O Sonho de Einstein

Page 1

o sonho de einstein


universidade estadual de campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador Geral da Universidade Edgar Salvadori De Decca

Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Christiano Lyra Filho José A. R. Gontijo – José Roberto Zan Marcelo Knobel – Marco Antonio Zago Sedi Hirano – Silvia Hunold Lara

Coleção Meio de Cultura Comissão Executiva Marcelo Knobel (Presidente) Andréa Guerra – Peter Schulz Sandra Murriello – Yurij Castelfranchi Conselho Consultivo João Schmidt – Luiz Davidovich – Miguel Nicolelis – Marcelo Gleiser Iván Izquierdo – Luisa Massarani – Sergio Pena – Antonio C. Pavão – Marcelo Leite Carlos Henrique de Brito Cruz – Carlos Nobre – José Antônio Brum – Carlos Vogt Leopoldo de Meis – Mauricio Tuffani – Alberto Passos Guimarães Mônica Teixeira – Ildeu C. Moreira


o sonho de einstein

em busca da teoria do todo

pietro greco

Tradução

Letizia Zini


ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação G799s

Greco, Pietro. O sonho de Einstein: em busca da Teoria do Todo / Pietro Greco; tradução: Letizia Zini. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2011. 1. Einstein, Albert, 1879-1955. 2. Divulgação científica. 3. Teorias da grande unificação (Física nuclear). 4. Relatividade – Física. 5. Mecânica quântica. 6. Ciência – História. I. Zini, Letizia. II. Título.

cdd 001.92 530.12 530.11 509 isbn 978-85-268-0950-5 Índices para catálogo sistemático:

1. Divulgação científica 2. Teorias da grande unificação (Física nuclear) 3. Relatividade – Física 4. Mecânica quântica 5. Ciência – História

001.92 530.12 530.11 530.12 509

Título original: Il sogno di Einstein Copyright © by Pietro Greco Copyright © 2011 by Editora da Unicamp

Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.

Editora da Unicamp Rua Caio Graco prado, 50 – Campus Unicamp cep 13083-892 – Campinas – sp – Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br  –  vendas@editora.unicamp.br


meio de cultura Nosso cotidiano é permeado de ciência e tecnologia. Mas o que é ciência? Como é feita? Quem a faz? E a tecnologia? A coleção Meio de Cultura traz textos que, em linguagem acessível a todos (e às vezes divertida), apresentam os caminhos e os descaminhos da ciência e da tecnologia. Neles encontramos histórias de sucessos e fracassos, contradições e embates, enigmas e polêmicas da ciência e da tecnologia na sociedade — uma bússola para explorar a cultura científica até as fronteiras do saber.



Ao meu filho Francesco, para que em sua vida seja livre, como Einstein.



Qualquer que seja a situação, consola-nos a máxima de Lessing: a aspiração à verdade é mais preciosa do que sua posse garantida. Albert Einstein



sumário

prefácio..................................................................................................................................................................13 1

prólogo: a última carta de princeton.............................................. 21

2

a teoria unitária dos campos............................................................................ 27

3

a procura da teoria unitária dos campos: um caminho obrigatório para o físico.........................................................31

4

a procura da teoria unificada dos campos: um caminho obrigatório para o filósofo (natural)........... 45

5

sem pestanejar, rumo à unidade. ................................................................... 61

6

as duas frentes da batalha final. ..............................................................95

7

a busca racional da meta..................................................................................... 139

8

caro albert... ............................................................................................................................. 147

referências bibliográficas............................................................................................. 149



prefácio

Albert Einstein [1879-1955] é o cientista mais famoso do século XX e, provavelmente, de todos os tempos. Escreveram sobre ele físicos, historiadores, filósofos e jornalistas: livros, ensaios, artigos. Muitos desses livros, ensaios e artigos sobre Einstein são obras de valor indiscutível: elaboradas por autores cultos, preparados, documentados, lúcidos. Sem dúvida, poucos homens tiveram, como Einstein, o privilégio de ter sua vida e sua obra estudadas por tantos e tão ilustres pesquisadores. Existe, porém, um aspecto que sempre me impressionou ao ler uma parte, talvez pequena, mas não totalmente des­ prezível, da imensa bibliografia de peso sobre Albert Einstein. ­Todos os físicos e todos os historiadores da física falam sempre com profunda admiração do gênio científico de Einstein. E com razão. Mas quase todos os físicos e muitos historiadores da física, quando falam com admiração de Einstein, referem-se à atividade que o cientista alemão realizou em pouco mais de dez anos, no início de sua carreira, entre 1905 e 1917, e deixam 13


O sonho de Einstein

de lado quase toda a atividade científica que Einstein desenvolveu nos 40 anos seguintes. É como se, salvo algumas exceções muito significativas, a partir de 1918, com apenas 39 anos, Albert Einstein tivesse deixado de interessar-se pela física para dedicar-se a outros campos de conhecimento. O pesquisador que menciona os interesses científicos de Einstein após o fim da Primeira Guerra Mundial o faz, geralmente e com certo embaraço, para lembrar a longa, estranha e inexplicável aversão que o pai da relatividade manifestava pela “nova física” que estava em desenvolvimento precisamente na década de 1920: a mecânica quântica. É como se o grande ino­vador da física clássica, ao chegar aos 40 anos, se tivesse trans­formado, de repente, numa espécie de reacionário e conser­ vador incapaz de entender as novidades e de dar novas contribuições à física. Por exemplo, todas as ideias que Einstein amadureceu após 1920 a respeito da nova mecânica dos quanta, segundo seu colega, amigo e grande biógrafo Abraham Pais, acabarão “por ser tranquilamente esquecidas” [1]. Não resta dúvida de que, naquela dúzia de anos admiráveis, entre 1905 e 1917, Albert Einstein tenha alcançado resultados inesquecíveis, que transformaram não somente as estruturas conceituais da física, mas também a percepção que as pessoas comuns têm do universo que as rodeia. Naqueles anos, para lembrarmos apenas os pontos essenciais de sua obra, Einstein contribuiu para o surgimento da teoria quântica (efeito fotoelétrico), a consolidação da teoria atômica da matéria (teo­ ria do movimento browniano), a redefinição dos conceitos de espaço e tempo, de matéria e energia (relatividade restrita) e, o mais importante, elaborou uma nova teoria da gravitação universal (relatividade geral). Em 1917, finalmente, Einstein, elaborando suas equações cosmológicas, lança as bases teóricas do 14


Prefácio

nascimento de uma nova disciplina: a cosmologia científica. O que não é pouca coisa. Com efeito, tudo isso basta para fazer de Einstein um dos maiores físicos e um dos maiores homens de cultura de todos os tempos. Mas será correto e justificado esquecer toda a parte de produção científica do maior físico do século XX, a partir de 1917? Ao longo dos anos, meu conhecimento da bibliografia sobre Einstein foi aumentando. Minha curiosidade inicial, em lugar de ficar satisfeita, tornou-se uma pergunta cada vez mais precisa. E a busca pela resposta, cada vez mais premente. Desta forma, amadureceu minha exigência de pesquisar em profundidade a parte menos conhecida e mais propositalmente ignorada da vida científica do físico alemão: a parte que, paradoxal­ mente, corre de forma paralela à vida de um cientista que ficou “repentinamente famoso” junto ao grande público, a partir de 1919, a ponto de tornar-se algo mais que uma estrela inter­ nacional, uma espécie de mito, cuja imagem cativa o interesse constante da mídia e continua a desafiar, ainda hoje, o desgaste do tempo. O resultado da minha investigação é este livro, que — vou logo avisando o leitor — não é nem pretende ser um ensaio histórico original, mas uma pesquisa cultural que tem um tom bastante vigoroso, uma tese forte e explícita, um objetivo ambicioso (apesar dos recursos modestos). O objetivo. Não pretendo reescrever os últimos 40 anos da experiência científica (e humana) de Einstein, mas, sim, oferecer uma contribuição aos poucos historiadores da física que demonstraram (que já demonstraram) que é falsa e estereotipada a ideia de que “o repentinamente famoso doutor Einstein”, na segunda parte de sua vida, tenha perdido interesse pela pes15


O sonho de Einstein

quisa física de vanguarda ou, pior ainda, tenha tentado impedir, com todo o peso de sua autoridade, o desenvolvimento das ideias novas que, apesar dele, avançavam vigorosamente. Meu ambiciosíssimo objetivo consiste, portanto, na tentativa de incentivar os historiadores profissionais a reunir suas pesquisas numa obra completa e orgânica dedicada à atividade científica de Einstein na segunda parte, a parte final e suprema, de sua vida científica. A tese. Obviamente, o leitor já deve ter entendido qual é a tese explícita desta pesquisa jornalística. A tese é de que os últimos 40 anos de vida científica de Einstein não devem absolutamente ser envoltos no silêncio piedoso e, ao mesmo tempo, embaraçoso, com que os familiares costumam proteger o parente que, de repente, perdeu o juízo. Com efeito, longe de ter se transformado num velho tio resmungão e meio biruta, após ter elaborado a teoria da relatividade geral, Einstein não escolheu viver do passado, curtindo a fama (e que fama!), mas resolveu pôr em discussão seu prestígio e sua autoridade, aplicar toda a sua genialidade e viver em um isolamento científico quase absoluto para realizar um projeto, tão lúcido e grandioso quanto ineludível, para ele e para a física. Um projeto de ex­ traordinária ambição científica e cultural: a busca de uma teoria (a teoria unitária dos campos) capaz de unir gravidade e eletromagnetismo e, assim, de apreender a unidade profunda da natureza. O estilo. Para demonstrar essa tese, vou utilizar o tom e a técnica das pesquisas jornalísticas. Tom decidido e técnica literária que talvez não sejam os mais indicados para uma revisão científica da história. Mas farei o possível para resguardar o rigor lógico e a coerência da interpretação, como também a fidelidade aos fatos. 16


Prefácio

Os fatos. E os fatos mostram que, realmente: a) o grande projeto de Einstein não foi bem-sucedido; b) ele não foi compreendido pelos físicos seus contemporâneos e, acima de tudo, pelas gerações sucessivas, talvez por ele estar muito adiantado em relação a seu tempo (pelo menos meio século); c) até hoje não só não temos uma teoria unitária dos campos, como também não sabemos se o grande e solitário projeto de Einstein percorreu caminhos físico-matemáticos e conceituais fecundos que, um dia, levarão outros até o destino. Mas o rigor lógico e a interpretação coerente dos fatos nos dizem também que: d) valia realmente a pena que o ambicioso projeto de unificar a física fosse levado adiante; e) aquela tentativa não deve absolutamente ser esquecida, porque não foi concluída e, ao contrário, é cada vez mais atual; f) de qualquer maneira, não deve ser esquecida a impecável lição científica, cultural e humana com que nos presenteou o gênio mais livre do século XX: Albert Einstein.

A vida de Albert Einstein Para deixar meu discurso fácil, ou pelo menos mais fácil de ser acompanhado também por quem não conhece Albert Einstein em profundidade, vou relembrar aqui as etapas fundamentais da vida e da atividade científica do físico alemão. Apresento-as sucintamente e com todas as clássicas, graves lacunas que vou destacar a seguir. 17


O sonho de Einstein

Albert Einstein nasce em Ulm, na Alemanha, no dia 14 de março de 1879. No ano seguinte, seu pai, Hermann, e sua mãe, Pauline Koch, transferem-se para Munique. Em 1886, Albert co­meça a frequentar a escola pública. Dois anos depois, ma­ tricula-se no Luitpold Gymnasium. Em 1889, com 10 anos de ida­de, hospeda em sua casa um estudante de medicina de 21 anos, Max Talmud, que o inicia nas ciências e na “filosofia da natureza” com quatro livros. Um deles é a Crítica da ra­zão pura, de Immanuel Kant; outro é um livro de divulgação científica, Kraft und Stoff (Força e matéria), de Friedrich Büchner. Durante cinco anos, Max Talmud será o parceiro in­telectual de Albert, o amigo com quem ele discute sobre filosofia e ciência. Em 1894, a família de Einstein muda-se para a Itália. Num primeiro tempo mora em Milão, depois em Pavia. Albert permanece em Munique para terminar seus estudos. A essa altura, seus interesses já estão definidos. Naqueles meses manda para seu tio Caesar Koch, que vive na Bélgica, uma memória Sobre o estado do éter em um campo magnético. A carreira escolar, contudo, é fragmentada. Em 1895, Einstein deixa o Luitpold Gymnasium e passa a morar com a família em Pavia. No outono desse ano, faz o exame de admissão à escola politécnica de Zurique: é reprovado (não obstante as ótimas provas de física e matemática). Matricula-se, então, na seção industrial da escola cantonal de Aarau. No ano seguinte termina o curso e está habilitado a matricular-se no Instituto Politécnico de Zurique. Em poucas semanas constrói amizades fundamentais com Marcel Grossmann, Michele Besso e sua futura esposa, Mileva Maric. Em 27 de julho do ano de 1900, Albert Einstein termina a graduação. No outono, sua tentativa de ser contratado como assistente no Instituto Politécnico não se concretiza. Em 13 de 18


Prefácio

dezembro, manda seu primeiro trabalho para uma revista científica, os Annalen der Physik. Nos dois anos seguintes trabalha como temporário. Em 1902, consegue emprego na Divisão de Patentes de Berna. Em 1903, casa-se com Mileva e faz uma conferência sobre as ondas eletromagnéticas. É a primeira aparição em público de um ilustre desconhecido da física. Chega finalmente o ano de 1905, o annus mirabilis. Um ilustre desconhecido com 26 anos, como veremos daqui a pouco, com mais detalhes, modifica a história da física em três campos (aparentemente) diferentes: torna consistente a teoria atômica da matéria; propõe os conceitos de quantum de luz e de dualismo onda/partícula da radiação eletromagnética; elabora a teoria da relatividade restrita. Em 1907, propõe o princípio de equivalência, que se tornará a base da relatividade geral. Em 1909, torna-se professor do Instituto Politécnico de Zurique, onde foi aluno. Em 1911 está em Praga. Em 1912, começa a trabalhar com Grossmann na parte matemática da relatividade geral. Em 1914, a convite de Max Planck, muda-se para Berlim, na qualidade de pesquisador da Academia de Ciên­ cias da Prússia, assumindo uma cátedra na universidade, sem obrigação de lecionar, e a direção do Kaiser Wilhelm Institut für Physik, um instituto que seria ainda criado. Em 1916, manda para os Annalen der Physik o artigo sobre a relatividade geral. A física tem uma nova teoria, de campo, da gravitação universal. No ano seguinte, formula as equações cosmológicas, com as quais funda, de fato, o moderno estudo científico do universo. Em 1919, Sir Arthur Eddington confirma, mediante observação, uma das predições cruciais da relatividade geral. Albert Einstein se torna um físico conhecido no mundo inteiro. Naquele mesmo ano divorcia-se de Mileva. 19


O sonho de Einstein

Em 1922, termina a primeira memória sobre a teoria unitária dos campos. Recebe também o prêmio Nobel por seu trabalho sobre os quanta de luz e pela explicação do efeito fotoelétrico. A relatividade nunca seria premiada pela Academia de Ciências da Suécia, que, por incrível que pareça, não chegou a reconhecer a maior descoberta individual da física teórica do século XX e uma das maiores de todos os tempos. Em 1923, Einstein publica um trabalho, “A teoria de campo oferece a possibilidade de solução para o problema quântico?”, no qual afirma que o problema quântico pode achar sua colocação numa teoria da física fundamental, de tipo clássico. Em 1927, inicia o debate (um longo e extraordinário debate) com Niels Bohr sobre os fundamentos da mecânica quântica. Em 1933, pouco antes da ascensão de Hitler, muda-se definitivamente para os Estados Unidos, para trabalhar no Instituto de Estudos Avançados de Princeton. Em 1935, junto com Boris Podolsky e Nathan Rosen, propõe um experimento mental que se apresenta como uma das mais conhecidas e mais profundas críticas contra a nova mecânica quântica. Em 1939, convida Roosvelt a construir, como fator dissua­ sor contra o nazismo, uma bomba de extraordinária potência, utilizando a energia liberada pela fissão do núcleo. Em agosto de 1945, arrepende-se daquela decisão. Em 1952 recusa a presidência de Israel. Em 1955, no dia 11 de abril, assina, com Bertrand Russell, um manifesto em favor do desarmamento nuclear e funda o Movimento Pugwash. Uma semana depois, na madrugada do dia 18 de abril, Albert Einstein morre.

20


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.