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MUITOS Uma biografia de AndrĂŠ Tosello

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universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta

Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Esdras Rodrigues Silva – Guita Grin Debert João Luiz de Carvalho Pinto e Silva – Luiz Carlos Dias Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Antunes – Sedi Hirano

Coleção Unicamp Ano 50 Comissão Editorial Carola Dobrigkeit Chinellato – Eduardo Guimarães (coord.)

João Luiz de Carvalho Pinto e Silva Mónica Graciela Zoppi-Fontana – Paulo César Montagner

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Ricardo Lima

MUITOS Uma biografia de AndrĂŠ Tosello

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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação T639L

Lima, Ricardo.

Muitos: Uma biografia de André Tosello / Ricardo Lima. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2014.

1. Tosello, André. 2. Engenheiros – Brasil – Biografia. 3. Tecnologia de Alimentos.

I. Título.

cdd 926.200981 isbn 978-85-268-1086-0

664 Índices para catálogo sistemático:

1. Tosello, André 2. Engenheiros – Brasil – Biografia 3. Tecnologia de Alimentos

926.200981 926.200981 664

Copyright © by Ricardo Lima Copyright © 2014 by Editora da Unicamp

Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, dos detentores dos direitos.

Printed in Brazil.

Foi feito o depósito legal.

Direitos reservados à Editora da Unicamp Rua Caio Graco Prado, 50 – Campus Unicamp cep 13083-892 – Campinas – sp – Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br – vendas@editora.unicamp.br

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Agradecimentos

Agradeço, particularmente, aos que conheceram André Tosello e foram entrevistados para este livro. Estão relacionados nas páginas 429 e 430.

Aos que forneceram ou facilitaram o caminho aos documentos e às informações: Alicia Nascimento Aguiar (Comunicação-ESALQ), Ana Maria Barros Cruz, “Babia” (FEA-Unicamp), Ana Maria Godoy (Biblioteca-ITAL), Cícera de Souza Almeida (FEA-Unicamp), Cosme Perota (FEA-Unicamp), Edno Aparecido Dário (Museu-ESALQ), Gerhard Waller (Comunicação-ESALQ), Josiane Conti (FAT), Lister André Barrichello Tosello (Rio das Pedras), Luiz Carlos Bonassa (Prefeitura de Rio das Pedras), Marcelo Luís da Silva (FEA-Unicamp), Márcia Regina B. Lima (FAT), Maria Evani Martins (professora em Rio das Pedras), Neire do Rossio Martins (Siarq-Unicamp), Noedi Monteiro (professor em Rio das Pedras), Sandra Vilela Resende, in memoriam (Siarq-Unicamp), Telma Murari (Siarq-Unicamp) e Vangri de Oliveira Camargo (Biblioteca-IAC).

A Pedro Tosello e a Salvador Massaguer Roig, pela confiança e pelo apoio constante e incansável.

A José Tadeu Jorge (reitor) e Eduardo Guimarães (diretor da Editora da Unicamp), pela acolhida a esta publicação.

A Fábio Waki, que me acompanhou nas entrevistas, transcreveu as fitas e foi um interlocutor atento e perspicaz.

Ao meu amigo Maurício Froldi, pela gentileza das fotografias.

Por fim, agradeço a Néri de Barros Almeida, pela cumplicidade, por ter me ajudado a pensar e a avaliar o que surgia sobre André Tosello: o que se descobria e o que se fabulava.

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Nota prévia

É necessário registrar a postura da família de André Tosello d ­ urante a produção desta biografia. Em nenhum momento fui ­questionado, induzido ou orientado; nunca me pediram qualquer explicação ­ sobre o que pesquisava ou escrevia. Yara, Diana, Pedro e Célia abriram suas casas, suas gavetas, suas recordações e colocaram em minhas mãos os seus bens mais valiosos: a lembrança e os objetos pessoais de André e Jacy. Os filhos de André Tosello me mostraram que o legado de seu pai foi muito além dos laboratórios, prédios e projetos.

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...................................................................... 13

Uma cabeça nas estrelas

1 EM CASA............................................................................ 19 Imigração italiana O rio das “Pêdras” Andrea: O avô de André Antonio: O tio de André Pietro: O pai de André Nascimento de André Tosello Ensinando a professora, brincando com os irmãos Dor de dente no front Morte do pai: Assumir a família

Boxe: A família

2 NA ESALQ (1930-1939).................................................... 41 A Escola Superior de Agricultura Calça comprida Seus pares

Boxe: A turma de 33

Tosello professor (1933-1939)

Tosello aluno novamente Saída da ESALQ

3 NO IAC (1940-1963).......................................................... 55 Primeiros passos no IAC A opinião de quem tem muitas ideias

Tosello não para

4 NA ARGENTINA, 1944....................................................... 89 O papel do algodão Las Breñas e Saeñs Peña Santiago del Estero Tucumán Córdoba Rosário Pergamino Buenos Aires Pehuajó Mendoza

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5 EM FAMÍLIA......................................................................... 115

“No dia em que você fez 22...”

Casamento e mudança para Campinas

Homem comum excepcional Filhos

Boxe: A família de André e Jacy

6 NA ICMA.............................................................................. 151 A paixão pelas máquinas Patentes Produtos

7 NO ITAL (1963-1971)........................................................ 159 A Tecnologia de Alimentos no governo paulista André Tosello entra na história Piracicaba e Califórnia Surge o CTPTA O CTPTA se transforma em ITAL

Um jantar-homenagem EUA, Canadá e Portugal, com escala no Brasil: O velho e bom ritmo Outro jantar-homenagem Rígido e humano O legado de Tosello

8 NA EUROPA, 1963............................................................. 211 Levantando voo com Jacy As fontes Roma Firenze, Siena e Parma Paris Copenhague Oslo Hamburgo Karlsruhe Zurique Munique Viena Veneza, Treviso, Conegliano, Tarzo, Vittorio Veneto e Sacile Milão Turim Milão, último dia Roma, sem o Papa Nápoles e Sorrento Roma, com o Papa De volta pra casa

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9 NA EUROPA, 1966............................................................. 263 Nas palavras de Jacy Praga Varsóvia Lowicz, Nieborów e Zelazowa Wola Cracóvia e Wieliczka Opole e Wroclaw

Trzebnica, Kotlin e Poznan

Kornik, Konin, Zelazowa Wola e Varsóvia, de novo Minsk e Smolensk Moscou

Kharkov (Carcóvia) Kiev Moscou, novamente Berlim Hamburgo Frankfurt, Old Minden, Mainz e Nieder-Olm Karlsruhe Munique Viena Veneza, Pádua, Sacile e Bolonha Roma, Milão e Cremona Paris, Luxemburgo e Bélgica Lisboa, Estoril e Cascais

10 NA UNICAMP (1967-1982)................................................ 303 O nascimento da Unicamp Os primórdios da FEA

Zeferino Vaz e André Tosello O pré-projeto Pioneira na América Latina No convívio com a primeira turma Na palavra de alguns professores Na palavra de alguns funcionários Na palavra de alguns alunos Nas mil e uma atividades Aposentadoria

Boxe: Na Engenharia Agrícola Na Engenharia de Alimentos de Buenos Aires

11 NA FUNDAÇÃO TROPICAL................................................. 407 Nasce a Fundação A Fundação André Tosello em 2014

EPÍLOGO................................................................................... 415 APÊNDICE................................................................................. 425

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Os óculos de André Tosello.

Foto: Maurício Froldi.

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APRESENTAÇÃO

UMA CABEÇA NAS ESTRELAS André Tosello, em 1960, estava com 46 anos de idade e acompanhou de perto as notícias sobre o último Sputnik, série de satélites artificiais que o governo soviético lançou atropelando os Estados Unidos na corrida espacial.

Em 4 de outubro de 1957, foi lançado o Sputnik 1, cuja função básica era transmitir sinais de rádio emitidos continua­ mente du­rante 22 dias, até que as batrias de seu transmissor se es­ gotassem. O satélite orbitou a Ter­ra por seis meses antes de cair. O Sputnik 2, lançado em 3 de novembro, enviou o pri­meiro ser vivo ao espaço, a cadela Laika. A versão da época informava que Laika teria morrido por falta de oxigênio uma semana depois. Anos mais tarde os cientistas revelaram que ela morrera poucas horas após o lançamento, em pânico, devido ao supera­

quecimento da cabine. Em 15 de maio de 1958 foi a vez do Sputnik 3, que permaneceu em órbita por dois anos com um laboratório espacial de estudo do campo magnético e do cin­ turão radioativo da Terra. Em 15 de maio de 1960 foi lançado o Sputnik 4, que levava um manequim humano, em tamanho natural, na cabine. Em 19 de agosto de 1960, a última missão da série levou ao espaço o Sputnik 5, com dois cachorros, 40 camundongos, dois ratos e diversas plantas. O satélite retornou à Terra no dia seguinte, com todos vivos.

Em 1958, André Tosello chegara em casa com duas cachorrinhas fox-terrier batizadas por ele Laika e Danka. Agora, em 1960, com os animais retornando vivos do espaço, não havia mais dúvida: tinha de conhecer a União 13

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Soviética. A primeira iniciativa do professor foi aprender: começou a estudar russo. Comprou manuais e discos. Na enorme vitrola da sala de visitas, colocava aquele palavreado estranho e chamava a família para ouvir ali junto dele. Os filhos atendiam ao chamado, para depois saírem de fininho.

Maturada a ideia, percorridos os primeiros espinhos daquela língua tão distante do italiano da infância, em 18 de agosto de 1966, André Tosello parte para a Europa na viagem que o levaria à Rússia.

Em 19 de agosto desembarca em Praga, na antiga Tchecoslováquia. Dia 21 chega a Varsóvia e viaja pelo interior da Polônia por mais de uma semana. Sexta-feira, 2 de setembro, chega à fronteira com a Rússia e, às três e meia da tarde do dia 5 de setembro de 1966, André Tosello chega a Moscou.

De volta ao Brasil, não foi interrogado por militares, não foi assediado pela oposição. Em pleno regime militar, um professor brasileiro, curioso e determinado, visita vários países comunistas à procura de informações e parcerias com aqueles que, como ele, buscavam novas tecnologias aplicadas ao processamento de alimentos. Qualquer coisa que pudesse ajudá-lo a impulsionar um caminho que inaugurara três anos antes, em 1963, ao assumir

a direção do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL).

Em Moscou, e em outras cidades da Rússia, visitou universidades, instituições de pesquisa e indústrias, e, no retorno ao Brasil, o comentário de Tosello, segundo seu filho Pedro, foi direto ao ponto: “aquilo não vai dar certo, com aquela burocracia, não vai dar certo”.

Jogou fora as apostilas de russo. O pesquisador André Tosello não tinha tempo a perder com um modelo refém do que mais combateu na vida: a burocracia, o entrave. Para Tosello tudo era urgente. Nunca gostou de perder tempo. Nesse episódio, desde o que o motivou até suas conclusões depois da viagem, vejo uma síntese do homem pragmático e obsessivo, que enxergava longe, muito longe.

Em 24 de novembro de 1982, aos 68 anos de idade, André Tosello faleceu em São Paulo. Trinta anos depois fui convidado pela Fundação que leva seu nome a escrever uma biografia a ser lançada em 2014, por ocasião do centenário de seu nascimento.

Com menos de dois anos de prazo, o desafio era enorme. Fui revirar os objetos e a vida pes­ soal do professor Tosello, conhecer seus familiares e amigos, seus admiradores. Com as primeiras fotografias em mãos – mas sem nunca tê-lo visto em movimento, sem nunca ter ouvido sua voz,

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APRESENTAÇÃO |

observado seus gestos, seu caminhar com os braços cruzados atrás das costas ou os óculos na ponta do nariz, olhando o interlocutor por cima das lentes –, comecei a recriar seu mundo, visitar as pessoas e os lugares onde viveu. Ou, como, a propósito de uma outra biografia, tão bem expressa Alberto Dines: “reconstitui-se a rede de pares e parceiros que ele teceu com tanto zelo e do qual usufruiu com tanto prazer”1.

A partir de muitas horas de conversa com mais de 40 pessoas que o conheceram e ilustrado com fotos, cartas, textos, relatórios, agendas de viagens, rascunhos de projetos e resumos de aulas, tentei reconstituir um pouco da vida de um cidadão que se dedicou ao conhecimento e à ciência, e ajudou a tornar o Brasil melhor.

Os meus amigos, do trabalho ao botequim, passaram a ouvir histórias de André Tosello. Meu filho Lourenço, ao entrar no carro depois da escola, muitas e muitas vezes pediu: “papai, conta mais uma do Tosello!”.

Um personagem fascinante, com atitudes incisivas, às vezes ru­ des, outras gentis e engraçadas.

Um homem hiperativo, imperativo, que gostava de falar e também adorava o silêncio, gostava de criar e de lamber suas crias, gostava de se mexer e de ficar sentado e ausente, com um livro na mão. Quando jovem, vivia

na companhia dos mais velhos; mais velho, cercou-se de muitos jovens. Dezenas deles, de diversas nacionalidades – autoridades do mundo científico, acadêmico e político –, levou para jantar em sua casa. Aos olhos dos filhos, conversavam assuntos sérios sobre o país.

Em 1934, André Tosello se tornou professor da melhor escola de agronomia do Brasil; tinha 20 anos de idade. Foi pesquisador e empresário. Criador e administrador de um instituto de pesquisa que é referência internacional, da primeira faculdade de engenharia de alimentos da América do Sul e de uma fundação que é mantenedora de uma das maiores coleções de culturas microbianas não patogênicas da América Latina.

Intrigante, inteligente, ágil, obsessivo... seja qual for o adjetivo, Tosello foi alguém que incentivou e atraiu inúmeros profissionais para seus projetos grandes e ambiciosos. E muitos apostaram nele. E estavam certos.

Um dos mais ilustres e jovens pupilos, seu aluno aos 16 e 17 anos de idade, é o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.

Jovem estudante do Colégio Culto à Ciência, em Campinas, preparando-se para o vestibular da ESALQ de Piracicaba, Roberto diz que seu pai, Antonio José Rodrigues Filho, quis resolver sua dificuldade “com geometria

1 DINES, Alberto: Morte no paraíso – A tragédia de Stefan Zweig. Rio de Janeiro, Rocco, 2012.

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descritiva, análises combinatórias – coisas meio misteriosas para mim”, providenciando aulas particulares com um “amigo agrônomo que era um gênio da matemática”. E ele ia para a casa de André Tosello na rua Camargo Pimentel, no bairro Guanabara, aos sábados, bem cedinho, 6h30 ou 7 horas, durante os anos de 1959 e 1960. Roberto recorda: “óculos pendurados na ponta do nariz, falava meio inclinado, olhando por cima dos óculos...

Tão manso e tão baixinho, que era preciso prestar muita atenção. Tinha uma hora que eu começava a prestar atenção mesmo na aula. Eu era obrigado, porque ele era um mestre por definição.

E o que me encantou muito naquele tempo todo foi que eu ouvia os profissionais da agronomia – gente formada e mais velha, que frequentava a casa do meu pai –, que falavam como o Tosello era um homem sério. Rígido, duro na montagem dos seus projetos [...] Todo mundo falava isso, que ele era severo e rigoroso. No entanto, comigo ele era da maior docilidade, de maneira que eu pensava que todos estavam loucos para falar uma besteira daquela”.

Antonio Rodrigues era parente distante de Jacy, esposa de Tosello, e Roberto era colega de turma de Yara, filha de Tosello, no Culto à Ciência, o que o leva a afirmar: “Eu tinha uma relação

ancestral com ele e a lembrança que tenho é dúbia: primeiro ouvia falar de um homem duríssimo, austero, corretíssimo, que fazia tudo com perfeição e com o máximo de empenho. Por outro lado, eu convivia com a Yara, que era uma doçura de menina, e durante as aulas que eu tive com ele, encontrei um homem com a maior tranquilidade, com a maior vocação de mestre – que é muito maior do que a vocação de professor”.

E Roberto faz uma observação diferente quando o assunto é uma das características mais marcantes de André Tosello: a pressa. “Eu não acho que ele fosse um homem com pressa. Ele tinha urgência de resolver as coisas. Não era pressa. Não são sinônimos: pressa é algo mais atabalhoado, mas urgência era uma demanda por criar os projetos e as ações de modo que ficassem maduros no tempo em que o país precisasse. Esta era a urgência dele: ele enxergava estrategicamente o processo de desenvolvimento do país”, sustenta o ex-ministro. Para afirmar que, ao longo da sua própria experiência profissional (que o levou a mais de 80 países do mundo), muito se empenhou para “conhecer os mecanismos de tecnologia e de agregação de valor. E, nessa área, o Brasil é o ITAL. O sonho e a realização do Tosello são a marca registrada dos brasileiros

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na área de alimentos. Ele foi, no tempo dele, 50 anos atrás, o homem que anteviu isso, inclu­ sive muito antes dos países desenvolvidos”.

Bom de memória, bom de prosa, homem com história. Em sua sala na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, Roberto Rodrigues encerrou assim a nossa conversa: “O Tosello era visionário e estrategista. O que é raro. Muitas vezes o sujeito é um visionário, enxerga o futuro, os caminhos, mas não é capaz de pavimentá-los. Muitas vezes você tem um grande pavimentador, mas alguém tem que fazer o projeto para ele. O Tosello era os dois. Ele enxergava e construía.

Projetava e construía. Era um homem diferente dos seus pares.

Desses homens raros que, naquele tempo, se tivéssemos tido dois ou três a mais, seguramente a agricultura brasileira seria diferente, teria avançado mais. Tosello era um sonhador-construtor. Eu disse agora há pouco que ele tinha a cabeça nas estrelas.

Acho que isso é o Tosello. Ele estava lá no universo e o pé cravado no chão, na realidade, nos processos. Um homem diferente. É um orgulho ser agrônomo, por ser colega do Tosello”.

Anotações de André Tosello em papel encontrado dentro de um livro da sua biblioteca.

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Verso da fotografia: “Aos tios Valentino e Elvira / O pequeno sobrinho Andreino Tosello / Estado de São Paulo / Rio das Pedras / 11-5-1916”.

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1 - em casa

IMIGRAÇÃO ITALIANA André Tosello é filho de um imigrante italiano que no final do século 19 se estabeleceu em Rio das Pedras, região de Piracicaba, interior do Estado de São Paulo.

Segundo as estatísticas bra­ sileiras, entre 1820 e 1969 o país recebeu 5.603.682 imigrantes, dos quais 1.607.888 eram ita­ lianos, perdendo apenas para os portugueses, com 1.767.986.

Em terceiro lugar no ranking do pe­río­do estão os espanhóis, com 783.853, depois os ale­ mães, com 295.669 e os japo­ neses, com 247.312. Outras nacionalidades integram os demais 920.974 imigrantes.

A Itália, na segunda metade do século 19, teve um forte fluxo migratório, sobretudo da região do Vêneto, para a América do Sul. Entre 1880 e 1914, depois de Estados Unidos e Argentina, o Brasil era o país que mais recebia italianos. Na década de 1890,

de 1.183.018 imigrantes que entraram no país, 670.508 eram italianos, mais de 56% do total1.

Nessa última década do século 19 a grande maioria dos imigrantes é de agricultores, “não todos, ou não necessariamente, fugindo da miséria e da fome, como poderiam provar numerosas carreiras ‘empresariais’ de muitos deles”2.

Emilio Franzina, em seu estudo sobre a grande emigração italiana, foca “o êxodo dos pequenos proprietários e arrendatários do Vêneto, ameaçados pela explosão da crise agrária e encorajados a dirigirem-se para o além-mar pelas práticas promocionais e povoadoras dos governos provinciais e centrais”3.

O avanço da industrialização e da mecanização do campo, aliado a desastres naturais que inundaram furiosamente o Vale do Rio Pó e de outros rios, no norte da Itália em 1882, é o principal im-

1 CERVO, 2011, p. 95.

2 FRANZINA, 2006, p. 16.

3 Ibidem.

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4 CERVO, op. cit., p. 105.

5 Idem, p. 112.

6 FRANZINA, op. cit., p. 35.

7 Idem, p. 36.

8 Idem, p. 39.

9 Idem, p. 42.

10 CERVO, op. cit., p. 97.

11 Ibidem.

pulso para desencadear o fluxo migratório cerca de uma década antes da vinda da família Tosello.

Na Itália, a lei de 1888 “admitia a liberdade de imigrar”, e, do outro lado do Atlântico, mas vento no mesmo sentido, uma política imigratória dos fazendeiros paulistas pagava a viagem até Santos, para conseguir mão de obra para as imensas lavouras de café: “a produção do café fora multiplicada por quatro entre 1860 e 1900”4.

O subsídio à imigração no Estado de São Paulo acabou apenas em 1927, embora, em 1902, com a queda do preço do café e com o relato do quadro sombrio das condições de vida dos italianos em São Paulo, uma determinação baixada pelo governo daquele país, conhecida por decreto Prinetti, proibia “a emigração subsidiada de grupo para o Brasil”5.

O período de imigração vêneta é longo, indo da “anexação do Vêneto à Itália (1866) ao fim do século XIX”6. E Franzina alerta que um primeiro fluxo migratório envolve burgueses empreendedores: “São pequenos proprietários e os meeiros que partem primeiro, sofrendo os efeitos de um processo de expulsão-atração”7. E explica: “um setor agrícola em crise devido à drástica queda internacional dos preços do trigo, cujas primeiras vítimas não eram os camponeses pobres, mas os pequenos arrendatários, os pequenos proprietários, ou seja, os pequenos

produtores capazes de inserir-se no mercado por si mesmos, mas incapazes, por causa da sua objetiva fragilidade, de resistir à violência das crises conjunturais”8.

Um segundo fluxo, já na década de 1880, leva outro tipo de imigrante, além do pequeno proprietário. “A situação precedente, de mal-estar nos campos, foi-se transformando em estado de miséria endêmica, capaz de afligir então todos os trabalhadores agrícolas. As características da emigração de massa, iniciada propriamente nesse período, não são desconhecidas em certos aspectos (êxodo plurifamiliar, comunidades inteiras que tomam o caminho de Gênova, separação absoluta do país de origem, ‘fuga’ como alternativa à impossibilidade, experimentada ou não, de organizar-se sindicalmente etc.)”9.

O pico da imigração italiana para o mundo se deu em 1913, com 872.598 pessoas deixando suas regiões de origem. No Brasil, o ano de maior fluxo de italianos foi precoce, em 1891, quando o país recebeu 108.414.

Segundo Cervo, “vênetos e friulanos dirigiam-se em massa ao sul do Brasil e também a São Paulo, seguidos em menor número pelos lombardos”. E, até 1888, “44% dos emigrados dirigiam-se a São Paulo, 67% entre 1889 e 1919”10. Em 1920, 11.825 italianos são proprietários de terra no Estado de São Paulo11. Outro

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