UNIDADE 3
PRÁTICA PEDAGÓGICA E MÍDIAS DIGITAIS
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Entrevista com Lucas Ciavatta 1 - Lucas, a execução desta obra, como muitas obras musicais, é um trabalho de muita precisão, precisão de movimentos, que pressupõe muita atenção no outro, em todos os outros. Vendo com olhos de educador de outra área que não a música, chama-me a atenção a intensidade da colaboração entre os participantes, da parceria entre eles. Como se consegue isso com estudantes adolescentes? Não podemos esquecer que o Bloco do Passo é um grupo profissional. Mas o interessante é constatar que o profissionalismo dos integrantes do Bloco não nasceu com a profissionalização nos palcos, ele nasceu de uma postura “profissional” já em sala de aula. Seriedade. É um jogo, uma diversão, mas eles sempre tentaram fazer o melhor. A meu ver, esse movimento em direção de ser o melhor que você puder ser é um movimento natural. O que acontece é uma série de obstáculos frearem este movimento natural até que ele simplesmente cesse. Estes obstáculos normalmente surgem de uma, digamos assim, inabilidade dos responsáveis pelo processo educativo de uma determinada pessoa. Quando alguém diz: “Esse aí não quer nada”, se esquece que todo mundo sempre quer alguma coisa. Talvez essa pessoa não queira o que a gente quer que ela queira, mas, certamente, algo ela quer. Assim a potência para realizar com maestria já está. O que vejo em todas as ações que envolvem O Passo, e isto está muito forte neste número do Bloco do Passo, é a crença de que vale a pena se esforçar para aprender. Vejo a autoconfiança daqueles que estão tentando vencer seus desafios, pois O Passo nos ajuda a nomear estes desafios e fornece ferramentas para vencê-los. Quando um estudante percebe isso, ele faz algo como o “Saltos no Tempo” e muito mais.
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2 - Este é um trabalho que exige muita disciplina e, ao mesmo tempo, é muito criativo. Disciplina e criatividade: na sua opinião, como essas coisas andam juntas, como “conversam” disciplina e criatividade? Há criatividade também no momento da execução desta peça? Ou ela terminou no momento da composição? Há de fato um perigoso não esclarecimento por parte do senso comum a respeito do quanto é preciso se preparar para, primeiro, ter boas idéias (elas não chegam do nada), depois, para ter boas idéias de como colocar as boas idéias em prática, e depois, para ter habilidade para colocar as boas idéias em prática. O “Saltos no Tempo”, por exemplo, tem uma história comprida. Esse número tem como origem primeira o filme “Encontro com Homens Notáveis” de Peter Brook, lá, num mosteiro aonde o personagem principal chega ao final do filme, há uma série de danças meditativas e a imagem de uma delas ficou adormecida na minha cabeça durante quase vinte e cinco anos. Um dia, junto com uma outra professora, comecei a experimentar alguns movimentos e, assim, criei uma série de exercícios para aproximar os integrantes do Bloco do Passo daquilo que havia descoberto. Percebi rapidamente que precisaríamos de marcas claras no chão caso quiséssemos saltar em diferentes direções, assim, teci eu mesmo a rede que pode ser vista no vídeo (não há redes com células de meio metro à venda). Após todo um entendimento do que eu queria e um trabalho de convencimento da riqueza do que poderíamos construir (que era uma certeza apenas para mim) passei para o arranjo em si, que pela complexidade precisou envolver um tipo qualquer de partitura. Criei as partituras no Power Point. Pensei estas partituras não só para que eu lembrasse do que estava compondo, mas também para que os integrantes do Bloco pudessem efetivamente se guiar por elas. Depois ainda havia
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todo o trabalho de aprender a fazer algo “motoramente”, tão diferente para todos nós. E mais tarde ainda, com tudo já acontecendo, houve ainda um grande trabalho de avaliar se o que havíamos feito estava bom. Até hoje mudamos coisas em termos de som e em termos de espaço. Neste sentido, mesmo depois de todo o trabalho, o “Saltos no Tempo” é uma obra aberta, ainda em composição. 3 – Dois temas são bastante candentes hoje em educação e eles estão presentes de forma muito nítida neste trabalho de vocês: projetos de trabalho e trabalho colaborativo ou aprendizagem colaborativa. Como é o desenvolvimento de um projeto como este? Todos aprendem as mesmas coisas? A aprendizagem de uns ajuda a aprendizagem dos outros? Aprendem com o professor ou com os colegas? Uma característica marcante d’O Passo é a autonomia. Quem aprende se apropria não apenas do conhecimento, mas também do processo pelo qual adquiriu o conhecimento. Quem aprende sabe exatamente como aprendeu. Assim, imediatamente, como se fosse tudo uma coisa só, quem aprende pode em seguida ensinar. Estamos vendo isso o tempo todo, nossos estudantes ensinam aos irmãos, aos amigos, aos pais e aos outros estudantes. O trabalho no “Saltos no Tempo” é polifônico, várias vozes falando coisas diferentes, mas num mesmo discurso. Cada um segue um trajeto diferente para compor a riqueza que se tem ao final. O interessante é que vários integrantes sabem várias frases. Há em alguns momentos uma simetria nas frases que ajuda quem está indo a entender seu próprio caminho a partir do caminho daquele que está vindo. Contudo, o mais importante, o que permite este diálogo, é a vontade de dialogar (que está diretamente relacionada à capacidade de dialogar). Os arranjos compostos na perspectiva que O Passo propõe, a exemplo
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do “Saltos no Tempo”, evidenciam a necessidade do diálogo (quanto melhor alguém ao meu lado toca, melhor eu toco), e O Passo fornece as ferramentas necessárias para que este diálogo se dê. Assim, com O Passo, fica clara a diferença entre “tocar ao lado” e “tocar junto”. 4 – Esta obra pode parecer tudo, menos primitiva. Os sons são produzidos só com movimentos de corpos, corpos em movimento, nenhum outro instrumento fabricado pelo homem. Mas tem tecnologia por trás disso, você me disse. Por que fazer a partitura usando um programa de edição de apresentações? Por que não usou uma partitura tradicional com suas claves de sol sobre as cinco linhas da pauta? Isso já é tão conhecido, por que mudar? Só para ser ou parecer contemporâneo? No caso do “Saltos no Tempo” usar um outro tipo de partitura foi uma necessidade e não uma opção. O uso da tecnologia viabilizou nossa música. Com uma partitura tradicional não teríamos como deixar claro o espaço, e ele aqui é fundamental. O uso do Power Point foi importante também para que com o recurso “apresentação de slides” pudéssemos ter uma idéia de como espacialmente a peça se desenvolveria. 5 – Você diria que qualquer um toca isso? Quanto e que tipo de trabalho foi necessário para chegar até aí? Acho, sim, que qualquer um pode chegar a tocar isso. Mas é importante ter me mente que todos os que estão ali construíram através d’O Passo uma base musical extremamente sólida. Neste sentido, para os integrantes do Bloco do Passo esse não é, no nosso show, nosso maior desafio. Certamente houve muito trabalho para ensaiar o “Saltos no Tempo”, mas houve muito mais trabalho anteriormente para potencializá-lo.
6 – Esta nossa conversa é para ser colocada em um curso de formação de educadores para uso de tecnologia. Fará parte da unidade em que tratamos de “prática pedagógica e mídias digitais”. Você diria que há alguma coisa a aprender com este trabalho do “Saltos no tempo” que seja útil para quem vai trabalhar com tecnologia? Voltando um pouco à sua primeira pergunta, eu diria que o “Saltos no Tempo” é um bom exemplo de como a tecnologia se desenvolve. No início, havia apenas uma idéia cênico-musical, uma imagem. Não havia partitura para organizar a idéia, não havia ferramentas didáticas para compartilhar a idéia e não havia nem mesmo a rede para realizar a idéia. Todos os meios para se alcançar o objetivo de ver soar aquela música tiveram que ser criados. Tudo certamente a partir minhas experiências anteriores, mas dentro de um movimento de firme propósito de ir onde fosse necessário e abertura para experimentar vários caminhos até achar um que fosse satisfatório. 7 – O que mais você gostaria de dizer sobre este seu trabalho para colegas nossos, professores? Não nos esqueçamos de que todos os nossos estudantes estão sempre dispostos a vencer um desafio, desde que entendam que vale a pena vencer este desafio e desde que tenham a certeza de que possuem e sabem usar as ferramentas necessárias para vencêlo. Essa compreensão é a que me move cada vez mais em direção a essa nossa profissão que, quando bem feita, é única. *** Entrevista cedida ao Prof. Alberto Tornaghi para compor o material do curso Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC
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O Mito da telinha — ou o paradoxo do fascínio da educação mediada pelo computador Graziela Giusti Pachane Resumo Partindo de uma discussão dos limites e possibilidades abertas pelas inovações tecnológicas na educação, o objetivo do presente trabalho é salientar que a introdução de novas tecnologias na educação (TV, vídeo e/ou computador) pode gerar resultados positivos ou negativos, dependendo do uso que o professor faz dessas tecnologias. Salienta-se, também, a necessidade de que mais discussões sobre o efeito dessas inovações sejam realizadas e de que os professores estejam preparados para agir neste novo contexto que se apresenta, possibilitando a desmi(s)tificação do computador em sala de aula. Palavras-Chave Novas tecnologias; Educação; Formação de professores; Informática na educação. Abstract The aim of this paper is to discuss the introduction of new technologies in education, emphasizing that this process can have positive or negative results, depending on the way they are employed by teachers. The limits and possibilities of innovative technologies in education are also discussed. Finally, it is emphasized the need of more debates about the effect of those innovations and that teachers get prepared to act in this new context, allowing the demystification of the use of computers in the classroom. Key Words New technology; Education; Teacher education; Computer in education.
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“Primeiro, a luz é tão intensa que ele não consegue enxergar nada. Depois, a precisão dos contornos da figura, de que ele até então só vira as sombras, ofusca a sua visão.(...) Mas depois de esfregar os olhos, ele (...)vê o sol brilhando no céu e entende que o sol dá vida às flores e aos animais da natureza, assim como também era graças ao fogo da caverna que ele podia ver as sombras refletidas na parede” (Alegoria da Caverna, de Platão, em O mundo de Sofia) Em 1994, José Manuel Moran, professor de Televisão e pesquisador do Projeto Escola do Futuro da USP, escreveu sobre o fascínio exercido pela TV nas pessoas, e como este fascínio poderia ser utilizado pela educação. Comparava, de modo geral, o ensino tradicional com as possibilidades abertas pela educação mediada pelos meios de comunicação. Apelava para a teoria das inteligências múltiplas1 para mostrar que a educação tradicional, geralmente (talvez possamos até dizer folcloricamente) calcada em cuspe e giz, apelava para apenas algumas das inteligências — em especial a lógico¬matemática e a lingüística – favorecendo somente as pessoas que tivessem predomínio destas habilidades2. Os demais alunos, mesmo os mais “bem dotados”, sentir-
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A teoria das inteligências múltiplas foi elaborada por Howard Gardner. Em síntese, o autor afirma que conhecemos através de um sistema de “inteligências” ou habilidades
se-iam desestimulados em um ambiente no qual não pudessem desenvolver suas aptidões mais “natas”. Uma das conclusões a que chegou é que os meios de comunicação, em especial a TV e o vídeo, seriam mecanismos interessantes para dar mais vida à educação pois: operam imediatamente com o sensível, o concreto, principalmente a imagem em movimento. Combinam a dimensão espacial com a cinestésica, onde o ritmo torna-se cada vez mais alucinante (como nos video clips). Ao mesmo tempo, utilizam a linguagem conceitual, falada e escrita, mais formalizada e racional. Imagem, palavra e música se integram dentro de um contexto comunicacional afetivo, de forte impacto emocional, que facilita e predispõe a conhecer mais favoravelmente (MORAN, 1994, p. 44). E complementava salientando que televisão e vídeo combinam, sobrepondo linguagens, uma multiplicidade de imagens e ritmos, com uma variedade fascinante de falas, de música, de sons, de textos escritos. Essa riqueza fantástica de combinações de linguagens sacode nosso cérebro, nosso eu, através de todos os caminhos possíveis, atingindo-nos sensorial, afetiva e racionalmente. Segundo o autor, somos ‘tocados’ pela imagem através dos movimentos de câmera, pela música que nos comove, pela narração emocionada de
interconectadas e, em parte, independentes, localizadas em regiões diferentes do cérebro, com pesos diferentes para cada indivíduo e para cada cultura. Estas
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diferentes “inteligências”, em número de sete, seriam: lingüística, lógico-matemática,
uso do termo “inteligência”. A esse respeito, ver o texto de Eduardo Chaves,
espacial, musical, cinestésico-corporal, intrapessoal e interpessoal.
“Educação, temas transversais e tecnologia?”, no livro “Pesquisa em educação”
É necessário destacar que existem diversas críticas a estas teorias, em especial ao
organizado por Lombardi (Autores Associados, 1999, p. 119-120).
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uma vítima ou apresentador. Enquanto a imagem e a música nos sensibilizam, a palavra escrita (textos, legendas) orientam a decodificação, racionalizam o processo. Normalmente, a imagem mostra, a palavra explica, a música sensibiliza, o ritmo entretém. Mas as funções mudam, se intercambiam, se superpõem. Para Moran (1994, p. 44), todos os sentidos são acionados, o nosso ser como um todo é atingido, ou seja, os meios nos atingem por caminhos diferentes simultaneamente: tanto a lógica racional quanto a analógica recebem um apoio contínuo da lógica sensorial-emocional. A televisão nos ‘toca’, nos atinge, na relação imagem, palavra, música, afetivamente, desperta emoções imediatas, que orientam a compreensão da realidade no nível analógico e/ou conceitual. Em suas palavras: “todo o nosso ser é atingido e não só a inteligência. Daí a sua força” A TV, portanto, permite um ritmo mais acelerado, permite incluir música, permite o trabalho com imagens, com filmes, desenhos, enfim, permite “animação”, enquanto o ensino tradicional prende-se a formas mais “estáticas” e abstratas. O uso de mídias, nesse sentido, possibilitaria impor-se mais ritmo, mais cor, enfim, mais vida na educação. Além de todo o deslumbramento sempre causado pelas “novidades”. Porém, a introdução da TV no campo educacional (seja através de filmes, noticiários, documentários, programas didáticos) gerava um discurso em monólogo. Ela “falava” e os estudantes recebiam (escutavam/viam). Não que esta recepção seja compreendida de forma passiva; a partir dela os professores poderiam promover debates com seus alunos, levando-os a reflexões a respeito do conteúdo (e por que não da forma) das mensagens recebidas. No entanto, o estudante — e mesmo o
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professor — ficava preso ao discurso promovido pela TV. Sua liberdade, quando utilizando-se de um vídeo cassete, ou mesmo de um gravador — que apresenta recursos mais limitados mas não deixa de ser uma alternativa — poderia se constituir em soltar a fita, rebobiná-la, avançála ou dar “pause” ou “stop” no momento que achasse conveniente. Mais que isso a “interação” com o equipamento não permitia. O uso das novas mídias (CD, DVD e, em especial, do computador) como ferramentas educacionais, por suas múltiplas possibilidades, vem quebrar, inclusive, essa limitação. Mesmo na utilização mais simples das novas ferramentas tecnológicas, como ao usar o computador como uma máquina de escrever, um “word processor”, operam-se “revoluções”. Os alunos e professores, tradicionalmente habituados a fazer seus trabalhos manuscritos ou driblando os inúmeros erros cometidos quando datilografando-os — hoje soa até estranho falarmos em datilografar, com seus parcos recursos de correção (fitinhas, lápis borracha e posteriormene “Errorex”, ou “branquinho”) e de estilo (tabulações, fita preta/vermelha, sublinhado e, apenas nas máquinas elétricas de última geração, negrito) — passam a poder “editar” seus textos com recursos bastante interessantes (como escolher tipo/tamanho, cor e forma das letras, tipo de parágrafo, realizar ou não separações silábicas...). Até mesmo as tão desagradáveis notas de rodapé tornam-se luxuosos links que geram ao leitor a liberdade da leitura “não-linear”, seguindo a ordem de seus interesses! As cópias, antes duramente reproduzidas com auxílio de papel carbono
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(quantas vezes não copiávamos nas costas do original...) ou do mimeógrafo, e mais raramente de cópias xerox, saem agora editadas, digitalmente, de nossas Epsons, HPs. Um ganho fenomenal na estética da produção do aluno e do professor, O computador gradativamente incorpora mais e mais recursos “midiáticos”. Através dele, pode-se incluir figuras, imagens, sons e músicas ao texto, aproximando-o, cada vez mais, do texto publicitário, e de seu discurso apelativo. Se a “caixa de luz colorida” chamada TV era fascinante com seu ar imponente tomando o melhor lugar da sala de visitas — e por que não na sala de aula — a “caixa de luz colorida com teclado” torna¬se mais fascinante ainda, pois permite a seu usuário (veja bem, não é mais espectador), interagir com ela.
de (tele) comunicação. Além de interatividade, o uso do computador cria a possibilidade de interação4 via uma “central de comunicações”. Rádio, TV, telefone, fax, copiadora ao nosso alcance, em um único “objeto”, capaz de transmitir textos, sons, imagens e propiciar comunicação simultânea (sincrônica) com pessoas em diferentes localidades ou de permitir a permanência de mensagens assíncronas, ou seja, em tempos diferentes de emissão e recepção.
É a interatividade3 em ação.
Ruptura do monólogo da TV, ruptura dos limites de tempo e espaço, ruptura da “linearidade” no momento de leitura de um texto, ruptura das inúmeras dificuldades de acesso à informação, enfim, ruptura de uma série de barreiras anteriormente intransponíveis pelo homem, ou transponíveis apenas com o dispêndio de muito tempo ou dinheiro, o uso do computador abre-se como a possibilidade redentora para toda a exclusão educacional.
Podemos escolher o aspecto que mais nos agrada, podemos escolher o caminho que mais nos agrada para chegarmos ao fim desejado, podemos salvar inúmeros documentos com uma economia de espaço físico fenomenal, podemos corrigir nossos documentos sem desperdiçar folhas e folhas de papel sulfite ou almaço, além de nosso precioso tempo para refazer todo o trabalho perdido e, com o advento da Internet, podemos utilizar o computador não apenas como uma ferramenta de elaboração e arquivamento de textos, mas como um completo sistema
Auxiliado por sistemas de satélite e pela exploração de novas fontes de energia, o uso computador permite a chegada do “saber” (?) a locais de difícil acesso (como aldeias ou localidades desérticas), a inclusão de grupos antes excluídos do processo educativo (como crianças portadores de deficiências, ou crianças doentes, cujo contato com demais colegas é impossibilitado pela enfermidade, até grupos nômades que ainda sobrevivem em diferentes partes do mundo), e a “quebra” de barreiras de tempo e espaço que propiciam a oportunidade de estudar àqueles que trabalham, ou
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Por interatividade estamos entendendo tanto a potencialidade técnica oferecida por
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Estamos entendendo por interação a ação recíproca entre dois ou mais atores
determinado meio como a atividade humana, do usuário, de agir sobre uma máquina
onde ocorre intersubjetividade, isto é, encontro de dois sujeitos que pode ser
e dela receber, em retroação, uma resposta.
direto ou indireto.
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exercem já outra atividade, sem que este tenha necessidade de estar “preso” a horários e locais prédeterminados, estes muitas vezes distantes e aqueles muitas vezes coincidentes com horários de trabalho... Permitindo, como já dissemos, uma maior aproximação do discurso apelativo da publicidade, o uso do computador surge também como a possibilidade redentora de propiciar maior motivação a alunos apáticos em sala de aula: As tecnologias, dentro de um projeto pedagógico inovador, facilitam o processo de ensino-aprendizagem: sensibilizam para novos assuntos, trazem informações novas, diminuem a rotina, nos ligam com o mundo, com as outras escolas, aumentam a interação (redes eletrônicas), permitem a personalização (adaptação ao ritmo de trabalho de cada aluno) e se comunicam facilmente com o aluno, porque trazem para a sala de aula as linguagens e meios de comunicação do dia-a-dia. (MORAN, 1994, p. 48) Inegáveis são os ganhos obtidos com a utilização do computador no nosso dia-a-dia, não apenas na educação, mas em todos (absolutamente todos) os campos das atividades humanas. Vale lembrar, entre outros, o uso do computador para realização de diagnósticos médicos, para organização do sistema bancário ou como simulador, permitindo, através da realidade virtual, testes sem risco real. No entanto, numa época marcada pela efervescência de situações paradoxais, numa intensidade nunca antes vislumbrada em nossa história (Gamboa, 1999), o uso do computador como ferramenta educativa não poderia deixar de ser, ele também, paradoxal.
Se seu fascínio, se as facilidades por ele proporcionadas abrem-nos tão grandes possibilidades, este mesmo fascínio, assim como a falsa sensação de liberdade de escolha5 que nos imputa, colocam-nos diante de novos, e talvez mais complexos e desafiadores, problemas. Surgem novas questões, para muitas das quais ainda não temos sequer o esboço de respostas. Entre elas, podemos nos questionar se numa época marcada por tão alarmante exclusão social (milhões de pessoas no mundo passam fome e não são atendidas por redes de água tratada e esgoto) faz sentido pensarmos em “exclusão digital”; se a educação à distância (no nosso caso mais específico, através de “e-learning”) pode (ajudar a) resolver o problema da exclusão educacional; se a perspectiva por trás das propostas de “inclusão” não têm em vista apenas a crescente (e por que não perversa) tendência de inserção no processo produtivo. Podemos nos questionar sobre qual o “objetivo” da educação possível de ser proporcionada pela utilização de EaD: preparar o produtor/consumidor para o sistema ou promover o desenvolvimento integral da pessoa humana? E, ainda, se tornar o ensino à distância, especialmente via Web, a “saída” para resolver o problema da exclusão educacional não poderia, paradoxalmente, acarretar uma ampliação no “fosso” dos excluídos? Um dos aspectos que nos parece entre os mais preocupantes é como lidar com opróprio fascínio exercido pelas novas tecnologias de
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O menu de opções do computador nos passa uma imagem falsa de liberdade, de quebra da linearidade e de que estamos “interagindo”, quando, na verdade, estamos presos à lógica e aos caminhos (e caprichos) impostos pela máquina – e conseqüentemente, a suas limitações. Embora as possibilidades de escolha sejam mais complexas, não há uma liberdade de escolha “infinita”, como nos é sugerido.
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comunicação, em especial o computador, para que seu “brilho” não nos ofusque: A grande maioria não vê os meios de comunicação como problema. O trabalho educativo consiste em problematizar o que não é percebido como problema e, com os educadores, desproblematizar o que é visto como só problema. Mostrar as contradições das leituras simplistas, tanto as dos ingênuos como a dos intelectuais. Partir dos meios para aprofundar outras dimensões do ser humano que ignoram, para organizar o conhecimento dentro de um projeto integral do ser humano, para ajudá-lo a libertar-se e a não depender do que eles afirmam. (HASSE, 1999, p. 46) Adaptado do uso empresarial, uma vez mais, como já desde Bobbitt e Tyler vinhase fazendo — ou talvez, mesmo antes, tendo em vista que a educação sempre esteve atrelada aos interesses de castas, classes e grupos dominantes — vem crescendo cada vez mais a visão do computador como A solução mais eficaz para todos os problemas da educação. Hasse (1999, p. 124-129) destaca que ao longo das últimas décadas, de forma um pouco atordoada, este instrumento vem fazendo a sua entrada na esfera educacional, tanto na administração quanto no processo de ensino e aprendizagem. Ela observa que, no Brasil, verificam-se várias tentativas, por vezes exageradas e afobadas, de implementação de recursos tecnológicos ao ensino nas escolas públicas e privadas. Revestido de uma ‘modernidade’ que lhe confere atratividade e poder de sedução, o computador configura-se hoje como ferramenta indispensável à imagem da escola que se pretende “progressista”.
No entanto, observa-se que a insistência demasiada na aplicação de tecnologias na educação, em especial do computador e seus afiliados, se deve, em grande parte, ao “marketing” em torno da modernização proporcionada por sua instalação. Segundo Almeida (1998, p. 9), multiplicam-se os ‘slogans’ que apontam para as excelsas qualidades pedagógicas do computador. Ele é aceito em nome de uma maior atenção ao ritmo individual do aluno, ou como repetidor infinitamente paciente, ou ainda, como simulador de experiências caras, complexas e perigosas; ou como instrumento que vai preparar o aluno para o século futuro, ou aquele que trará a dimensão lúdica aos arcaicos bancos escolares. Pesados investimentos em propaganda por parte das empresas que operam os sistemas de informatização educacional (e que podem ser vistos em qualquer revista de educação da atualidade), aliados à falta de uma discussão mais ampla em torno dos benefícios e prejuízos causados pelo uso do computador e ao desejo de se encontrar uma form(ul)a barata e fácil de oferecer educação atraente a todos, colaboram para que o computador assuma, hegemonicamente, o papel de redentor da educação. Segundo Hasse (1999, p. 124), não se conhece ao certo o impacto dessas novas ferramentas nas crianças, mas “pais e muitos profissionais da educação vivem a ilusão de que as inovações tecnológicas, e agora especialmente o computador, são salvadoras do atual sistema de ensino”. A autora salienta que a implementação e a utilização do computador na escola estão acontecendo sem que os profissionais da educação tenham
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um conhecimento mais aprofundando deste instrumento, das suas implicações no processo de ensino e aprendizagem e das condições em que tal aproximação torna-se mais ou menos eficaz ou produtiva. Assim, as grandes expectativas quanto aos resultados do computador como estratégia de inovação da prática pedagógica podem estar equivocadas, podem ser, simplesmente, ilusórias: Acreditar que a implementação e utilização do computador em sala de aula possam transformar a ação docente é reduzir o processo de ensino e aprendizagem a um simples problema de tecnologia, ou seja, é acreditar que o computador, por ser um instrumento ‘novo’ e ‘moderno’, renove o ensino, tornando-o mais dinâmico e atrativo, tanto para os professores quanto para os alunos. [...] O uso de tecnologias, como o computador, o vídeo e a televisão, nem sempre significam que tudo na escola passe a ser novo ou diferente. [...]A introdução do computador na escola como a “solução” para todas as prostrações do atual sistema de ensino poderá acarretar apenas aparentes mudanças e, o que é ainda pior, poderá propiciar o que já aconteceu com a televisão, o vídeo e outras tecnologias: após uma época de euforia, a redução na utilização ou o total abandono. Vale lembrar que nenhuma proposta de uso de tecnologia, até o momento, por si só produziu melhoria da qualidade de ensino. (Hasse, 1999, p. 131-132) Como observa Ponte (1992), o computador por si só pode ser tanto uma contribuição positiva como negativa para o processo de ensino e aprendizagem, dependendo da FORMA COMO FOR UTILIZADO. Portanto, não se pode atribuir aos computadores a responsabilidade por determinar autonomia ou a passividade dos alunos, muito menos eles podem se constituir, por si só, em agentes motivadores da aprendizagem. Essas
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são questões inerentes à pedagogia do professor. É dependendo do trabalho do professor, com ou sem computador, que os alunos serão autônomos ou, ao contrário, totalmente passivos; e que os alunos demonstrarão interesse ou total desinteresse pelas aulas. É para as mãos do professor, ao que nos parece, que converge a busca da superação do paradoxo da sedução. Por uma lado, como ressalta Rubem Alves, é necessário que a educação seduza e envolva seu aluno no processo de aprendizagem; por outro, o olho cegado pela forte luz fora da caverna platônica deve gradativamente ir superando o “deslumbramento primeiro” e ir compreendendo o mundo para além de como esse se nos apresenta. É necessário partir-se da sedução, mas no sentido de superar-se, através do pensamento, a ilusão cega: Antes de mais nada é preciso seduzir. [...] Os gregos diziam que o pensamento começa quando a gente fica meio abobalhado diante de um objeto. Eles tinham até uma palavra para isso — thaumazein. Nesse sentido [a educação] começaria com um enigma. Você tem a mesma sensação de quando está diante de um mágico, ele faz uma coisa absurda e você quer saber como ele conseguiu aquilo. Com as coisas da vida é o mesmo. (ALVES, 2002, p. 3) Assim, uma das conclusões — ou sínteses provisórias — a que chegamos é que o computador pode ser um aliado na luta pela inserção e pela manutenção dos indivíduos no processo educativo, tornando-o até um processo prazeroso, dependendo do uso que é feito dele:
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é preciso lembrar, no entanto, que, apesar de todo o esforço na aquisição de equipamentos e programas educativos e apesar de todas as contribuições que o computador possa trazer ao trabalho pedagógico e ao desenvolvimento do aluno, muito precisa ser feito para que resultados significativos sejam alcançados. A simples convivência com os computadores nem sempre resulta em melhores desempenhos dos seus usuários. Isto significa que o trabalho com o computador na escola deve ser bem planejado e desenvolvido, de modo que só torne oportunas experiências válidas e gratificantes dos alunos. Experiências que, a nosso ver, devem ultrapassar um caráter meramente recreativo, ilustrativo, ou, então, de uma máquina de escrever eletrônica. (HASSE, 1999, p. 138) Para tanto, precisamos de professores capacitados, conscientes do potencial e dos limites do uso do computador, de pessoal preparado para resolver seus problemas técnicos, treinados para utilizá-lo bem, de acesso irrestrito às máquinas e à Internet, de alunos que dominem as ferramentas oferecidas pelos sistemas. Porém precisamos, em primeiro lugar, superar as visões simplistas, ou simplesmente deslumbradas, que se tem a respeito das novas tecnologias e sua inserção na educação. Precisamos de uma compreensão muito mais ampla por parte de todos os envolvidos no processo, dos paradoxos que envolvem o computador e as novas mídias, para superar sedução ofuscante da visão linear, tradicional e unidirecional que nos é imposta de que o computador é mais novo redentor da humanidade. Referências ALMEIDA, F. J. Educação e informática: os computadores na escola. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo).
ALVES, Rubem. Só aprende quem tem fome. Entrevista à Revista Nova Escola, 2002. Disponível em: <www.rubemalves.com.br>. Acesso em : junho 2002. HASSE, Simone Hedwig. Informática na educação: mito ou realidade? In: LOMBARDI, José Claudinei (Org.). Pesquisa em educação: história, filosofia e temas transversais. Campinas, SP: Autores Associados: HISTEDBR ; Caçador, SC: UnC, 1999. GAMBOA, Silvio. A pesquisa na construção da universidade: compromisso com a aldeia num mundo globalizado. In: LOMBARDI, José Claudinei (Org.). Pesquisa em educação: história, filosofia e temas transversais. Campinas, SP: Autores Associados: HISTEDBR ; Caçador, SC: UnC, 1999. GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995. MORAN, José Manuel. Interferências dos meios de comunicação no nosso conhecimento. Revista Brasileira de Comunicação – INTERCOM, v.17, n.2, São Paulo, p.38-49, jul/dez. 1994. PONTE, J. O computador: um instrumento da educação. Lisboa: Texto, 1992. *** Graziela Giusti Pachane Doutora em Educação pela Unicamp Professora no Instituto Superior de Ciências Aplicadas – Limeira – SP Professora do programa de Pós-Graduação da UNIT – Uberlândia – MG Aceito para publicação em: 30/11/2003 - © ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.5, n.1, p.40-48, dez. 2003 – ISSN: 1517-2539.
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