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A cção cristã pode ser relevante na história da Escravidão?

A ficção cristã pode ser relevante na visão sobre a história da escravidão?

Alguns de nossos autores foram desafi ados a se aventurarem em outras categorias de escrita, e foi com surpresa que recebi o texto de Hezaro Viana, escritor de Um Sonho de Amor e outros excelentes títulos publicados de forma independente. Ver a protagonista enfrentando situações difíceis por desejar ensinar letras para pessoas que viviam em situação de escravidão agregou três coisas importantíssimas: a fala sobre a igualdade de todas as etnias entre os seguidores de Cristo, o tratamento com dignidade e honra sem acepção de pessoas e a importância do acesso à educação. No processo editorial da obra Todos Os Nossos Amanhãs, conversamos sobre a desconstrução de palavras racistas, tão entranhadas em nosso vocabulário que passaram a ser normalizadas no Brasil. Isso despertou ainda mais a responsabilidade do autor sobre pesquisa para uma obra de fi cção histórica quando acendeu uma luz para vários leitores: os brasileiros podem falar sobre escravidão e racismo, em quaisquer âmbitos de suas atuações, sejam no púlpito, seja nas ruas, seja em suas obras publicadas. A Upbooks deseja que uma obra cristã, ambientada em 1888, trazendo uma protagonista forte, que depois de uma tragédia familiar precisa se posicionar contra convenções estabelecidas que vão contra à sua interpretação da Palavra de Deus, possa inspirar muitos leitores. Vamos descobrir quais sentimentos o Hezaro experimentou nesse processo?

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Como foi a pesquisa para essa obra?

Li livros escritos na época em que ambientaria a minha história e assisti a fi lmes e séries, além de documentários. Busquei artigos e TCC’s em sites. Procurei saber das roupas, tecidos, acessórios, armas e animais. Andei pelo centro histórico da minha cidade, berço da civilização paranaense, e por isso mesmo cheia de arquitetura e informações da época. Nesses lugares, buscava imaginar como viviam nossos ancestrais, e criava diálogos aleatórios buscando colocar palavras e expressões que eles usavam.

Quais documentos encontrou?

Encontrei coisas belas como documentos e manchetes que garantiam e anunciavam o fi m da escravidão; relatos e histórias de negros que não tinha ouvido falar na escola (e quase nunca se ouve mesmo!) que se destacaram por terem liderança e didática, mesmo em meio às atrocidades que viviam. Até mesmo convites originais para bailes e informações de como era uma ceia de Natal, além de documentos sobre a Bíblia e de sua saga até chegar a nós. E encontrei algumas coisas que não posso revelar aqui para poder usar em um novo projeto. (Risos)

O que o levou a escolher esse tema?

Eu queria escrever sobre esperança e sobre uma jovem cheia de fé. A princípio, exploraria somente um texto bíblico, mas, logo que veio o tema, pensei que a Bíblia poderia ter um papel maior na história, então decidi

que poderia falar de sua chegada ao Brasil. Assim que escolhi esse pano de fundo, soube que a trama deveria se passar no ano da libertação dos escravizados, onde minha protagonista, que sempre ouviu falar em esperança e amor, apesar de suas próprias dores, teria oportunidades perfeitas de praticar essas duas virtudes com aquelas pessoas que viviam tão marginalizadas. Eu não queria escrever mais um livro sobre torturas ao povo negro nem ecoar gemidos e protestos pelos corredores de senzalas, queria mesmo era falar de seu novo desafi o para viver com dignidade agora que estavam libertos, queria enfatizar que o povo africano nasceu livre e que poderia estar onde quisesse, desde que livre, como deve ser também nos dias de hoje e para sempre.

Percebeu, na sua escrita, palavras de cunho racista? Como lidou com elas?

Sempre tive por costume anotar palavras que lia ou ouvia e não conhecia e depois pesquisava seu signifi cado, mas não fazia o mesmo com as expressões e ditados, e até usava alguns da maneira errada. Ao escrever TONA, essa curiosidade acendeu, e sim, descobri (decepcionado) que usava expressões racistas. Anotei-as para nunca mais esquecer, compartilhei em grupos e com amigos e parentes, e as tirei do meu original tanto quanto pude fazer sem perder a veracidade da narrativa.

Qual o feedback de seus leitores quanto a este tema?

Tenho sido surpreendido com a aceitação dos leitores com a história e com o casal “fofo”, “lindo”, como eles mesmos me falam nas minhas redes sociais. Tem sido animador e sou grato por isso.

Em “Um sonho de amor” você aborda a violência contra a mulher, em TONA, a escravidão. Qual papel você atribui à literatura nesses temas?

Na minha casa, sempre fui ensinado pelos meus pais a respeitar as pessoas, a tratá-las bem, inclusive mulheres (e eu recebia castigos severos se não obedecesse). Meu pai dizia: antes de começar algum relacionamento com uma moça, lembre-se que ela é fi lha de alguém, e o tratamento que der a ela afetará toda sua família, e a você próprio, que um dia será pai. Também vi meus pais tratarem bem as pessoas, independente de sua cor ou religião, e nossa casa, não raro, tinha hóspedes que vinham de longe, até do povo indígena, e todos eram bem tratados e comiam conosco. E é esse o papel da Literatura: informar e levantar discussões sadias, quebrar estereótipos e fazer com que olhemos para os outros e enxerguemos gente antes de tudo.

Que conselho daria a novos escritores de fi cção cristã?

Meu conselho é para que sejam obedientes àquela voz que fala no fundo da mente e do coração. Quando somos guiados por ela, não tem como dar errado, pelo contrário, seremos autênticos, e é disso que o mundo precisa, pois não é sobre nós, nem muito menos para nós. É sobre Ele e para o crescimento do Reino dEle que trabalhamos. Mas, mesmo guiados pela voz do Senhor, devemos fazer a nossa parte. Estudar, pesquisar, investir tempo querendo mais qualidade, ler e escrever muito, mas muito mesmo, porque contar uma história exige bem mais do que apenas colocar palavras no papel.

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