Cadernos de Desenho — Flávio de Carvalho

Coleção Cadernos de Desenho

12407 miolo.indd 1

20/10/2014 12:55:10

Governador Geraldo Alckmin Secretário-chefe da Casa Civil Edson Aparecido

universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta

Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Esdras Rodrigues Silva – Guita Grin Debert João Luiz de Carvalho Pinto e Silva – Luiz Carlos Dias Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Antunes – Sedi Hirano

Coleção Cadernos de Desenho Concepção e Coordenação Editorial Lygia Arcuri Eluf Comissão editorial da coleção cadernos de desenho Antonio Carlos Rodrigues Tuneu Edith Derdyk – Lygia Arcuri Eluf Marco Aurélio Cremasco Paulo Mugayar Kühl

Diretor-presidente Marcos Antonio Monteiro

12407 miolo.indd 2

20/10/2014 12:55:11

Flรกvio de Carvalho

12407 miolo.indd 3

20/10/2014 12:55:11

ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação F618 Carvalho, Flávio de, 1899-1973.

Flávio de Carvalho / organizadora: Lygia Eluf. – Campinas, SP: Edi­tora da Unicamp, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2014.

232 p. – (Cadernos de desenho) 1. Carvalho, Flávio de, 1899-1973. 2. Desenho. 3. Moda - Estilo.

I. Eluf, Lygia Arcuri, 1956-.

ISBN 978-85-268-1037-2 cdd 741 ISBN 978-85-7060-930-4 391

Índices para catálogo sistemático: 1. Carvalho, Flávio de, 1899-1973 741 2. Desenho 741 3. Moda - Estilo 391

Copyright © by organizadora: Lygia Eluf Copyright © 2014 by Editora da Unicamp Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

Feito depósito legal na Biblioteca Nacional Lei n0 10.994, de 14/12/2004.

Todos os direitos reservados e protegidos.

Proibida a reprodução parcial ou integral sem autorização prévia dos editores.

Lei n0 9.610, de 19/02/1998.

Impresso no Brasil 2014

Editora da Unicamp Rua Caio Graco prado, 50 Campus Unicamp 13083-892 Campinas sp Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718 | 7728 www.editora.unicamp.br vendas@editora.unicamp.br

12407 miolo.indd 4

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1.921 Mooca 03103-902 São Paulo sp Brasil www.imprensaoficial.com.br

20/10/2014 12:55:11

Coleção Cadernos de Desenho O desenho é o modo imediato de registro de nosso olhar. Por meio dele, compreendemos o que vemos, o que sentimos e nossa relação com o mundo. Por meio dele, distinguindo as coisas, aprendemos a amá-las. É onde o pensamento do artista se materializa, se organiza, se expressa e se cons­trói. O desenho como meio de conhecimento, de apropriação, de comunhão. É a figura do dese­ jo: desejo inconsciente de expressar algo indizível.

A ideia dos cadernos de desenho sempre me fascinou.

Por meio dessas anotações, quase des­pre­tensiosas, muitas vezes somos capazes de regis­trar a essência de nosso pensamento visual. Os ca­der­nos têm acompanhado os artistas por toda a his­tória. Eles reúnem aspectos pouco conhecidos de sua produção. Esses cadernos guar-

dam momentos de cumplicidade únicos, quase nunca ­divulga­dos, geralmente acessíveis somente aos ­olhos do pró­prio artista. Seu uso recorrente, como bloco de anotações, carnês de viagem ou diários de artistas, guarda o pensamento construtivo que norteia o processo de cria­ ção e da construção das imagens.

A Coleção Cadernos de Desenho pretende reve­lar o que está oculto, guardado na intimidade do caderno de bolso, do ateliê, da expressão primeira do artista em contato com o mundo que o cerca. Procuramos pri­­vi­le­ giar o desenho como meio de expres­são artísti­ca, co­mo registro de ideias, sensa­ções e pensamentos, como projeto ou ainda como meio independente de realização plástica.

Lygia Eluf

12407 miolo.indd 5

20/10/2014 12:55:11

12407 miolo.indd 6

20/10/2014 12:55:11

Agradecimentos Agradeço a colaboração e a confiança que recebemos do Centro de Documentação Alexandre Eulalio (Cedae/IEL-Unicamp), onde se encontra o Fundo Flávio de Carvalho. Agradeço também aos familiares de Flávio, representados por Ricardo de Carvalho Crissiuma Pisciotta, que nos permitiram produzir este volume.

Agradeço sobretudo a Flávio de Carvalho pela ousadia, irreverência e inteligência de suas ações como artista.

Lygia Eluf

12407 miolo.indd 7

20/10/2014 12:55:11

12407 miolo.indd 8

20/10/2014 12:55:11

Sumário “A Moda e o Novo Homem” em documentos........................................... 11 Vestuário e arquitetura na obra de Flávio de Carvalho........................... 17 Ilustrações — A Moda e o Novo Homem.................................................27 Nota biográfica...............................................................................................229

12407 miolo.indd 9

20/10/2014 12:55:11

12407 miolo.indd 10

20/10/2014 12:55:11

“A Moda e o Novo Homem� em documentos

12407 miolo.indd 11

20/10/2014 12:55:11

12407 miolo.indd 12

20/10/2014 12:55:11

As ilustrações aqui apresentadas chegaram ao Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio (Cedae) acompanhadas de 1.378 livros remanescentes da biblioteca de seu autor, Flávio de Carvalho (1899-1973), e de um pequeno conjunto de documentos, que incluem recortes de jornais e os originais datiloscritos do texto1.

As 105 ilustrações publicadas entre 4 de março e 21 de outubro de 1956, para acompanhar os 39 artigos da coluna “A Moda e o Novo Homem”, no Diário de S. Paulo, foram adquiridas pela Universidade Estadual de Campinas em 21 de outubro de 1992, da herdeira do autor.

1 O conjunto de documentos é constituído pelo original do texto, pelas ilustrações que o acompanham, pelos recortes de jornais dos 39 artigos publicados pelo Diário de S. Paulo e também por dois textos inéditos: um de apresentação, “O autor aponta”, e outro de conclusão, “Nivelamento e destino”, que comporiam o livro inédito Dialética da moda.

12407 miolo.indd 13

Medindo entre 16,18 x 23,19 e 53,14 x 23,02 centíme­ tros, as ilustrações tomam por referência animais pré-históricos e subaquáticos, pinturas, esculturas e objetos de vários períodos e povos, tapeçarias, ilustrações de moda, cerâmicas marajoaras, africanas e neozelandesas pesquisados pelo artista. Nelas, além dos traços em nanquim, observam-se interferências feitas com tinta branca sobre o desenho original para anular linhas indesejáveis ou corrigi-las, o que permite perceber a finalização da obra e o acabamento desejado por Flávio, antes de seu envio para a composição dos fotolitos no jornal. No verso, colados pelo autor, veem-se os recortes das legendas de identificação que acompanhavam cada ilustração.

Combinação dos interesses de seu autor pela etnografia, psicanálise, sociologia e biologia, o conjunto de artigos e ilustrações que integram “A Moda e o Novo Ho-

13

20/10/2014 12:55:11

14

mem” sugere que este tenha sido um dos trabalhos mais extensos, no qual o artista empenhou anos de pesquisa.

O cotejamento do material que compõe a série com os volumes da biblioteca e os grifos e marginálias neles encontrados evidencia um trabalho de pesquisa intensivo e mostra que, do mesmo modo que em outras obras, aqui também é possível identificar o esforço do artista em integrar a criação artística à investigação científica, por meio da valorização do raciocínio lógico e do processo analítico, o que encontra ressonância em seus perfis de investigador, teórico e artista/desenhista.

Nesse sentido, são muitos os exemplos que podem ser verificados através da documentação deixada por Flávio de Carvalho, como as fotografias de Michel Huet às páginas do volume Les Hommes de la danse, que certamente serviram de referência à composição de chapéus que ilustra o artigo “Sonho e Realidade — Alma e Chapéo — As idades Puberes andam sem chapéo — O homem do seculo XXII”, entre outros2.

Influenciado pelos escritos do antropólogo escocês James Frazer (1854-1941), de Sigmund Freud (1856-1939) e do naturalista Charles Darwin (1809-1882), Flávio mescla nos artigos de “A Moda e o Novo Homem” os fundamentos de Totem e tabu (1913) e A psicologia das massas (1921), de Freud, à teoria da cultura de O ramo de ouro (1922), de Frazer, e às ideias formuladas por Darwin em A origem das espécies (1859)3, constituindo uma das suas mais intrigantes proposições.

2 Ver nas Referências Bibliográficas a relação dos livros da biblioteca de Flávio de Carvalho que contêm ilustrações relacionadas com as da série “A Moda e o Novo Homem”.

3 Ver nas Referências Bibliográficas a relação dos livros da biblioteca de Flávio de Carvalho com anotações, grifos e marginálias.

12407 miolo.indd 14

Nesses textos, posteriores à Experiência N. 2, de 1931 (que consistiu em uma caminhada na contracorrente de uma procissão de Corpus Christi: usando chapéu, o artista confrontou a multidão de católicos e incitou ameaças de linchamento), e anteriores à Experiência N. 3, de 1956, o autor reflete sobre as transformações sofridas pela indumentária ao longo da história, desde os tempos primitivos até os anos 1950. Não se trata, no entanto, de uma história da moda, nem de uma cronologia ordenada dos hábitos de se vestir, mas de uma reflexão que, através de linhas evolutivas, lineares ou cíclicas, ora revela as grandes transformações da história, ora cumpre, magicamente, um papel premonitório ou materializa um arquétipo, uma manifestação onírica, repercutindo as vicissitudes a que o homem esteve sujeito.

“Compósito cultural no qual corpo e postura experimental, texto e desenho, interpenetram-se irreversivelmente” (Freitas, 1999), o conjunto de artigos e ilustrações de “A Moda e o Novo Homem” ocupa um papel central em relação à série Experiências e, nesse sentido, parece ter como conclusão alegórica o “traje de verão masculino” ou “New Look” ou Experiência N. 3.

Nessa experiência, pretendendo produzir reações psicológicas, Flávio desfilou pelas ruas da cidade de São Paulo sua proposta de traje ideal para o homem tropical: saia plissada acima do joelho e blusão, complementados por um chapéu, meias arrastão e sandálias de couro cru.

Espécie de estratégia dadá de “levar o mundo pelos ares”4, as Experiência N. 2 e Experiência N. 3 tomam o corpo como centro de suas investigações, para exal4 Nesse sentido, ver o texto conservado pelo Cedae “O aspecto psicológico e mórbido da arte moderna”, apresentado por Carvalho no 1o Salão de Maio e publicado pelo Diário de S. Paulo em 1937.

20/10/2014 12:55:11

tar suas qualidades plásticas, medir sua resistência e _____. Viagem de um naturalista ao redor do mundo. Rio de Janeiro, Cia. Brasil, 1937. energia, desvelar seus pudores e inibições sexuais ou os _____.

The origin of species by means of natural selection, or the poderes gestuais, assim como ocorre na combinação de preservation of favoured races in the struggle for life. London, imagens e textos que Flávio apresenta em “A Moda e o John Murray, 1911, 2 vols.

Novo Homem”. _____. Charles Darwin: His life told in an autobiographical Flávia Carneiro Leão

Referências bibliográficas CARVALHO, Flávio de. A cidade do homem nu. São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010. ______. A Moda e o Novo Homem. Rio de Janeiro, Beco do Azougue, 2010. ______. Experiência N. 2: Realizada sobre uma procissão de Corpus Christi. Uma possível teoria e uma experiência. Rio de Janeiro, Nau, 2001.

FREITAS, Valeska. Dialética da moda: a máquina experimental de Flávio de Carvalho. Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão. Florianópolis, 1997.

(Dissertação de Mestrado) ______. “Flávio de Carvalho, leitor dos gráficos de cultura”. In: Flávio de Carvalho: 100 anos de um revolucionário romântico.

Rio de Janeiro, CCBB, 1999, p. 60.

LEITE, Rui Moreira. Flávio de Carvalho: o artista total. São Paulo, Senac-São Paulo, 2008. ______. “Flávio de Carvalho: media artist avant la lettre”. Leonardo. Oxford. vol. 37, 2004, pp. 150-7.

MATTAR, Denise (org.). Flávio de Carvalho: 100 anos de um revolucionário romântico. Rio de Janeiro, Centro Cultural Banco do Brasil, 1999. Catálogo de exposição.

OSORIO, Luiz Camillo. Flávio de Carvalho. São Paulo, Cosac Naify, 2000. _____. De la variation des animaux et des plantes a l’état domestique. Paris, C. Reinwald et Cie., 1879, 2 vols.

12407 miolo.indd 15

chapter, and in a selected series of his published letters. London, John Murray, 1908. _____. The descent of man, and selection in relation to sex. 2. ed.

London, John Murray, 1891.

Livros da biblioteca de Flávio de Carvalho que contêm ilustrações relacionadas com as da série “A Moda e o Novo Homem” BEAUMONT, Cyril W. Five centuries of Ballet Design. London, The Studio Limited, s.d.

CONTINI, Mila. A Moda: 5.000 anos de elegância. Trad. José V. de Pina Martins. Lisboa, Editorial Verbo, LDA., 1965.

DAYOT, Armand (inspecteur genéral des Beaux-Arts). Napoléon: Illustrations d’aprés des peintures, sculptures, gravures, objets, etc., du temps. Paris, Ernest Flammarion Éditeur, s.d. ______. La Révolution Française: d’aprés des peintures, gravures, sculptures, estampes, médailles, objets, ... du temps. Paris, Ernest Flammarion Éditeur, s.d.

HUET, Michel & FODEBA, Keita. Les Hommes de la danse.

Lausanne, Éditions Clairefontaine, 1954.

LE CONTE, Joseph. Elements of geology: a text-book for Colleges and for the General reader. New York, D. Appleton and Company, 1890.

PAULME, Denise. Les Sculptures de L’Afrique noire. Paris, Presses Universitaires de France, 1956.

VERTES, Marcel. Art and fashion. New York/London, The Studio Publications Inc., 1944.

VON BOEHN, Max. La Moda: Historia del traje en Europa desde los orígenes del Cristianismo hasta nuestros días. Con un

15

20/10/2014 12:55:11

Estudio preliminar por el Marqués de Lozoya. Barcelona, Salvat Editores, S.A., 1928.

Livros da biblioteca de Flávio de Carvalho com anotações, grifos e marginálias relacionados com a série “A Moda e o Novo Homem” DARWIN, Charles. Rôle des vers de terre dans la formation de la terre végétale. Paris, C. Reinwald, 1882.

FREUD, Sigmund. Introductory lectures on psycho-analysis. London, George Allen & Unwin, 1922.

_____. Psicología de las masas y análisis del yo. Madrid, Biblioteca Nueva, 1924. _____. Totem and Taboo: resemblances between the psychic lives of savages and neurotics. London, Kegan Paul, Trench, Trubner & Company [1912-1913]. _____. O futuro de uma ilusão: Psicanálise das religiões. Rio de Janeiro, Guanabara, 1934. (Biblioteca de Cultura Científica) FRAZER, James. Mitos sobre el origen del fuego en America. Buenos Aires, Emece, 1942. (Coleccion Buen Aire) _____. The Golden bough: A study in magic and religion. London, Macmillan and Co., 1933.

16

12407 miolo.indd 16

20/10/2014 12:55:12

Vestuรกrio e arquitetura na obra de Flรกvio de Carvalho

12407 miolo.indd 17

20/10/2014 12:55:12

12407 miolo.indd 18

20/10/2014 12:55:12

Esta coleção de desenhos suscita muitas especulações.

São registros de indumentárias que sugerem uma coleta ao longo de anos e em muitas fontes, e sobre essas indumentárias o autor elaborou uma teoria, que trouxe a público em artigos publicados semanalmente na grande imprensa, entre março e outubro de 1956. Todos os desenhos reunidos em um único volume e descolados dos textos que os explicavam, apenas acompanhados pelas legendas, ganham uma autonomia que permite infinitas leituras e as mais diversas divagações, uma porta a um questionamento intrigado e sem fim, próprio da trajetória de Flávio de Carvalho.

Experimentador persistente e destemido, sua atuação polêmica e suas ideias controversas, com incursões na literatura, no teatro, nas artes plásticas e na arquitetura, Carvalho marcou o cenário cultural paulistano entre as décadas de 1920 e 1970. Sua produção original, multifacetada e nada regular apresenta, no entanto, uma preo­

12407 miolo.indd 19

cupação recorrente, qual seja, a especulação do comportamento humano, em relação ao qual ora analisa, ora investiga, ora faz proposições ou provocações, com experiências envolvendo multidões que quase o levaram ao linchamento.

O tema desta coleção e a quantidade de registros, organizados em 109 pranchas, que renderam 39 artigos, chamam atenção, considerando a inquietação do autor.

O interesse pelos modos de vestir como meio de analisar a complexidade do comportamento social também surpreende, pois não era uma preocupação para o meio intelectual paulistano daquele momento, e sobre o que Carvalho criou uma tese, cuja argumentação e relações que estabeleceu com a história, e a própria forma de divulgação do trabalho, destacam esses desenhos entre as manifestações artísticas do período, e na trajetória de Flávio de Carvalho em particular. O doutorado de Gilda de Mello e Souza — O espírito das roupas: A moda no

19

20/10/2014 12:55:12

século XIX — defendido em 1950, publicado na revista do Museu Paulista em 1954 e como livro apenas em 1987, é um dos primeiros trabalhos acadêmicos nessa área, no qual se explorou a moda como um fenômeno cultural, sintoma do comportamento social, e que, por inscre­ ver-se no mundo das formas, deveria ser considerada também uma manifestação artística. Segundo a autora (1987, p. 34): As unidades básicas da moda são, como vemos, as mesmas das demais artes do espaço, e por isso é possível que, independente da vida efêmera e dos objetivos mais imediatos, se ligue de alguma maneira às correntes estéticas de seu tempo. Principalmente à arquitetura e à pintura.

20

12407 miolo.indd 20

Essa conexão apontada entre a moda e a arquitetura, resgatada do ensaio Narcissus: an anatomy of clothes de Gerald Heard, pareceu-nos muito oportuna para a observação da obra de Flávio de Carvalho, pois, como conclusão da sua pesquisa, ele criou um traje masculino de verão que apresentou à sociedade desfilando pelas ruas do centro da cidade. Chamou a atenção de Gilda de Mello e Souza no ensaio de Heard “a profunda relação existente entre as formas que a arquitetura de uma época determinada utiliza e as formas estampadas na moda” (1987, p. 34), dando como exemplo os arcos ogivais e os sapatos pontiagudos do período medieval. Apesar de o trabalho de Gilda de Mello e Souza ser anterior à publicação dos desenhos de Flávio Carvalho e de as relações estabelecidas serem muito pertinentes às suas investigações, seja no campo da arquitetura, seja no da moda, essa referência foi ignorada por Carvalho nos seus artigos, pelo menos nominalmente. Mas estabelecer uma leitura

paralela entre a sua arquitetura e o traje criado pareceu-nos instigante, no mínimo divertido.

Independentemente do meio de expressão, suas propostas eram sempre irreverentes, sem preocupação de continuidade e de coerência entre elas, ou de filiação a movimentos paralelos. Na arquitetura, conseguiu executar poucos projetos, seus trabalhos mais polêmicos são suas propostas para os concursos, que, apesar de nunca terem ganhado nenhum deles, causaram muita discussão, com muitas críticas publicadas na imprensa, as quais colocaram a arquitetura na pauta dos debates da época.

O seu projeto para o concurso do Palácio do Governo do Estado de São Paulo, de 1927, é provavelmente a primeira proposta de arquitetura moderna no país, embora pouco referenciado pela historiografia da arquitetura, apenas alguns breves comentários sempre enaltecendo sua irreverência e quase nunca entrando no mérito dos seus projetos, como em Carlos Lemos (1977, p. 139): “Flávio de Carvalho só escandalizou e sua obra nunca foi olhada com seriedade”, ou em Hugo Segawa (1997, p. 50): “sempre um concorrente malsucedido mas formidável polemista, somente executaria suas primeiras obras modernizadoras a partir de 1933: um conjunto de casas para aluguel na Alameda Lorena e Ministro Rocha Azevedo”.

Além de algumas poucas monografias acadêmicas, que privilegiam mais sua produção nas artes plásticas, apenas um mestrado de Luis Carlos Daher, Flávio de Carvalho: Arquitetura e expressionismo, de 1979, analisa sua produção arquitetônica. O trabalho de Ricardo Forjaz Christiano de Souza, Trajetórias da arquitetura modernista, de 1982, é o único estudo que reconhece a sua contribuição para a introdução da arquitetura moderna na cidade de São Paulo, ao lado de Gregori Warchavchik, Rino Levi e Jaime da Silva Telles.

20/10/2014 12:55:12