O infame comércio

O infame comércio

O P ROPOSTAS

INFAME COMÉRCIO

E EXPERIÊNCIAS NO FINAL DO TRÁFICO

DE AFRICANOS PARA O

B RASIL

(1800-1850)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL

DE

CAMPINAS

Reitor CARLOS HENRIQUE

DE

BRITO CRUZ

Coordenador Geral da Universidade JOSÉ TADEU JORGE

Conselho Editorial Presidente P AULO F RANCHETTI ALCIR PÉCORA – ANTÔNIO CARLOS BANNWART – FABIO MAGALHÃES GERALDO DI GIOVANNI – JOSÉ A. R. GONTIJO – LUIZ DAVIDOVICH LUIZ MARQUES – RICARDO ANIDO

Comissão Editorial da Coleção Várias Histórias SILVIA HUNOLD LARA (coordenadora) – SIDNEY CHALHOUB MARTHA ABREU – JOÃO JOSÉ REIS – ALCIR PÉCORA Conselho Consultivo da Coleção Várias Histórias C LAUDIO H ENRIQUE DE M ORAES B ATALHA – M ARIA C LEMENTINA P EREIRA C UNHA M ARIA H ELENA P. T. M ACHADO – R OBERT W AYNE ANDREW S LENES Consultoria deste volume MARCUS JOAQUIM M. DE CARVALHO – SUEANN CAULFIELD

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JAIME RODRIGUES

O

INFAME COMÉRCIO

PROPOSTAS E EXPERIÊNCIAS NO FINAL DO TRÁFICO DE AFRICANOS PARA O B RASIL (1800-1850)

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP R618i

Rodrigues, Jaime O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850) / Jaime Rodrigues. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, CECULT, 2000.

1. Escravos – Tráfico – Brasil – Séc. XIX. 2. Escravidão.

3. Escravos. 4. Justiça. I. Título.

CDD 981.03 301.4493 340.11

e-ISBN 85-268-1139-8

Índices para catálogo sistemático: 1.

2.

3.

4.

Escravos – Tráfico – Brasil – Séc. XIX Escravidão Escravos Justiça

981.03 301.4493 301.4493 340.11

Copyright © 2000 by Editora da UNICAMP 1 a reimpressão, 2005 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.

O infame comércio

COLEÇÃO VÁRIAS HISTÓRIAS A COLEÇÃO VÁRIAS HISTÓRIAS divulga pesquisas recentes sobre a diversidade da formação cultural brasileira. Ancoradas em sólidas pesquisas empíricas e focalizando práticas, tradições e identidades de diferentes grupos sociais, as obras publicadas exploram os temas da cultura a partir da perspectiva da história social. O elenco resulta de trabalhos individuais ou coletivos ligados aos projetos desenvolvidos no Centro de Pesquisa em História Social da Cultura do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP (www.unicamp.br/cecult).

VOLUMES PUBLICADOS 1 – ELCIENE A ZEVEDO . Orfeu de carapinha. A trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo.

2 – J OSELI M ARIA N UNES M ENDONÇA . Entre a mão e os anéis. A Lei dos Sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil.

3 – F ERNANDO A NTONIO M ENCARELLI . Cena aberta. A absolvição de um bilontra e o teatro de revista de Arthur Azevedo.

4 – W LAMYRA R IBEIRO DE A LBUQUERQUE . Algazarra nas ruas. Comemorações da Independência na Bahia (1889-1923).

5 – SUEANN CAULFIELD. Em defesa da honra. Moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940).

6 – JAIME RODRIGUES. O infame comércio. Propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850).

7 – CARLOS EUGÊNIO LÍBANO SOARES. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850).

8 – EDUARDO S PILLER P ENA . Pajens da casa imperial. Jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871.

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9 – JOÃO PAULO COELHO

DE

SOUZA RODRIGUES. A dança das cadeiras.

Literatura e política na Academia Brasileira de Letras (1896-1913).

10 – ALEXANDRE LAZZARI. Coisas para o povo não fazer. Carnaval em Porto Alegre (1870-1915).

11 – MAGDA RICCI. Assombrações de um padre regente. Diogo Antônio Feijó (1784-1843).

12 – G ABRIELA DOS R EIS SAMPAIO . Nas trincheiras da cura. As diferentes medicinas no Rio de Janeiro imperial.

13 – M ARIA C LEMENTINA P EREIRA C UNHA (org.). Carnavais e outras f(r)estas. Ensaios de história social da cultura.

14 – SILVIA CRISTINA MARTINS DE S OUZA . As noites do Ginásio. Teatro e tensões culturais na Corte (1832-1868).

15 – SIDNEY CHALHOUB, VERA REGINA BELTRÃO MARQUES, GABRIELA DOS REIS S AMPAIO e C ARLOS ROBERTO GALVÃO S OBRINHO (orgs.). Artes e ofícios de curar no Brasil. Capítulos de história social.

16 – LIANE MARIA BERTUCCI. Influenza, a medicina enferma. Ciência e práticas de cura na época da gripe espanhola em São Paulo.

17 – PAULO PINHEIRO MACHADO. Lideranças do Contestado. A formação e a atuação das chefias caboclas (1912-1916).

18 – CLAUDIO H. M. BATALHA, FERNANDO TEIXEIRA DA SILVA e ALEXANDRE FORTES (orgs.). Culturas de classe. Identidade e diversidade na formação do operariado.

19 – TIAGO DE MELO G OMES . Um espelho no palco. Identidades sociais e massificação da cultura no teatro de revista dos anos 1920.

20 – EDILENE T OLEDO . Travessias revolucionárias. Idéias e militantes sindicalistas em São Paulo e na Itália (1890-1945).

PRÓXIMO

VOLUME

21 – SIDNEY CHALHOUB, MARGARIDA DE SOUZA NEVES e LEONARDO AFFONSO DE M IRANDA P EREIRA (orgs.). História em cousas miúdas. Capítulos de história social da crônica no Brasil.

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A esses observadores que conseguem ver um completo olimpo de deuses e deusas onde não há mais que simples nuvens passando, ou àqueles que têm diante dos olhos Júpiter Tonante e lhe chamam vapor atmosférico, não nos cansaremos nunca de recordar que não basta falar de circunstâncias, com a sua divisão bipolar entre antecedentes e conseqüentes, como por abreviação de esforço mental se usa, mas sim é necessário considerar o que infalivelmente se situa entre uns e outros, digamo-lo por extenso e na sua ordem, o tempo, o lugar, o motivo, os meios, a pessoa, o facto, a maneira, se tudo não for medido e ponderado esperanos o erro fatal no primeiro juízo proposto. O homem é um ser inteligente, mas não tanto quanto seria desejável, e esta é uma verificação e confissão de humildade que sempre deverá começar por nós próprios, como da caridade bem compreendida se diz, antes que no-lo atirem à cara.

J OSÉ S ARAMAGO , A jangada de pedra 7

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Para Glaucia, para Orélio e Mathilde.

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A GRADECIMENTOS A idéia deste livro — originalmente minha dissertação de mestrado, apresentada em abril de 1994 ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas — surgiu em 1986, quando eu ainda cursava a graduação na Universidade de São Paulo. Desde então, muitas pessoas estiveram presentes no percurso das leituras, pesquisas e escrita do livro.

Silvia Lara, minha orientadora, esteve sempre presente, conjugando rigor intelectual, estímulo e autonomia, condições fundamentais para que eu fosse capaz de dar conta da empreitada. Penso que ter chegado até aqui foi, de certo modo, o resultado das dosagens desses elementos aplicados por ela de forma equilibrada.

Durante os cursos realizados na U NICAMP , vali-me o quanto pude das discussões realizadas nas reuniões das linhas de pesquisa. Os professores Robert Slenes, Izabel Marson e Sidney Chalhoub deram importantes contribuições, desde o momento em que a pesquisa apenas engatinhava. Procurei, na medida do possível, incorporar as observações feitas pelos professores Luiz Felipe de Alencastro e Sidney Chalhoub — que compuseram a banca argüidora — e pela professora Célia Marinho de Azevedo.

Meus amigos leram partes do trabalho, sugeriram dados e interpretações e tornaram os dias quentes em Campinas mais prazerosos. Joseli Mendonça (anfitriã em Campinas), Afonso Florence e Jeane (anfitriões em Salvador), Socorro Rangel, Adriana Romeiro, Edilza Fontes, Regina Xavier, Magda Ricci e Leônia Rezende são alguns deles.

O percurso, tantas vezes feito entre São Paulo e Campinas, teria sido bem penoso sem as caronas generosas e divertidas de Clementina Cunha e Silvia Lara. Como agre-

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gado estável dessas caronas, dei muitas risadas, aprendi muitas coisas (acadêmicas ou não) e tive o prazer de conhecer Elizabeth Lobo, tão prematuramente retirada do nosso convívio. Certamente, tenho boas história para lembrar desse período.

Pude contar, ainda, com o estímulo da mestra Maria Lígia Coelho Prado. Seus alunos sabem que, dela, podem esperar sempre grandes demonstrações de um tipo de generosidade desprendida e difícil de encontrar.

Nas inúmeras instituições pelas quais passei ao longo da pesquisa, encontrei muitas pessoas interessadas na difícil tarefa da preservação da memória neste país. Citar todas aqui seria correr o risco de esquecer algumas. Mencionarei apenas Yolanda, do Arquivo do Estado da Bahia, e Elizeu de Araújo Lima, do Arquivo Nacional, como exemplos de pessoas que tornam mais agradável a pesquisa em lugares como os arquivos públicos brasileiros.

“Seu” Orélio Rodrigues, “dona” Mathilde Petrini, Cris, Zé e “dona” Ana Gôngora (in memorian) ofereceram um tipo de ajuda impossível de qualificar e tiveram a sensibilidade necessária para compreender a importância deste trabalho para mim.

Conceição, além de partilhar as angústias coletivas, acompanhou minhas angústias pessoais em vários sentidos.

Pude dividir com ela descobertas intelectuais, tarefas domésticas e também algumas confidências. Andréa Pereira, descoberta em um momento delicado, trouxe uma alegria fundamental para alimentar meu ânimo, às vezes combalido por problemas que iam para além dos textos.

Outros amigos, colegas de ofício, ajudaram-me em muitos momentos e de diferentes maneiras ao longo deste trabalho. Eliete Toledo, Mirna Busse Pereira, Sônia Foianesi, Maria Thereza Didier de Moraes, Maria Angela Borges Salvadori e Telma Campanha de Carvalho leram trechos, comentaram, mostraram falhas e sugeriram encaminhamentos, além de estarem presentes numa convivência pessoal alimentada cotidianamente. Com certeza, tudo teria sido mais difícil sem elas. Antônio Paulo Rezende trouxe

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um artigo de Recife, confirmando como é bom ter amigos em todos os lugares.

Além destes amigos, outros estiveram presentes.

Leila Diêgoli e Cássia Magaldi (arquitetas “cooptadas” para a história), Laura Antunes Maciel, Cândido Grangeiro, Júlio Assis Simões, Márcia Alves e Dedé Bertussi faziam parte de nossa incansável tropa de trabalho no Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo, quando lá estive entre 1990 e 1992 — um tempo de muito trabalho que sabíamos dosar com muita diversão.

CNPq e F APESP concederam bolsas durante parte do período em que realizei a pesquisa (entre 1989 e 1993). O F AEP /U NICAMP concedeu um oportuno financiamento para a microfilmagem de parte dos documentos do Arquivo Nacional utilizados neste trabalho.

Na reta final, a presença da Glaucia proporcionou, entre outras coisas, a força que me fez ir até a chegada. Ela é, certamente, a pessoa a quem tenho mais dificuldade em agradecer, de modo que só posso tentar diminuir minha dívida dedicando-lhe este trabalho.

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S UMÁRIO PREFÁCIO ..............................................................................

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ABREVIATURAS

UTILIZADAS ..................................................

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APRESENTAÇÃO ....................................................................

Notas ..................................................................................

23 29

Capítulo 1

DIAGNÓSTICO

DOS MALES .....................................................

31

1. O “povo” brasileiro e a corrupção dos costumes ..........................................................

2. Apurando responsabilidades ..............................

3. O medo da africanização e da haitianização ...

Notas ..................................................................................

31 38 50 63

Capítulo 2

CAUSAS “IRREALIZÁVEIS”, “IMPOSSÍVEIS” E “IMPOLÍTICAS” ....

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1. Manter o tráfico e a escravidão ..........................

2. Acabar com o tráfico, manter a escravidão......

3. O tráfico e os projetos de abolição gradual .....

Notas ..................................................................................

71 77 82 93

Capítulo 3

A PRESSÃO

INGLESA : HONRA , INTERESSES E DIGNIDADE .......

97

1. Tratados internacionais ........................................ 97 2. Os ingleses e a soberania nacional .................... 101 3. Da Regência à lei de 1850 ..................................... 107 Notas .................................................................................. 120

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Capítulo 4

“GRANDES” E “PEQUENOS” NO FINAL DO TRÁFICO ............. 127 1. Os traficantes e seu “infame comércio”............

2. Autoridades policiais ............................................

3. Interesses locais ......................................................

Notas ..................................................................................

127 142 152 164

Capítulo 5

OUTRAS EXPERIÊNCIAS NO

FIM DO TRÁFICO

......................... 171

1. As “indignidades” da “ínfima populaça” ........

2. Através da repressão: os africanos livres .........

3. A busca da liberdade na “terra de brancos” ...

Notas ..................................................................................

171 184 192 202

CONSIDERAÇÕES

209

FINAIS ........................................................

TABELAS ............................................................................... 215 1. Escravos introduzidos durante o tráfico ilegal ......................................................................... 215 2. Datas e locais de apreensão de navios do tráfico ilegal ............................................................ 216 3. Médias de mortalidade transatlântica de escravos ................................................................... 217 FONTES ................................................................................. 219 BIBLIOGRAFIA ....................................................................... 229

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P REFÁCIO Há tempos os historiadores deixaram de ser simples colecionadores de fatos. Concebida como um ofício definido por seu objeto e por seus métodos, a História constitui um esforço para compreender as ações humanas no passado. Governado por problemas, o historiador busca suas respostas inquirindo fragmentos esparsos da experiência humana ao longo do tempo e obras que trazem o que sobre ela já se produziu. Como bem observou F. Furet, “o fato histórico já não é a irrupção de um acontecimento importante que abre uma fenda no silêncio do tempo, mas sim um fenômeno escolhido e construído”: resultado do trabalho do historiador, que analisa, seleciona, interpreta.

Apesar disso, no entanto, muitas vezes passamos pelos fatos como se eles fossem dados “naturais”: esquecemos de perguntar sobre suas credenciais, verificar sua exatidão, localizar o modo como têm sido pensados e processados. Adotamos marcações cronológicas e explicações disponíveis, suficientemente estabelecidas pela historiografia, como se partilhássemos da máxima positivista-metódica que acreditava ter certeza sobre o que realmente se passou. Acabamos acostumados a certas “verdades factuais” e fazemos de conta que a lógica histórica pode ser simples e linear, sem silêncios, contradições e nuances. Isso geralmente ocorre com os grandes acontecimentos que costumam marcar a história e que aprendemos a encadear desde os bancos escolares: o descobrimento do Brasil, a independência, a proclamação da república...

Pois é exatamente no sentido oposto, inquirindo um destes fatos de modo diferente, transformando afirmações em interrogações, que caminha Jaime Rodrigues neste livro. Colocando a abolição do tráfico de escravos africanos 17

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para o Brasil na berlinda, o autor descobre nesta história tons e melodias que antes não podiam ser ouvidas. Por que o parlamento brasileiro promulgou duas leis, num espaço de vinte anos, antes que o transporte de africanos escravizados para o Brasil finalmente cessasse? Como um comércio tão lucrativo, que envolvia grandes personalidades da economia e da política do Império brasileiro tornou-se infamante?

Seu primeiro passo foi deixar em suspenso as explicações tradicionalmente aceitas pela historiografia, que tomam a lei de 1850 como um primeiro passo no processo de abolição da escravatura no Brasil e enfatizam a pressão inglesa como o principal motivo para sua aprovação no parlamento brasileiro. Em seguida, partiu em busca de outras possibilidades. Voltando aos vários projetos e propostas sobre o tráfico e a escravidão elaborados em meados do século XIX, retomou incertezas e dissensos, recuperando o enorme leque de temas correlatos que estavam ligados ao assunto: os significados políticos, sociais e culturais da enorme presença africana na população brasileira, seus efeitos na formação do povo e nos destinos da nação, as possibilidades de obtenção de trabalhadores fora da escravização dos africanos... E quanto à pressão diplomática inglesa? Afastando a explicação baseada numa única causa ou motivo suficiente, recuperou os movimentos internos da política nacional e examinou as forças sociais que ajudavam o tráfico a sobreviver e que, a certa altura, lhe impuseram um fim. Verificou como a atuação dos plenipotenciários ingleses, os tratados e as negociações diplomáticas entre o governo brasileiro e o inglês foram recebidos pelas elites locais e quais as alianças internacionais que ajudaram a sustentar a continuidade do tráfico negreiro.

Ao percorrer novos caminhos, iluminado por novas perguntas, Jaime pôde ir descobrindo outros aspectos da questão: quem, durante duas décadas, ajudou o tráfico tornado clandestino pela lei de 1831 a continuar vigoroso e forte? Como os interesses de traficantes e senhores de escravos permaneceram ligados por tanto tempo e por que, em termos morais e legais, eles se separaram? Como os es18

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cravos reagiram a estas leis que não eram cumpridas, mas que afetavam tanto a vida de seus senhores e dos “grandes” do Império? Prestando atenção ao calor das intervenções e apartes que permeavam as discussões parlamentares, escutando a manifestação das galerias durante as sessões, relendo os processos de apreensão de negreiros e traficantes, examinando a correspondência entre delegados e outras autoridades policiais locais, freqüentemente acusadas de conivência com o contrabando, perscrutando o comportamento dos escravos, da população livre e pobre litorânea e dos africanos ilegalmente traficados - lidando enfim com uma grande diversidade de informações, este livro descortina horizontes, revelando traços e cores antes insuspeitos.

Mais que simplesmente retomar explicações tradicionais, acrescentando novos elementos, encontramos aqui um quadro mais complexo e redimensionado, no qual as leis de abolição do tráfico de escravos ganham perspectiva, enraizadas em um contexto de múltiplas dimensões. Um livro que parte de boas perguntas para chegar a conclusões instigantes e reveladoras: um caminho convidativo para o quem estiver interessado em boas reflexões históricas, disposto a verificar as próprias certezas.

Boa leitura!

Sílvia Hunold Lara Campinas, novembro de 2000

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