Os ossos do mundo
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universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta
Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Esdras Rodrigues Silva – Guita Grin Debert João Luiz de Carvalho Pinto e Silva – Luiz Carlos Dias Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Luiz Coltro Antunes – Sedi Hirano
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Flávio de Carvalho
os ossos do mundo Organização Rui Moreira Leite Flávia Carneiro Leão
edição revista e ampliada
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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.
ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação C253o
Carvalho, Flávio de, 1899-1973. Os ossos do mundo / Flávio de R. Carvalho; organizadores: Flávia Carneiro Leão e Rui Moreira Leite. – Ed. rev. e ampl. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2014. 1. Carvalho, Flávio de, 1899-1973 – Viagens. 2. Viagem na literatura. 3. Psicologia. 4. Arte. 5. Europa – Descrições e viagens. I. Leão, Flávia Carneiro. II. Leite, Rui Moreira. III. Título..
cdd 910.4 809.93 150
700 e-isbn 978-85-268-1251-2
Índices para catálogo sistemático:
1. Carvalho, Flávio de, 1899-1973 – Viagens 910.4 2. Viagem na literatura 809.93 3. Psicologia 150 4. Arte 700 5. Europa – Descrições e viagens 910.4
Copyright © by herdeiros de Flávio de Carvalho Copyright © 2014 by Editora da Unicamp
1a edição, 1936, Ariel, Editora Ltda. Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, dos detentores dos direitos. Printed in Brazil. Foi feito o depósito legal.
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Agrad eci mentos
A Larissa Costa da Mata pelo envio dos dados relativos à versão em inglês de Os ossos do mundo, depositada na Biblioteca Beinecke da Universidade de Yale por Carl L. Lohmann, assim como pela leitura atenta do Posfácio desta edição. A Paulo Mauro Mayer de Aquino pelo inestimável auxílio na pesquisa de imagens. A Guen Yokoyama pelo tratamento da imagem de capa e de uma das imagens do livro. A Veronika Sevciková, do centro de referências da Biblioteca Nacional da República Checa, por sua disposição em identificar as personalidades contatadas por Flávio de Carvalho em sua passagem por Praga em 1934. A Patrizia Rocchini, da Biblioteca de Cortona, pelas informações sobre o fundo do filósofo Gustavo Minella. Por fim, aos professores K. David Jackson da Universidade de Yale e Raul Antelo da Universidade Federal de Santa Catarina, cujo interesse pela obra trouxe referências contemporâneas a um título lançado há quase sete décadas.
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sumário
nota dos organizadores.................................................................................................. 9 prefácio da primeira edição......................................................................................... 15 prefácio de gilberto freyre.......................................................................................... 17 voando sobre as costas brasileiras e notas sobre a sensação do medo. . .................................................................................................................. 21 deus assinalado a bordo.................................................................................................. 35 a taverna fitzroy.................................................................................................................... 43 as ruínas do mundo.. .............................................................................................................. 51 dois congressos sofisticados.. ................................................................................... 65 o mapa da saudade, o primeiro mapa do mundo. . ......................................... 71 a memória do não acabado............................................................................................. 83 o berço da força poética.. ............................................................................................... 91 à procura de um monarca cigano........................................................................... 105 o tabu da vegetariana........................................................................................................ 117 madona e “bambino”. . ............................................................................................................. 125 posfácio dos organizadores........................................................................................ 159
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nota dos organizadores
A primeira edição d’Os ossos do mundo teve como base o caderno de ano tações da viagem que Flávio de Carvalho fez à Europa entre setembro de 1934 e fevereiro de 1935. Publicado pela editora Ariel em 1936, em tiragem de mil exemplares, o texto da edição foi retomado por seu autor em sucessivas revisões, em um processo de trabalho que também incluiu sua tradução para o inglês. Entre correções, supressões e acréscimos analisados para o estabelecimento do texto, diferentes caligrafias foram observadas, sendo que a distinção entre a de Flávio de Carvalho, a de seu amigo e biógrafo J. Toledo e a de Geraldo Ferraz foi estabelecida através de comparação com outros documentos do Fundo Flávio de Carvalho, conservado pelo Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulalio” (Cedae), do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Manuscritas — a lápis e à tinta — e datiloscritas, apensadas aos cabeçalhos ou feitas às margens das páginas de dois exemplares “primos”, o que integra o acervo do Cedae e um segundo, adquirido em sebo, as anotações incorporadas à presente edição foram apenas aquelas identificadas como de autoria de Flávio de Carvalho. Desse modo, optou-se pela simples incorporação das anotações e marginálias realizadas pelo autor, indicando através de colchetes os acréscimos — [ ] — e as supressões — ] [ — observadas. Além do cotejo do material encontrado nos dois volumes mencionados, com a tradução para o inglês e com a primeira versão manuscrita, a tarefa dos orga 9
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nizadores limitou-se à atualização ortográfica e à elaboração de notas breves ao final de cada capítulo, que identificassem personagens, obras citadas, locais visitados etc. Essas intervenções tiveram a preocupação de não descaracterizar o estilo marcadamente ensaístico e ao mesmo tempo informal do texto, que evidenciam no “desleixo amaneirado da frase e nas dissonâncias intencionais”1 o pensamento do autor. Ao final da edição, o Posfácio busca contextualizar tanto quanto possível o roteiro de viagem percorrido por Flávio e fornecer as referências obtidas ao longo da pesquisa em arquivos, sebos e coleções privadas.
Nota 1
Ruben Navarra, Jornal de Arte, Campina Grande, Prefeitura Municipal, 1966, p. 311.
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Caderno de anotações de viagem de Flávio de Carvalho, 1934-1935. Localização atual ignorada.
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“O berço da força poética”, capítulo de Os ossos do mundo em tradução para o inglês, 1937. Datiloscrito. Coleção particular.
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Acréscimo manuscrito da conferência “O aspecto psicológico e mórbido da arte moderna” e páginas do ca pítulo “Madona e bambino”, com acréscimos manus critos e datiloscritos apensos ao exemplar de Os ossos do mundo, 1937. Fundo Flávio de Carvalho, Cedae-IEL, Unicamp.
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prefácio da primeira edição
O que vou dizer sobre as possibilidades de um mundo mesclado e perdido no tempo, sobre as origens da arte popular, e sobre a influência mágica da pintura, na conduta e na formação do povo italiano são naturalmente suspeitas intelec tuais, algumas bem fundamentadas, que cabem perfeitamente num livro dessa natureza, que afinal de contas nada mais é senão um caderno de notas passado a limpo, contendo ideias que são tentativas para um esclarecimento. Conquanto esteja fortemente inclinado a acreditar nas conclusões a que cheguei, por motivos outros que não convém desenvolver neste livro, acredito que essas suspeitas intelectuais serão suficientes para despertar turbulência mental e o consequente melhor esclarecimento do assunto. Este livro, encomendado por uma editora que mais tarde recusou-se a publicá-lo, foi confeccionado a esmo, sem preocupação especial, mas sempre o autor desejando produzir um livro de viagens. O Autor
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prefácio de gilberto freyre
Este livro de Flávio de Carvalho nos coloca diante de uma das personalidades mais ricas e mais cheias de surpresas que o Brasil tem hoje. Flávio de Car valho é dos que pela idade e pelas circunstâncias — 37 ou 38 anos e paulista educado na Europa — poderia ter sido “modernista” em 1923. Modernista como qualquer dos dois Andrade, o moreno e o louro. Mas não foi. Sua geração intelectual é outra. Ele é pós-modernista legítimo: apareceu depois do “moder nismo” e com outra mensagem. Intensamente moderno, mas despreocupado do “modernismo” literário em que aqueles dois escritores admiráveis se extremaram até quase o ridículo. Sua geração intelectual é a de hoje; seus companheiros mais próximos de geração, Cícero Dias e José Lins do Rêgo. Sua mensagem uma mensagem mais humana que estética, embora de modo nenhum doutrinária ou política. Como esses dois nortistas, Flávio de Carvalho arregala olhos de menino e às vezes de doido para ver o mundo. Por isso vê tanta coisa que o adulto todo sofisticado não vê. Vê tantas relações entre as coisas que os adultos cem por cento e os completamente normais deixam de ver. Do sentido dessas relações vem o lirismo novo e profundo, cheio de grandes coragens, que há nas notas de viajante de Flá vio de Carvalho. Às vezes nessas notas ele não tem [o] que ver, [como] Cícero Dias, no romance que o grande pintor nortista escreveu há três anos e conserva virgem até hoje: Jundiá. O romance mais intensamente lírico que já se escreveu no Brasil. Apenas o lirismo em Flávio de Carvalho se concilia com a sua objetivi17
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dade de arquiteto, de engenheiro, de técnico moderno. Com os seus estudos sérios das ciências chamadas exatas. Com as suas pesquisas de psicologia. Mas só um homem com a pureza quase de menino que há em Flávio de Carvalho — pureza no modo de ver as coisas, pureza no modo de sentir e de ver a si próprio — seria capaz de escrever as páginas magnificamente sinceras que ele já escreveu sobre o medo. A sua coragem de ter medo — que hoje só os meninos têm — de se analisar nas suas sensações mais profundas de medo, é das que o adulto convencional, deformado pelos preconceitos de bravura à espanhola, de “he-man” à americana, de “modernismo” à brasileira ou à Graça Aranha, não tem. Entretanto o medo é criador. Dá novas visões ao homem. Não há razão para fazer do medo um tabu. Toda gente sabe que Graça Aranha fez do medo um tabu. Queria que não se tivesse medo diante de nada. O homem perfeitamente moderno seria o que não tivesse medo de coisa nenhuma. Que não falasse de medo, pelo menos. E Ronald de Carvalho, este detestava os indivíduos que se confessavam incomodados com os ruídos das máquinas modernas. Uma vez eu disse a Ronald que o ruído de certa máquina me incomodava. Ronald olhou-me com um grande desdém e disse: “Só parece que você não é moderno”. “Só parece que você não é moderno”, diria hoje Ronald a Flávio de Carvalho, e nesse caso com toda a razão. Porque Flávio de Carvalho não é modernista, mas pós-modernista. Ele tem a coragem de ter medo e de descrever os seus medos. E tem a coragem de detestar os ruídos das máquinas insubmissas que ainda nos cercam e de confessar essa repugnância. Ele já não é da idade que Lewis Mumford chamou de paleotécnica — e a que pertenceram ainda os nossos “modernistas”, principalmente os do Rio — mas da neotécnica. Já não é da idade do homem agachado diante das máquinas grandiosas e com desgosto e até vergonha de ser de carne e de nervos, e não de ferro e de aço como as próprias máquinas. É da idade do homem retomando o seu lugar de elemento mais importante que a máquina na paisagem do mundo. Há no autor deste livro uma grande sensibilidade ao lado do gosto de ser objetivo. Um grande lirismo, ao lado do senso científico. A capacidade de abstração e de análise ao lado de uma poderosa sensualidade de expressão. Não que ele seja um verbalista, muito menos o que os franceses chamam com desprezo um tropicalista. Ao contrário: é sóbrio e preciso. Mas há cor e sexo nas suas palavras
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às vezes meio soltas, sem nenhum controle rígido, nem da gramática, nem da pontuação convencional, nem mesmo do que um crítico nosso conhecido chama “dignidade de linguagem”. Estamos diante de uma personalidade no mais puro sentido da expressão. São Paulo não tem hoje um artista, nem um intelectual, nem um cientista, com tantos poderes juntos. Gilberto Freyre
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