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UNIVERSIDADE ESTADUAL
DE
CAMPINAS
Reitor JOSÉ TADEU JORGE Coordenador Geral da Universidade FERNANDO FERREIRA COSTA
Conselho Editorial Presidente PAULO FRANCHETTI ALCIR PÉCORA – ARLEY RAMOS MORENO JOSÉ A. R. GONTIJO – JOSÉ ROBERTO ZAN – LUIS FERNANDO CERIBELLI MADI MARCELO KNOBEL – SEDI HIRANO – WILSON CANO Comissão Editorial da coleção Agricultura, Instituições e Desenvolvimento Sustentável JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA JOHN WILKINSON – AHMAD SAEED KHAN SÉRGIO LUIZ MONTEIRO SALLES FILHO – WILSON CANO
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AGRICULTURA, INSTITUIÇÕES E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
AGRICULTURA FAMILIAR E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL CARACTERÍSTICAS, DESAFIOS E OBSTÁCULOS JOHN WILKINSON (PREFÁCIO) ELISEU ALVES (POSFÁCIO) ALBERTO DI SABBATO ANDRÉ CABRAL DE SOUZA ANTÔNIO M. BUAINAIN (COORD.) CARLOS E. GUANZIROLI HILDO MEIRELLES DE SOUZA FILHO JOSÉ MARIA F. J. DA SILVEIRA MÁRIO OTÁVIO BATALHA SERGIO SALLES-FILHO
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP Ag83
Agricultura familiar e inovação tecnológica no Brasil: características, desafios e obstáculos / Antônio Márcio Buainain (coord.) et al. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.
1. Agricultura familiar. 2. Agricultura e tecnologia. 3. Famílias rurais. – Aspectos sociais. 4. Agricultura e Estado. I. Buainain, Antônio Márcio. II. Título. CDD
ISBN
978-85-268-0759-4
338.9 338.4563 301.35 338.1
Índices para catálogo sistemático: 1. 2. 3. 4.
Agricultura familiar Agricultura e tecnologia Famílias rurais – Aspectos sociais Agricultura e Estado
338.9 338.4563 301.35 338.1
Copyright © by Antônio Márcio Buainain et al. Copyright © 2007 by Editora da UNICAMP
Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.
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Embora este documento tenha sido produzido com base na colaboração de vários profissionais, as opiniões e visões nele contidas não expressam, necessariamente, o ponto de vista individual dos colaboradores. Erros e omissões devem ser atribuídos unicamente ao coordenador, responsável pela concepção e redação final do documento.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO (JORGE RUBEN BITON TAPIA) ..................................
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PREFÁCIO (JOHN WILKINSON) ........................................................
13
INTRODUÇÃO ..............................................................................
17
QUEM SÃO OS AGRICULTORES FAMILIARES? ................................
21
II IMPORTÂNCIA E CARACTERÍSTICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR ......
25
A presença da agricultura familiar ............................................
27
Diferenciação regional ............................................................
31
III ESTRUTURA AGRÁRIA DA AGRICULTURA FAMILIAR ........................
35
I
IV TIPOLOGIA E CARACTERIZAÇÃO TECNOLÓGICA DOS AGRICULTORES FAMILIARES ................................................
43
Uma tipologia dos agricultores familiares ..................................
43
Características tecnológicas dos agricultores familiares................
53
Grau de especialização e inserção ao mercado ........................
58
Grau de integração ao mercado ..............................................
60
Grau de especialização ..........................................................
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V ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES ..........
67
Áreas de concentração geográfica dos agricultores familiares......
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VI PRINCIPAIS SISTEMAS DA AGRICULTURA FAMILIAR NAS ÁREAS DE MAIOR CONCENTRAÇÃO ....................................
79
Região Sul ..............................................................................
84
Região Nordeste ....................................................................
86
Região Norte ..........................................................................
88
Região Sudeste........................................................................
91
VII CONDICIONANTES DO DESEMPENHO E DA ADOÇÃO DE TECNOLOGIA PELOS AGRICULTORES FAMILIARES ......................
95
Características socioeconômicas do produtor e sua família ..........
97
Grau de organização dos agricultores familiares ........................
99
Disponibilidade e acesso à informação......................................
101
Risco ......................................................................................
102
Características da produção e dos sistemas produtivos ................
103
Características das propriedades: tamanho e localização ............
105
Disponibilidade de mão-de-obra................................................
106
Características físico-ambientais da propriedade ........................
107
Condição fundiária do produtor ................................................
108
Fatores sistêmicos ....................................................................
109
Contexto macroeconômico, institucional e políticas públicas ........
110
Serviços de assistência técnica e extensão rural ..........................
111
Direitos de propriedade ..........................................................
113
VIII TECNOLOGIA E AGRICULTURA FAMILIAR: REFORMULANDO A EQUAÇÃO ..................................................
115
O desenvolvimento tecnológico e a pesquisa voltada à agricultura familiar ....................................................
120
Iniciativas institucionais de apoio à pesquisa e à inovação na agropecuária familiar ......................................
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IX TECNOLOGIA DE GESTÃO E AGRICULTURA FAMILIAR ......................
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Gestão agroindustrial: algumas características gerais ..................
131
Particularidades da gestão agroindustrial e da agricultura familiar ..........................................................
139
Tecnologia de gestão e agricultura familiar: a situação brasileira ......
148
Gestão da propriedade rural ....................................................
148
Gestão de formas associativas de produtores agrícolas familiares..................................................................
156
X À GUISA DE CONCLUSÃO: REFLEXÕES SOBRE POTENCIALIDADES E OBSTÁCULOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR ............................
161
Uma avaliação geral das condições da agricultura familiar e dos principais problemas enfrentados ....................................
163
Algumas conclusões sobre a situação dos agricultores familiares em relação ao tema da gestão ..................................
168
Em direção a um modelo de desenvolvimento e inovação para a agricultura familiar ........................................................
171
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................
175
ANEXOS ......................................................................................
191
POSFÁCIO: INOVAÇÕES NA AGRICULTURA (ELISEU ALVES) ..................
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APRESENTAÇÃO
JORGE RUBEN BITON TAPIA
A coleção Agricultura, Instituições e Desenvolvimento Sustentável visa disponibilizar a produção acadêmica dos professores vinculados ao Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental (NEA)/Instituto de Economia e de seus parceiros institucionais e, dessa forma, contribuir para ampliar o debate e compreensão do processo de desenvolvimento e transformações do meio rural brasileiro. O presente volume, Agricultura familiar e inovação tecnológica no Brasil, coordenado pelo professor Antônio Márcio Buainain, apresenta uma discussão sobre o futuro da agricultura familiar e os obstáculos enfrentados para a inovação tecnológica em um sentido mais abrangente, que inclui desde a geração de tecnologias até os determinantes micro e macro da adoção. Os autores reconhecem a importância econômica e social da agricultura familiar e sustentam que a condição de agricultores familiares está associada, na maioria das vezes, a um conjunto de restrições que bloqueiam a acumulação, o crescimento e também a modificação nas formas de organização da produção. A sobrevivência da agricultura familiar depende da capacidade desta de se tornar viável do ponto de vista econômico, isto é, ser competitiva. Para isso, é crucial superar as enormes restrições colocadas hoje à inovação tecnológica porque esta permitiria potencializar suas vantagens e reduzir as desvantagens. O estudo questiona a interpretação corrente segundo a qual há falta de tecnologia, deslocando o foco analítico para as condições necessárias 11
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para que se dê a inovação. Os agricultores familiares não teriam acompanhado o processo de inovação tecnológica pela ausência de condições para inovar, e não pela falta de tecnologia adequada. O estudo destaca vários aspectos ausentes que teriam bloqueado a inovação da agricultura familiar, dentro os quais podemos citar a educação, as condições de acesso aos mercados, o apoio técnico e a própria dimensão do mercado. No plano das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, esse diagnóstico reforça a necessidade de adoção de políticas públicas integradas e vai muito além das políticas de crédito, que, embora fundamentais, devem ser complementadas por outras ações. Fazendo uso de um conceito muito caro à tradição européia recente, a proposta do estudo é de que parte da coesão social no campo brasileiro dependerá, embora não exclusivamente, de uma inserção sustentada da agricultura familiar à dinâmica das cadeias produtivas do agronegócio, altamente competitivas e nas quais a inovação organizacional e tecnológica é uma das principais condições de sua sustentabilidade. O diagnóstico e as propostas apresentadas neste livro não têm a pretensão de exaurir todas as dimensões da dinâmica da agricultura familiar, bem como suas recomendações de políticas públicas, mas representam indiscutivelmente importantes contribuições para o avanço da reflexão sobre o tema. Para finalizar, o caráter dinâmico e plural do debate intelectual representa forte incentivo ao avanço do conhecimento científico, do qual a divergência e a competição de paradigmas e de interpretações são ingredientes essenciais. Este é o espírito desta coleção: instigar debates, oferecer diagnósticos novos, contribuindo com a redefinição da agenda sobre a agricultura brasileira, sem a pretensão de negar a relevância de outras visões e interpretações. Nesse sentido, este estudo é um começo muito promissor.
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PREFÁCIO
À medida que a agricultura familiar deixa de ter a sua vida econômica exclusivamente intermediada por atravessadores ou por contratos de integração agroindustrial, a sua sobrevivência depende de novas formas de aprendizagem, envolvendo tanto produtos e processos como gestão. A complexidade da posição da agricultura familiar se dá pelo fato de que nem os seus mercados tradicionais são uniformemente caducos nem os novos mercados são plenamente amadurecidos. Nesse período de transição, conhecimentos herdados e adquiridos ainda são valiosos tanto na área produtiva quanto nos circuitos de comercialização. No entanto, com uma velocidade pouco imaginável, apenas uma década atrás, novos conhecimentos se tornam precondições até pela permanência em mercados tradicionais e muito mais no caso da busca de novas formas de inserção econômica. As regras de acesso a mercados tradicionalmente ocupados pela agricultura familiar estão em rápida mudança. Em alguns casos, trata-se de novas economias de escala que impõem barreiras aparentemente intransponíveis. Em outros, porém, as barreiras são definidas por novos standards de qualidade. Embora possa existir uma relação mais direta entre custos e escala em commodities, isso não é tanto o caso quando se trata de produtos de qualidade. Mesmo nos casos em que a escala se apresenta relevante, a agricultura familiar muitas vezes consegue se manter na atividade por meio de formas organizativas inovadoras ou em combinação com outras rendas. As normas técnicas de acesso ao mercado têm sido geralmente elaboradas visando a empresas de maior porte; entretanto, experiências recentes, 13
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tanto no Brasil como em outros países, apontam para a existência de rotas organizacionais e tecnológicas diversas para alcançar os mesmos objetivos de qualidade. Soluções técnicas apropriadas precisam ser identificadas para habilitar atividades tradicionais de responder às novas exigências de normas e standards. A agroindústria artesanal tem tradicionalmente ocupado um espaço importante em linhas de produtos básicas do sistema agroalimentar. Esse setor vem se destacando no período mais recente como alternativa para produtores com dificuldades para acompanhar a evolução dos mercados agrícolas nas grandes cadeias agroindustriais. Alguns desses mercados tradicionais, contudo, agora se beneficiam de uma valorização fora dos seus mercados locais com o aumento da demanda por produtos artesanais. A pequena agroindústria, hoje, situa-se ambiguamente entre a informalidade/clandestinidade e a qualidade artesanal, ambas ameaçadas de inviabilidade pelo predomínio de normas de qualidade e pela aplicação dessas com maior rigor. Embora mercados tradicionais mantenham a sua importância, as vantagens da agricultura familiar são cada vez mais associadas a uma agricultura diferenciada – de nicho, orgânica e/ou artesanal. Sucesso, nesse caso, depende da aquisição de novas formas de aprendizagem – tanto no manejo de ecossistemas como na articulação com os mercados –, que exigem conhecimentos com alta especificidade local e apontam para a necessidade de modelos descentralizados de atuação. Uma agricultura menos dependente das tradicionais relações de intermediação e das agroindústrias exige, por parte do agricultor, novas habilidades nas áreas de gestão, tecnologias de produto e processos e marketing. Em muitos casos, os elos tradicionais de acesso ao mercado (atravessadores, agroindústria) já foram substituídos pela constituição de associações e cooperativas, por ONG e/ou por ações do poder municipal e regional. Em vários estados, a extensão rural ainda é decisiva na difusão de novos conhecimentos. Em outros, o Sebrae e o terceiro setor também ocupam uma posição de crescente importância no apoio à agricultura familiar. Apesar de todos os seus problemas, o duplo eixo das intervenções federais do Pronaf e da Reforma Agrária estabeleceu um novo patamar de 14
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PREFÁCIO
apoio público e de legitimação da agricultura familiar. Todas essas iniciativas apontam para a importância do esforço de pensar modelos viáveis que combinem a oferta de condições básicas de acesso a recursos, serviços especializados e mecanismos de aprendizagem e transferência de conhecimentos. Nessas condições, a sobrevivência e o fortalecimento da agricultura familiar requerem, além de constantes melhorias em produtividade e custos, novas competências na organização da produção, na gestão, uma adequação do aparato normativo (ambiente institucional), e o desenvolvimento de estratégia de diferenciação de produtos, visando à criação de novas capacidades de inserção competitiva da agricultura familiar em mercados cada vez mais exigentes. O livro Agricultura familiar e inovação tecnológica no Brasil, muito competentemente coordenado e organizado pelo professor Antônio Buainain, traz uma reflexão aprofundada de todos esses temas ao reunir contribuições de destacados estudiosos da agricultura familiar. Os temas fundiários, de gestão, de marketing e de tecnologia são contextualizados numa análise meticulosa do perfil da agricultura familiar que capta a sua heterogeneidade, a sua distribuição geográfica, o seu acesso a recursos, os seus sistemas dominantes de produção, bem como a sua participação no conjunto da oferta do sistema agroalimentar. Além de oferecer uma visão sistêmica das grandes questões que atingem a agricultura familiar, este livro se debruça, também, sobre as implicações da sua análise para políticas públicas. Assim, a publicação deste livro representa uma contribuição extremamente valiosa tanto no sentido de avançar as discussões sobre o perfil e dinâmica da agricultura familiar quanto sobre as políticas mais adequadas para contribuir ao seu refortalecimento. John Wilkinson
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INTRODUÇÃO1
A agricultura familiar brasileira é extremamente diversificada. Inclui tanto famílias que vivem e exploram minifúndios em condições de extrema pobreza como produtores inseridos no moderno agronegócio e que logram gerar renda várias vezes superior à que define a linha da pobreza. A diferenciação dos agricultores familiares está associada à própria formação dos grupos ao longo da história, a heranças culturais variadas, à experiência profissional e de vida particulares, ao acesso e à disponibilidade diferenciada de um conjunto de fatores, entre os quais os recursos naturais, o capital humano e o capital social, e assim por diante. A diferenciação também está associada à inserção dos grupos em paisagens agrárias muito diferentes uma das outras, ao acesso diferenciado aos mercados e à inserção socioeconômica dos produtores, que resultam tanto das condições particulares dos vários grupos como de oportunidades criadas pelo movimento da economia como um todo, pelas políticas públicas etc. As diferenças são tantas que talvez seja um equívoco conceitual seguir tratando grupos com características e inserção socioeconômicas tão distintas sob o mesmo label – agricultores familiares – apenas porque têm um traço comum – utilizar majoritariamente mão-de-obra familiar. Os agricultores familiares não se diferenciam apenas em relação à disponibilidade de recursos e capacidade de geração de renda e riqueza, mas também em relação às potencialidades e restrições associadas tanto à dispo1 Baseado em Guanzioli et al. (2001).
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nibilidade de recursos e de capacitação/aprendizado adquirido como à inserção ambiental e socioeconômica, que podem variar radicalmente entre grupos de produtores em razão de um conjunto de variáveis, desde a localização até as características particulares do meio ambiente no qual estão inseridos. O universo diferenciado de agricultores familiares está composto de grupos com interesses particulares, estratégias próprias de sobrevivência e de produção, que reagem de maneira diferenciada a desafios, oportunidades e restrições semelhantes, e que, portanto, demandam tratamento compatível com as diferenças. A diferenciação é o ponto de partida deste trabalho, cujo principal objetivo é caracterizar a agricultura familiar brasileira. É também um ponto-chave, uma vez que tem implicações fortes sobre as políticas públicas de apoio à agricultura familiar. Um agricultor familiar do Meio-Oeste americano pode ser comparado a um agricultor familiar francês ou brasileiro só porque ambos utilizam majoritariamente mão-de-obra familiar no processo de produção? E um agricultor que explora um minifúndio no sertão nordestino pode ser equiparado a um produtor familiar integrado às grandes agroindústrias do país? Será que de fato todos atuam segundo uma lógica semelhante e respondem de forma semelhante aos problemas que enfrentam? E se não for assim, qual a serventia de rotulá-los como agricultores familiares? Na verdade, o rótulo tem hoje especialmente valor político: tanto os familiares franceses como os americanos, em que pesem as diferenças que os separam, mantêm e cultivam a identidade para fins de barganha política junto ao setor público. No caso brasileiro, com atraso de décadas, a agricultura e os agricultores familiares estão hoje inseridos na agenda política do país, ainda que com poder de barganha que não parece refletir sua importância na geração de riqueza e ocupação. Os agricultores familiares brasileiros têm sido negligenciados pela política pública, e só recentemente, com o lançamento do Pronaf e o relançamento dos programas de reforma agrária, foram reconhecidos como atores políticos e como sujeitos e beneficiários diretos de políticas públicas. Até então, mesmo essa identidade diferenciada que caracteriza os agricultores familiares estava diluída em várias políticas setoriais – agrícola, combate à pobreza rural, programas integrados de desenvolvimento rural (PDRI), 18
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INTRODUÇÃO
programas de colonização etc. – e em categorias imprecisas como a de pequenos ou micro-agricultores. Nos últimos anos, no Brasil e no exterior, os meios empresariais, políticos e acadêmicos ligados à problemática da produção e comercialização de produtos agroindustriais vêm reconhecendo que a competitividade da agropecuária depende de uma estrutura coordenada de agentes econômicos e sociais que permita que seus produtos sejam transformados e disponibilizados aos consumidores finais em condições adequadas de aquisição e consumo. Também é consenso que um ambiente institucional favorável e estável é imprescindível para que isso aconteça. A agricultura familiar não está isenta desses condicionantes. Embora apresente especificidades que a diferenciem de forma importante de outros segmentos da agropecuária nacional, pelo menos uma parte da agricultura familiar brasileira, para sobreviver e expandir-se, deveria estar inserida dentro dessa mesma lógica sistêmica de integração de mercados e de sustentabilidade. A agricultura familiar é parte – frágil, sem dúvida – do agronegócio brasileiro. Há evidências de que o setor mais dinâmico e próspero da agricultura familiar é exatamente aquele que logrou inserir-se em algumas cadeias produtivas regionais e nacionais. A agricultura familiar pode e deve se integrar às cadeias agroindustriais mais dinâmicas do país. Em alguns casos, ela poderia se constituir na base principal da dinamização de subsistemas agroindustriais já existentes ou na criação de novos subsistemas; neste último caso, pensando especialmente em nichos de mercado ou em canais alternativos de comercialização. Outra opção, não excludente, é a exploração de núcleos de mercados, de potencialidades locais, de produtos orgânicos e artesanais. Tanto a integração com a indústria como a exploração das alternativas demanda a superação de obstáculos importantes nas esferas pública e privada. Entre esses obstáculos destacam-se aqueles do desenvolvimento e do repasse de tecnologias adequadas aos agricultores familiares. Neste trabalho busca-se, com base nos dados do próprio censo e em estudos pontuais, esclarecer aspectos relevantes sobre as agriculturas familiares do Brasil.
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