de uma nova tecnologia aos 80 anos e a dificuldade de visão. Muitas vezes ficava impaciente porque o texto pensado demorava a ir para o papel. Perdeu todo um capítulo e teve que escrevê-lo mais uma vez, confiando em sua memória. Comentava que sentia falta do tique-taque da máquina que a acompanhara durante mais de 50 anos. Ao dar aulas e palestras, pedia que o neto João Rodrigo a ajudasse com a leitura de alguns textos. E viajar sozinha, como tinha feito tantas vezes, era agora impossível sem uma acompanhante, papel desempenhado várias vezes pela neta Leticia. Relendo o texto que meus filhos escreveram para a biografia da avó, fico feliz em constatar que eles receberam de herança o amor à arte como algo interligado à vida. Do neto João Rodrigo, ator: Nos últimos anos passei a acompanhar mais de perto seu trabalho, lendo textos em algumas de suas palestras. Em vários aspectos foi um aprendizado inesquecível. Pude perceber, especialmente, seu cuidado em cada termo lido por mim, indicador de uma preocupação não apenas da artista, mas sobretudo da educadora. Ao emocionar-se, sempre e de novo, quando fala sobre obras de grandes artistas, fica clara sua paixão pelo que faz. E isso nos aproxima genuinamente da arte.
Da neta Leticia, médica pediatra: No Prado, em Madri, passamos dois dias inteiros alimentando a alma com Goya, Velásquez, Picasso e outros. Ao voltar ao hotel, reli Goya — Artista revolucionário e humanista numa noite só e não tenho como descrever a emoção de estar tão
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perto de alguns dos quadros comentados nesse livro2. Acho que naquele momento pude entender por que minha avó dedica sua vida de maneira tão completa à arte. [...]. No ano seguinte fomos a Paris [...]. Tínhamos um ritual sagrado: após o desjejum, andávamos até um café muito simpático a uma quadra do hotel, onde o garçom já nos conhecia, para tomarmos um expresso delicioso. [...] Eu me sinto privilegiada e feliz por ter passado momentos tão maravilhosos ao seu lado. Não há nada no mundo que pague o sorriso, o brilho nos olhos e sua emoção diante das obras de arte. Ouvi-la falar sobre a vida dos artistas e da época em que cada quadro foi pintado é uma verdadeira aula de história, matéria que sempre detestei na escola e aprendi a gostar com ela.
Mesmo com os problemas de visão, minha mãe voltou a pintar aquarelas, que resultaram na sua última exposição “A música da aquarela”. As obras foram expostas inicialmente no Museu Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro, e seguiram depois para Paris, Berlim, Roma, Lisboa e Londres. Ela sempre gostou de fazer suas próprias roupas e, acho que isso foi o mais incrível para mim, mesmo sem enxergar direito ela ainda queria costurar! Pedia que eu colocasse linhas compridas em várias agulhas e preparasse a máquina de costura. Depois que eu saía, ela costurava, nem sei como, talvez usando a lupa, mas, certamente, usando muita determinação! Minha mãe se alimentava de artes plásticas, mas igualmente amava música, teatro, dança, cinema. Minhas lembranças são de ser a arte algo do cotidiano, misturada com coisas absolutamente terrenas: fazia parte do prazer de ir a um museu sentar na cafeteria para 2
Escrito por Fayga Ostrower. São Paulo, Imaginário, 1997.
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conversar, amadurecer a visita, não sair correndo para a rua. Talvez, depois, andar pelas calçadas, entrar em livrarias, num armarinho, comprar algo para o jantar. Meu pai perguntava sempre por que nós, mulheres, não conhecíamos linhas retas, só andando em zigue-zague quando olhávamos vitrines. Um dia, quando tivermos um espaço para disponibilizar ao público o acervo do Instituto Fayga Ostrower, sonho termos uma cafeteria, em homenagem ao amor que ela tinha pela conversa com os amigos. A conversa sobre arte, notícias de jornal, um bom livro ou um filme assistido recentemente entrava pela madrugada adentro, nos jantares que ela organizava para os amigos. O sabor dos pratos prediletos acompanhava o sabor das palavras — frango com alecrim, borscht3, no verão, e sopa de cebola em tigelas de barro, no inverno.
Na convivência com ela aprendi que arte e vida são inseparáveis, um todo que inclui o prazer da leitura, risos, o mistério, filhos, viagens, silêncio, amizades, dúvidas, cheiro de café, costura, conversas, cuidar da correspondência, reflexão, enfim, uma lista infindável. Penso que ela deixou, como um perfume que ainda permanece no ar, a coragem com que enfrentou, principalmente nos últimos anos, as dificuldades físicas para continuar seu caminho dentro da arte.
Noni Ostrower. Médica de formação, produtora de vídeo e educadora. Curadora e presidente do conselho consultivo do Instituto Fayga Ostrower.
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Sopa polonesa de beterraba, gelada.
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Fayga e suas anotações
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Meu primeiro contato com Fayga aconteceu nos idos de 1982, quando, montando o Gabinete de Gravura do Museu Nacional de Belas-Artes, estava envolvido com um programa para atualização de seu acervo. A partir de um levantamento inicial ficou fácil identificar os artistas que não eram contemplados com um conjunto significativo de sua produção. E Fayga foi das primeiras artistas a serem contatadas. Seu entusiasmo para com o projeto foi de tal ordem que nos sentimos à vontade para levar a empreitada adiante. A contrapartida do museu para as doações recebidas seria o compromisso de um programa sistemático de exposições e publicações. E assim foi feito, por alguns anos. A partir desse encontro com Fayga, fomos amadurecendo a ideia de uma grande retrospectiva de suas gravuras, a primeira a ser realizada cobrindo toda sua produção, desde os anos de aprendizagem até os últimos
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trabalhos de 1983, quando a mostra foi inaugurada. As inúmeras visitas ao seu ateliê propiciaram um convívio mais próximo, que acabou por gerar uma grande amizade. Eu estava diante de um mundo sensível e inteligente que, generosamente, me recebeu. E foi com grande prazer e entusiasmo que trabalhamos juntos, artista e curador, em diversas ocasiões: em suas exposições em San Juan, capital de Porto Rico, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, para citar algumas, assim como na organização de seu livro, publicado poucos meses após seu falecimento, em 2001. Foi por ocasião da exposição do Museu Nacional de Belas-Artes que tomei conhecimento dos caderninhos de anotação da artista, feitos com o intuito de controlar a sua produção, com o número de impressões realizadas de cada gravura e o destino que cada exemplar viria a ter. Até aí, muito bem, uma vez que Fayga era bastante
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cuidadosa ao classificar e organizar seu trabalho. Mas, que descoberta! Esses cadernos, que sempre serviram para o seu controle pessoal e eram de utilidade corriqueira, revelavam-se surpreendentes. Um desenho simplificado de cada gravura abre a página, com uma enigmática numeração correspondente. Algumas vezes, anotações descrevem as cores empregadas para a impressão. Tudo muito simples, sem artifícios. A seguir, aparecem os números da edição e, ao lado de cada um, o seu comprador. Em traços rápidos, o suficiente para indicar à memória da artista a que obra se referem, os desenhos são concisos, puro gesto e espontaneidade, que vão desvendar a estrutura interna de cada composição, a essência das formas propostas. E ali estavam a servir apenas para que a artista pudesse reconhecer cada gravura. Os números, por sua vez, servem de identificação para cada obra, e indicam o ano em que a matriz foi gravada (os dois primeiros algarismos) e o respectivo número de ordem (os dois últimos algarismos). Assim, em relação ao número 5403, por exemplo, o 54 representa o ano 1954 e o 03, a terceira matriz gravada naquele ano. São inúmeros os volumes existentes, o primeiro deles registrando as gravuras realizadas a partir de 1954, ano
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em que Fayga definitivamente abandona a figuração para desenvolver um trabalho inteiramente voltado às pesquisas de forma e cor. Muito provavelmente outros artistas lançaram mão desse mesmo procedimento para registrar sua produção. São conhecidos também os cadernos, com o mesmo fazer e propósito, de Iberê Camargo, igualmente reveladores da estrutura intrínseca às suas composições. Hoje, esses inventários de próprio punho são preciosos para uma melhor compreensão da produção do artista. E essa atitude nos faz lembrar o Liber Veritas de Claude Lorrain (1604-1682), em que o artista registrou as pinturas que considerava as mais significativas, com a intenção de criar um certificado de autenticidade, prevenindo-se de imitações ou falsificações. Mesmo tendo sido produzido com intenções diversas, o livro contém 195 desenhos indispensáveis para o estudo da obra desse artista e encontra-se hoje no acervo do Museu Britânico, em Londres.
Carlos Martins. Arquiteto de formação, artista plástico e museólogo. Foi diretor dos Museus Castro Maya, no Rio de Janeiro, e faz parte do quadro de pesquisadores da Pinacoteca do Estado.
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Inventรกrio
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