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CURRÍCULO, PROJETOS E TECNOLOGIA



UNIDADE 4 - CURRÍCULO, PROJETOS E TECNOLOGIA

Pedro Demo aborda os desafios da linguagem no século XXI Pedro Demo é professor do departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). PhD em Sociologia pela Universidade de Saarbrücken, Alemanha, e pós-doutor pela University of California at Los Angeles (UCLA), possui 76 livros publicados, envolvendo Sociologia e Educação. No mês passado esteve em Curitiba para uma palestra promovida pela Faculdade Opet, e conversou com o Nota 10. O tema de sua palestra é “Os desafios da linguagem do século XXI para a aprendizagem na escola”. Quais são os maiores desafios que professores e alunos enfrentam, envolvendo essa linguagem? A escola está distante dos desafios do século XX. O fato é que quando as crianças de hoje forem para o mercado, elas terão de usar computadores, e a escola não usa. Algumas crianças têm acesso à tecnologia e se desenvolvem de uma maneira diferente - gostam menos ainda da escola porque acham que aprendem melhor na internet. As novas alfabetizações estão entrando em cena, e o Brasil não está dando muita importância a isso – estamos encalhados no processo do ler, escrever e contar. Na escola, a criança escreve porque tem que copiar do quadro. Na internet, escreve porque quer interagir com o mundo. A linguagem do século XXI – tecnologia, internet – permite uma forma de aprendizado diferente. As próprias crianças trocam informações entre si, e a escola está longe disso. Não acho que devemos abraçar isso de qualquer maneira, é preciso ter espírito crítico - mas não tem como ficar distante. A tecnologia vai se implantar aqui “conosco ou sem nosco”.

A linguagem do século XXI envolve apenas a internet? Geralmente se diz linguagem de computador porque o computador, de certa maneira, é uma convergência. Quando se fala nova mídia, falamos tanto do computador como do celular. Então o que está em jogo é o texto impresso. Primeiro, nós não podemos jogar fora o texto impresso, mas talvez ele vá se tornar um texto menos importante do que os outros. Um bom exemplo de linguagem digital é um bom jogo eletrônico – alguns são considerados como ambientes de boa aprendizagem. O jogador tem que fazer o avatar dele – aquela figura que ele vai incorporar para jogar -, pode mudar regras de jogo, discute com os colegas sobre o que estão jogando. O jogo coloca desafios enormes, e a criança aprende a gostar de desafios. Também há o texto: o jogo vem com um manual de instruções e ela se obriga a ler. Não é que a criança não lê – ela não lê o que o adulto quer que ele leia na escola. Mas quando é do seu interesse, lê sem problema. Isso tem sido chamado de aprendizagem situada – um aprendizado de tal maneira que apareça sempre na vida da criança. Aquilo que ela aprende, quando está mexendo na internet, são coisas da vida. Quando ela vai para a escola não aparece nada. A linguagem que ela usa na escola, quando ela volta para casa ela não vê em lugar nenhum. E aí, onde é que está a escola? A escola parece um mundo estranho. As linguagens, hoje, se tornaram multimodais. Um texto que já tem várias coisas inclusas. Som, imagem, texto, animação, um texto deve ter tudo isso para ser atrativo. As crianças têm que aprender isso. Para você fazer um blog, você tem que ser autor – é uma tecnologia maravilhosa porque puxa a autoria. Você não pode fazer um blog pelo outro, o blog é seu, você tem que redigir, elaborar, se expor, discutir. É muito comum lá fora, como nos Estados Unidos, onde milhares de crianças de sete anos que já são autoras de ficção estilo Harry Potter no blog, e discutem animadamente com outros autores mirins. Quando vão para a escola, essas crianças se aborrecem, porque a escola é devagar.

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Então a escola precisa mudar para acompanhar o ritmo dos alunos? Precisa, e muito. Não que a escola esteja em risco de extinção, não acredito que a escola vai desaparecer. Mas nós temos que restaurar a escola para ela se situar nas habilidades do século XXI, que não aparecem na escola. Aparecem em casa, no computador, na internet, na lan house, mas não na escola. A escola usa a linguagem de Gutenberg, de 600 anos atrás. Então acho que é aí que temos que fazer uma grande mudança. Para mim, essa grande mudança começa com o professor. Temos que cuidar do professor, porque todas essas mudanças só entram bem na escola se entrarem pelo professor – ele é a figura fundamental. Não há como substituir o professor. Ele é a tecnologia das tecnologias, e deve se portar como tal. Qual é a diferença da interferência da linguagem mais tecnológica para, como o senhor falou, a linguagem de Gutenberg? Cultura popular. O termo mudou muito, e cultura popular agora é mp3, dvd, televisão, internet. Essa é a linguagem que as crianças querem e precisam. Não exclui texto. Qual é a diferença? O texto, veja bem, é de cima para baixo, da esquerda para a direita, linha por linha, palavra por palavra, tudo arrumadinho. Não é real. A vida real não é arrumadinha, nosso texto que é assim. Nós ficamos quadrados até por causa desses textos que a gente faz. A gente quer pensar tudo seqüencial, mas a criança não é seqüencial. Ela faz sete, oito tarefas ao mesmo tempo – mexe na internet, escuta telefone, escuta música, manda email, recebe email, responde - e ainda acham que na escola ela deve apenas escutar a aula. Elas têm uma cabeça diferente. O texto impresso vai continuar, é o texto ordenado. Mas vai entrar muito mais o texto da imagem, que não é hierárquico, não é centrado, é flexível, é maleável. Ele permite a criação conjunta de algo, inclusive existe um termo interessante para isso que é

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“re-mix” – todos os textos da internet são re-mix, partem de outros textos. Alguns são quase cópias, outros já são muito bons, como é um texto da wikipedia (que é um texto de enciclopédia do melhor nível). Qual a sua opinião sobre o internetês? Assim como é impossível imaginar que exista uma língua única no mundo, também existem as línguas concorrentes. As sociedades não se unificam por língua, mas sim por interesses comuns, por interatividade (como faz a internet por exemplo). A internet usa basicamente o texto em inglês, mas admite outras culturas. Eu não acho errado que a criança que usa a internet invente sua maneira de falar. No fundo, a gramática rígida também é apenas uma maneira de falar. A questão é que pensamos que o português gramaticalmente correto é o único aceitável, e isso é bobagem. Não existe uma única maneira de falar, existem várias. Mas com a liberdade da internet as pessoas cometem abusos. As crianças, às vezes, sequer aprendem bem o português porque só ficam falando o internetês. Acho que eles devem usar cada linguagem isso no ambiente certo – e isso implica também aprender bem o português correto. O senhor é um grande escritor na área de educação, e tem vários livros publicados. Desses livros qual é o seu preferido? Posso dizer uma coisa? Eu acho que todos os livros vão envelhecendo, e eu vou deixando todos pelo caminho. Não há livro que resista ao tempo. Mas um dos que eu considero com mais impacto – e não é o que eu prefiro – é o livro sobre a LDB (A Nova LDB: Ranços e Avanços), que chegou a 20 e tantas edições. É um livro que eu não gosto muito, que eu não considero um bom livro, mas... Outros livros que eu gosto mais saíram menos, depende muito das circunstâncias. Eu gosto sobretudo de um livrinho que eu publiquei em 2004, chamado Ser Professor é Cuidar que o Aluno Aprenda. É o ponto que eu queria transmitir a todos


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os professores: ser professor não é dar aulas, não é instruir, é cuidar que o aluno aprenda. Partir do aluno, da linguagem dele, e cuidar dele, não dar aulas. O professor gosta de dar aula, e os dados sugerem que quanto mais aulas, menos o aluno aprende. O professor não acredita nisso, acha que isso é um grande disparate. Mas é verdade. É melhor dar menos aulas e cuidar que o aluno pesquise, elabore, escreva - aprenda. Aí entra a questão da linguagem de mídia: a língua hoje não é dos gramáticos, é de quem usa a internet. Então a língua vai andar mais, vai ter que se contorcer, vai ser mais maleável. Então o professor gosta de dar aulas deve mudar esse pensamento? É um grande desafio: cuidar do professor, arrumar uma pedagogia na qual ele nasça de uma maneira diferente, não seja só vinculado a dar aulas. A pedagogia precisa inventar um professor que já venha com uma cara diferente, não só para dar aulas e que seja tecnologicamente correto. Que mexa com as novas linguagens, que tenha blog, que participe desse mundo – isso é fundamental. Depois, quando ele está na escola, ele precisa ter um reforço constante para aprender. É preciso um curso grande, intensivo, especialização, voltar para a universidade, de maneira que o professor se reconstrua. Um dos desejos que nós temos é de que o professor produza material didático próprio, que ainda é desconhecido no Brasil. Ele tem que ter o material dele, porque a gente só pode dar aula daquilo que produz - essa é a regra lá fora. Quem não produz não pode dar aula, porque vai contar lorota. Não adianta também só criticar o professor, ele é uma grande vítima de todos esses anos de descaso, pedagogias e licenciaturas horríveis, encurtadas cada vez mais, ambientes de trabalho muito ruins, salários horrorosos... Também nós temos que, mais que criticar, cuidar do professor para que ele se coloque a altura da criança. E também, com isso, coloque à altura da

criança a escola – sobretudo a escola pública, onde grande parte da população está. *** Fonte Esta entrevista encontra-se disponível no Portal do Professor no endereço: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/ ou no link: http://www.nota10.com.br/novo/web/noticia_view. php?noticia_id=749

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Por quê o computador na educação?

José Armando Valente Introdução Foi dito no capítulo anterior que o computador está propiciando uma verdadeira revolução no processo de ensino-aprendizagem. Uma das razões dessa revolução é o fato de ele ser capaz de ensinar. Entretanto, o que transparece, é que a entrada dos computadores na educação tem criado mais controvérsias e confusões do que auxiliado a resolução dos problemas da educação. Por exemplo, o advento do computador na educação provocou o questionamento dos métodos e da prática educacional. Também provocou insegurança em alguns professores menos informados que receiam e refutam o uso do computador na sala de aula. Entre outras coisas, esses professores pensam que serão substituídos pela máquina. Além disso, o custo financeiro para implantar e manter laboratórios de computadores exige que os administradores adicionem alguma verba ao já minguado orçamento da escola. Finalmente, os pais exigem o uso do computador na escola, já que seus filhos, os futuros membros da sociedade do século 21, devem estar familiarizados com essa tecnologia. Tendo em mente esse panorama, talvez um pouco exagerado mas, não impossível, as perguntas mais comuns e naturais que se faz são: que benefícios serão conseguidos com a introdução do computador na educação? ou, por quê usar o computador na educação? Existe realmente algum benefício auferido ou é uma questão de modismo? A posição defendida nesse capítulo é a de que o computador pode provocar uma mudança de

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paradigma pedagógico. Como foi discutido no capítulo anterior, existem diferentes maneiras de usar o computador na educação. Uma maneira é informatizando os métodos tradicionais de instrução. Do ponto de vista pedagógico, esse seria o paradigma instrucionista. No entanto, o computador pode enriquecer ambientes de aprendizagem onde o aluno, interagindo com os objetos desse ambiente, tem chance de construir o seu conhecimento. Nesse caso, o conhecimento não é passado para o aluno. O aluno não é mais instruído, ensinado, mas é o construtor do seu próprio conhecimento. Esse é o paradigma construcionista onde a ênfase está na aprendizagem ao invés de estar no ensino; na construção do conhecimento e não na instrução. Entretanto, a questão ainda é: como e por quê o computador pode provocar a mudança do instrucionismo para o construcionismo? Será que o computador não está sendo usado como uma grande panacéia educacional, como tantas outras soluções já adotadas? E tudo não continuou exatamente como era? Quantas vezes essa mudança pedagógica já não foi proposta? As Visões Céticas e Otimistas da Informática em Educação A introdução de uma nova tecnologia na sociedade provoca, naturalmente, uma das três posições: ceticismo, indiferença ou otimismo. A posição dos indiferentes é realmente de desinteresse ou apatia: eles aguardam a tendência que o curso da tecnologia pode tomar e aí, então, se definem. Já, as visões cética e otimista, são mais interessantes para serem discutidas. Elas nos permitem assumir uma posição mais crítica com relação aos novos avanços tecnológicos. São essa duas visões que serão discutidas a seguir.

A Visão Cética Os argumentos dos céticos assumem diversas formas. Um argumento bastante comum é a pobreza do nosso sistema educacional: a escola não tem carteiras, não tem giz, não tem merenda e o professor ganha uma miséria. Nessa pobreza, como falar em computador? De fato a escola e o sistema educacional não têm recebido a atenção que merecem, não têm recebido recursos financeiros e se encontram paupérrimos. No entanto, melhorar somente os aspectos físicos da escola não garante uma melhora no aspecto educacional. Valorizar o salário do professor certamente contribui para uma melhora do aspecto educacional, como já foi demonstrado com estudos realizados pela Câmara do Comércio Brasil-Estados Unidos (1993). Entretanto, essa valorização salarial deve ser acompanhada de uma valorização da educação como um todo. Isso significa que a escola deve dispor de todos os recursos existentes na sociedade. Caso contrário a escola continuará obsoleta: a criança vive em um mundo que se prepara para o século 21 e frequenta uma escola do século 18 (isso tanto a nível de instalações físicas como de abordagem pedagógica). Segundo, a valorização salarial não significa, necessariamente, que haverá uma mudança de paradigma pedagógico. Hoje, as mudanças do sistema de produção e dos serviços, as mudanças tecnológicas e sociais exigem um sujeito que saiba pensar, que seja crítico e que seja capaz de se adaptar às mudanças da sociedade. Como está descrito no capítulo 14 desse livro, essas mudanças já estão ocorrendo no sistema de produção e é um processo irreversível. Por isso, o aluno não pode mais ser visto como um depósito que deve estocar os conteúdos transmitidos pelo professor. A informação que está sendo transmitida certamente é obsoleta e essa postura passiva que é imposta ao aluno não o prepara para viver nem na sociedade atual, quanto mais na sociedade do século

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21. Portanto, a melhoria do aspecto físico da escola e do salário do professor deve ser acompanhada de uma mudança pedagógica. Um outro argumento utilizado contra o uso do computador na educação é a desumanização que essa máquina pode provocar na educação. Esse argumento tem diversas vertentes. Uma delas é a possibilidade do professor ser substituído pelo computador. Com isso se eliminaria o contato do aluno com o professor e, portanto, o lado humano da educação. Esse receio é mais evidente quando se adota o paradigma instrucionista. Nesse caso, tanto o professor quanto o computador podem exercer a função de transmissores de fatos. Dependendo do professor, o computador pode facilmente ser mais vantajoso. Assim, se o professor se colocar na posição de somente passar informação para o aluno, ele certamente corre o risco de ser substituído. E será. Existem aí vantagens econômicas que forçarão essa substituição. Uma outra vertente desse argumento é o fato de a criança ter contato com uma máquina racional, fria, e, portanto, desumana, propiciando com isso a formação de indivíduos desumanos e robóticos. Os aficionados dos vídeo-jogos colaboram para que essa visão seja cada vez mais disseminada. No entanto, o que acontece hoje com o computador ou mesmo com o vídeo-jogo pode acontecer com outros artefatos como televisão, música, etc.Nesse caso, o problema em si não está no artefato, mas no estilo de vida e na personalidade do usuário desses artefatos. Segundo, o computador na educação não significa que o aluno vá usá-lo 10 ou 12 horas por dia. Nas melhores condições ele usará o computador uma hora por dia. Pensar que esse nível de exposição a algo considerado racional e frio, produzirá um ser robótico e desumano é subestimar a capacidade do ser humano. É atribuir ao ser humano a função de mero imitador da realidade que o cerca.

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Outros argumentos usados pelos céticos estão relacionados à dificuldade de adaptação da administração escolar, dos professores e dos pais à uma abordagem educacional que eles mesmo não vivenciaram. Esse, certamente, é o maior desafio para a introdução do computador na educação. Isso implica numa mudança de postura dos membros do sistema educacional e na formação dos administradores e professores. Essas mudanças são causadoras de fobias, incertezas e, portanto, de rejeição do desconhecido. Vencer essas barreiras certamente não será fácil porém, se isso acontecer, teremos benefícios tanto de ordem pessoal quanto de qualidade do trabalho educacional. Caso contrário, a escola continuará no século 18. A Visão Otimista Os entusiastas do uso do computador na educação apresentam outros argumentos. Esses argumentos nem sempre são tão convincentes. O otimismo é gerado por razões pouco fundamentadas, correndo o risco de provocar uma grande frustração, como já ocorreu com tantas outras soluções que foram propostas para a educação. Sem entrar nos detalhes de cada um dos argumentos, os mais comuns podem ser classificados como: • Modismo: outros países (estados ou cidades) ou outras escolas dispõem do computador na educação, portanto, nós também devemos adotar essa solução. Esse tipo de argumento é muito superficial e já foi causa de muitos erros implantados no sistema educacional. Certamente, as experiências existentes devem ser utilizadas, porém com muito senso crítico e não devem ser meramente copiadas. • O computador fará parte da nossa vida, portanto a escola deve nos preparar para lidarmos com essa tecnologia. Esse tipo de argumento tem provocado que muitas escolas introduzam o computador como


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disciplina curricular. Com isso o aluno adquire noções de computação: o que é um computador, como funciona, para que serve, etc. No entanto, esse argumento é falacioso. Primeiro, computador na educação não significa aprender sobre computadores, mas sim através de computadores. Segundo, existem muitos artefatos que fazem parte da nossa vida cuja habilidade de manuseio não foi adquirida na escola, por exemplo, o telefone, o rádio, a televisão. Somos capazes de manuseá-los muito bem e essa habilidade não foi adquirida na escola através de cursos sobre esses equipamentos. Por que o computador merece esse destaque dentre as tecnologias, a ponto de ser considerado objeto de estudo na escola? Se ele fará parte da nossa vida, como já ocorre, ele será simples, descomplicado, de modo que o usaremos sem saber que estamos usando um computador. Como ocorre com o telefone: usamos sem saber princípios de telefonia ou como funciona o telefone. O interesse em estudar esses objetos tecnológicos na escola deve ir além do simples fato de eles permearem a nossa vida. • O computador é um meio didático: assim como temos o retroprojetor, o vídeo, etc, devemos ter o computador. Nesse caso o computador é utilizado para demonstrar um fenômeno ou um conceito, antes do fenômeno ou conceito ser passado ao aluno. De fato, certas características do computador como capacidade de animação, facilidade de simular fenômenos, contribuem para que ele seja facilmente usado na condição de meio didático. No entanto, isso pode ser caracterizado como uma sub-utilização do computador se pensarmos nos recursos que ele oferece como ferramenta de aprendizagem. • Motivar e despertar a curiosidade do aluno. A escola do século 18 não consegue competir com a realidade do início do século 21 em que o aluno vive. É necessário tornar essa escola mais motivadora e

interessante. Entretanto, esse tipo de argumento é preocupante e revela o descompasso pedagógico em que se encontra a escola atualmente. Primeiro, é assustador pensar que necessitamos de algo como o computador para tornar a escola mais motivadora e interessante. A escola deveria ser interessante não pelo fato de possuir um artefato mas, pelo que acontece na escola em termos de aprendizado e desenvolvimento intelectual, afetivo, cultural e social. Segundo, o computador como agente motivador pressupõe que a escola, como um todo, permaneça como ela é, que não haja mudança de paradigma ou de postura do professor. Nesse caso, o computador mais parece um animal de zoológico que deve ser visto, admirado, mas não tocado. O computador entra na escola como meio didático ou como objeto que o aluno deve se familiarizar, mas sem alterar a ordem do que acontece em sala de aula. O computador nunca é incorporado à prática pedagógica. Ele serve somente para tornar um pouco mais interessante e “moderno” o ambiente da escola do século 18. • Desenvolver o raciocínio ou possibilitar situações de resolução de problemas. Essa certamente é a razão mais nobre e irrefutável do uso do computador na educação. Quem não quer promover o desenvolvimento do poder de pensamento do aluno? No entanto, isso é fácil de ser falado e difícil de ser conseguido. Já foram propostas outras soluções que prometiam esses resultados, e até hoje a escola contribui muito pouco para o desenvolvimento do pensamento do aluno. Por exemplo, essa não é uma das razões pelas quais ensinamos matemática na escola? Por Quê se Ensina Matemática na Escola? As razões pelas quais se ensina matemática na escola não são diferentes das razões pelas quais se propõe o uso do computador na escola. De fato, Kline (1973) lista várias justificativas que podem ser sintetizadas:

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• Transmitir fatos matemáticos. Os conceitos matemáticos têm sido acumulados desde o ano 3.000 AC. Um indivíduo que se diz “escolarizado”, necessariamente, deve conhecer alguns desses fatos. • Pré-requisito para o sucesso. Normalmente as profissões de maior destaque na nossa sociedade requerem o conhecimento matemático. Se o aluno deseja o status social que essas profissões propiciam, então é necessário “ser bom em matemática”. • Beleza intrínseca à estrutura matemática. Os matemáticos se encantam com a estrutura matemática. O fato de um número mínimo de axiomas dar origem a um tipo de geometria ou de teoria dos números é impressionante como estrutura lógica. Essa beleza e o poder mental que a construção dessa estrutura exige deveria ser transmitida aos alunos. A mesma satisfação que o matemático encontra em raciocinar e organizar o seu pensamento, segundo essas estruturas matemáticas, o aluno deveria encontrar em resolver um problema. • Valores práticos. A matemática auxilia o homem a entender e dominar o mundo físico e, até certo ponto, o mundo econômico e social. A descrição precisa do que acontece ao nosso redor é feita em termos da matemática ou de um sistema simbólico que tem características matemáticas. • Treino da mente. Mais uma vez, a razão nobre e irrefutável ou seja, propiciar o desenvolvimento disciplinado do raciocínio lógico-dedutivo. A própria origem da palavra “matemática” significa a técnica (tica) de entender ou compreender (matema). Portanto, fazer matemática exige, necessariamente, o desenvolvimento de habilidades ou técnicas de pensamento ou raciocínio. Entretanto, quando observamos o que acontece com o ensino de matemática na escola notamos que o argumento nobre, o desenvolvimento do raciocínio lógico-dedutivo, não é o subproduto mais comumente

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encontrado. Muito pelo contrário. Aprender matemática ou fazer matemática é sinônimo de fobia, de aversão à escola e, em grande parte, responsável pela repulsa ao aprender. Assim, o que foi introduzido no currículo como um assunto para propiciar o contato com a lógica, com o processo de raciocínio e com o desenvolvimento do pensamento, na verdade acaba sendo a causa de tantos problemas relacionados com o aprender. Será que o mesmo não pode ocorrer com o computador? Quem pode garantir que o que acontece hoje com a matemática não acontecerá amanhã com o computador? Será que o argumento que o computador na sala de aula propiciará o desenvolvimento do raciocínio não é a mesma versão do que está acontecendo atualmente com o ensino de matemática? Não será mais uma desculpa para introduzirmos essa tecnologia na escola sem obtermos os resultados que nos propomos atingir? Antes de responder a essas questões, vale a pena entender um pouco melhor o que acontece com o ensino de matemática na escola. O desenvolvimento do raciocínio lógico-dedutivo e a apreciação da beleza da estrutura matemática ocorre realmente com o matemático. Isso por que ele está fazendo matemática. E quando o matemático faz matemática ele está criando, raciocinando, um processo que pode ser caracterizado como: “O matemático diz A, escreve B, pensa C, mas D é o que deveria ser. E D é de fato uma idéia esplêndida que emerge do processo de organizar a confusão.” (Kline, 1973;p. 58) O processo de fazer matemática, ou seja, pensar, raciocinar, é fruto da imaginação, intuição, “chutes” sensatos, tentativa e erro, uso de


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analogias, enganos e incertezas. A organização da confusão significa que o matemático desenvolveu uma sequência lógica, passível de ser comunicada ou colocada no papel. No entanto, o que o aluno faz quando faz matemática é muito diferente do processo de organização da confusão mental. Ao contrário, o fato matemático é passado ao aluno como algo consumado, pronto, que ele deve memorizar e ser capaz de aplicar em outras situações que encontrar na vida. Como isso nem sempre acontece, o aluno fracassa e, portanto, é o responsável pelo fracasso da matemática. E essa culpa é somente do aluno. Não é da matemática, pois, mesmo sendo muito difícil, ela tem que ser passada ao aluno. Não existe outra maneira. Nem é do professor, já que este se esmera o máximo possível em passar o conceito matemático, adota a melhor didática possível, uma aula magnífica, tudo perfeito. Portanto, se o aluno não consegue aplicar o conceito já visto na resolução de um problema então, a culpa é do aluno. Entretanto, as razões pelas quais o aluno fracassa são diversas. Primeira, o fato de o aluno não ter construído o conceito, mas esse ter sido passado ao aluno. Nesse caso não houve a apropriação do conceito e sim a sua memorização. Segundo, mesmo que houvesse a apropriação do conceito num determinado contexto, a aplicação desse conceito em um outro contexto deve ser encarada como uma outra questão. A transferência do conhecimento não ocorre automaticamente. Enquanto o conceito é frágil, ele deve ser reconstruído no outro contexto ao invés de simplesmente reaplicado. Essa reconstrução tem a finalidade de “encorpar” o conceito, de modo que esse possa ser usado na resolução de diferentes problemas (Valente, 1993). Terceiro, o fato de o aluno não ter chance de adquirir o conceito matemático está relacionado também com a própria matemática. Os conceitos matemáticos são complicados,

a notação matemática se tornou complexa, dificultando o pensamento matemático e o exercício do raciocínio. A complexidade da notação matemática tem feito com que o ensino da matemática seja reduzido ao domínio da própria notação. A notação se tornou objeto de estudo. Com isso a matemática deixa de exercitar o raciocínio para valorizar o ensino da notação que o matemático usa para expressar o raciocínio. Assim, o aluno adquire técnicas de como resolver uma equação do primeiro ou do segundo graus e nunca o processo de “fazer matemática”, ou seja, pensar sobre um problema, cuja solução pode ser expressa segundo uma equação matemática e resolvida através da técnica de resolução de equações. Ao aluno só é fornecida a segunda parte do processo. Isso porque, primeiro, é difícil o professor prever os problemas que o aluno poderá encontrar na vida e, assim, usar esses problemas como objeto de estudo. Isso faz com que o professor se limite à técnica, esperando que o aluno, no futuro, consiga aplicar essas técnicas à solução dos problemas que encontrar. Segundo, mesmo quando algum problema é utilizado, esse problema é “fabricado”, no sentido de facilitar a explicação de um determinado conceito. Quando o problema não advém do aluno, é difícil fazê-lo motivar-se e interessar-se por um problema simulado que não lhe diz respeito. A solução para evitar o ensino das técnicas matemáticas tem sido o uso de material pedagógico. O aluno manuseia um material que propicia o desenvolvimento de conceitos matemáticos. No entanto, esse tipo de atividade constitui a primeira parte do processo de fazer matemática. A solução do problema proposto pelo material pedagógico nem sempre é formalizada e expressa segundo a notação matemática. Sem essa formalização do conceito o aluno não tem a chance de sintetizar suas idéias, colocá-las no papel, compará-la com outras soluções, verificar

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sua validade, etc. Portanto, esse tipo de ensino também é incompleto. Ele tem a vantagem de desenvolver o raciocínio, mas não o de expressar o raciocínio segundo uma notação precisa e não ambígua. É importante notar que o que ocorre com o ensino de matemática não é diferente do que ocorre com o ensino de outras disciplinas. Por exemplo, a disciplina de Português também é reduzida ao ensino de técnicas. Ensina-se gramática, análise léxica, sintática, etc, mas nunca a expressão do pensamento segundo a língua Portuguesa. Isso somente aconteceu quando os exames vestibulares passaram a enfatizar a comunicação do pensamento. Mesmo nesse caso, essa comunicação foi reduzida à técnica: como fazer uma descrição, uma narração, ou um conto. O conteúdo da comunicação é outra história! O mesmo acontece com disciplinas que não fazem parte do currículo, como por exemplo a Música. O aprendiz passa nove anos no conservatório adquirindo técnicas de domínio do instrumento e da notação musical. Pouca ou nenhuma ênfase é dada ao processo de composição de uma peça musical: a expressão de uma idéia segundo a notação musical. Esses exemplos mostram que a razão pela qual o ensino ficou reduzido à aquisição de técnicas também está relacionado com a complexidade das diferentes notações utilizadas para representar o processo de pensamento. Isso não significa que as técnicas não tenham importância no processo de aprendizagem, mas sim, que uma coisa não deve ser explorada em detrimento da outra. Além disso, o ensino tradicional de matemática vê a técnica desvinculada do conceito, enquanto que a compreensão da técnica só ocorre quando o aluno compreender os conceitos matemáticos a que ela se refere.

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Portanto, a mudança do paradigma educacional deve ser acompanhado da introdução de novas ferramentas que devem facilitar o processo de expressão do nosso pensamento. Esse é um dos papéis do computador. O Computador na Educação Como foi descrito no capítulo anterior, o computador pode ser usado na educação como máquina de ensinar ou como ferramenta. O uso do computador como máquina de ensinar consiste na informatização dos métodos de ensino tradicionais. Do ponto de vista pedagógico esse é o paradigma instrucionista. Alguém implementa no computador uma série de informações, que devem ser passadas ao aluno na forma de um tutorial, exercício-e-prática ou jogo. Entretanto, é muito comum encontrarmos essa abordagem sendo usada como uma abordagem construtivista, ou seja, para propiciar a construção do conhecimento na “cabeça” do aluno. Como se os conhecimentos fossem tijolos que devem ser justapostos e sobrepostos na construção de uma parede. Nesse caso, o computador tem a finalidade de facilitar a construção dessa “parede”, fornecendo “tijolos” do tamanho mais adequado, em pequenas doses e de acordo com a capacidade individual de cada aluno, como pode ser ilustrado pelo esquema abaixo.


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Embora, nesse caso o paradigma pedagógico ainda seja o instrucionista, esse uso do computador tem sido caracterizado, erroneamente, como construtivista, no sentido piagetiano. Piaget observou que a criança constrói a noção de certos conceitos porque ela interage com objetos do ambiente onde ela vive. Essa interação propicia o desenvolvimento de esquemas mentais e, portanto, o aprendizado. Entretanto, esse desenvolvimento é fruto do trabalho mental da criança e não de um processo de ensino ou transmissão de informação, como se essa informação fosse um “tijolo” que se agrega a outros, contribuindo para a construção de uma noção maior. Com o objetivo de evitar essa noção errônea sobre o uso do computador na educação, Papert denominou de construcionista a abordagem pela qual o aprendiz constrói, através do computador, o seu próprio conhecimento. O Paradigma Construcionista A construção do conhecimento através do computador tem sido denominada por Papert de construcionismo (Papert, 1986). Ele usou esse termo para mostrar um outro nível de construção do conhecimento: a construção do conhecimento que acontece quando o aluno constrói um objeto de seu interesse, como uma obra de arte, um relato de experiência ou um programa de computador. Na noção de construcionismo de Papert existem duas idéias que contribuem para que esse tipo de construção do conhecimento seja diferente do construtivismo de Piaget. Primeiro, o aprendiz constrói alguma coisa ou seja, é o aprendizado através do fazer, do “colocar a mão na massa”. Segundo, o fato de o aprendiz estar construindo algo do seu interesse e para o qual ele está bastante motivado. O envolvimento afetivo torna a aprendizagem mais significativa.

Entretanto, na minha opinião, o que contribui para a diferença entre essas duas maneiras de construir o conhecimento é a presença do computador - o fato de o aprendiz estar construindo algo através do computador (computador como ferramenta). O uso do computador requer certas ações que são bastante efetivas no processo de construção do conhecimento. Quando o aprendiz está interagindo com o computador ele está manipulando conceitos e isso contribui para o seu desenvolvimento mental. Ele está adquirindo conceitos da mesma maneira que ele adquire conceitos quando interage com objetos do mundo, como observou Piaget. Papert denominou esse tipo de aprendizado de “aprendizado piagetiano” (Papert, 1980). No entanto, após mais de uma década de uso do Logo com alunos do 1º e 2º graus (ver os demais artigos nesse livro) e na educação especial (Valente, 1991a), nós aprendemos por que essa interação com o computador propicia um ambiente riquíssimo e bastante efetivo do ponto de vista de construção do conhecimento. Para explicar o que acontece nessa interação com o computador vou me concentrar, inicialmente, no aspecto gráfico do Logo. Em seguida, essa idéias serão expandidas para outras modalidades de uso do computador como ferramenta1. Quando o aluno usa o Logo gráfico para resolver um problema, sua interação com o computador é mediada pela linguagem Logo, mais precisamente, por procedimentos definidos através da linguagem Logo de programação. Essa interação é uma atividade que consiste de uma 1

Essa idéias são fruto de discussões e reflexões que surgiram em seminários organizados no NIED, em Agosto de 1990 e em Agosto de 1991 onde participaram os pesquisadores do NIED e os pesquisadores convidados: Edith Ackermann, Gregory Gargarian (ambos do Media Laboratory do MIT) e David Cavallo (Digital, EUA).

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ação de programar o computador ou de “ensinar” a Tartaruga a como produzir um gráfico na tela. O desenvolvimento dos procedimentos se inicia com uma idéia de como resolver o problema ou seja, como produzir um determinado gráfico na tela. Essa idéia é passada para a Tartaruga na forma de uma sequência de comandos do Logo. Essa atividade pode ser vista como o aluno agindo sobre o objeto “computador”. Entretanto, essa ação implica na descrição da solução do problema através dos comandos do Logo (procedimentos Logo). O computador, por sua vez, realiza a execução desses procedimentos. A Tartaruga age de acordo com cada comando, apresentando na tela um resultado na forma de um gráfico. O aluno olha para a figura que está sendo construída na tela e para o produto final e faz uma reflexão sobre essas informações. Esse processo de reflexão pode produzir diversos níveis de abstração, os quais, de acordo com Piaget (Piaget, 1977 e Mantoan, 1991), provocará alterações na estrutura mental do aluno. O nível de abstração mais simples é a abstração empírica, que permite ao aluno extrair informações do objeto ou das ações sobre o objeto, tais como a cor e a forma do objeto. A abstração pseudo-empírica permite ao aprendiz deduzir algum conhecimento da sua ação ou do objeto. A abstração reflexiva permite a projeção daquilo que é extraído de um nível mais baixo para um nível cognitivo mais elevado ou a reorganização desse conhecimento em termos de conhecimento prévio (abstração sobre as próprias idéias do aluno). O processo de refletir sobre o resultado de um programa de computador pode acarretar uma das seguintes ações alternativas: ou o aluno não modifica o seu procedimento porque as suas idéias iniciais sobre a resolução daquele problema correspondem aos resultados apresentados

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pelo computador, e, então, o problema está resolvido; ou depura o procedimento quando o resultado é diferente da sua intenção original. A depuração pode ser em termos de alguma convenção da linguagem Logo, sobre um conceito envolvido no problema em questão (o aluno não sabe sobre ângulo), ou ainda sobre estratégias (o aluno não sabe como usar técnicas de resolução de problemas). A atividade de depuração é facilitada pela existência do programa do computador. Esse programa é a descrição das idéias do aluno em termos de uma linguagem simples, precisa e formal. Os comandos do Logo gráfico são fáceis de serem assimilados, pois são similares aos termos que são usados no dia-a-dia. Isso minimiza a arbitrariedade das convenções da linguagem e a dificuldade na expressão das idéias em termos dos comandos da linguagem. O fato de a atividade de programação em Logo propiciar a descrição das idéias como subproduto do processo de resolver um problema, não é encontrata em nenhuma outra atividade que realizamos. No caso da interação com o computador, à medida que o aluno age sobre o objeto, ele tem, como subproduto, a descrição das idéias que suportam suas ações. Além disso, existe uma correspondência direta entre cada comando e o comportamento da Tartaruga. Essas caraterísticas disponíveis no processo de programação facilitam a análise do programa de modo que o aluno possa achar seus erros (bugs). O processo de achar e corrigir o erro constitui uma oportunidade única para o aluno aprender sobre um determinado conceito envolvido na solução do problema ou sobre estratégias de resolução de problemas. O aluno pode também usar seu programa para relacionar com seu pensamento em um nível metacognitivo. Ele pode analisar seu programa em termos de efetividade das idéias, estratégias e estilo de resolução de problema. Nesse caso, o aluno começa a pensar sobre suas próprias idéias (abstração reflexiva).


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Entretanto, o processo de descrever, refletir e depurar não acontece simplesmente colocando o aluno em frente ao computador. A interação aluno-computador precisa ser mediada por um profissional que conhece Logo, tanto do ponto de vista computacional, quanto do pedagógico e do psicológico. Esse é o papel do mediador no ambiente Logo. Além disso, o aluno como um ser social, está inserido em um ambiente social que é constituído, localmente, pelo seus colegas, e globalmente, pelos pais, amigos e mesmo a sua comunidade. O aluno pode usar todos esses elementos sociais como fonte de idéias, de conhecimento ou de problemas a serem resolvidos através do uso do computador. As ações que o aluno realiza na interação com o computador e os elementos sociais que permeiam e suportam a sua interação com o computador estão mostrados no diagrama abaixo.

SOCIAL

ABSTRAÇÃO REFLEXIVA

ABSTRAÇÃO EMPÍRICA E PSEUDO EMPÍRICA

DEPURAÇÃO

EXECUÇÃO

AÇÃO MEDIADOR

DESCRIÇÃO DA SOLUÇÃO DO PROBLEMA

Construcionismo X Construtivismo Por quê é necessário um outro termo para definir o tipo de aprendizado que acontece no ambiente Logo ou, mais precisamente, com o Logo gráfico?

Uma das razões, como já foi mencionado anteriormente, é o fato de a interação aluno-objeto ser mediada por uma linguagem de programação. Através dessa linguagem o aluno pode descrever suas idéias, o computador pode executar essa descrição e o aluno pode depurar a sua idéia original tanto em termos de conceitos quanto de estratégias. Essas características adicionam uma outra dimensão à já conhecida interação com objetos que Piaget observou e descreveu como fonte do processo de construção do conhecimento. Uma outra razão é o fato de a interação aluno-computador ser mediada por um profissional que conhece Logo - o mediador. No caso dos estudos de Piaget, a criança interagindo com um objeto era observada por um experimentador cuja função era a de usar o método clínico para entender, o melhor possível, as estruturas mentais da criança. O experimentador não é professor e, portanto, ele não tem por objetivo prover ou facilitar a aprendizagem. Por outro lado, no ambiente Logo, o mediador tem que entender as idéias do aluno e tem que intervir apropriadamente na situação de modo a ser efetivo e contribuir para que o aluno compreenda o problema em questão. Assim, a atuação do mediador vai além do uso do método clínico ou da investigação sobre as estruturas mentais do aluno. O mediador tem que intervir e a questão é: como? Esse tem sido o maior desafio dos profissionais que trabalham com o Logo. Entretanto, o modelo que melhor descreve como o mediador deve atuar é fornecido por Vygotsky. Segundo esse modelo o mediador é efetivo quando ele age dentro da Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD), definida por Vygotsky como “a distância entre o nível de desenvolvimento atual, determinado pela resolução de problema independente e o nível de desenvolvimento potencial determinado através da resolução de problema sob auxílio do adulto ou em colaboração com colegas mais capazes” (Vygotsky, 1978, p. 86). Isso

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significa que o mediador no ambiente Logo pode usar o método clínico piagetiano ou, simplesmente, observar o aluno para determinar o nível de desenvolvimento atual e o nível potencial de desenvolvimento. Entretanto, para que a sua intervenção seja efetiva, ele deve trabalhar dentro da ZPD. Se o mediador intervem no nível de desenvolvimento atual do aluno, o mediador está “chovendo no molhado” - o aluno já sabe o que está sendo proposto pelo mediador. Se, atuar além do nível potencial de desenvolvimento, o aluno não será capaz de entender o mediador. Certamente, a teoria da ZPD, não prescreve nenhuma receita de como o mediador deve atuar efetivamente no ambiente Logo. No entanto, ela mostra que o papel do mediador vai além do uso do método clínico piagetiano: a atividade do mediador é mais pedagógica do que psicológica (a de investigar a estrutura mental do aluno).

Logo mas sim, mostrar que os diferentes níveis de interação e as respectivas contribuições para o desenvolvimento intelectual do aluno vão além do construtivismo piagetiano. Entretanto, é importante lembrar que dependendo do tipo de trabalho que é realizado no ambiente Logo uma ênfase maior é colocada em uma ou em outra teoria. Por exemplo, em uma atividade de uso do Logo para investigar o desenvolvimento intelectual da criança, o aspecto piagetiano é mais enfatizado. Já, em um trabalho de uso do Logo por um grupo de alunos, os aspectos sociais das teorias de Freire e de Vygotsky se tornam mais enfatizados. De uma maneira geral, o construcionismo proposto por Papert é uma tentativa de melhor caracterizar a construção do conhecimento que acontece no ambiente Logo. A contribuição de cada uma dessas diferentes teorias é mostrada no diagrama abaixo. Freire

Finalmente, no ambiente Logo o aluno está inserido em um contexto social e não está isolado da sua comunidade. Esse contexto social pode ser utilizado como fonte de suporte intelectual e afetivo ou mesmo de problemas contextuais para serem resolvidos, como Paulo Freire sugere (Freire, 1970). O aluno pode aprender com a comunidade bem como auxiliar a comunidade a identificar problemas, resolvê-los e apresentar a solução para a comunidade. Essa é abordagem que está sendo utilizada no Projeto Gênese, relativo ao uso do computador na educação e em desenvolvimento na Secretaria de Educação do Município de São Paulo (Valente, 1992; Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, 1992). Assim, o suporte teórico para a atividade que acontece no ambiente Logo não advém somente de Piaget. Outras teorias contribuem para explicar os outros níveis de interação e atividades que acontecem nesse ambiente de aprendizagem. Certamente, o objetivo desse capítulo, não é fazer uma análise teórica da interação aluno-computador no ambiente

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SOCIAL

Piaget ABSTRAÇÃO EMPÍRICA ABSTRAÇÃO E PSEUDO EMPÍRICA REFLEXIVA

DEPURAÇÃO

EXECUÇÃO

AÇÃO MEDIADOR Vygotsky

DESCRIÇÃO DA SOLUÇÃO DO PROBLEMA

Construcionismo Transcende o Logo Gráfico As atividades que acontecem no ambiente Logo, principalmente com o Logo gráfico, são ideais para explicar o construcionismo de Papert. Entretanto, outros usos do computador como ferramenta (processamento de texto, planilhas) permitem a construção do conhecimento de acordo com a abordagem construcionista.


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Como foi mencionado anteriormente, a abordagem construcionista acontece quando usamos certos aspectos do Logo, como o Logo gráfico. Os comandos da linguagem são relativamente fáceis de serem aprendidos, a descrição da resolução de problemas espaciais em termos do Logo gráfico não é complicada, o resultado da execução do computador é uma figura, o que facilita a interpretação, a reflexão e a depuração. Em outros domínios do Logo, como processamento de listas, a descrição, reflexão e depuração não são tão simples de serem realizadas como no domínio do Logo gráfico. Primeiro, a descrição de processos recursivos não é um tipo de atividade do dia-a-dia. Segundo, a execução de procedimentos recursivos no processamento de listas é opaco, tornando difícil o acompanhamento do que o computador está realizando. No processamento de listas não existe uma entidade como a Tartaruga cujo comportamento tem uma correspondência direta com os comandos e procedimentos que estão sendo executados. Terceiro, no processamento de listas a reflexão não é auxiliada pelas ações do computador. A ausência da Tartaruga e os tipos de resultados que são obtidos como produto do processamento de listas torna difícil a interpretação do que acontece com os procedimentos e, portanto, com a descrição da resolução do problema. Assim, não é por mero acaso que o Logo gráfico é o domínio mais conhecido e usado do Logo! Por outro lado, isso não significa que o processamento de listas seja impenetrável. A compreensão das diferentes atividades que o aluno realiza no processamento de listas e como elas contribuem na construção do conhecimento tem nos levado a desenvolver recursos computacionais cujo objetivo é facilitar a aprendizagem construcionista nesse domínio do Logo. Por exemplo, para tornar as ações do computador menos opacas, foi desenvolvido um sistema computacional que mostra essas ações à medida que os

comandos e procedimentos são executados, como as alterações dos valores das variáveis, as chamadas recursivas, etc. (ver capítulo 16 desse livro). Outras linguagens de programação podem ser analisadas segundo os mesmos critérios usados na análise do processamento de listas do Logo. O objetivo dessa análise é o de fornecer dados para verificar quando essa ferramenta facilita ou não a aprendizagem construcionista. Por exemplo, a linguagem Pascal apresenta as mesmas características do processamento de listas do Logo e, portanto, torna difícil a aprendizagem construcionista. Os comandos em Pascal são em inglês, dificultando sua assimilação; é necessário o domínio de certas estruturas de representação de dados (matrizes, listas) e de noções de algoritmo, para descrever a solução de um problema através do Pascal; os resultados da execução do programa, em geral, não são gráficos; e a depuração é bastante complicada: achar um erro em um programa escrito em Pascal é uma tarefa trabalhosa. Essas características fazem com que seja bastante difícil criar um ambiente de aprendizagem construcionista baseado no Pascal. Com os processadores de texto as dificuldades são de outra natureza. Se nós entendemos a edição de um texto como “ensinando” o texto para o computador, nós podemos incluir os processadores de texto no rol das ferramentas e, assim, analisá-las em termos da abordagem construcionista. Os processadores de texto atuais são bastante simples de serem utilizados e a descrição de idéias através deles é uma atividade que tem, praticamente, o mesmo grau de dificuldade apresentado no uso do lápis e papel. Entretanto, o resultado que é apresentado na tela consiste, simplesmente, da formatação do texto. O conteúdo do texto não é executado como é executado um programa escrito em Logo ou Pascal. Se o texto não é executado significa que não existe a intepretação

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do texto pelo computador, dificultando a verificação das idéias e como elas foram transmitidas para o computador. Para obtermos essas informações é necessário imprimir o texto, e solicitar a alguém que leia o texto e nos informe se o conteúdo do texto está claro ou não. A depuração das idéias e do texto somente poderão ser realizadas quando dispomos das informações do leitor. Mesmo nesse caso, as informações fornecidas sempre apresentam a visão do leitor e são parciais. É muito diferente do resultado oferecido pelo computador que ainda não sofre dos males que nós sofremos e não se altera quanto ao humor, disposição física e mental. Assim, para a criação de ambientes de aprendizagem baseados no computador onde o conhecimento é construído segundo a abordagem construcionista, é necessário que o software tenha certas características que facilitem as atividades de descrição, reflexão e depuração. Nas linguagens de programação são encontradas a maior parte dessas características, embora, dependendo da linguagem de programação utilizada, nós tenhamos essas atividades mais ou menos facilitadas. Entretanto, como foi muito bem observado, a programação atualmente não precisa ser vista como a explicitação de uma idéia em termos de uma sequência de comandos de uma linguagem de computador (Ackermann, 1993). O processo de programação pode iniciar com uma idéia clara de como resolver um problema. Essa é a visão “hard” ou planejadora da atividade de programação (Turkle, 1984).Atualmente, existem ferramentas, como Paintbrush, que tornam a atividade de resolver um problema através do computador mais parecida com uma atividade de escultura. Essa é a visão “soft” de programação: a solução do problema emerge à medida que está sendo resolvido. Para tanto, à medida que as ações computacionais são selecionadas e executadas pelo computador, e satisfazem as exigências do problema, essas ações são armazenadas e,

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posteriormente, convertidas em um procedimento ou programa que resolve o problema em questão. Esse tipo de facilidade, incorporada às modernas ferramentas de programação, não é diferente do que acontece quando uma criança usa o Logo Simples com a opção de gravar suas ações (Valente e Valente, 1988). À medida que a criança comanda a Tartaruga, os comandos são armazenados em uma lista que poderá ser convertida, no final da atividade, em um procedimento. O rastro deixado na forma de uma lista de comandos pode ser visto como a descrição de uma idéia e pode ser usado na reflexão e na depuração da idéia. “Mondrian”, um software desenvolvido por Lieberman (1992) possui essas características. Esse software auxilia a construção de figuras quadráticas na tela bastando para isso escolher ações de um menu, através do “mouse”. Essas ações são armazenadas e transformadas em um procedimento. Esse procedimento pode ser convertido em um item do menu e usado na construção de outras figuras. Conclusões O objetivo desse capítulo foi o de responder às questões: por quê usar o computador na educação e como ser mais efetivo do ponto de vista educacional. O argumento para responder essas questões foi o de que o computador deve ser utilizado como um catalisador de uma mudança do paradigma educacional. Um novo paradigma que promove a aprendizagem ao invés do ensino, que coloca o controle do processo de aprendizagem nas mãos do aprendiz, e que auxilia o professor a entender que a educação não é somente a transferência de conhecimento, mas um processo de construção do conhecimento pelo aluno, como produto do seu próprio engajamento intelectual ou do aluno como um todo. O que está sendo proposto é uma nova abordagem educacional que muda o paradigma pedagógico do instrucionismo para o construcionismo. O objetivo da introdução do computador na educação não deve ser o


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modismo ou estar atualizado com relação às inovações tecnológicas. Esse tipo de argumentação tem levado a uma sub-utilização do potencial do computador que, além de economicamente dispendiosa, traz poucos benefícios para o desenvolvimento intelectual do aluno. Entretanto, a nova questão que se coloca é: como conseguir essa mudança? Parece que o sistema educacional, como um todo, resiste a essas mudanças. Existe uma tendência de se manter o paradigma instrucionista por razões de ordem histórica - foi assim que fomos educados é assim que devemos educar - ou pela falta de entendimento do que significa aprender ou ainda pela falta de experiência acumulada que possa comprovar a efetividade educacional do paradigma construcionista. Por outro lado, a análise dos resultados do paradigma instrucionista são desoladores: provocamos o êxodo do aluno da escola ou produzimos um educando obsoleto. Os que abandonam a escola engordam a fileira dos fracassados, dos que não conseguem aprender. Os obsoletos não conseguem acompanhar o desenvolvimento atual da sociedade, mais especificamente, não estão preparados para trabalhar no novo sistema de produção ou serviço que está emergindo na sociedade atual - sistema enxuto de produção de bens e de serviços. Esse sistema elimina excessos de estoques e perdas, e demanda um trabalhador ativo, criativo e capaz de participar do processo de produção ao invés de ser um executor de ordens, como é mencionado no Capítulo 14 desse livro. A falta de preparo para atuar na sociedade ou nos sistemas mais modernos de produção tem levado os profissionais a procurarem cursos sobre criatividade ou sobre o desenvolvimento da capacidade de pensar. Entretanto, esses cursos podem ser caracterizados como uma tentativa de transmitir uma série de técnicas de como ser criativo ou como pensar

corretamente. Irônico! E não há outra maneira de ser. A capacidade de criar e de pensar não se constrói do dia para a noite. O desenvolvimento dessas habilidades é um processo longo que deve iniciar desde os primeiros dias de vida. De fato, como mostrou Piaget, ele inicia no momento do nascimento e prossegue até entrarmos na escola. É durante esse período que aprendemos a andar, falar e os princípios de matemática ou mesmo de ciência. Isso, sem sermos formalmente ensinados, fruto somente do aprendizado piagetiano, como denominou Papert. A escola e o paradigma instrucionista castram essa nossa habilidade de aprender sem ser ensinado e com isso nossa habilidade de criar e de pensar. Quando o adulto necessitar dessas habilidades seria ingênuo pensar que elas poderiam ser adquiridas como se adquire itens de um supermercado. No entanto, a mudança de paradigma educacional deve ser vista com algo que vai além da vontade política e econômica. Ela deve ser acompanhada da inclusão de ferramentas que permitam a implementação do paradigma construcionista. Os diferentes domínios da ciência estão cada vez mais sofisticados, exigindo notações e meios de expressão dos fenômenos desses domínios cada vez mais complicados e difíceis de serem assimilados. Como foi mostrado ao longo desse capítulo, essa dificuldade impossibilita o “fazer matemática” ou o “fazer música”. É necessário usar uma ferramenta que facilite a expressão do raciocínio e a reflexão e a depuração do mesmo. O computador pode ser essa ferramenta. Entretanto, o computador para ser efetivo no processo de desenvolvimento da capacidade de criar e pensar não pode ser inserido na educação como uma máquina de ensinar. Essa seria a informatização do paradigma instrucionista. O computador no paradigma construcionista deve ser

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usado como uma ferramenta que facilita a descrição, a reflexão e a depuração de idéias. Isso é conseguido quando o computador é usado na atividade de programação e, ainda mais efetivamente, quando a linguagem de programação apresenta as características do Logo gráfico. Felizmente, no Brasil e em outros países da América Latina, diversos projetos relativos ao uso do computador na educação têm adotado a linguagem Logo e, procuram com isso, criar as condições para uma mudança de paradigma educacional. Por exemplo, o projeto de uso de computadores na educação na Costa Rica e na Venezuela (Valente, 1991), o Projeto Gênese na cidade de São Paulo (Valente, 1992; Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, 1992) e os projetos de uso do Logo na educação especial em mais de 50 centros na América Latina (Valente, 1991a). Além desses exemplos, cada vez mais, os esforços dos centros de pesquisa e dos centros formadores de professores devem ser na direção de promover a utilização do computador segundo o paradigma construcionista. Com isso estaremos aumentando nossa esperança de ter o computador usado segundo esse paradigma, ao invés do instrucionista, como está acontecendo com a maior parte dos países desenvolvidos. Se essa mudança de paradigma realmente for feita estaremos antecipando uma mudança que contribuirá para a nossa sobrevivência. O planeta não suporta mais o nível de produção que atingimos e os gastos e perdas de recursos naturais que ela acarreta. É necessário um outro método de produção de bens e de serviços, mais econômico, mais eficiente, com menos excessos e onde trabalhem profissionais capazes de criarem e pensarem. É para formar esse novo profissional que a mudança de paradigma educacional é necessária. Caso contrário, o tempo dirá.

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Referências Bibliográficas Ackermann, E. (1993) Comunicação Pessoal durante “The 10th International Conference on Technology and Education”, Cambridge, Massachusetts. Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (1993) Estudo para a Melhoria da Qualidade da Educação. São Paulo. Freire, P. (1970) Pedagogy of the Oppressed. The Seabury Press, New York. Kline, M. (1973) Why Johnny Can’t Add: the failure of the new math. Vintage Books, New York. Lieberman, H. (1992) Mondrian: A Teachable Graphical Editor. Artigo não publicado. Visible Language Workshop, Massachusetts Institute of Technology Media Laboratory, Massachusetts. Mantoan, M. T. E. (1991) O Processo de Conhecimento - tipos de abstração e tomada de Consciência. NIED-Memo, Campinas, São Paulo(no prelo) Papert, S. (1986) Constructionism: A New Opportunity for Elementary Science Education. A proposal to the National Science Foundation, Massachusetts Institute of Technology, Media Laboratory, Epistemology and Learning Group, Cambridge, Massachusetts. Papert, S. (1980) Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas. Basic Books, New York. Traduzido para o Português em 1985, como Logo:Computadores e Educação, Editora Brasiliense, São Paulo. Piaget, J. (1977) Recherches sur L’abstraction Réfléchissante. Études d’épistemologie génétique. PUF,tome 2, Paris. Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1992) Projeto Gênese - A Informática Chega ao Aluno da Escola Pública Municipal. Relatório Técnico. Prefeitura do Município de São Paulo, São Paulo.


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Turkle, S. (1984) The Second Self: Computers and the Human Spirit. Simon and Schuster, New York. Valente, A.B. (1993) A Intransigência da Transferência de Conhecimento. A ser publicado na Acesso, FDE, São Paulo. Valente, J.A (1992) Logo and Freire’s Educational Paradigm. Logo Exchange, 11 (1) 39-43. International Society for Technology in Education, Oregon. Valente, J.A (1991) Report from Latin America. Logo Exchange, 10 (2) 43-45. International Society for Technology in Education, Oregon. Valente, J.A. org. (1991a) Liberando a Mente: Computadores na Educação Especial. Gráfica da UNICAMP, Campinas, São Paulo. Valente, J.A e Valente, A.B. (1988) Logo: Conceitos, Aplicações e Projetos. Editora McGraw-Hill, São Paulo. Vygotsky, L.S. (1978) Mind in Society: the development of higher psychological processes. Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts. *** José Armando Valente Núcleo de Informática Aplicada à Educação - NIED Disponível em: http://www.nied.unicamp.br/publicacoes/separatas/Sep2.pdf

Projeto pedagógico: pano de fundo para escolha de um software educacional Fernanda Maria Pereira Freire Maria Elisabette Brisola Brito Prado Introdução O desenvolvimento de software educacional ganhou um grande impulso nos últimos anos, provocando uma avalanche de novas opções no mercado. A questão fundamental é como lidar com tanta diversidade. Há alguns anos, a escolha dos educadores restringia-se a duas opções: Programas de Instrução Programada e Linguagem de Programação Logo. Hoje, a Informática na Educação conta com muitas novidades e o dilema do educador é: o que escolher? O Projeto Pedagógico retoma perguntas simples, cujas respostas não são óbvias como parecem: quem vai usar o software? Para que vai ser utilizado? Como? Segundo Leonardo Boff, “todo ponto de vista é a vista de um ponto. Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam”. Embora não haja um consenso sobre como “categorizar” os softwares educacionais, há sempre um conjunto de características que definem diferentes tipos, como, por exemplo, tutoriais, simulação, modelagem,

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linguagem de programação, jogos etc.1 Com base nessas características, Rocha (1996) levanta alguns pontos que devem ser considerados ao efetuar a análise de um software educacional. A autora observa que há entre esses pontos inter-relacionamento, dada a natureza educacional do software que está sendo analisado: “Características de interface mudam muito de acordo com a categoria e/ou abordagem pedagógica de um software.(...) um software que tem como fundamentação teórica-pedagógica o construtivismo, um feedback do tipo certo e errado, gera uma inconsistência que compromete a sua qualidade” (Rocha, 1996, p. 1). Aspectos técnicos, tais como plataforma do computador, configuração e suporte técnico, bem como aqueles relativos à interface, diálogo entre o usuário e o computador, apresentação visual do software, “esforço mental” requerido do usuário, tipo de resposta do sistema e forma de apresentação do help, são fundamentais para a qualidade geral do software. Mas, em se tratando de software com finalidade educacional, a fundamentação teórico-pedagógica requer especial atenção. É necessário observar as especificações do software quanto ao públicoalvo destinado, sua forma de utilização, materiais de suporte necessários relacionados ao uso do software, forma de apresentação do conteúdo (consistência e estrutura) e estímulo à criatividade, imaginação, raciocínio, trabalho em grupo e nível de envolvimento do usuário.

Vejamos a seguir, na figura 1, um exemplo retirado de um folheto de software educacional que. apresenta algumas de suas características do ponto de vista pedagógico.

Softwares educativos XXXXX - nome do software

contexto

objetivos

XXXXXX é um programa educativo multimídia totalmen te interativo, cheio de cores, sons e emoções. Os alunos embarcam em uma aventura na ilha (...). São seis atividades diferentes e muito criativas, nas quais o aluno desenvolve o raciocíno lógico. Durante o processo de aprendizagem são apresentadas situações de desafios e descobertas (...).assim, o aluno descobre que XXXXX faz parte de sua vida!

interface

motivador

construtivista cotidiano

Figura 1: Informações contidas em um folheto explicativo de um software educacional 1

Neste livro, os capítulos “Uma taxonomia para ambientes de aprendizado baseados no computador” e “Análise dos diferentes tipos de softwares usados na Educação” abordam com mais detalhes este assunto.

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Informações como “desafio e descoberta” e “faz parte e sua vida” sugerem tratar-se de um software desenvolvido com base em concepções educacionais condizentes com os princípios teóricos construtivistas,


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amplamente difundidos nos meios educacionais atuais. Ingredientes como uso de recursos multimídia, apresentação de atividades “criativas” no decorrer de uma “aventura na ilha” com ênfase no desenvolvimento do “raciocínio lógico” contribuem para que o educador analise, de forma positiva, o software em questão.

finalmente, um exemplo da elaboração e execução de um projeto no contexto de Formação de Professores, na área de Informática na Educação. O Projeto Pedagógico representa, em última análise, a síntese da reflexão do educador sobre a sua prática de sala de aula e suas concepções educacionais.

O fato de escolher um software com características “construtivistas” não garante que o seu uso pedagógico seja construtivista. Mesmo nos casos em que o software tem uma orientação teórica construtivista e que esta se revele nos recursos por ele oferecidos, a qualidade de ser “construtivista na prática pedagógica” é de responsabilidade do educador2. É fundamental que um software seja apreciado em uma situação prática de uso. É a prática pedagógica do educador com seus alunos conferir ao software um papel significativo no processo de ensino e aprendizagem, de acordo com suas metas e intenções.

Reflexões Iniciais: Projeto Pedagógico A palavra “projeto” vem do latim, projectu, que significa “lançar para diante”. O sentido de Projeto Pedagógico é similar, traz a idéia de pensar uma realidade que ainda não aconteceu, implica analisar o presente como fonte de horizontes de possibilidades. Não se trata de um plano, passo a passo, daquilo que o educador e os alunos deverão fazer ao longo de um período. Trata-se de delinear um percurso, possível que pode levar a outros, não imaginados a priori. Nesse sentido, não estamos nos referindo ao planejamento escolar didaticamente organizado de acordo com os conteúdos curriculares previstos para um determinado período letivo. Interessa-nos que o educador explicite e exercite suas concepções educacionais, reinterpretando-as e relativizando-as em relação à realidade na qual atua, vislumbrando suas possibilidades de atuação pedagógica. Isso não significa que a escola e as demais instâncias do sistema educacional não possam estabelecer diretrizes para nortear o trabalho escolar em suas diferentes etapas. Mas é importante que o educador reinterprete tais diretrizes de modo que o trabalho pedagógico que realiza seja compatível com as necessidades e expectativas de sua sala de aula.

Neste capítulo, enfatizamos a importância do Projeto Pedagógico como pano de fundo do processo de seleção de software educacional e, conseqüentemente, de todo o encaminhamento da ação pedagógica do educador, tendo a aprendizagem do aluno como meta. Apresentamos algumas reflexões iniciais sobre o que vem a ser Projeto Pedagógico, na nossa perspectiva; a inserção do computador no seu escopo; e, 2

Um exemplo amplamente conhecido é a Linguagem de Programação Logo. Seu idealizador, Papert (1985, 1993), inspirado nos trabalhos de Piaget, desenvolveu essa linguagem computacional cujas características contribuem para a construção do conhecimento tal como é preconizado pelos princípios da teoria psicogenética. Nos primeiros anos da Informática na Educação no Brasil, usar Logo era um excelente “cartão de apresentação”, pois era sinônimo de um trabalho educacional “construtivista”.

Em certo sentido, compartilhamos as idéias desenvolvidas por Hernández (1998a) a respeito dos “projetos de trabalho”. Para ele, os projetos de trabalho não são uma opção puramente metodológica, mas uma maneira de repensar a função da escola, com o objetivo de corresponder às

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necessidades de uma sociedade em permanente mutação, cujos conhecimentos são, cada vez mais, rapidamente revisados e transformados. Uma das propostas da Informática na Educação é repensar o papel da escola à luz das novas tecnologias (Valente, 1996); em outras palavras, rever o processo de ensino e aprendizagem, baseado no uso do computador. Compreendemos a aplicação da Informática no contexto educacional numa perspectiva construcionista (Papert, 1993; Valente, 1993; Prado, 1996) em que colaboram, de forma integrada, o computador e outros materiais didáticos para a ocorrência de situações significativas de aprendizagem. Os materiais disponíveis no ambiente de sala de aula estão a serviço das relações que, continuamente, se estabelecem e se transformam entre os protagonistas do processo de ensino e aprendizagem e que tematizam a respeito de um objeto de estudo. A figura 2 resume as relações estabelecidas em sala de aula, usando, também, o computador. Processo de ensino e aprendizagem

diversas estratégias e instrumentos

situações significativas de aprendizagem

Figura 2: Representação das relações envolvidas no processo de ensino e aprendizagem

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As questões que decorrem do Projeto Pedagógico não são novas. Muitas delas são recorrentes e encontram suas raízes em teóricos dos anos 203, estendendo-se até a atualidade. Argumentos a favor da criação de situações-problema vinculadas ao mundo fora da escola e de interesse dos alunos, a importância do contexto de aprendizagem, a relevância de uma concepção construtivista de aprendizagem, que delega um papel fundamental àquilo que o aluno já sabe, a importância da coexistência de diferentes visões de mundo e o confronto entre elas adquirem um novo sentido, considerando-se a problemática imposta pela sociedade atual. No âmbito dessa discussão podemos perceber que existe uma certa confusão entre Projeto Pedagógico e Tema e, muitas vezes, um é tomado pelo outro. Compreendemos como instâncias diferentes. O Projeto Pedagógico envolve as intenções do educador, seu conhecimento a respeito dos conteúdos que pretende desenvolver, seus objetivos pedagógicos, o entendimento da realidade na qual atua, considerando as necessidades e expectativas de seus alunos, a estrutura escolar que o mantém, entre outras coisas. Um Tema pode ser uma das maneiras de dar vida ao Projeto, um modo de concretizá-lo na ação pedagógica e está mais relacionado ao contexto de aprendizagem. Um Tema pode surgir de várias maneiras. Pode ser proposto pelo educador, considerando o momento educativo e os interesses dos alunos, emergir de uma outra situação de aprendizagem qualquer, que remete a uma problemática de interesse, ser uma proposta coletivamente debatida entre os alunos, ser 3

Hernández (1998a), no livro Transgressão e Mudança na Educação: os Projetos de Trabalho, apresenta uma retrospectiva histórica desde os anos 20 até a atualidade dos diferentes significados da palavra “projetos” no meio educacional, desde os centros de interesse até a sua proposta de “projetos de trabalho”.


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entrelaçado por outros projetos em andamento na escola (os temas transversais, por exemplo) etc. De qualquer forma, é importante que o Tema surja de um processo em andamento e que não seja colocado como uma tarefa aleatória, dissociada do Projeto Pedagógico (Azevedo & Tardelli, 1997). Um Tema é uma estratégia interessante, que possibilita o estabelecimento de relações significativas entre conhecimentos e pode detonar o encaminhamento do Projeto Pedagógico.

O Projeto Pedagógico: Integrando o Computador A integração do computador ao ambiente escolar é uma questão complexa. Implica compreender o papel que o computador pode assumir no processo de ensino e aprendizagem. Este papel não é homogêneo, depende, em grande parte, das intenções do educador e das características do programa computacional que se pretende utilizar.

A rápida evolução tecnológica, aliada à divulgação do uso do computador na escola, tem contribuído para o redimensionamento das discussões atuais sobre a importância do Projeto Pedagógico. É a partir de sua elaboração que o educador lida com diferentes aspectos que precisam ser compatibilizados e harmonizados na sua prática diária. O exercício de projetar seu trabalho impõe a ele repensar suas crenças, valores, concepções, história de vida e reconhecer em seus alunos esta multiplicidade de aspectos constitutivos do sujeito, instigando-o a estabelecer metas que orientem sua ação pedagógica.

Como dissemos, no início da Informática na Educação, a adoção da Linguagem Logo resolvia grande parte dos problemas dos educadores considerados inovadores. Na prática, nem sempre o resultado do trabalho em sala de aula correspondia às expectativas preconizadas por Papert (1985). Retirar do uso do Logo as implicações pedagógicas que interessam a uma prática educacional construcionista não é simples (Freire & Prado, 1996; Prado & Freire, 1996). Saber integrar a Linguagem Logo a determinados conteúdos de interesse dos alunos e a outros materiais ainda permanece como desafio. Essa integração exige que o educador conheça em profundidade tanto a linguagem de programação em si, possibilidades e limites quanto o conteúdo que pretende desenvolver com seu auxílio. A nosso ver, a grande contribuição da Linguagem Logo para a Informática na Educação foi explicitar a importância do ciclo reflexivo, envolvido no ato de programação do computador, no processo de aprendizagem (Valente, 1993; Baranauskas, 1993).

“São os saberes do vivido que trazidos por ambos – alunos e professores - se confrontam com outros saberes, historicamente sistematizados e denominados ‘conhecimentos’ que dialogam em sala de aula.” (Geraldi, 1997, p. 21). Em relação à escolha de software educacional, a relevância do Projeto Pedagógico é ainda maior. O estabelecimento de critérios que respaldem uma escolha apropriada funda-se no conjunto de intenções do educador materializado pelo Projeto que ele é capaz de estabelecer naquele dado momento de sua atuação profissional. A diversidade de software não deve ser vista como um problema a ser resolvido, mas como uma oportunidade de rever aspectos envolvidos no ato de ensinar e aprender.

A análise de algumas experiências usando a Linguagem Logo mostra a importância do Projeto Pedagógico para o desenvolvimento do trabalho em sala de aula e, principalmente, para a compreensão da sua função no processo educacional (Freire et al, 1998). A falta de um contexto significativo de uso limita as potencialidades do Logo, esgotando-as. Em

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algumas situações, esta foi a causa do abandono4 dessa linguagem de programação. As experiências com Logo, respaldadas por um Projeto Pedagógico bem delineado, permitiram a integração de outros aplicativos e programas computacionais ao trabalho de Informática na Educação e, ainda hoje, servem como referência5. Certamente, a sobrevivência de muitos softwares educacionais, mesmo daqueles de reconhecida qualidade, dependerá da existência de um Projeto Pedagógico que oriente suas aplicações, tal como aconteceu com o Logo. A repercussão causada pela freqüente substituição de softwares educacionais hoje talvez não provoque impacto devido ao grande número de programas computacionais disponíveis, mas pode acarretar uma desenfreada corrida em busca de softwares cada vez mais sofisticados, atuais e complexos. É necessário, pois, assumir uma postura crítica para não saltar de um software a outro, intensificando a fragmentação do conhecimento. Esta, parece-nos, uma visão ingênua da função do computador no processo de ensino e aprendizagem. Não queremos, com isso, dizer que a atualização dos softwares usados seja irrelevante; ao contrário, ela é de extrema importância desde que o educador esteja 4

No ano de 1994, durante o II Congresso Iberoamericano de Informática na Educação, realizado em Lisboa, Portugal, um dos temas debatidos foi “O Logo Hoje”. O título escolhido revela uma preocupação em relação à “sobrevivência” da linguagem de

atento às necessidades do seu trabalho pedagógico. Isso nos remete, novamente, à importância da elaboração de um Projeto Pedagógico. Um Projeto não nasce do nada. Ele se origina de uma situação circunstancial que precisa de soluções e que tem algumas restrições que devem ser consideradas. Projetar, portanto, implica lidar com aspectos conhecidos e outros não. O Projeto Pedagógico é, necessariamente, uma organização aberta. Organização, porque procura articular as informações já conhecidas; e aberta, porque precisa integrar outros aspectos que somente surgirão durante a execução daquilo que foi projetado. Principalmente assuntos periféricos que resgatam as experiências dos alunos, reaproveitando-as para a construção do conhecimento, a fim de que “as manifestações dos educandos, consideradas não pertinentes aos interesses preestabelecidos dentro de determinado contexto” não sejam apagadas (Azevedo & Tardelli, 1997, p. 30). Assim, o projeto é passível de modificações a qualquer momento, é dinâmico. Qualquer modificação que se faça no projeto não é arbitrária. Os ajustes são ditados pelo aproveitamento e histórias dos alunos, e pelos objetivos que se pretende atingir naquele dado momento. Ele serve de lastro, de referência, de fio condutor que evita o “acaso” e “a camisa-de-força”. A elaboração, execução, avaliação e reformulação do Projeto Pedagógico é o que garante escolhas apropriadas no contexto da Informática na Educação6.

programação em um período de grande entusiasmo em relação às novidades da multimídia. O tipo de programação exigida pelo Logo (textual) estava sendo considerada um grande empecilho à sua continuidade no contexto escolar. 5

Embora a Linguagem Logo não seja mais o “centro” da Informática na Educação, ainda é referência até para o desenvolvimento de ambientes computacionais

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O Projeto é uma das formas de organizar o trabalho pedagógico, compatibilizando sempre aquilo que já se conhece e guardando espaço 6

Em um outro nível, propomos a ocorrência do ciclo reflexivo do ato de programar em

baseados no ciclo reflexivo do ato de programar. Esses ambientes foram denominados

relação ao trabalho pedagógico do educador, considerando suas intenções e a

de Logo-like (Valente, 1994).

performance de seus alunos (Prado, 1996).


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para incorporar de forma “natural” elementos imprevisíveis, decorrentes de sua execução. O projeto lida, concomitantemente, com dois eixos complementares: o da abrangência e o do aprofundamento (figura 3). Nesses dois níveis, estabelecem-se relações que possibilitam diferentes interpretações de um objeto de estudo. A interdependência desses eixos é fundamental para a seleção de software, considerando suas contri buições para o seu papel no processo educativo, a fim de criar situações significativas de aprendizagem.

abrangência

relações entre eixos

aprofundamento

Figura 3: Representação dos eixos complementares contemplados no Projeto Pedagógico O eixo da abrangência garante a multiplicidade de contextos de uso de um conhecimento qualquer. Ackermann (1990) enfatiza a importância do contexto para a aprendizagem. Segundo a autora, os “conceitos” estão sempre na dependência da situação em que são utilizados. A mudança de contexto possibilita ao aprendiz retirar das diferentes situações aquilo que é constante de um dado conhecimento e, ao mesmo

tempo, aquilo que é circunstancial7. Isso afasta o perigo do estabelecimento de regras rígidas, soluções padronizadas e aplicação de técnicas repetitivas. O conhecimento é mutável em função do uso que dele se faz. A abrangência permite, pois, o estabelecimento de relações significativas entre conhecimentos. O eixo do aprofundamento, por sua vez, permite reconhecer e compreender as particularidades de um dado conhecimento. O termo “micromundos”, cunhado por Papert, é um exemplo pedagógico desse eixo: “Um lugar de crescimento para espécies específicas de idéias poderosas ou estruturas intelectuais” (Papert, 1985, p. 154). Neste caso, o educador sugere uma situação de aprendizagem que permite ao aluno observar, detalhadamente, o objeto de estudo em questão, dando espaço para a criação e elaboração de explicações pessoais passíveis de reformulação. Podemos fazer uma analogia entre os dois eixos mencionados a uma filmadora. Quanto mais distante se estiver do cenário que se pretende filmar, maior a riqueza e amplitude da imagem. Nela, podemos observar os diversos objetos que compõem tal cena. Se, em um dado momento, acionarmos o “zoom” da filmadora, estaremos afunilando nosso campo de visão. Poderemos, então, destacar um dos objetos, visualizando em detalhes suas particularidades. “A riqueza da alternância entre os dois movimentos está em propiciar uma observação detalhada sem que se 7

Um exemplo muito simples é dado por alunos surdos em fase de construção do conceito de número. Devido aos problemas de linguagem que essa população apresenta, é uma tarefa complicada compreender as razões pelas quais “um homem grande usa uma camisa número 2” e “uma criança pequena tem 2 anos de idade”. Dois é sempre dois, mas o significado que o numeral assume depende do seu contexto de utilização.

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perca a dimensão do todo, possibilitando a compreensão em níveis diferenciados” (Martins, 1994, p. 2). Este é o movimento que deve permear as relações estabelecidas a partir do Projeto Pedagógico em sala de aula. A experiência tem nos mostrado que existe uma tendência em privilegiar um eixo em detrimento do outro (Freire et al, 1998). Geralmente, o eixo do aprofundamento é associado aos conteúdos disciplinares e o da abrangência ao da interdisciplinaridade. Há um certo reducionismo nessas associações. Corre-se o risco de desenvolver um trabalho educacional extremamente superficial no eixo horizontal ou extremamente descontextualizado no vertical. Nenhuma das formas é desejável. A revisão do conceito de interdisciplinaridade, na concepção apresentada por Fazenda (1994), reafirma nossa argumentação a favor da importância e necessidade do movimento entre os eixos. A interdisciplinaridade se dá sem que haja perda de identidade das disciplinas. Embora os temas interdisciplinares estejam em discussão na atualidade, não podemos assumir uma posição inflexível em relação a outros tipos de Projeto. Existem ainda muitos entraves para a realização de Projetos Pedagógicos com caráter interdisciplinar. Eles precisam de uma estrutura organizacional que favoreça o trabalho colaborativo em vários níveis entre os educadores: desde a concepção até a execução do Projeto propriamente dito. Resta, ainda, a questão da integração de um dado software ao Projeto Pedagógico. Se, por um lado, é importante que o educador trace metas viáveis, considerando as peculiaridades de seus alunos, seus objetivos e intenções, os conteúdos que pretende desenvolver e as condições de trabalho de que dispõe, por outro lado, é necessário que ele esteja

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preparado para analisar um software educacional. Somente o conhecimento das possibilidades e limites do programa computacional é que lhe permitirão reconhecer nele modos de uso condizentes com seu plano de ação. A figura 4 representa a interdependência entre o uso de software e o Projeto Pedagógico.

natureza do conhecimento

eixo (S)

características do software

Figura 4: Representação da interdependênciaentre uso do software e o Projeto Pedagógico em relação ao eixo que se pretende atingir (abrangência, aprofundamento, movimento entre ambos). O Projeto Pedagógico norteia a escolha e o modo de aplicação de um software considerando, por um lado, a natureza do conteúdo a ser desenvolvido e, por outro, os recursos disponíveis dos software. Esses podem ser combinados com outros materiais didáticos e dinâmicas de trabalho, contribuindo, assim, para o delineamento de situações de aprendizagem. Estas, a cada momento do processo escolar, estarão voltadas para um dos eixos do Projeto Pedagógico ou, ainda, para ambos, relacionando-os e criando um movimento permanente entre o que é geral e específico.


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A Elaboração E Execução De Um Projeto Pedagógico O Projeto Pedagógico retoma perguntas simples, cujas respostas não são óbvias como parecem. Quem vai usar o software? Para que vai ser utilizado? Como? Para respondê-las, o educador reinterpreta um determinado software a partir do seu referencial teórico e da compreensão da realidade em que atua. Parafraseando Boff (1997, p. 9), “o educador lê com os olhos que tem e interpreta a partir de onde seus pés pisam naquele dado momento”. Para concretizarmos as idéias deste artigo, apresentamos um Projeto Pedagógico desenvolvido por ocasião de um Curso de Formação de Professores na Área de Informática na Educação8. A figura 5 mostra o esquema geral do Projeto elaborado para esse curso: TEMA em QUESTÃO

ABRANGÊNCIA

FERRAMENTA E FERRAMENTA D

FERRAMENTA A FERRAMENTA B FERRAMENTA C

PARADA OBRIGATÓRIA

Liga-ferramenta

APROFUNDAMENTO

Figura 5: Esquema geral do Projeto Pedagógico 8

Nosso intuito, ao mostrar este exemplo em particular, é duplo. Desejamos mostrar os diferentes aspectos envolvidos na elaboração e execução de um Projeto Pedagógico

Várias ferramentas computacionais9 foram usadas para desenvolver o tema sugerido. Cada atividade, potencialmente, possibilitava o estabelecimento de relações entre os assuntos envolvidos em tal temática (eixo da abrangência) e/ou provocava o detalhamento de um tópico ou dos recursos oferecidos pela ferramenta computacional (eixo do aprofundamento). Entre um encontro e outro sugeríamos um contexto de utilização das ferramentas que contemplasse a aplicação integrada das mesmas. Denominamos essas atividades de Liga-ferramenta. Além disso, como estratégia de encaminhamento do curso, a Parada Obrigatória visava desencadear a discussão coletiva, reaproveitando as contribuições fornecidas pelos participantes sobre diferentes tópicos abordados, possibilitando a troca de experiências, o debate e a reflexão. Como qualquer curso, esse também tinha uma série de restrições que precisavam ser consideradas na sua elaboração. Essas restrições visavam atender as necessidades dos educadores que fariam o curso e às normas de funcionamento das instituições envolvidas. Assim, elaboramos um Projeto Pedagógico que consideramos, a princípio, o mais favorável diante do que era possível. Para envolver os participantes em uma mesma temática, escolhemos um assunto que não privilegiava um determinado conteúdo, já que era esperado educadores de diversas áreas do conhecimento. Entendemos que a sugestão de um tema de trabalho, nesse caso, possibilitaria ao educador “enxergar” sua disciplina e, ao mesmo tempo, analisar as relações que ela estabelece com outras áreas. Geralmente, um tema abriga outros conhecimentos interessantes que podem ser aprofundados

e, considerando o contexto para o qual ele foi delineado, apresentar uma série de indicadores úteis para a escolha e uso de software educacional. Sugerimos que esta parte do capítulo seja lida, tendo em mente estas duas idéias.

9

Usamos a denominação “ferramenta computacional” para nos referirmos a qualquer software educacional, aplicativo ou linguagem de programação.

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e aplicados a diferentes níveis de escolaridade, abre possibilidades para novas atividades e gera situações significativas de aprendizagem. O objetivo geral desse curso foi apresentar ferramentas computacionais, abordando dois aspectos fundamentais para o uso da Informática no contexto escolar: a escolha de ferramentas computacionais em função do(s) domínio(s) de conhecimento(s) que se pretende desenvolver com os alunos e a possibilidade de integração de conteúdos e softwares educacionais10. A elaboração de uma determinada atividade não se faz sem escolher a ferramenta computacional e vice-versa. São duas faces de uma mesma moeda. Certos conhecimentos podem ser representados melhor com uma ferramenta computacional do que com outra. A escolha das ferramentas seguiu três critérios fundamentais: 1) ferramentas de propósito mais ou menos geral, aplicáveis a diferentes contextos educacionais (conteúdos e nível de escolaridade), 2) facilidade de acesso, isto é, comuns na maior parte dos computadores da atualidade, 3) compatibilidade com a configuração das máquinas do laboratório que seria utilizado. Para cada ferramenta computacional, sugerimos um conjunto de atividades para ser desenvolvidas por meio da aplicação dos recursos 10

O enfoque computacional nesse primeiro contato dos educadores com a Informática na Educação se deve ao fato de considerarmos importante que o educador aprenda a usar a tecnologia de forma confortável, atribuindo um sentido pessoal ao seu trabalho usando o computador, tanto quanto possível, e reaproveitando sua bagagem profissional. É esperado que a utilização do computador com esta finalidade provoque um “salto qualitativo” em termos profissionais.

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disponíveis na ferramenta. A partir das atividades, o educador podia desenvolver outras propostas e conhecer novos recursos. Todas as atividades resgatavam o tema geral do curso, e a realização das mesmas pelos participantes enriqueciam e traziam novas leituras ao assunto inicial. Num movimento coordenado o educador aprendia sobre a ferramenta computacional, ao mesmo tempo que elaborava um produto. Algumas vezes os trabalhos feitos pelos educadores deflagravam a introdução de uma nova ferramenta computacional, mais condizente com as propostas. Assim, estabeleceu-se um movimento entre os eixos da abrangência (provocando novos contextos de utilização das ferramentas computacionais e das idéias geradas) e do eixo do aprofundamento (provocando os conhecimentos de recursos mais sofisticados da ferramenta e novos conhecimentos que permitissem a elaboração das atividades em termos de conteúdo). Nesse curso, pudemos ver, claramente, o ponto de partida de aprendizagem dos educadores, mas o ponto de chegada foi coletivamente construído, com a participação dos educadores e formadores. Uma característica importante desse curso foi a atividad Liga-ferramenta, que tinha um duplo objetivo: a integração de ferramentas computacionais compatíveis entre si e pertinentes ao contexto de utilização e a criação da necessidade de o educador usar o computador de forma independente, revendo os conteúdos desenvolvidos nas aulas e recontextualizando-os. Nesse momento surgem as dúvidas e cada um pode avaliar seu aproveitamento, buscar informações que o auxiliem no entendimento. Há a idéia implícita de que é importante “fazer” em outro momento e “avaliar” o que foi feito por si mesmo. O conhecimento pressupõe a ação, é “(...)o desenvolvimento de uma prática reflexiva que permite ao indivíduo dar significado às coisas, interpretar, nomear e identificar sua própria relação com elas” (Moraes, 1997, p. 213).


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Vejamos uma atividade desenvolvida por meio do Editor de Texto Word. A proposta da atividade era a produção de um texto escrito a respeito do tema em discussão, tendo como material para a argumentação dois textos informativos, que foram organizados em arquivos do Word e disponibilizados na área de trabalho dos educadores. A figura 6 mostra a interdependência entre a atividade e a ferramenta computacional usada:

TEXTO

formador

RECURSOS DO EDITOR DE TEXTOS

dinâmica

Liga-ferramenta

PARADA OBRIGATÓRIA

Figura 6: Representação da inter-relação entre a atividade e a ferramenta computacional Vários objetivos inter-relacionados desencadearam essa proposta. Um deles era a produção de texto escrito e as ações requeridas na escritaleitura-reescrita-releitura. Paralelamente, os educadores teriam que interagir com o sistema computacional (abrir os documentos, salvá-los, minimizá-los) e aplicar os recursos básicos do Editor de Texto (copiar, colar, inserir, formatar, entre outros).

A introdução de uma nova idéia no texto pode provocar a necessidade de empregar um novo recurso da ferramenta computacional que auxilie o autor a explicitá-la, ilustrá-la ou representá-la. Neste caso, a atividade de produzir um texto escrito pode desencadear o uso de uma outra ferramenta computacional que seja pertinente ao assunto que está sendo abordado; por exemplo, a inserção de uma planilha de dados que sirva como argumento do próprio texto. Esta é uma das funções, portanto, da atividade Liga-ferramenta. A dinâmica do Projeto Pedagógico deve prover condições para que os textos produzidos circulem entre os participantes11. Para tanto, foi criada uma área de trabalho comum para que cada participante pudesse disponibilizar sua produção. Os participantes assumiram, assim, o papel de “leitor” do trabalho do outro, manifestando suas críticas, sugestões, alterações de mudanças – tanto em relação ao conteúdo quanto em relação ao formato dos textos –, contribuindo, assim, para a reescrita dos trabalhos de acordo com a opinião de cada autor. Tais sugestões impulsionaram, também, usos de outros recursos do aplicativo. Da mesma forma, certos recursos do aplicativo podem gerar novas idéias que transformam o texto originalmente concebido. A possibilidade de formatá-lo em colunas, inserir símbolos e figuras, pode sugerir outro. Um texto pode ter sido originalmente idealizado para ser didático, voltado 11

O desenvolvimento de diferentes tipos de texto permitia a introdução de novos recursos do aplicativo e vice-versa, estabelecendo-se uma permanente interação entre a natureza da atividade e seus desdobramentos (produção de texto escrito e multiplicidade de contextos de produção) e os recursos oferecidos pelo Editor de Texto.

Em se tratando de produção de texto escrito, é importante que haja a circulação do mesmo, pois ela “faz parte das condições de produção, especialmente quando o autor tem ciência das instâncias pelas quais circulará o seu texto, pois essa informação vai determinar, ao produzir seu trabalho, uma postura de maior ou menor compromisso, selecionando estratégias que julga mais eficazes para atingir seu público”. (Azevedo & Tardelli, 1997, p. 42)

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Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC

a um público estritamente escolar. Por exemplo, à medida que o autor resolve transformá-lo em um texto jornalístico, sua posição muda em relação a ele, bem como seu interlocutor. Essa mudança provoca a ocorrência de operações lingüísticas que transformam o texto como um todo, originando um produto diferente. No entanto, nem sempre esse “vaivém” acontece de forma espontânea. Cabe ao formador provocar a ocorrência dessas necessidades, com o intuito de revelar as relações que podem ser estabelecidas entre a atividade e a ferramenta computacional, por meio de novos contextos de uso. É a partir da ação, do fazer, que o educador poderá compreender tais relações12. A reflexão sobre a ação pedagógica sinaliza o momento da introdução de novos recursos, ferramentas computacionais ou mudanças de atividades. Esses sinais são dados pela observação e análise que o formador faz das ações dos educadores durante o processo de aprendizagem. Nesse nível, é necessário saber lidar com a singularidade de cada um e com as necessidades do grupo como um todo, de modo a manter o grau de engajamento dos participantes do curso. Assim, as intervenções individuais que visam ao esclarecimento, auxílio e sugestão de modos diferentes de ação são importantes, bem como momentos de discussão em grupo, os quais denominamos de Parada Obrigatória. Essa estratégia prevista na dinâmica de encaminhamento do Projeto 12

Outro aspecto de igual importância no contexto do curso foi focalizar a função da ferramenta computacional em uso no processo educativo, a fim de que o educador reconhecesse a pertinência da ferramenta nesse contexto específico, não como um auxílio para “passar a limpo”, mas como parte da atividade de escrever-lerreescrever-reler.

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Pedagógico pode se referir a muitos assuntos inter-relacionados, desde a resolução comentada de uma determinada atividade, objetivando a compreensão dos conceitos envolvidos e o confronto de diferentes formas de solucionar tal problema, demonstradas pelos educadores, até discussões, neste caso, de caráter pedagógico que procuram recontextualizar a experiência vivida no âmbito escolar. De qualquer forma, a Parada Obrigatória provoca o debate coletivo, com base nas análises feitas pelo formador no desenrolar da atividade, a fim de reaproveitar as contribuições fornecidas pelos diferentes pontos de vista dos educadores e, sobretudo, possibilitar a reflexão de cada um sobre o seu processo de aprendizagem. Reflexões Finais Neste artigo focalizamos a questão da escolha de software do ponto de vista pedagógico, embora estejamos cientes da importância das questões tecnológicas subjacentes. O desenvolvimento de um software educacional é um trabalho complexo, que envolve diversos profissionais de áreas diferentes e requer um sério trabalho investigativo. Cabe à Informática na Educação estabelecer este diálogo, possibilitando um maior entendimento dos avanços, necessidades e expectativas das áreas envolvidas. O ponto de partida por nós escolhido levou-nos a enfrentar uma série de outros temas inter-relacionados e de igual relevância no plano educacional, como a questão do Projeto Pedagógico, a interdisciplinaridade, o papel da Escola, o atual estado da Informática na Educação. Partimos da importância da experiência refletida e, portanto, compreendida, reinterpretada, recontextualizada do educador. Importanos que esta bagagem pessoal e profissional seja tomada como referência para as escolhas que precisam ser feitas no plano educacional, tendo como meta o aluno.


UNIDADE 4 - CURRÍCULO, PROJETOS E TECNOLOGIA

A diversidade de programas computacionais provoca uma análise profunda do estado atual do processo educativo. A integração de uma ferramenta computacional a conteúdos disciplinares implica conhecer, com propriedade, tanto o conteúdo quanto a ferramenta computacional em si. O domínio dos conteúdos disciplinares permite selecionar a ferramenta computacional adequada ao contexto e, ao mesmo tempo, o domínio dos recursos oferecidos pela ferramenta computacional permite desenvolver conteúdos não previstos a princípio. Neste último caso, diferentes ferramentas computacionais podem ser combinadas, com o objetivo de alcançar uma determinada meta educacional. Essa combinação não deve ser confundida com uma justaposição de ferramentas computacionais, sob o risco de manter a fragmentação de conteúdos e objetivos que ora pretendemos ultrapassar. É no interior do processo educativo que podemos encontrar algumas das respostas para as questões que surgem a partir do uso do computador e que remetem à transformação da prática do educador. Embora nosso interlocutor, no texto, tenha sido, a princípio, o educador, sabemos que a transformação de sua prática prescinde, também, de condições de trabalho que sustentem novas perspectivas. Nas palavras de Hernández: “As escolas são instituições complexas, inscritas em círculos de pressões internas e, principalmente, externas, nas quais com freqüência as inovações potenciais ficam presas na teia de aranha das modas” (1998b, p. 28). Se quisermos que a Informática na Educação ultrapasse os limites do modismo, é preciso investir na transformação da escola para que ela possa abraçar novas iniciativas, contribuindo, assim, para que tais propostas atinjam, de forma significativa, a ponta do processo educativo: os alunos. A novidade precisa ser trazida para dentro da escola e compreendida por toda a comunidade escolar. Nos limites da sala de aula, essa compreensão demanda níveis distintos de reflexão que

estabelecem um continuum: a reflexão do educador a respeito do que ele faz na (e sobre) sua ação pedagógica e a reflexão que o aluno deve fazer sobre o que aprende, provocada pelo educador. Referências Bibliográficas Ackermann, E., “From Descontextualized to Situaded Knowledge: Revising Piaget’s Water-level Experiment”. Epistemology and Learning Group Memo n∞ 5. Cambridge, Massachussetts Institute of Technology, 1990. Azevedo, C.B. & Tardelli, M.C., “Escrevendo e Falando na Sala de Aula”. In: Geraldi, J. W. & Citelli, B. (coord.) Aprender e Ensinar com Textos de Alunos. São Paulo, Cortez. Volume 1, pp. 25-47, 1997. Baranauskas, M.C.C., Criação de Ferramentas para o Ambiente Prolog e o Acesso de Novatos ao Paradigma em Lógica. Tese de Doutorado. Faculdade de Engenharia Elétrica, Unicamp, Campinas, 1993. Boff, L., A Águia e a Galinha: uma Metáfora da Condição Humana. Petrópolis, RJ, Vozes, 1997. Fazenda, I.C.A., Interdisciplinaridade: História, Teoria e Pesquisa. Campinas, SP: Papirus, 1994. Freire, F.M.P., Prado, M.E.B.B., Martins, M.C. & Sidericoudes, O ., “A Implantação da Informática no Espaço Escolar: Questões Emergentes ao Longo do Processo”. Revista Brasileira de Informática na Educação, nº 03, pp. 45-62, 1998. Freire, F.M.P. & Prado, M.E.B.B., “Professores Construcionistas: A Formação em Serviço”. Memórias III Comgresso Ibero-Americano de Informática Educativa. Barranquilla, Colombia, 1996. Geraldi, J. W., “Da Redação à Produção de Textos”. In: Geraldi, J. W.& Citelli, B. (coord.) Aprender e Ensinar com Textos de Alunos. São Paulo, Cortez. Volume 1, pp. 17-24, 1997.

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Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC

Hernández, F., Transgressão e Mudança na Educação: os Projetos de Trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998a. Hernández, F., “A Partir dos Projetos de Trabalho”. In: Pátio Revista Pedagógica, Ano 2, Número 6, pp. 26-31, 1998b. Martins, M.C., Investigando a Atividade Composicional: Levantando Dados para um Ambiente Computacional de Experimentação Musical. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação, Unicamp, Campinas, 1994. Moraes, M.C., O Paradigma Educacional Emergente. Campinas, SP, Papirus, 1997. Papert, S., A Máquina das Crianças: Repensando a Escola na Era da Informática. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994. Papert, S., Logo: Computadores e Educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. Prado, M.E.B.B., O Uso do Computador no Curso de Formação de Professor: Um Enfoque Reflexivo da Prática Pedagógica. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação, Unicamp, Campinas, 1996. Prado, M.E.B.B. & Freire, F.M.P., “Da repetição à Recriação: uma Análise da Formação do Professor para uma Informática na Educação”. In: J.A. Valente (org) O Professor no Ambiente Logo: Formação e Atuação. Campinas, SP, NIED-Unicamp, pp. 134160, 1996. Rocha, H.V. (1996) Análise de Softwares Educativos. (mimeo) Valente, J. A., “Informática na Educação: conformar ou transformar a escola”. Anais VIII ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Florianópolis. Volume II, pp. 363-369, 1996. Valente, J. A., O Logo Hoje. Actas do II Congresso Ibero-americano de Informática na Educação. Lisboa, Portugal. Volume 1, pp. 2931, 1994.

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Valente, J. A., “Por que o Computador na Educação”. In: J.A. Valente (org.), Computadores e Conhecimento: Repensando a Educação. Primeira versão. Campinas, SP: NIED-Unicamp, pp. 24-44, 1993. *** Este texto é capítulo do livro O computador na sociedade do conhecimento e encontra-se disponível em: http://www.apaesaopaulo.org.br/arquivo.phtml?a=9322


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Articulações entre áreas de conhecimento e tecnologia. Articulando saberes e transformando a prática Maria Elisabette Brisola Brito Prado Na sociedade do conhecimento e da tecnologia, torna-se necessário repensar o papel da escola, mais especificamente as questões relacionadas ao ensino e à aprendizagem. O ensino organizado de forma fragmentada, que privilegia a memorização de definições e fatos, bem como as soluções padronizadas, não atende às exigências deste novo paradigma. O momento requer uma nova forma de pensar e agir para lidar com a rapidez e a abrangência de informações e com o dinamismo do conhecimento. Evidencia-se uma nova organização de tempo e espaço e uma grande diversidade de situações que exigem um posicionamento crítico e reflexivo do indivíduo para fazer suas escolhas e definir suas prioridades. Além disso, há o elemento inusitado com o qual deparamos nas várias situações do cotidiano, demandando o desenvolvimento de estratégias criativas e de novas aprendizagens. Nessa perspectiva, a melhor forma de ensinar é aquela que propicia aos alunos o desenvolvimento de competências para lidar com as características da sociedade atual, que enfatiza a autonomia do aluno para a busca de novas compreensões, por meio da produção de idéias e de ações criativas e colaborativas.

O envolvimento do aluno no processo de aprendizagem é fundamental. Para isso, a escola deve propiciar ao aluno encontrar sentido e funcionalidade naquilo que constitui o foco dos estudos em cada situação da sala de aula. De igual maneira, propiciar a observação e a interpretação dos aspectos da natureza, sociais e humanos, instigando a curiosidade do aluno para compreender as relações entre os fatores que podem intervir nos fenômenos e no desenvolvimento humano. Essa forma de aprender contextualizada é que permite ao aluno relacionar aspectos presentes da vida pessoal, social e cultural, mobilizando as competências cognitivas e emocionais já adquiridas para novas possibilidades de reconstrução do conhecimento (PCN – Ensino Médio, 1999). Uma abordagem de educação que propicia o processo de reconstrução do conhecimento para a compreensão da realidade no sentido de resolver sua problemática trata o conhecimento em sua unicidade, por meio de inter-relações entre idéias, conceitos, teorias e crenças, sem dicotomizar as áreas de conhecimento entre si e tampouco valorizar uma determinada área em detrimento de outra. Nesse aspecto, o currículo por áreas evidencia as especificidades de cada área e, ao mesmo tempo, explicita a necessidade de integrá-las com vistas a compreender e transformar uma realidade. A compreensão da realidade é fundamental para que o aluno possa participar como protagonista da história, anunciando novos caminhos para exercer sua cidadania. Isso evidencia a necessidade de trabalhar com o desenvolvimento de competências e habilidades, as quais se desenvolvem por meio de ações e de vários níveis de reflexão que congregam conceitos e estratégias, incluindo dinâmicas de trabalho que privilegiam a resolução de problemas emergentes no contexto ou o desenvolvimento de projetos. “As competências são construídas somente no confronto com verdadeiros

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obstáculos, em um processo de projeto ou resolução de problemas” (Perrenoud, 1999, p. 69). Sob esse enfoque, o papel da tecnologia pode ser um aliado extremamente importante, justamente porque demanda novas formas de interpretar e representar o conhecimento. Embora a tecnologia seja um elemento da cultura bastante expressivo, ela precisa ser devidamente compreendida em termos das implicações do seu uso no processo de ensino e aprendizagem. Essa compreensão é que permite ao professor integrá-la à prática pedagógica. No entanto, muitas vezes essa integração é vista de forma equivocada, e a tecnologia acaba sendo incorporada por meio de uma disciplina direcionada apenas para instrumentalizar sua utilização, ou ainda, de forma agregada a uma determinada área curricular. Diferentemente dessa perspectiva, ressaltamos a importância de a tecnologia ser incorporada à sala de aula, à escola, à vida e à sociedade, tendo em vista a construção de uma cidadania democrática, participativa e responsável. Mas para isso é fundamental que o professor, independentemente da sua área de atuação, possa conhecer as potencialidades e as limitações pedagógicas envolvidas nas diferentes tecnologias, seja o vídeo, a Internet, o computador, entre outras. Importa que cada uma delas carrega suas próprias especificidades, que podem ser complementadas entre si e/ou com outros recursos não tecnológicos. Por sua vez, uma determinada tecnologia configura-se por uma multiplicidade de recursos distintos, os quais devem ser considerados para que seu uso seja significativo para os envolvidos e pertinente ao contexto. O uso da Internet na escola pode exemplificar a multiplicidade de recursos que podem ser utilizados em situações de aprendizagem. Um dos recursos bastante conhecido são os sites de busca, que podem

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facilitar e incentivar o aluno na pesquisa de informações e dados. Outro recurso da Internet que também vem sendo explorado educacionalmente são as ferramentas de comunicação, como: correio eletrônico, fórum de discussão e chats. Estes novos meios de comunicação favorecem o estabelecimento de conexões entre pessoas de diferentes lugares, idades e profissões. A troca de idéias e experiências com pessoas de diversos contextos pode ampliar a visão do aluno no sentido de fornecer novas referências para sua reflexão. Além desses recursos, existe a possibilidade de o aluno usar a Internet como um meio de representação do conhecimento. Isso pode acontecer no processo de construção de páginas. Esse tipo de uso, como produto, é visto de forma bastante atrativa, propiciando ao aluno envolver-se na atividade e, conseqüentemente, no processo de aprendizagem. Por essa razão enfatizamos a necessidade de o professor estar atento para que os aspectos envolvidos nessa situação de aprendizagem possam potencializar o desenvolvimento do pensamento cognitivo e artístico do aluno. Durante o processo de construção de página, o aluno representa seus conhecimentos num formato que exige articulação com as diferentes formas de linguagem e uma organização lógica e espacial diferente daquela habitualmente usada sem o recurso da tecnologia. A linguagem visual e textual, a estética, a lógica hipertextual das informações e o dinamismo de eventos e imagens integram-se na constituição de uma atividade de aprendizagem criativa, complexa e, ao mesmo tempo, prazerosa para o aluno. Os recursos pedagógicos da Internet, a pesquisa, a comunicação e a representação podem perfeitamente ser utilizados de forma articulada. O importante é o professor conhecer as especificidades de cada um dos recursos para orientar-se na criação de ambientes que possam


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enriquecer o processo de aprendizagem do aluno. Igualmente essa visão deve orientar a articulação entre as diferentes tecnologias e as áreas curriculares. A possibilidade de o aluno poder diversificar a representação do conhecimento, a aplicação de conceitos e estratégias conhecidas formal ou intuitivamente e de utilizar diferentes formas de linguagens e estruturas de pensamento redimensiona o papel da escola e de seus protagonistas (alunos, professores, gestores). Assim, surgem alguns questionamentos. Como o professor pode desenvolver uma prática pedagógica integradora contemplando os conteúdos curriculares, as competências, as habilidades e as diferentes tecnologias disponíveis nas escolas? Muitas experiências têm-nos revelado que o trabalho com projetos potencializa a articulação entre as áreas de conhecimento de forma integrada com as diferentes tecnologias. “(...)o projeto evidencia-se uma atividade que rompe com as barreiras disciplinares, torna permeável as suas fronteiras e caminha em direção a uma postura interdisciplinar para compreender e transformar a realidade em prol da melhoria da qualidade de vida pessoal, grupal e global (Almeida, 1999, p. 2). No paradigma educacional que enfatiza o processo de construção e reconstrução do conhecimento por meio das interações e dos diversos níveis de reflexão, o trabalho por projetos caracteriza-se pela flexibilidade de planejamento. O ponto de partida do projeto é claro, mas o mesmo não é verdade em relação ao como e quando o projeto poderá terminar. Isso ocorre porque, segundo Perrenoud (1999), esse tipo de atividade carrega consigo uma dinâmica própria. Essa dinâmica é constituída pela elaboração, pela execução, pela análise, pela reformulação e por novas

elaborações do projeto. São momentos de um contínuo vivenciado pelos autores/executores do projeto. A elaboração de um projeto feita em parceria entre alunos e professores deve ser entendida como uma organização aberta, que articula informações conhecidas, baseadas nas experiências do passado e do presente, com as antecipações de outros aspectos que surgirão durante sua execução. Essas antecipações representam algumas certezas e dúvidas sobre conceitos e estratégias envolvidos no projeto. No momento em que o projeto é colocado em ação, evidenciam-se questões, por meio de feedbacks, comparações, reflexões e de novas relações que fazem emergir das certezas novas dúvidas e das dúvidas algumas certezas. São as certezas temporárias e as dúvidas provisórias o que é abordado por Fagundes et al. (1999). A ocorrência desse movimento promove a abertura para outras perguntas, instigando o aluno para investigações. Esse aspecto é fundamental no processo de reconstrução do conhecimento e no desenvolvimento da autonomia. De fato, o trabalho por projetos potencializa a articulação entre os saberes das diversas áreas de conhecimento, das relações com o cotidiano e do uso de diferentes meios tecnológicos e/ou não. Do ponto de vista da aprendizagem, o trabalho por projetos tem um caráter extremamente importante, porque possibilita ao aluno a recontextualização de conceitos e estratégias, bem como o estabelecimento de relações significativas entre conhecimentos. Podemos dizer que o trabalho por projetos enfatiza a abrangência de relações entre as várias áreas de conhecimento e o desenvolvimento criativo, para lidar com os aspectos inusitados que emergem das relações. Além disso, o trabalho por projetos não é solitário, ele exige uma postura colaborativa entre as pessoas envolvidas. O projeto constitui-se em um trabalho de grupo, de

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formação de um time, em que as pessoas, cada qual com seus talentos, se relacionam em direção a um alvo em comum. Essa visão de trabalho em equipe é fundamental para lidarmos com a complexidade dos problemas existentes ao nosso redor e com os desafios impostos pelos avanços tecnológicos. Sob esse enfoque, o entendimento para uma prática inovadora baseada em trabalho por projetos deve conceber o ensino e a aprendizagem de forma interdependente. Essa visão é extremamente importante para o professor, que atua no contexto do sistema da escola, poder compatibilizar sua intencionalidade pedagógica com os interesses e as necessidades dos alunos. No entanto, a escola não pode perder de vista a qualidade de um projeto. Isso significa que o projeto precisa ser fomentado. Nesse sentido, cabe ao professor adotar uma postura de observação e de análise sobre as necessidades conceituais que emergem no desenvolvimento de um projeto. Para isso, é necessário o professor desenvolver estratégias pedagógicas que possibilitam o aprendizado tanto no sentido da abrangência como no sentido do aprofundamento de conceitos (Freire e Prado, 1999). O sentido da abrangência é representado pelo trabalho por projetos, no qual as diversas áreas curriculares e as tecnologias se articulam e o sentido do aprofundamento se refere às particularidades de uma área/disciplina, a qual pode emergir do próprio projeto em ação. Ambos os sentidos – abrangência e aprofundamento – devem estar inter-relacionados e em constante movimento, com vistas a propiciar a compreensão da atividade pelo aluno e a possibilidade de desenvolver outros níveis de relações, como mostra a figura 1.

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abrangência

relações entre sentidos aprofundamento

abrangência

relações entre sentidos aprofundamento

Figura 1 - Representação dos sentidos da abrangência e aprofundamento no momento 1 e no momento 2 O momento1 ilustra um determinado nível de compreensão representado pelos dois sentidos. Como existe o dinamismo nessa atividade, decorrente do projeto em ação, em alguns instantes podem surgir questões que necessitam de compreensões mais profundas. No entanto, esse aprofundamento mais localizado que trata as particularidades de um


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determinado tópico disciplinar ou de uma determinada área não se fecha em si mesmo. Ao contrário, essa compreensão gera relações mais complexas no sentido da abrangência, tal como mostra a ilustração no momento 2. Nesse processo recursivo, podem ser gerados momentos n de aprendizagens de patamares superiores. Essa perspectiva de articulação de saberes exige do professor um nova postura, o comprometimento e o desejo pela busca, pelo aprender a aprender e pelo desenvolvimento de competências, as quais poderão favorecer a reconstrução da sua prática pedagógica. No entanto, não podemos esquecer que o professor foi preparado para ensinar com base no paradigma da sociedade industrial, em que os princípios educacionais eram pautados na reprodução e na segmentação do conhecimento. Portanto, não basta que o professor tenha apenas acesso às propostas e às concepções educacionais inovadoras condizentes com as sociedades do conhecimento e da tecnologia. É preciso oportunizar a esse profissional a ressignificância e a reconstrução de sua prática pedagógica, voltada para a articulação das áreas de conhecimento e da tecnologia. Portanto, o desafio é dar nova vida ao currículo da escola. Para isso, a formação do professor tanto para aqueles que estão em exercício como aqueles que se estão preparando nos cursos superiores é imprescindível. Mas não podemos deixar de apontar que existe também, muito premente, a necessidade de repensar a estrutura do sistema de ensino, propiciando a concretização dos princípios educacionais fundamentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Referências bibliográficas ALMEIDA, M. E. B. Projeto: uma nova cultura de aprendizagem. Artigo publicado no site: http:// www.proinfo.gov.br., 1999. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999. FAGUNDES, L.; SATO, L.; MAÇADA, D. Aprendizes do futuro: as inovações começaram. Cadernos Informática para Mudança em Educação. MEC/Seed/ProInfo, 1999. FREIRE e PRADO. Projeto pedagógico: pano de fundo para escolha de software educacional. O computador na sociedade do conhecimento VALENTE, J. A. (Org.). Campinas: Nied-unicamp, 1999. p.111-129. PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999. *** Maria Elisabette Brisola Brito Prado Pesquisadora do Núcleo de Informática Aplicada à Educação Nied-unicamp Doutoranda em Educação – PUC-SP. Este texto é capítulo do livro Integração das Tecnologias na Educação. Salto para o Futuro. Organização ALMEIDA, M. E. B.; MORAN, J. M. Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/salto/livro/1sf.pdf

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As múltiplas formas do aprender

José Manuel Moran – As tecnologias começam separadas (computador, celular, Internet, MP3, câmera digital) e caminham na direção da convergência, da integração, dos equipamentos multifuncionais que agregam valor. O telefone celular é a tecnologia que atualmente mais agrega valor: é móvel e rapidamente incorporou o acesso à Internet, a foto digital, os programas de comunicação (voz, TV), o entretenimento (jogos, música, MP3) e outros serviços.

A sala de aula não é mais a mesma. A tecnologia, outrora restrita às aulas de informática, passa a fazer parte do cotidiano de alunos e professores. A Educação a Distância (EAD) vem se caracterizando não mais como uma atividade isolada, mas como uma forma de criar grupos de aprendizagem,integrando a aprendizagem pessoal com a grupal.

Essas tecnologias convergentes e combinadas modificam profundamente todas as dimensões de nossa vida. As tecnologias, principalmente a Internet, estão trazendo fundamentalmente, nesses últimos 20 anos, muito mais mobilidade, ou seja, a possibilidade de realizar atividades ou tarefas sem necessariamente ir a um lugar determinado. As redes, principalmente a Internet, estão começando a provocar mudanças profundas na educação presencial e a distância. Na presencial, desenraizam o conceito de ensino-aprendizagem localizado e temporalizado. Podemos aprender desde vários lugares, ao mesmo tempo, on-line e off-line, juntos e separados. Como nos bancos, temos nossa agência, a escola, que é nosso ponto de referência, só que agora não precisamos ir até lá o tempo todo para poder aprender. As redes também estão provocando mudanças profundas na educação a distância. Antes, a EAD era uma atividade muito solitária e exigia muita autodisciplina. Agora, com as redes, a EAD continua como uma atividade individual, mas combinada com a possibilidade da comunicação instantânea, de criar grupos de aprendizagem, integrando a aprendizagem pessoal com a grupal.

Esse processo, ainda incipiente em muitas instituições, exige um novo tipo de profissional, mais flexível e maduro. Um profissional que não apenas conheça a tecnologia, mas também seja capaz de transformar o espaço escolar, modificar e inovar o processo de ensino e aprendizagem. Esses são os principais pontos do pensamento de José Manuel Moran, doutor em Comunicação pela USP, avaliador de cursos a distância no MEC e coordenador de EAD da Faculdade Sumaré de São Paulo. Em entrevista exclusiva, o professor Moran faz uma detalhada análise da importância da tecnologia na educação e do papel do professor nessa nova realidade. Atividades & Experiências – Quais transformações as novas tecnologias trouxeram para a educação? O que se pode esperar para os próximos anos?

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A&E – O quadro e o giz estão com os dias contados?


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Moran – Infelizmente, não, porque muitas escolas oferecem o mínimo de infra-estrutura tecnológica de apoio a professores e alunos e, também, porque muitos professores ainda se consideram o centro, focando mais o ensinar do que o aprender, o “dar aula” do que o gerenciar atividades de pesquisa e projetos. A sala de aula pode ser o espaço de múltiplas formas de aprender. Espaço para informar, pesquisar e divulgar atividades de aprendizagem. Para isso, além do quadro e do giz, precisa ser confortável, com boa acústica e tecnologias, das simples até as sofisticadas. Uma sala de aula hoje precisa ter acesso fácil ao vídeo, DVD, projetor multimídia e, no mínimo, um ponto de Internet, para acesso a sites em tempo real pelo professor ou pelos alunos, quando necessário. Infelizmente, a maioria das escolas e universidades pensa que giz, quadro, mesa, cadeiras, um professor e muitos alunos é suficiente para garantir aprendizagem de qualidade. A&E – Os professores estão preparados para trabalhar com toda essa tecnologia? Moran – Hoje, temos um número significativo de professores desenvolvendo projetos e atividades mediados por tecnologias. Mas a grande maioria das escolas e dos professores ainda está tateando sobre como utilizá-las adequadamente. A apropriação das tecnologias pelas escolas passa por três etapas até o momento. Na primeira, as tecnologias são utilizadas para melhorar o que já se vinha fazendo (melhorar o desempenho e a gestão, automatizar processos, diminuir custos). Na segunda etapa, a escola insere parcialmente as tecnologias no projeto educacional. Cria uma página na Web com algumas ferramentas de pesquisa e comunicação, divulga textos e endereços interessantes, desenvolve alguns projetos, há atividades no laboratório de informática, mas mantém intocados estrutura de aulas, disciplinas e horários. Na

terceira, que começa atualmente, com o amadurecimento de sua implantação e o avanço da integração das tecnologias, as universidades e escolas repensam seu projeto pedagógico, seu plano estratégico, e introduzem mudanças significativas como a flexibilização parcial do currículo, com atividades a distância combinadas com as presenciais. Os professores, em geral, ainda estão utilizando as tecnologias para ilustrar aquilo que já vinham fazendo, para tornar as aulas mais interessantes, mas ainda falta o domínio técnico-pedagógico que lhes permitirá, nos próximos anos, modificar e inovar os processos de ensino e aprendizagem. A&E – Qual é, ou qual será, o perfil do novo profissional da educação? Moran – O novo profissional da educação integrará melhor as tecnologias com a afetividade, o humanismo e a ética. Será um professor mais criativo, experimentador, orientador de processos de aprendizagem presencial e a distância. Será um profissional menos falante, menos informador e mais gestor de atividades de pesquisa, experimentação e projetos. Será um professor que desenvolve situações instigantes, desafios, solução de problemas e jogos, combinando a flexibilidade dos espaços e tempos individuais com os colaborativos grupais. Quanto mais avança a tecnologia, mais se torna importante termos educadores maduros intelectual e emocionalmente, pessoas curiosas, entusiasmadas, abertas, que saibam motivar e dialogar. Pessoas com as quais valha a pena entrar em contato, porque dele saímos enriquecidos. Tendo isso, a tecnologia entra como apoio, facilitação da aprendizagem humanizadora. O professor está começando a aprender a trabalhar em situações muito diferentes: com poucos e muitos alunos, com mais ou menos encontros presenciais, com um processo personalizado (professor autor-gestor)ou mais despersonalizado (separação entre o autor e o gestor de

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aprendizagem). Vejo o professor do futuro como alguém que poderá estar vinculado a uma instituição predominantemente, mas não exclusivamente. Ele participará de inúmeros momentos de atividades de ensino em outras organizações, de orientação de pesquisas em diferentes lugares e níveis. Desde qualquer lugar, poderá conectar-se com seus alunos, vê-los e falar com eles. O professor será multitarefa, orientará muitos grupos de alunos, dará consultoria a empresas, capacitações on-line, alternando esses momentos com aulas, orientações de grupos, desenvolvimento de pesquisas com colegas de outras instituições. A ciência será cada vez mais compartilhada e desterritorializada. Os professores-pesquisadores não precisarão morar perto, o importante é que saibam trabalhar juntos virtualmente, que saibam cooperar à distância, que tenham espírito de colaboração mais do que de competição. A&E – Há alunos que possuem em casa muito mais recursos do que os disponíveis na escola. Como a escola conseguirá manter o interesse de alunos cada vez mais conectados? Moran – A grande maioria dos alunos brasileiros não possui recursos tecnológicos avançados nem em casa nem na escola, principalmente na escola pública. A Internet chega atualmente a 15% dos brasileiros. É um crescimento notável, mas, por outro lado, mostra que 85% ainda estão fora. Para os alunos que têm acesso a novas tecnologias, a escola pode estimular ao máximo a pesquisa ligada ao cotidiano deles, aos seus interesses, à sua vida. A escola precisa fazer a ponte continuamente entre teoria e prática, entre realidade local, nacional e internacional. Qualquer tema mais amplo pode ser trabalhado também na dimensão local, próxima do aluno. A escola precisa avançar mais na incorporação de atividades a distância como parte do processo de aprendizagem. Não podemos hoje resolver tudo dentro de salas de aula. No ensino superior,

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isso já se percebe como uma tendência que será cada vez mais forte, mas também precisa chegar ao Ensino Médio, em primeiro lugar, e depois ao Fundamental. Confinar 40 alunos de educação básica todas as manhãs ou tardes com aulas de 50 minutos sucessivas é anacrônico, contraproducente e mostra de extrema incompetência institucional. A&E – O computador trabalha a lógica, muitas vezes em detrimento dos relacionamentos. O que fazer nesses casos? Moran – Os computadores, como máquinas isoladas, até agora têm desenvolvido mais procedimentos lógicos, programas de organização de atividades que funcionam com regras, padrões e previsibilidade. A utilização intensiva desses programas reforça a organização lógica do pensar e do agir. Mas os computadores hoje estão ligados em redes e cada vez mais cheios de imagens, sons e movimento. O perigo, com as crianças e jovens, é justamente diminuir o comportamento lógico, a dispersão, o encantamento pela multiplicidade incessante de imagens e sons, o consumo acrítico de tantas sensações informacionais. A multimídia é muito rica, mas se é consumida rapidamente, sem tempo de reflexão e aprofundamento, pode contribuir para transformar o computador em um forte meio de sedução informativa e de interação emocional com os outros sem avançar significativamente na organização do conhecimento, na contextualização da informação. O importante é desenvolver o senso crítico no processo de construção e de organização da aprendizagem, mantendo o equilíbrio entre o contato físico e o virtual, entre as atividades intelectuais (predominantemente lógicas) e as socioafetivas que se dão por meio das redes, do relacionamento, da interação presencial e da conexão a distância, do estar juntos virtualmente. Tudo o que é em excesso prejudica.


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A&E – Como as pessoas devem lidar com a tecnologia e a velocidade das mudanças? Moran – Educar é ajudar a construir caminhos para que nos tornemos mais livres, para poder fazer as melhores escolhas em cada momento. Se a tecnologia nos domina, caminhamos na direção contrária, da dependência dela.

Hoje, é desafiador aprender a equilibrar a demanda de incessante informação instantânea e comunicação virtual com a convivência afetiva e carinhosa com as pessoas com as quais nos relacionamos no espaço familiar, profissional e de lazer, aprendendo também a encontrar tempo para meditar, refletir e descansar de forma simples e desconectada da tecnologia. ***

A tecnologia é importante, mas sempre é um meio, um apoio, não pode converter-se numa finalidade em si. A tecnologia nos ajuda a realizar o que desejamos, o que temos em mente, os modelos de educação que queremos implantar.

Entrevista de José Manoel Moran. Atividades & Experiências – Julho de 2005. Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/positivo.pdf

Se somos gestores preocupados mais com o lucro, ela nos propicia formas de trabalhar com escala, de diminuir custos. Se somos centralizadores, existem inúmeros softwares de registro e controle, que ajudam a tornar a escola mais autoritária. Se somos pessoas com uma visão de gestão democrática, utilizaremos a tecnologia para incentivar a participação, a troca de informações, as decisões compartilhadas. A tecnologia está em tudo, a toda hora, em qualquer lugar. Ela nos ajuda e complica como pessoas e como sociedade. É importante estarmos atentos, individual e coletivamente, para utilizá-la de forma sensata, equilibrada e inovadora. Na educação, creio que já superamos a fase da desconfiança radical da tecnologia, mas o deslumbramento, o encantamento e a expectativa de que ela possa resolver magicamente nossos problemas é uma outra forma simplista de alimentar novas e perigosas dependências.

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Blog, wiki e mapas conceituais digitais no desenvolvimento de Projetos de Aprendizagem com alunos do Ensino Fundamental

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Ítalo Modesto Dutra Carlos Augusto Piccinini Julia Lângaro Becker Stéfano Pupe Johann Léa da Cruz Fagundes

Abstract The “Projeto Amora” of the “Colégio de Aplicação” of UFRGS, for 10 years, has been developing a work that aims the development of autonomy and creativity of the students. The Learning Projects, in which the child develops researchs about scientific subjects, couples this objective with the use of tools for interaction and intervention based on technology. In this article, the functioning of “Projeto Amora” and the use of three digital tools is described: blogs, concept maps (through the software CmapTools) and wiki. In blogs, every child posts a diary with what they learned in their projects every day. The concept maps are representations built in an alternative way to the written text. Wiki is a system of web site building in which children develop their conclusions about their projects. Keywords: Learning Projects, Digital Tools, Concept Maps.

Resumo O Projeto Amora do Colégio de Aplicação da UFRGS, há 10 anos, vem construindo um modelo de trabalho que visa o desenvolvimento da autonomia e criatividade dos alunos. Os Projetos de Aprendizagem, em que a criança desenvolve pesquisas a respeito de temas científicos, aliam este objetivo ao uso de ferramentas de interação e intervenção suportadas por tecnologia. No presente artigo, é descrito o funcionamento do Projeto Amora e o uso de três ferramentas digitais: os blogs, os mapas conceituais (através do software CmapTools) e o wiki. Nos blogs, cada criança posta um diário com o aprendizado do projeto no dia. Os mapas conceituais são formas de representação alternativas a um texto escrito. O wiki é um sistema de construção de páginas na internet no qual as crianças desenvolvem as conclusões a respeito de seus projetos. Palavras-chave: Projetos de Aprendizagem, Ferramentas Digitais, Mapas Conceituais.

Introdução O Projeto Amora do Colégio de Aplicação da UFRGS (Lacerda et al 1999), em execução desde 1996, pretende desenvolver um modelo de mudanças na Escola que corresponda às necessidades geradas pelas transformações sociais (multiplicação de conhecimentos, acesso amplo às informações, trabalho colaborativo, autonomia e criatividade) e às múltiplas possibilidades que se tornam disponíveis pela aplicação das tecnologias digitais. Ele se constitui em um projeto de reestruturação curricular, caracterizada tanto pelos novos papéis do professor e do aluno quanto pela integração das TIC (tecnologia de informação e comunicação) ao currículo escolar. Ambos, professor e aluno, são desafiados constantemente na busca de solução para os problemas que encontram e na construção do conhecimento. O projeto envolve todos os alunos de 5a e 6a séries do Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação da UFRGS (não há turmas de “controle”).


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Os projetos de aprendizagem, portanto, são usados com o objetivo de mudar a prática de ensino no que se refere às aplicações das tecnologias, invertendo essa lógica para uma prática que privilegie a aprendizagem. Visando a interdisciplinaridade e o trabalho colaborativo, a maior parte das atividades do Projeto Amora é realizada sem a tradicional divisão em turmas ou em séries. Desse modo, as inovações introduzidas no cotidiano escolar, resultantes da implementação das atividades do Projeto Amora, geram a necessidade do desenvolvimento de novas metodologias e de instrumentos de acompanhamento da aprendizagem dos alunos (Conlon, 2004), intencionalmente planejados para oferecer aos professores subsídios mais qualificados, que possam implicar intervenções mais eficazes nesse contexto. O Projeto Amora e a Orientação das Atividades O modelo de orientação dos estudantes foi desenvolvido pelos professores que fazem parte da instituição que abriga o Projeto Amora. O estudo foi sendo construído a partir do acompanhamento do desenvolvimento das atividades de pesquisa e produções derivadas dos projetos de investigação dos grupos de alunos do Projeto Amora (em geral de 7 até 10 alunos), no período compreendido entre a formação dos grupos até a apresentação final das conclusões das investigações (aproximadamente três meses). No que diz respeito às práticas que constituem a metodologia empregada atualmente pelos professores do Projeto Amora, podemos caracterizar o trabalho desenvolvido durante a realização dos projetos de investigação pelas seguintes afirmações: a. Cada aluno habilita-se a participação em um grupo por uma escolha de tema justificada com uma pergunta de investigação.

b. Os alunos com perguntas relativas a temas considerados semelhantes ficam reunidos no mesmo grupo. c. Há alunos que têm mais experiência nesse domínio de ações e outros que, às vezes, no início do ano letivo em que estão na 5a série, não têm nenhuma experiência. d. A decisão acerca de que temas ou perguntas são semelhantes é tomada pelo grupo de professores orientadores e discutida com o grupo de alunos. e. Cada professor orientador escolhe o tema (ou temas) que irá orientar. Em geral, o grupo de orientadores tem como consenso a escolha de temas não necessariamente próximos a sua formação acadêmica. f. O grupo (professor orientador e alunos) tem duas reuniões semanais com duração de duas horas e quinze minutos cada. g. Em geral, na primeira reunião do grupo, o professor orientador discute as questões de cada aluno no sentido a avaliar se elas podem gerar uma investigação ou se têm respostas diretas, como, por exemplo, qual o carro mais veloz? Nessa negociação o grupo de alunos interfere dando sugestões aos colegas. h. Os alunos são incentivados a fazer consultas à sites na internet, pesquisar em livros disponíveis na biblioteca da escola, a consultar professores especialistas no assunto (da escola e geralmente fora do grupo de professores orientadores). Alguns deles, ainda, trocam e-mails com especialistas ou interessados no assunto, a partir de endereços eletrônicos encontrados em sites da internet. Outros trazem parentes próximos que sejam especialistas no assunto pesquisado pelo grupo. i. Se há disponibilidade, alunos e professor orientador visitam locais que podem ser de interesse do projeto, por exemplo, os alunos que fazem pesquisas sobre o sistema solar visitam o Planetário. j. As informações coletadas são apresentadas ao grupo em mini-

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seminários (denominados de rodadas pelos participantes do Projeto Amora) que são momentos de interação entre alunos e professores, em que as crianças apresentam suas descobertas e ouvem perguntas e sugestões de todos do grupo sobre os resultados alcançados. k. Durante todo esse processo os alunos (individualmente ou em grupo) constroem páginas da internet onde registram tanto suas perguntas quanto suas descobertas. l. Há uma solicitação por parte do professor orientador de que os alunos, individualmente, reúnam os materiais que encontram, os textos que produzem etc, em uma pasta (física) denominada portfolio. m. Está disponível para cada grupo um fórum de discussões virtual onde podem ser trocadas mensagens entre os participantes do grupo e também por qualquer outra pessoa que chegue até o site do Projeto Amora e se interesse em participar. n. Ao final de um período mais ou menos determinado (três meses) os alunos apresentam a produção do projeto (resultados) para todos os participantes do Projeto Amora e convidados (pais, alunos de outras séries da escola ou de outras escolas). Para a orientação dos projetos de investigação, a estratégia a cada encontro consiste em propor determinadas atividades com a finalidade de acompanhar e registrar a construção das respostas para as perguntas propostas pelos alunos. Essas atividades envolvem a realização de experiências/simulações, a pesquisa em sites na internet, as rodadas, a construção de mapas conceituais e orientações. As informações colecionadas pelas crianças, portanto, e as suas conclusões parciais(obtenção de novas informações, formulações de hipóteses) feitas através da pesquisa e da interação com os colegas e professores, foram registradas em seus blogs (diários digitais da internet, feitos pelos

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próprios alunos, e que permitem a inserção de comentários, o salvamento de imagens ou outros arquivos como anexos em cada diário e uma biblioteca de links). Dessa forma, as pesquisas em livros ou em sites da internet, os registros no blog bem como os mapas conceituais construídos, seriam os subsídios para a construção das páginas no wiki. Esse procedimento difere daquele adotado para a construção de páginas da internet no Projeto Amora no sentido que singularizar esse espaço (as páginas) para efetivamente representar as conclusões dos alunos bem como pela possibilidade do próprio sistema wiki de guardar um histórico de modificações. Escolhemos o sistema wiki para fazer o registro do desenho de conclusões dos sujeitos de tal forma que, segundo eles próprios, as páginas ali registradas representassem um produto “final” mais elaborado e que refletissem uma síntese do seu trabalho. Quanto à construção dos mapas conceituais, pretendíamos, inicialmente, que tais revisões ocorressem com freqüência semanal o que, logo na segunda semana de acompanhamento, ficou claro ser inviável. O tempo dedicado ao trabalho de busca e seleção de informações (entre uma semana e a seguinte) não pareceu que pudesse refletir em alguma necessidade dos alunos em alterar seus mapas. Foi preciso, também, levar em consideração a resistência das próprias crianças que por vezes expressavam sua avaliação da atividade classificando-a de “muito difícil” além de sua clara predileção pelo uso do blog como forma de registro. Assim, a freqüência de uma revisão do mapa conceitual a cada oito encontros (o que resulta em aproximadamente um mês entre cada uma) foi a adotada.


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Quanto à orientação dos alunos, privilegia-se as ações dos professores no sentido de apontar possíveis contradições, contrapor e/ou oferecer novas informações, embora o ponto de referência seja caracterizado principalmente em auxiliar as crianças a chegar em alguma de forma autônoma. Destacamos, assim, estas modificações de algumas das rotinas usuais do trabalho com os projetos de investigação no Projeto Amora. Essas modificações refletiram nossa intenção de ter uma produção fiel e sistemática das reflexões dos alunos, o que viabiliza um melhor acompanhamento, além de potencializar o processo de aprendizagem: a. os alunos construir, individualmente, mapas conceituais sobre seus assuntos de pesquisa que foram revisados (modificados) sistematicamente a cada quatro semanas (aproximadamente); b. o portfolio foi substituído pelo blog digital; e c. as páginas da internet deixaram de ser elaboradas usando um editor de páginas comum (Mozilla Composer, Microsoft Frontpage Express etc) e passaram a ser construídas em um wiki. A novidade mais evidente, como não poderia deixar de ser, é o uso da construção de mapas conceituais. No caso do blog, se comparado ao portfolio, temos a vantagem de um espaço virtual que organiza automaticamente a cronologia das produções permitindo o acesso a qualquer momento tanto por parte do professor quanto por parte da criança. Por fim, o controle de versões possibilitado por um sistema wiki é um avanço extraordinário no que diz respeito ao acompanhamento do trabalho dos alunos. Dispositivos utilizados na orientação dos projetos A utilização de ambientes, de softwares ou de determinados sistemas de

informática integra o modelo de acompanhamento que estamos construindo na medida em que tais dispositivos computacionais recolhem e organizam de diversas maneiras as representações construídas pelos sujeitos que os usam. Por essa razão, as funcionalidades desses dispositivos foram exploradas como parte integrante das estratégias de ação propostas para a orientação dos projetos. Conseqüentemente, as solicitações feitas às crianças, no desenrolar de suas ações interferiram de forma significativa no tipo e na qualidade dos registros que as mesmas produziram.

Figura 1 - O software CmapTools Todos os mapas conceituais produzidos pelos estudantes foram construídos usando o software CmapTools. Para isso, cada criança recebeu instruções básicas a respeito de como fazer para localizar e executar o programa. Além disso, cada uma delas tinha sua própria pasta disponibilizada em um servidor de mapas conceituais de tal forma que a cada sessão de trabalho que implicava a construção de um mapa conceitual essa versão era salva na pasta de cada aluno. Como orientação inicial para o trabalho com os mapas conceituais a cada sujeito foi solicitada uma lista de palavras-chave (no mínimo cinco e no máximo de dez palavras para essa primeira lista) que, segundo a

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perspectiva de cada um deles, seriam importantes para explicar o seu tema ou, ainda, deveriam ser pesquisadas para ajudar na construção da resposta de sua pergunta inicial. De posse desta lista de palavras as crianças receberam a orientação sobre como proceder para construir um mapa conceitual. Essa orientação estava baseada em duas regras básicas. A primeira era a de que sempre deveria haver um verbo – conjugado corretamente – na ligação entre as duas palavras-chave (conceitos). A segunda era que todo conjunto CONCEITO 1 Ò FRASE DE LIGAÇÃO Ò CONCEITO 2 formasse uma sentença completa e que fizesse sentido sozinha. Para a produção de cada uma das versões seguintes do mapa conceitual adotamos procedimentos distintos. Para a segunda versão do mapa conceitual a única orientação foi a de que eles retomassem seus primeiros mapas e os completassem se julgassem necessário fazê-lo com novos conceitos ou novas ligações ou, ainda, que os corrigissem se houvesse a necessidade de modificar alguns dos conceitos ou ligações ali presentes. Essa tarefa foi realizada sem nenhuma intervenção direta por parte do pesquisador ou dos auxiliares nos mapas dos sujeitos. Colocamos, para ilustração, uma sequência de dois mapas conceituais(terceira e quarta versão) produzidos por um dos alunos do Projeto Amora.

cilindrada é medida em centímetros cúbicos

pressão

é a medida do gás no

potência

tem

vem do

sai pelo

motor tem tem

tem

sai do

escapamento

moto

gasolina e ar fundidos

leva carburador

com combustão

faz

centímetros cúbicos

é medido em

cilindrada

é a medida do gás no pressão

gás

é o que sobra da

empura

pistão

vem da

tem

fica no

moto

tem

potência

vem do

cilindro vai para

acontece

tem

está no

velas

carburador vem faz

mistura ar-combustível

sai pelo escapamento

motor

tem

vem da

vai para

cilindro

combustão

ajuda a fazer

descarga eleétrica

Figura 2: Seqüência de mapas conceituais produzidos por um mesmo sujeito

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Na elaboração da terceira versão, foi feita a mesma solicitação anterior com a combinação de que, quando cada criança se desse por satisfeita e decidisse que não havia mais nenhuma modificação a ser feita, elas são entrevistadas pelo professor orientdor. A quarta versão foi construída na mesma sessão de trabalho em que foi feita a terceira. Essa quarta versão resultou da entrevista feita usando-se unicamente a terceira versão do mapa conceitual. Durante a entrevista, a cada explicação nova ou tomada de consciência do sujeito a respeito das relações ali explicitadas o professor solicitava à criança que incorporasse, da maneira que achasse melhor, aquilo que tinha dito em seu mapa conceitual. Por fim, a última versão do mapa conceitual foi construída após uma rodada de comentários realizados diretamente no mapa conceitual de cada sujeito usando uma funcionalidade (os Comentários) do CmapTools. Esses comentários foram feitos pelas próprias crianças nos mapas uns dos outros. O Blog utilizado para a orientação dos projetos é denominado AçaíBlog. Elaborado pelo próprio Le@d.CAp, possui diversas ferramentas que auxiliam os alunos em seus projetos. A construção, bem como a utilização deste blog ocorre principalmente pela possibilidade de registro das atividades realizadas pelos estudantes, bem como o potencial de interação, pois é possível a qualquer pessoa ter acesso a estes diários e comentá-los. Estas características entram em convergência com a orientação dada aos alunos, onde o registro das atividades ocorre na produção de Diários, no qual é proposto às crianças que escrevam, com suas próprias palavras, o que compreenderam das suas investigações daquele dia. Destacando a necessidade de que estas crianças sejam autoras do próprio conhecimento.

Figura 3 - O Açaí Blog Como se vê normalmente o aparecimento de diários, no qual denominamos de “trilha”, em que a criança descreve o que fez (“às oito horas fui a biblioteca...”), orienta-se, sempre que este conteúdo explicite o que foi aprendido. Quando as crianças vão realizar a sua pesquisa na biblioteca, orientamos para a leitura sobre algum ponto do projeto e a produção de um texto com o que foi pesquisado, sempre com as próprias palavras da criança, com o próprio entendimento. Há ainda um espaço que possibilita o envio de imagens referentes ao projeto. Logo abaixo um exemplo de diário de uma aluna. Uma das orientações realizadas, foi o estímulo para que cada aluno comente os diários dos seus colegas. Logo abaixo, portanto, estão os comentários do referido diário.

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a) Diário: Orgãos. Na biblioteca eu encontrei informações como: 1. Cada uma das partes, de um organismo que se incube de realizar certa função espacifica. 2. O coração e os vasos sanguinios e o sangue forma o sistema cardiovascular. 3. O cerebro, os nervos e os tecidos ligados a eles forman o sistema nervoso. 4. A boca o estomago e os intestinos trabalham juntos como membros do sistems digestório. 5. Os músculos respiratórios as veias respiratória (NARIZ, BOCA, FARINGE, LARINGE E TRANQUEIA) os pulmões trabalham juntos fomando o sistema respiratório. 6. Do que é feito o corpo humano? -células vivas. -o laberinto intracélulas. *TODOS OS SISTEMAS JUNTOS FORMAM O SEU ORGANISMO. Postado por: DIE em 14.11.2006 às 07:16 [4]comentário(s) b) Comentários: De : BRU Acharia melhor se você revisase o seu texto por que há alguns erros de ortografia, achei muito legal a estrutura do teu texto. 08:46:22 14/11/2006

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De : VIC Dienifer eu achei bem interesante a tua pesquisa, mas tem palavras que eu não conheço, tipo labirinto intracélulas e essas coisas, mas mesmo assim eu ache muito interesante o tue projeto 08:41:47 14/11/2006 De : VOL Eu acho que você poderia explicar o que é um LABIRINTO intracélulas. 08:15:11 14/11/2006 De : JEA O que é o organismo e quantas partes são? 08:12:50 14/11/2006

Desde 1996, uma das maiores novidades que o Projeto Amora apresenta são as páginas para a internet construídas por seus alunos. Elas abrigam todo o desenvolvimento das atividades de pesquisa dos diferentes grupos de alunos o que implica em uma organização própria por parte deles na seqüência como são apresentadas as informações bem como das possibilidades de se estabelecer relações entre as informações sob a forma de hipertexto. Os aspectos técnicos envolvidos na confecção de páginas para a internet (usando-se editores de páginas tais como o Mozilla Composer ou o Microsoft Frontpage Express) e a sua publicação em um servidor trazem


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consigo uma série de dificuldades que, por vezes, tomam bastante tempo das atividades de desenvolvimento dos projetos de aprendizagem: a perda de dados (que em geral são armazenados em disquetes que facilmente são perdidos ou deixam de funcionar), o mau uso da sintaxe da linguagem HTML (não exibição de figuras adicionadas ao texto, links “quebrados”) ou, ainda, a necessidade de se usar um programa específico para publicação das páginas (envio a um servidor da internet). Vários desses obstáculos são, de longe, superados com o uso de um sistema wiki para o armazenamento de páginas da internet. Esse sistema permite a edição online das páginas sem a eventual necessidade de qualquer transporte físico de informações (tais como os disquetes). Além disso, em um wiki é possível armazenar todas as transformações ocorridas em uma página sendo possível comparar o histórico de tais modificações contendo dados, inclusive, do usuário do sistema responsável por cada edição. Esse tipo de sistema se popularizou com o surgimento da Wikipedia, uma enciclopédia virtual que reúne milhares de usuários na produção de artigos em dez línguas diferentes. Para a realização do nosso estudo, utilizamos o mesmo sistema da Wikipedia instalado em um servidor no Colégio de Aplicação. Esse é um software livre disponibilizado para a instalação e desenvolvimento em http://mediawiki.org.

Figura 4: Tela do sistema MediaWiki usado no Projeto Amora Diferentemente da utilização usual das páginas para a internet no Projeto Amora, optamos por usar o wiki em uma fase do desenvolvimento dos projetos em que já era possível, do ponto de vista das crianças envolvidas, escrever as conclusões das investigações. Até então, antes de acessarem o wiki, os sujeitos produziram ao menos duas versões de seus mapas conceituais e, também, colecionaram textos próprios, imagens e outros recursos em seus diários no AÇAÍ. Dessa forma, podemos coletar o que as crianças julgam ser as produções finais a respeito de suas investigações.

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Conclusões O Projeto Amora caracteriza-se por ser uma proposta que visa desenvolver a capacidade de autonomia dos alunos promovendo atividades que privilegiam diferentes formas de interação. Além disso, as atividades são planejadas para criar espaços para que o desenvolvimento e as aprendizagens das crianças possam ser acompanhados, possibilitando uma prática privilegia as intervenções capazes de auxiliá-las. Descrevemos as estratégias de uso de três dispositivos, que tanto auxiliam no registro das atividades, como também oferecem ferramentas que potencializam a interação, tanto dos alunos, como dos professores. É ainda necessário maiores investigações no sentido de elaborar intervenções que ofereçam um melhor aproveitamento destas ferramentas. Referências Cañas, A. J., Ford, K.M., Coffey, J., Reichherzer, T., Suri, N., Carff, R., Shamma, D., Hill, G., Hollinger, M. & Mitrovich,T. (1999). Herramientas para Construir y Compartir Modelos de Conocimiento. In: 99 Workshop Internacional sobre Educação Virtual, Fortaleza, Brasil. Cañas, A. J., Hill, G., Carff, R., Suri, N., Lott, J., Eskridge, T., Arroyo, M., Carvajal, R (2004). Cmaptools: a knowledge modeling and sharing environment. Concept Maps: Theory, Methodology, Technology 2004. First International Conference on Concept Mapping, Pamplona, Espanha. Lacerda, R. P., Dutra, Í. M., Valentini, N. C., Camargo, F. B. & Merg, Y. G. (1999). Projeto Amora 2000. Disponível em 04/2006 em http:// amora.cap.ufrgs.br/2000/documentos/ProjetoAmora2000.doc. Safayeni, F., Derbentseva, N. & Cañas, A. J. (2003). Concept Maps: A Theoretical Note on the Need for Cyclic Concept Maps. Manuscrito não-publicado. Cunha, M.J.S., Fernandes, E., Omar, C. T. & Silva, N. V. (2004). Avaliação

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de Aprendizagem Significativa Usando Mapas Conceituais num Ambiente Cooperativo. Diversidade e Integração: Desafios para a Telemática na Educação, XV Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, Manaus, Brasil. Conlon, T. (2004). ‘But is our concept map any good?’: Classroom Experiences with the reasonable fallible analyser. Concept Maps: Theory, Methodology, Technology 2004. First International Conference on Concept Mapping, Pamplona, Espanha. *** Ítalo Modesto Dutra Laboratório de Estudos em Educação a Distância Carlos Augusto Piccinini Laboratório de Estudos em Educação a Distância Julia Lângaro Becker Laboratório de Estudos em Educação a Distância Stéfano Pupe Johann Laboratório de Estudos em Educação a Distância Léa da Cruz Fagundes Laboratório de Estudos Cognitivos Fonte: RENOTE – Revista Novas Tecnologias na Educação. V. 4. Nº 2, Dezembro, 2006. Disponível em: http://www.cinted.ufrgs.br/renote/dez2006/ artigosrenote/25064.pdf


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Desafios e possibilidades da integração de tecnologias ao currículo1 Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida Maria Elisabette Brisola Brito Prado Após um período de estudos sobre porque, o que, para que utilizar tecnologias na educação, o campo de tecnologias na educação passou a englobar estudos sistemáticos sobre como conceber, gerir e avaliar os processos de ensino e de aprendizagem em função dos objetivos pedagógicos e respectivas estratégias e agora procura explicitar a integração entre tecnologias e desenvolvimento curricular. Os estudos sobre currículo ou sobre tecnologias e educação se desenvolveram durante algum tempo desarticulados entre si, o que dificultou o enfoque globalizante na análise dos desafios e problemas emergentes no âmbito da educação que se realiza no meio de uma sociedade caracterizada pela cultura tecnológica. Tal dicotomia tem conduzido à produção de concepções teóricas e atividades nem sempre coerentes entre si. Hoje emergem estudos que integram dois dos mais importantes temas do panorama educativo atual: tecnologias e currículo. Os estudos sobre esses dois temas têm se realizado em disciplinas acadêmicas

1

Artigo elaborado para subsidiar o curso “Ensinando e aprendendo com as TIC”, promovido pelo Ministério da Educação, sob responsabilidade da Secretaria de

independentes, o que muitas vezes conduzem a práticas nem sempre coerentes com as concepções teóricas abraçadas. Sejam quais forem os aspectos preponderantes que dificultaram a integração entre tecnologias e currículo, hoje são inegáveis as potencialidades do uso educativo de tecnologias. Mas este uso traz contribuições significativas à aprendizagem quando acontece integrado a um projeto curricular com clareza da intencionalidade pedagógica voltada ao desenvolvimento da capacidade de pensar e aprender com tecnologias. Deste modo, a integração entre currículo e tecnologias potencializa mudanças na aprendizagem, no ensino e na gestão da sala de aula. Porém, essas mudanças se concretizam quando compreendemos a concepção de currículo que almejamos desenvolver, identificamos as características intrínsecas das tecnologias que devem ser exploradas em atividades pedagógicas com intenções e objetivos claramente especificados, bem como entendemos que “a questão determinante não é a tecnologia, mas a forma de encarar essa mesma tecnologia” (COSTA, 2005). Assim, a palavra chave é a integração entre tecnologias e currículo que se estabelece numa ótica de transformação da escola e da sala de aula em um espaço de experiência, de ensino e de aprendizagem ativa, de formação de cidadãos e de vivência democrática, ampliado pela presença das tecnologias. O desafio mais complexo desse processo está na criação de um design educacional que seja flexível e aberto ao desenvolvimento de propostas

Educação a Distância, no ano de 2008.

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curriculares, metodologias de trabalho e estratégias de atuação docente, que leve em conta as contribuições das tecnologias disponíveis para o alcance dos objetivos; considere a articulação entre distintas mídias e a sinergia de integrá-las à atividade; explore as características da tecnologia digital de busca, seleção, articulação e produção de novas informações, comunicação multidirecional, representação e produção colaborativa de conhecimento. Design educacional (ALMEIDA e PRADO, 2008) é um processo dialético no qual forma e conteúdo, tecnologia e educação, se inter-relacionam e constituem o currículo construído na ação com a intenção explícita de favorecer ao aluno a aprendizagem significativa em um processo dialógico, que trabalha com o conhecimento em rede numa abordagem construtiva e sócio-interacionista. O design educacional do currículo que se desenvolve com a mediatização das tecnologias abarca as dimensões tecnológicas, pedagógicas, sóciohistóricas, cognitivas e afetivas e considera a importância de integrar diferentes tecnologias das mais convencionais à tecnologia digital, de acordo com os objetivos pedagógicos da atividade, as características das tecnologias disponíveis e as condições contextuais. Assim, o design educacional se assemelha ao design emergente apresentado por Cavallo (2003, p.393), “que se apóia nas inovações do uso da tecnologia digital, no gerenciamento e mudança educacional que esta tecnologia propicia”. Segundo Cavallo, uma proposta de design emergente implica em assumir uma postura investigativa do contexto aliada a uma postura de ousadia e de flexibilidade para criação de estratégias de aprendizagem que propiciem a construção de conhecimentos necessários para enfrentar uma situação desafiadora. Isto não significa atuar no caos e tampouco falta de propósito. O autor ilustra este estado da mesma forma “que um conjunto de jazz pode

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improvisar uma música mantendo a estrutura da harmonia entre seus elementos e os princípios teóricos de seu estilo” (p.392). Mais especificamente, o design educacional, consiste de uma ação pedagógica com uma intencionalidade clara de desenvolver um currículo a partir do esboço de um plano de trabalho que se delineia a priori e assume contornos específicos na ação conforme são identificados os conhecimentos, competências e habilidades dos alunos. Estas características dos alunos podem ser identificadas por meio da análise dos registros digitais de suas produções e das interlocuções que estabelecem com os colegas, com o professor e com as informações disponíveis. Assim, os registros fornecem indícios do modo de pensar, das expectativas, necessidades e potencial de aprender dos alunos e auxiliam a atuação docente voltada ao desenvolvimento de um currículo que parte do universo de significados dos alunos. Portanto, adotar a concepção de design educacional como base da prática pedagógica com o uso de tecnologias proporciona a integração de diferentes mídias ao currículo com foco na aprendizagem do aluno, em sua realidade de vida, interesses e preferências de aprendizagem (CAVELLUCCI e VALENTE, 2004). Dessa forma, através de estratégias pedagógicas adequadas, prática e teoria se inter-relacionam e dão o mote para o desenvolvimento do currículo concebido como construção social (GOODSON, 2001), cultural e histórica que envolve conhecimento, poder, tomada de decisão, produção de identidades (PACHECO, 2001) e de conhecimentos resultantes dos diversos processos individuais e globais de construção mentais influenciados pelas relações sociais.


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É importante ressaltar que as tecnologias digitais como instrumentos de informação e comunicação são constituídas de interfaces digitais, que fazem a mediação entre os sistemas computacionais ou entre estes sistemas e as pessoas ou ainda entre as pessoas por meio desses sistemas. Assim o uso dessas tecnologias implica em romper com a linearidade da representação do pensamento e implicam em novas formas de expressar o pensamento, comunicar, perceber o espaço e o tempo, organizar e produzir conhecimento com o uso de múltiplas linguagens (escrita, visual, sonora...). Nesse sentido, as tecnologias digitais e respectivas interfaces hipermídia não se caracterizam apenas como recurso ou suporte, pois conforme afirma Manovich o conteúdo e a interface se entrelaçam e se misturam de tal modo que não podem mais ser considerados entidades separadas, isto é “a interface modela a forma pela qual o usuário concebe o próprio computador e determina como o usuário pensa qualquer objeto midiático que é acessado via computador” (BEIGUELMAN, 2003, p.68). Isto significa que a tecnologia digital faz parte do currículo, ainda que o objeto de estudos não seja a própria tecnologia. A perspectiva de conhecimento e currículo desenvolvidos em “contexto social e, originalmente, concebidos e construídos nesse contexto, (...) à luz da experiência partilhada” (GOODSON, 2001, p. 32 e 74) são coerentes com a pedagogia de projetos (PRADO, 2005), com a integração de tecnologias ao currículo, bem como orientam o trabalho com projetos que têm as tecnologias como suporte à sua realização. O conceito de projeto implica compatibilizar aquilo que se deseja de uma nova abordagem de ensino e aprendizagem com a realidade do sistema escolar e com os propósitos da atividade em cena, a qual envolve colocar

em ação um plano que antecipa uma realidade que ainda não aconteceu. Sob este enfoque Almeida (2002, p. 50) enfatiza que “o ser humano desenvolve projetos para transformar uma situação problemática em uma situação desejada a partir de um conjunto de ações que ele antevê como necessárias”. Plasticidade, abertura e flexibilidade são características intrínsecas a projetos, cuja proposição inicial representa uma negociação com os sujeitos de aprendizagem que leve em conta seus interesses, intenções e condições para descobrir algo novo, produzir conhecimento ou criar produtos, delineando “um percurso possível que pode levar a outros, não imaginados a priori” (FREIRE e PRADO, 1999, p. 113). Esta concepção teórica de projeto não é simples de ser concretizada. Embora seus princípios fundamentem as propostas pedagógicas inovadoras, o fato é que no momento da ação nem sempre constatamos a sua presença nas atitudes e nos encaminhamentos pedagógico do professor. Esta situação deixa evidente que o saber dizer não garante o saber fazer, pois trata de uma questão que retrata a complexidade do processo de reconstrução da prática. Neste processo, Prado (1996) salienta que a mudança de concepções e atitudes não pode ser vista e tratada como ato mecânico; implica enfrentar desafios relacionados à reconstrução da prática, processo que envolve vivência reflexiva sobre a própria prática, articulada com novos referenciais e concepções. Com base nestes princípios e concepções, os aspectos fundamentais a enfatizar no processo de integração de tecnologias ao currículo no trabalho com projetos é a produção colaborativa de conhecimentos, o uso da tecnologia na aprendizagem e no desenvolvimento do currículo.

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Referências Bibliográficas ALMEIDA, M.E.B. Educação, projetos, tecnologia e conhecimento. São Paulo: PROEM, 2002. ALMEIDA, M. E. B. e PRADO, M. E. B. B. Design da formação do professor em Cursos a Distância: o currículo em ação. IV Colóquio Luso-Brasileiro sobre Questões Curriculares. Florianópolis, SC, 2008. CAVALLO, D. O Design emergente em ambientes de aprendizagem: Descobrindo e construindo a partir do conhecimento indígena. Teoria e Prática da Educação. Universidade Estadual de Maringá, PR. Volume 6 – número 14 – Edição Especial, 2003. CAVELLUCCI, L. B. e VALENTE, J. A. Preferências de aprendizagem: aprendendo na empresa e criando oportunidades na escola. Publicação interna. São Paulo: PUCSP, 2004. COSTA, F.. As “Novas Tecnologias” ao Serviço do Currículo. Universidade de Lisboa, 2005. Disponível em www.fcosta.pt.vu (consulta realizada em 02.07.2008). FREIRE, F. M. P. e PRADO, M. E. B. B. Projeto Pedagógico: Pano de fundo para escolha de um software educacional. In: Valente, J.A. (org.). O computador na Sociedade do Conhecimento. Campinas, SP: UNICAMP-NIED, 1999. GOODSON, I. F. O currículo em Mudança. Estudos na construção social do currículo. Portugal: Porto Editora, 2001. BEIGUELMAN, G. O livro depois do livro. São Paulo: Peirópolis, 2003. Disponível em http://www.scribd.com/doc/263437/o-livrodepois-do-livro. Consulta realizada em 07.07.2008. PACHECO, J. A. Currículo e Tecnologia: a reorganização dos processos de aprendizagem. In A. Estrela & J. Ferreira (org.) Tecnologias em Educação: Estudos e Investigações. X Colóquio da AFIRSE. – Tecnologias em Educação: estudos e investigações. Lisboa:

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Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Lisboa, 2001. pp. 66-76. PRADO, M. E. B. B. O Uso do Computador no Curso de Formação de Professor: Um Enfoque Reflexivo da Prática Pedagógica. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação, UNICAMP, 1996. PRADO, M. E. B. B. Pedagogia de projetos: fundamentos e implicações In: Moran, J. M. e ALMEIDA, M. E. B. Integração de tecnologias na educação. Brasília, DF: SEED/MEC, 2005. Versão online disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/salto (consultado em 05.07.2008) *** Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida PUC-SP Maria Elisabette Brisola Brito Prado UNICAMP e UNIBAN Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/salto


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Pedagogias de projetos: fundamentos e implicações Maria Elisabette Brisola Brito Prado Se fizermos do projeto uma camisa-de-força para todas as atividades escolares, estaremos engessando prática pedagógica. (Almeida, 2001) Introdução Atualmente, uma das temáticas que vêm sendo discutidas no cenário educacional é o trabalho por projetos. Mas que projeto? O projeto políticopedagógico da escola? O projeto de sala de aula? O projeto do professor? O projeto dos alunos? O projeto de informática? O projeto da TV Escola? O projeto da biblioteca? Essa diversidade de projetos que circula freqüentemente no âmbito do sistema de ensino muitas vezes deixa o professor preocupado em saber como situar sua prática pedagógica em termos de propiciar aos alunos uma nova forma de aprender integrando as diferentes mídias nas atividades do espaço escolar. Existem, em cada uma dessas instâncias do projeto, propostas e trabalhos interessantes; a questão é como conceber e tratar a articulação entre as instâncias do projeto para que de fato seja reconstruída na escola uma nova forma de ensinar, integrando as diversas mídias e conteúdos curriculares numa perspectiva de aprendizagem construcionista. Segundo Valente (1999), o construcionismo “significa a construção de conhecimento baseada na realização concreta de uma

ação que produz um produto palpável (um artigo, um projeto, um objeto) de interesse pessoal de quem produz “ (p. 141). Na pedagogia de projetos, o aluno aprende no processo de produzir, levantar dúvidas, pesquisar e criar relações que incentivam novas buscas, descobertas, compreensões e reconstruções de conhecimento. Portanto, o papel do professor deixa de ser aquele que ensina por meio da transmissão de informações – que tem como centro do processo a atuação do professor – para criar situações de aprendizagem cujo foco incida sobre as relações que se estabelecem nesse processo, cabendo ao professor realizar as mediações necessárias para que o aluno possa encontrar sentido naquilo que está aprendendo a partir das relações criadas nessas situações. A esse respeito Valente (2000) acrescenta: “(...) no desenvolvimento do projeto o professor pode trabalhar com [os alunos] diferentes tipos de conhecimentos que estão imbricados e representados em termos de três construções: procedimentos e estratégias de resolução de problemas, conceitos disciplinares e estratégias e conceitos sobre aprender” (p. 4). No entanto, para fazer a mediação pedagógica, o professor precisa acompanhar o processo de aprendizagem do aluno, ou seja, entender seu caminho, seu universo cognitivo e afetivo, bem como sua cultura, história e contexto de vida. Além disso, é fundamental que o professor tenha clareza da sua intencionalidade pedagógica para saber intervir no processo de aprendizagem do aluno, garantindo que os conceitos utilizados, intuitivamente ou não, na realização do projeto sejam compreendidos, sistematizados e formalizados pelo aluno. Outro aspecto importante na atuação do professor é o de propiciar o estabelecimento de relações interpessoais entre os alunos e respectivas

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dinâmicas sociais, valores e crenças próprios do contexto em que vivem. Portanto, existem três aspectos fundamentais que o professor precisa considerar para trabalhar com projetos: as possibilidades de desenvolvimento de seus alunos; as dinâmicas sociais do contexto em que atua e as possibilidades de sua mediação pedagógica. O trabalho por projetos requer mudanças na concepção de ensino e aprendizagem e, conseqüentemente, na postura do professor. Hernández (1988) enfatiza que o trabalho por projeto “não deve ser visto como uma opção puramente metodológica, mas como uma maneira de repensar a função da escola” (p. 49). Essa compreensão é fundamental, porque aqueles que buscam apenas conhecer os procedimentos, os métodos para desenvolver projetos, acabam se frustrando, pois não existe um modelo ideal pronto e acabado que dê conta da complexidade que envolve a realidade de sala de aula, do contexto escolar. Mas que realidade? Claro que existem diferenças e todas precisam ser tratadas com seriedade para que a comunidade escolar possa constituirse em um espaço de aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento cognitivo, afetivo, cultural e social dos alunos. Uma realidade com a qual o professor depara atualmente é caracterizada pela chegada de novas tecnologias (computador, Internet, vídeo, televisão) na escola, que apontam novos desafios para a comunidade escolar. O que fazer diante desse novo cenário? De repente, o professor que, confortavelmente, desenvolvia sua ação pedagógica – tal como havia sido preparado durante sua vida acadêmica e pela sua experiência em sala de aula – se vê diante de uma situação que implica novas aprendizagens e mudanças na prática pedagógica. A pedagogia de projetos, embora constitua um novo desafio para o

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professor, pode viabilizar ao aluno um modo de aprender baseado na integração entre conteúdos das várias áreas do conhecimento, bem como entre diversas mídias (computador, televisão, livros) disponíveis no contexto da escola. Por outro lado, esses novos desafios educacionais ainda não se encaixam na estrutura do sistema de ensino, que mantém uma organização funcional e operacional – como, por exemplo, horário de aula de 50 minutos e uma grade curricular seqüencial – que dificulta o desenvolvimento de projetos que envolvam ações interdisciplinares, que contemplem o uso de diferentes mídias disponíveis na realidade da escola e impliquem aprendizagens que extrapolam o tempo da aula e o espaço físico da sala de aula e da escola. Daí a importância do desenvolvimento de projetos articulados que envolvam a co-autoria dos vários protagonistas do processo educacional. O fato de um projeto de gestão escolar estar articulado com o projeto de sala de aula do professor, que por sua vez visa propiciar o desenvolvimento de projetos em torno de uma problemática de interesse de um grupo de alunos, integrando o computador, materiais da biblioteca e a televisão, torna-se fundamental para o processo de reconstrução de uma nova escola. Isso porque a parceria que se estabelece entre os protagonistas (gestores, professores, alunos) da comunidade escolar pode facilitar a busca de soluções que permitam viabilizar a realização de novas prática pedagógicas, tendo em vista a aprendizagem para a vida. A pedagogia de projetos, na perspectiva da integração entre diferentes mídias e conteúdos, envolve a inter-relação de conceitos e princípios, os quais sem a devida compreensão podem fragilizar qualquer iniciativa de melhoria de qualidade na aprendizagem dos alunos e de mudança da prática do professor. Por essa razão, os tópicos a seguir abordam e discutem alguns conceitos, bem como possíveis implicações envolvidas


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na perspectiva da pedagogia de projetos, que se viabiliza pela articulação entre mídias, saberes e protagonistas. Conceito de projeto A idéia de projeto envolve a antecipação de algo desejável que ainda não foi realizado, traz a idéia de pensar uma realidade que ainda não aconteceu. O processo de projetar implica analisar o presente como fonte de possibilidades futuras (Freire e Prado, 1999). Tal como vários autores2 sugerem, a origem da palavra projeto deriva do latim projectus, que significa algo lançado para a frente. A idéia de projeto é própria da atividade humana, da sua forma de pensar em algo que deseja tornar real, portanto o projeto é inseparável do sentido da ação (Almeida, 2002). Assim, Barbier (In Machado, 2000) salienta: “(...) o projeto não é uma simples representação do futuro, do amanhã, do possível, de uma idéia; é o futuro a fazer, um amanhã a concretizar, um possível a transformar em real, uma idéia a transformar em acto” (p. 6). No entanto, o ato de projetar requer abertura para o desconhecido, para o não-determinado e flexibilidade para reformular as metas à medida que as ações projetadas evidenciam novos problemas e dúvidas. Um dos pressupostos básicos do projeto é a autoria – seja individual, em grupo ou coletiva. A esse respeito,Machado (2000) destaca que não se pode ter projeto pelos outros. É por essa razão que enfatizamos que a possibilidade de o professor ter o seu projeto de sala de aula não significa que este deverá ser executado pelo aluno. Cabe ao professor elaborar projetos para viabilizar a criação de situações que propiciem aos alunos 2

Tais como: Machado (2000); Freire e Prado (1999); Almeida (2002); Almeida e Fonseca Júnior (2000).

desenvolverem seus próprios projetos. São níveis de projetos distintos que se articulam nas interações em sala de aula. Por exemplo, o projeto do professor pode ser descobrir estratégias para que os alunos construam seus projetos tendo em vista discutir sobre uma problemática de seu cotidiano ou de um assunto relacionado com os estudos de certa disciplina, envolvendo o uso de diferentes mídias disponíveis no espaço escolar. Isso significa que o projeto do professor pode ser constituído pela própria prática pedagógica, a qual será antecipada (relacionando as referências das experiências anteriores e as novas possibilidades do momento), colocada em ação, analisada e reformulada. De certa forma, essa situação permite ao professor assumir uma postura reflexiva e investigativa da sua ação pedagógica e, portanto, caminhar no sentido de reconstruí-la com vistas a integrar o uso das mídias numa abordagem interdisciplinar. Para isso, é necessário compreender que no trabalho por projetos as pessoas se envolvem para descobrir ou produzir algo novo, procurando respostas a questões ou problemas reais. “Não se faz projeto quando se tem certezas, ou quando se está imobilizado por dúvidas “ (Machado, 2000, p. 7). Isso significa que o projeto parte de uma problemática e, portanto, quando se conhece a priori todos os passos para solucionar o problema, esse processo se constitui num exercício e aplicação do que já se sabe (Almeida, 2002). Projeto não pode ser confundido com um conjunto de atividades que o professor propõe para que os alunos realizem a partir de um tema dado pelo professor ou sugerido pelo aluno, resultando numa apresentação de trabalho. Na pedagogia de projetos, é necessário “ter coragem de romper com as limitações do cotidiano, muitas vezes auto-impostas” (Almeida e Fonseca Júnior, 2000, p. 22) e “delinear um percurso possível que pode levar a

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Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC

outros, não imaginados a priori” (Freire e Prado, 1999, p. 113). Mas, para isso é fundamental repensar as potencialidades de aprendizagem dos alunos para a investigação de problemáticas que possam ser significativas para eles e repensar o papel do professor nessa perspectiva pedagógica, integrando as diferentes mídias e outros recursos existentes no contexto da escola. Aprendendo e “ensinando” com projetos A pedagogia de projetos deve permitir que o aluno aprenda-fazendo e reconheça a própria autoria naquilo que produz por meio de questões de investigação que lhe impulsionam a contextualizar conceitos já conhecidos e descobrir outros que emergem durante o desenvolvimento do projeto. Nessa situação de aprendizagem, o aluno precisa selecionar informações significativas, tomar decisões, trabalhar em grupo, gerenciar confronto de idéias, enfim, desenvolver competências interpessoais para aprender de forma colaborativa com seus pares. A mediação do professor é fundamental, pois, ao mesmo tempo que o aluno precisa reconhecer sua própria autoria no projeto, ele também precisa sentir a presença do professor, que ouve, questiona e orienta, visando propiciar a construção de conhecimento do aluno. A mediação implica a criação de situações de aprendizagem que permitam ao aluno fazer regulações, uma vez que os conteúdos envolvidos no projeto precisam ser sistematizados para que os alunos possam formalizar os conhecimentos colocados em ação. O trabalho por projeto potencializa a integração de diferentes áreas de conhecimento, assim como a integração de várias mídias e recursos, os quais permitem ao aluno expressar seu pensamento por meio de diferentes linguagens e formas de representação. Do ponto de vista de aprendizagem no trabalho por projeto, Prado (2001) destaca a possibilidade de o aluno recontextualizar aquilo que aprendeu,

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bem como estabelecer relações significativas entre conhecimentos. Nesse processo, o aluno pode ressignificar os conceitos e as estratégias utilizados na solução do problema de investigação que originou o projeto e, com isso, ampliar seu universo de aprendizagem. Em se tratando dos conteúdos, a pedagogia de projetos é vista por seu caráter potencializador da interdisciplinaridade. Isto de fato pode ocorrer, pois o trabalho com projetos permite romper com as fronteiras disciplinares, favorecendo o estabelecimento de elos entre as diferentes áreas do conhecimento numa situação contextualizada da aprendizagem. No entanto, muitas vezes o professor atribui valor para as práticas interdisciplinares, e com isso passa a negar qualquer atividade disciplinar. Essa visão é equivocada, pois Fazenda (1994) enfatiza que a interdisciplinaridade se dá sem que haja perda da identidade das disciplinas. Nesse sentido, Almeida (2002) corrobora com essas idéias destacando: “(...) que o projeto rompe com as fronteiras disciplinares, tornando-as permeáveis na ação de articular diferentes áreas de conhecimento, mobilizadas na investigação de problemáticas e situações da realidade. Isso não significa abandonar as disciplinas, mas integrá-las no desenvolvimento das investigações, aprofundando-as verticalmente em sua própria identidade, ao mesmo tempo, que estabelecem articulações horizontais numa relação de reciprocidade entre elas, a qual tem como pano de fundo a unicidade do conhecimento em construção” (p. 58). O conhecimento específico – disciplinar – oferece ao aluno a possibilidade de reconhecer e compreender as particularidades de um determinado conteúdo, e o conhecimento integrado – interdisciplinar – dá-lhe a


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possibilidade de estabelecer relações significativas entre conhecimentos. Ambos se realimentam e um não existe sem o outro. Esse mesmo pensamento serve para orientar a integração das mídias no desenvolvimento de projetos. Conhecer as especificidades e as implicações do uso pedagógico de cada mídia disponível no contexto da escola favorece ao professor criar situações para que o aluno possa integrá-las de forma significativa e adequada ao desenvolvimento do seu projeto. Por exemplo, quando o aluno utiliza o computador para digitar um texto, é importante que o professor conheça o que envolve o uso desse recurso em termos de ser um meio pedagógico, mas um meio que pode interferir no processo de o aluno reorganizar suas idéias e a maneira de expressá-las. De igual maneira em relação a outras mídias que estão ao alcance do trabalho pedagógico. Estar atento e buscando a compreensão do uso das mídias no processo de ensino e aprendizagem é fundamental para sua integração no trabalho por projetos. De fato, a integração efetiva poderá ser desenvolvida à medida que sejam compreendidas as especificidades de cada universo envolvido, de modo que as diferentes mídias possam ser integradas ao projeto, conforme suas potencialidades e características, caso contrário, correse o risco da simples justaposição de mídias ou de sua subutilização. Isso nos reporta a uma situação já conhecida de muitos professores que atuam com a informática na educação. Um especialista em informática que não compreende as questões relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem terá muita dificuldade para fazer a integração das duas áreas de conhecimento – informática e educação. Isso também acontece no caso de um especialista da educação que não conhece as funcionalidades, as implicações e as possibilidades interativas envolvidas nos diferentes recursos computacionais. Claro que não se espera a

mesma expertise nas duas áreas de conhecimento para poder atuar com a informática na educação, mas o desconhecimento de uma das áreas pode desvirtuar uma proposta integradora da informática na educação. Para integrá-las, é preciso compreender as características inerentes às duas áreas e às práticas pedagógicas nas quais essa integração se concretiza. Essa visão atualmente apresenta-se de forma mais ampla, uma vez que o desenvolvimento da tecnologia avança vertiginosamente e sua presença na escola se torna mais freqüente a cada dia. Uma preocupação é que o professor não foi preparado para desenvolver o uso pedagógico das mídias. E para isso não basta que ele aprenda a operacionalizar os recursos tecnológicos, a exigência em termos de desenvolver novas formas de ensinar e de aprender é muito maior. Essa questão, no entanto, diz respeito à formação do professor – aquela que poderá ser desenvolvida na sua própria ação e de forma continuada, pois hoje com a tecnologia basta ter o apoio institucional que prioriza a qualidade do trabalho educacional. Algumas considerações O fato de a pedagogia de projetos não ser um método para ser aplicado no contexto da escola dá ao professor uma liberdade de ação que habitualmente não acontece no seu cotidiano escolar. No entanto, essa situação pode provocar um certo desconforto, pois seus referenciais sobre como desenvolver a prática pedagógica não se encaixam nessa perspectiva de trabalho. Assim, surgem entre os professores vários tipos de questionamentos, que representam uma forma interessante na busca de novos caminhos. Mas se o trabalho por projetos for visto tanto pelo professor como pela direção da escola como uma camisa-de-força, isso pode paralisar as ações pedagógicas e seu processo de reconstrução.

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Uma questão que gera questionamento entre os professores é o fato de que nem todos os conteúdos curriculares previstos para serem estudados numa determinada série/nível de escolaridade são possíveis de serem abordados no contexto do projeto. Essa é uma situação que mostra que o projeto não pode ser concebido como uma camisa-de-força, pois existem momentos em que outras estratégias pedagógicas precisam ser colocadas em ação para que os alunos possam aprender determinados conceitos. Nesse sentido, é necessário que o professor tenha abertura e flexibilidade para relativizar sua prática e as estratégias pedagógicas, com vistas a propiciar ao aluno a reconstrução do conhecimento. O compromisso educacional do professor é justamente saber o que, como, quando e por que desenvolver determinadas ações pedagógicas. E para isso é fundamental conhecer o processo de aprendizagem do aluno e ter clareza da sua intencionalidade pedagógica. Outro questionamento que normalmente vem à tona diz respeito à duração de um projeto, uma vez que a atuação do professor segue um calendário escolar e, portanto, pensar na possibilidade de ter um projeto sem fim cria uma certa preocupação em termos de seu compromisso com os alunos de uma determinada turma. Nesse sentido, uma possibilidade seria pensar no desenvolvimento de um projeto que tenha começo, meio e fim, tratando esse fim como um momento provisório, ou seja, que a partir de um fim possam surgir novos começos. A importância desse ciclo de ações é justamente que o professor possa criar momentos de sistematização dos conceitos, estratégias e procedimentos utilizados no desenvolvimento do projeto. A formalização pode propiciar a abertura para um novo ciclo de ações

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num nível mais elaborado de compreensão dando, portanto, o formato de uma espiral ascendente, representando o mecanismo do processo de aprendizagem. Referências bibliográficas ALMEIDA, F. J.;FONSECA JÚNIOR, F. M. Projetos e ambientes inovadores. Brasília: Secretaria de Educação a Distância – Seed/ Proinfo – Ministério da Educação, 2000. ALMEIDA, M. E. B. de. Como se trabalha com projetos (entrevista). Revista TV Escola. Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação, Seed, no22, março/abril, 2002. PROEM. Educação, projetos, tecnologia e conhecimento. São Paulo, 2002. FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas Papirus, 1994. FREIRE, F. M. P.; PRADO, M. E. B. B. Projeto pedagógico: pano de fundo para escolha de um softwares educacional. In VALENTE, J. A. (Org.) O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Unicamp-nied, 1999. HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: ArtMed, 1998. MACHADO, N. J. Educação: projetos e valores. São Paulo: Escrituras Editora, 2000. PRADO, M. E. B. B. Articulando saberes e transformando a prática. Boletim do Salto para o Futuro. Série Tecnologia e Currículo, TV Escola. Brasília: Secretaria de Educação a Distância – Seed. Ministério da Educação, 2001. <http:www.tvebrasil.com.br> PROEM. Educação, projetos, tecnologia e conhecimento. São Paulo, 2002.


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VALENTE, J. A. Formação de professores: diferentes abordagens pedagógicas. In VALENTE, J. A. (Org.) O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Unicamp-nied, 1999. REPENSANDO as situações de aprendizagem: o fazer e o compreender. Boletim do Salto para o Futuro. TV Escola. Brasília: Secretaria de Educação a Distância – Seed. Ministério da Educação, 2002. <http:www.tvebrasil.com.br/salto> *** Maria Elisabette Brisola Brito Prado Pesquisadora-colaboradora do Núcleo de Informática Aplicado à Educação (Nied-unicamp) e doutoranda do Programa de PósGraduação em Educação: currículo da PUC-SP. Este texto é capítulo do livro Integração das Tecnologias na Educação. Salto para o Futuro. Organização ALMEIDA, M. E. B.; MORAN, J. M. Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/salto/livro/1sf.pdf

A tecnologia é uma estratégia Bento Duarte da Silva Resumo Esta comunicação parte da análise sociocultural que as TIC não são apenas meros instrumentos que possibilitam a emissão/recepção deste ou daquele conteúdo informativo, mas contribuem fortemente para condicionar as estruturas - a ecologia - das sociedades. Hoje, a tecnologia não pára de penetrar nas nossas vidas, colocou-nos a viver num novo mundo, de tal modo que a expressão Sociedade da Informação passou a ter um uso corrente para identificar o novo tempo civilizacional. Tendo por base este enquadramento, o autor reflecte sobre dois pontos cruciais. Em primeiro lugar, caracteriza-se o tipo de tecnologia e a sua essência, considerando que a estratégia constitui um dos eixos vitais. Que se pretende com as TIC? Que possibilidades de renovação proporcionam? Do conjunto das visões integradas da actuação dos membros da comunidade educativa sobre estas questões resulta o que se entende por pensamento estratégico, ponto fundamental para formular uma estratégia de integração das TIC na educação e na escola. Em sequência, tenta-se abrir pistas sobre o contributo que as TIC podem proporcionar à organização escolar e curricular, reflectindo sobre os

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seguintes aspectos: Estaremos já a viver num novo mundo educacional? Que mundo é esse? Quais as repercussões das TIC para a formação desse novo mundo, apelidado de Comunidades de Aprendizagem? Quais as condições para a integração das TIC? O autor conclui que as TIC proporcionam um espaço de profunda renovação da escola e que os agentes educativos têm aqui um grande desafio: transformar o modelo escolar que privilegia a lógica da instrução e da transmissão da informação para um modelo cujo funcionamento se baseia na construção colaborativa de saberes e na abertura aos contextos sociais e culturais. Por isso, considera-se que o desafio central que se coloca à tecnologia é a temática da estratégia. Introdução No nosso dia-a-dia deparamos cada vez mais frequentemente com a expressão “novo mundo” para descrever o tipo de actividades em que estamos envolvidos com e na nova tecnologia. Nas actividades econômicas, por exemplo, quem é que ainda não deparou com a expressão “nova economia” para caracterizar a absorção dessa mesma tecnologia ligada à informação? Também a expressão Sociedade da Informação passou a ter um uso corrente para identificar o novo tempo civilizacional. O que se passa é que as tecnologias de informação não são apenas meros instrumentos que possibilitam a emissão/recepção deste ou daquele conteúdo de conhecimento, mas também contribuem fortemente para condicionar e estruturar a ecologia comunicacional das sociedades. Cada época histórica e cada tipo de sociedade possuem uma determinada configuração que Ihes é devida e proporcionada pelo estado das suas tecnologias de informação e comunicação (TIC), reordenando de um

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modo particular as relações espaço-temporais, nas suas diversas escalas (local, regional, nacional, global) que o homem manteve e mantém com o mundo, e estimulando e provocando transformações noutros níveis do sistema sociocultural (educativo, económico, político, social, religioso, cultural, etc.). Assim foi desde a utilização das tecnologias primitivas. Silva (2000), ao analisar os diversos desenvolvimentos das TIC ao longo do processo civilizatório, desde o homo loquens/pictor ao homo digital, observa a ocorrência de cinco configurações comunicativas (interpessoal, elite, massa, individual e ambiente virtual) e as suas repercussões nas transformações das estruturas educativas (família, escola, escola paralela, auto-educação e comunidades de aprendizagem). Cada ambiente tecnológico favoreceu o aparecimento de certos actores e de processos de aquisição/exploração do saber e da aprendizagem. Importa sublinhar que a passagem de uma configuração a outra não se dá por um mero processo de substituição, seria demasiado simples. O processo é cumulativo, com rupturas e continuidades, em que cada nova fase de evolução condiciona a anterior a um nivel de especialização, orientando-a para uma função determinada e intervenção específica (Mattelart, 1996). Tome-se o exemplo na economia: o facto da informação estar a marcar a nova era económica não significa que as fases anteriores (do capitalismo industrial, da sociedade agrária e mesmo da sociedade doméstica) tenham desaparecido. Assim também sucede com as configurações comunicativas e educativas acima mencionadas. O que parece que se está a passar hoje é que a tecnologia não pára de penetrar nas nossas vidas, colocando-nos a viver num novo mundo. E uma vez aqui chegados talvez valha a pena reflectir sobre alguns assuntos:


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Que tipo de tecnologia é essa? Qual é a essência da tecnologia? Estamos a viver um “novo mundo educacional”? Que mundo é esse? Quais as repercussões das TIC na organização escolar e curricular? Quais as condições para a integração das TIC na escola?

1. Que tipo de tecnologia é essa? Trata-se de uma tecnologia de informação e comunicação marcada fundamentalmente pelo aperfeiçoamento dos microprocessadores e pela digitalização da informação, processos ocorridos desde os últimos anos da década de 80. O aperfeiçoamento dos microprocessadores trouxe mais velocidade ao processamento da informação e mais capacidade no seu armazenamento, enquanto a digitalização, já utilizada na informática mas alargada agora ao audiovisual e às telecomunicações possibilitou a compatibilidade entre os diferentes sistemas, quer sejam portadores de voz humana, textos, dados estatísticos, sons e imagens. Em termos técnicos, estas evoluções anunciam o fim dos guetos tecnológicos, fazendo convergir a informática, o audiovisual e as telecomunicações na constituição de uma rede comunicativa universal. Em termos sociais, a noção de rede é o conceito chave que caracteriza esta nova configuração comunicativa. Este conceito significa que estamos perante um universo comunicativo em que tudo está ligado, em que o valor é dado pelo estabelecimento de uma conexão, de uma relação. A Internet, e em especial o seu sistema de informação WWW (World Wide Web), é o exemplo desta rede de base colaborativa. Os novos suportes tecnológicos tornaram mais fácil o acesso à informação, nomeadamente pela aumento da capacidade de armazenamento, pela velocidade de processamento e pela compatibilidade entre os sistemas. As actuais enciclopédias, dicionários, atlas e obras da literatura

clássica podem estar contidos num único CD-ROM, enriquecidas pela combinação de texto, som e imagem. Para localizar uma informação pretendida basta fazer um toque no “botão” da referência e o artigo aparece quase instantaneamente. Por outro lado, aspecto que reputámos de crucial importância, estes suportes estão baseados na tecnologia hipertexto/hipermedia/multimedia, exprimindo a ideia de uma escrita/leitura não linear e de uma co-autoria na construção/ reconstrução do texto. Pela Internet, ao alcance da “ponta dos dedos” do homem comunicante abre-se um mundo de informações vindas de lugares muito longínquos e por tradição fechados, como os grandes arquivos. Ao mesmo tempo, esta tecnologia permite-lhe estar simultaneamente em diferentes lugares. Deste modo, à multidimensionalidade do universo comunicativo junta-se a natureza ubiquística do indivíduo. Esta “navegação pelo ciberespaço” não se limita à obtenção de dados pelo indivíduo, mas a estabelecer uma rede de conversação, onde se trocam reclamações e compromissos, ofertas e promessas, aceitações e recusas, consultas e resoluções. Não transitam, portanto, simples informações, mas actos de comunicação onde o mundo privado da experiência pessoal daqueles que os praticam é projectado no interior do mundo interpessoal e grupal das interacções. Reside aqui a grande diferença entre o ecrã televisivo da era dos mass media e o ecrã virtual das novas tecnologias: enquanto a televisão traz o mundo público para dentro de casa, o ecrã virtual conectado em rede leva o mundo interior de cada indivíduo para o espaço público (Silva, 1998).

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2. Qual é a essência da tecnologia? 2. 1. 1. Máquina, técnica, tecnologia Na década de 70 e 80 as empresas de computadores para venderem a maquinaria associavam-lhe a seguinte promessa: “a tecnologia faz a mudança”. Ora, os gestores empresariais vieram a descobrir à sua custa, e as investigações sobre os impactos comprovaram-no, que tal asserção não passava de um mito (Peters & Austin, 1985; Dunlop & King, 1991). A prática e as investigações mostram que as tecnologias são parte de um vasto pacote de mudança, asseguram apenas uma parte do processo. Se a empresa não reestruturar os procedimentos e não possuir gestores competentes não existe tecnologia alguma que resolva os problemas. Tal também é válido para a escola: se não se reestruturar face às implicações das tecnologias e não possuir professores competentes, não existe tecnologia alguma que resolva os problemas. As tecnologias podem mudar a forma como as competências são exercidas, mas não podem transformar um “mau” professor num “bom” professor. A associação do mito “a tecnologia faz a mudança” a “maquinaria”, para além do uso de uma boa técnica de marketing para vender a mercadoria, deve-se à confusão na descodificação do conceito de tecnologia. Existem pelo menos três sentidos de utilização deste conceito: máquina, técnica e tecnologia. Usados muitas vezes de forma indistinta, têm contudo significados diferentes que importa esclarecer. A máquina apresenta-se como um objecto concreto, um instrumento, certamente produto da técnica e que necessita dela para a sua concepção, produção e utilização. A técnica é, pois, uma forma humana de fazer, implica uma metodologia operacional controlada: o saber fazer com conhecimento de causa. Hierarquicamente, situa-se num nível

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superior ao da máquina e em certa medida é independente desta, havendo mesmo a possibilidade de existir uma técnica sem máquina. Nesta hierarquia, a tecnologia surge quando se adquire, sob o modo do logos, a compreensão de tal saber fazer, quando se acrescenta reflexão à técnica. Pressupõe, mais do que a familiarização com o saber técnico, uma formulação discursiva reflectida e teórica. Ao integrar os elementos básicos do fazer e a reflexão teórica do saber, a tecnologia pode ser considerada como a teoria da técnica, estando situada a meio caminho entre as ciências claramente especulativas e os conhecimentos aplicativos técnicos. Técnica e tecnologia têm, portanto, planos de acção distintos. A clarificação efectuada por Quintanilla (1995: 15) ajuda-nos a compreender essa distinção. Diz o autor que enquanto a técnica é caracterizada como “um sistema de acções intencionalmente orientado à transformação de objectos concretos para obter de forma eficiente um resultado que se considera valioso”, vinculando-a ao princípio instrumental da eficácia, esclarece que a tecnologia é uma subclasse dos sistemas técnicos cujo “desenho e uso estão baseados em conhecimentos e métodos científicos e em sistemas de valores e procedimentos de avaliação que se podem considerar racionais”. Ou seja, a tecnologia apoia-se na técnica para a sua praticabilidade, mas diferencia-se dela pela exigência da aplicação de princípios e conhecimentos científicos. Tomando como base esta breve análise conceptual, qual será a essência da integração das TIC em qualquer sector da sociedade, nomeadamente na educação? Se as TIC favorecem, como vimos, a constituição de um mundo informacional - um “novo mundo” que caracteriza a respectiva época civilizacional - em nosso entender o desafio da integração das TIC é constituído pela estratégia e o consequente pensamento estratégico, de modo a compreender-se o


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porquê dessa integração e como deve ser feita. 2. 2. Estratégia O conceito de estratégia tem uma clara ascendência militar - a palavra deriva do termo grego strategos que combina stratos (exército) e ag (liderar) - significando a arte de dirigir as operações militares, traduzida num plano de campanha que determina as acções a empreender para a alcançar a vitória. O conceito passou a ser utilizado nas mais variadas actividades, com as devidas adaptações às espécies em causa. Na educação, nomeadamente na organização educacional e na didáctica, é um dos tópicos de frequente utilização. Rodríguez Diéguez (1995: 36) ao aclarar o sentido do conceito faz ressaltar os aspectos da decisão óptima e da previsão inteligente e reflectida, sustentando que o projecto que responde às características da estratégia recebe freqüentemente o nome de design Por estratégia educativa, segundo o autor “entende-se o design de intervenção num processo educacional com sentido de optimização” (idem: 37). Trata-se de conceber um conjunto de decisões e acções - inteligentes e criativas - para promover a realização dos objectivos propostos e proporcionar os melhores resultados. As ferramentas de construção do design estratégico, que também recebe a designação planeamento estratégico (consideração dos objectivos, dos recursos, da avaliação, etc.) são úteis para a formulação das orientações estratégicas, seja no sistema educativo em geral, seja numa escola em particular. Contudo, importa ter sempre presente que a origem da estratégia reside no pensamento estratégico dos membros da comunidade educativa. De facto, só os membros duma comunidade educativa concreta conhecem o seu meio envolvente transaccional e

apenas com o seu espírito criativo é possível alcançar os objectivos propostos. Dada a significação dos conceitos de tecnologia e de estratégia percebese como estão imbricados e como a estratégia constitui um dos eixos vitais em que repousa a tecnologia. Que se pretende com as TIC? Que possibilidades de renovação da escola é que as TIC proporcionam? Do conjunto das visões integradas da actuação dos membros da comunidade educativa sobre estas e outras questões, cujas respostas não são necessariamente claras ou completas, resulta o que se entende por pensamento estratégico e que são fundamentais para formular uma estratégia de integração das TIC na educação e na escola. Tentaremos dar de seguida a nossa contribuição para este debate, não com o intuito de fornecer respostas completas como se tivéssemos a chave da solução na mão, mas para abrir pistas de reflexão para um problema em aberto pelas TIC. 3. Estamos a viver um “novo mundo educacional”? Que mundo é esse? Como dissemos na introdução, as TIC condicionam fortemente a ecologia comunicacional e educacional das sociedades favorecendo o surgir de novas práticas, actividades e comportamentos, de novas formas de estar e de ser no mundo. Um “novo mundo”, em síntese. Antes de entrarmos na análise da caracterização do “novo mundo educacional” e nas repercussões das TIC para favorecer a criação das condições desses novos modos de estar e de ser, deixamos implícito na expressão novo mundo que existe um outro mundo, o mundo presente. Esse outro mundo está marcado pela a escola, não obstante a forte

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presença de modos educacionais constituídos pela família, pela escola paralela e mesmo pela auto-educação.

(mantendo a dicotomia elitista do mestre/aprendiz) em vez de orientar para o aprender a aprender.

3. 1. A escola A escola é herdeira do progressivo uso da linguagem escrita que, como tecnologia complexa, necessitava (e necessita) para a sua aprendizagem de um local, preparação, instrumentos, suportes adequados, tintas, etc. A escrita favoreceu um ambiente comunicacional de elite baseado na desigualdade dos comunicadores e na dicotomia entre os que sabem expressar-se por este meio e os que não sabem, transformando num assunto de especialistas o que dantes era adquirido de forma não formal, na relação que se estabelecia naturalmente no seio da vida familiar (entre os pais e os filhos) e da tribo (entre os velhos e os jovens). O próprio termo “escola” deriva do conceito grego de ócio (scholé), significando que só aqueles que dispunham de tempo livre (de ócio) é que teriam possibilidade de dedicar-se às actividades intelectuais e à aprendizagem da expressão cultural pela escrita. O sistema escolar do Ocidente estruturou-se com base nesta concepção elitista. A sua abertura às designadas classes populares é um processo tardio. Apenas no século XVIII da nossa era, enquadrado no Movimento Histórico das Luzes, é que se intensificariam os pontos de vista favoráveis a uma escolarização universal.

Perante este cenário, não são de estranhar as inúmeras contestações que abalaram a educação escolar, sentidas com particular incidência no final da década de 60 e na década de 70. Os tempos sociais eram de mudança de “choque”, como apelidou Toftler (1970). Ao analisar esta problemática, Ribeiro Dias (1979: 16) afirmava peremptoriamente: “a escola terá de mudar, sob a ameaça de desaparecer”.

Imbuído pelo elitismo, a escola moderna incorporou como seus traços intrínsecos o formalismo e o intelectualismo. Tem por base uma organização curricular de natureza racionalizada, sequencial e sistemática, operacionalizada pelos princípios de divisão do trabalho, de receptividade máxima e de optimização do rendimento, condicionando o funcionamento de um mundo educacional que continua a privilegiar a lógica da instrução pela transmissão e memorização dos conhecimentos

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Entendemos que as actuais tecnologias de informação e comunicação, cujas características principais foram descritas em ponto anterior, contêm os ingredientes para favorecer uma profunda renovação da escola. Há quem advogue mesmo uma transformação radical, propondo o fim da escola e a sua substituição por um novo “sistema inteligente” de aprendizagem denominado “hiperaprendizagem”, baseado na extraordinária velocidade e alcance da nova tecnologia, e no imprecedente grau de conexidade entre conhecimento, experiência, hipermedia e inteligências (humanas e não humanas) para transformar o conhecimento e o comportamento através da experiência (Perelman, 1992). Já se questionou noutra ocasião esta posição, denominada tecnólatra (Silva, 1999), visto que na sua defesa, não obstante a justeza de algumas críticas que o autor atribui à escola, não se vislumbram razões de ordem social, cultural ou pedagógica. A principal razão invocada é de ordem económica, defendendo-se a comercialização da educação como forma de conseguir o lucro necessário para accionar a inovação tecnológica. Pensamos que a ideia de escola como memória da humanidade, como sistema de construção do saber, de enriquecimento moral e social, um espaço em que se considere cada aluno como um ser humano à procura de si próprio, em reflexão conjunta com os demais e com o mundo que


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o rodeia, tem ainda razão de existir neste início de um novo milénio. Precisa, sim, é de ser profundamente renovada e as actuais TIC contêm os ingredientes necessários para favorecer essa mudança.

à associação em territórios educativos, independentemente de factores geográficos e domínios institucionais.

As repercussões organizativas compreendem os aspectos relacionados com a questão da centralização/descentralização, da flexibilidade do tempo e do espaço escolares e da adaptação curricular.

A contribuição para a gestão/flexibilização do tempo e do espaço escolares e para a adaptação curricular passa pela possibilidade em se estabelecer uma comunicação permanente entre os conteúdos a aprender e os alunos, a qualquer hora e desde qualquer ponto da rede, permitindo também que o professor faça as alterações necessárias ao seu programa, ajuste os conteúdos e o seu modo de apresentação às características e necessidades dos alunos. Trata-se, no fundo, de efectuar transformações no vigente modelo de organização pedagógica assente no grupo-turma.

Na questão da centralização/descentralização trata-se de considerar as vias de tomada de decisão entre os vários níveis do sistema (macro, meso e micro), tanto no domínio da administração, da construção e desenvolvimento do currículo, como no da investigação e formação. Ribeiro Gonçalves (1992:96) identifica a presença de três vias clássicas: i) a central-periférica, definida de cima para baixo, principalmente através de decretos e leis; ii) a periférica-central, pelas propostas que as escolas e os professores fazem chegar à instância superior, mas que, dada a atomização, são filtradas e ficam descontextualizadas; iii) a periférica-periférica, pelas experiências que professores isolados realizam, mas não têm possibilidade de difundir e alargar. Equacionado as vantagens e desvantagens de cada via, o autor propõe a criação de uma via colaborativa através do estabelecimento de redes interescolas, intralocalidades e interlocalidades. Ora, os ingredientes constitutivos das TIC vêm precisamente ao encontro da construção desta via colaborativa, possibilitando a criação de uma rede eficaz de comunicação entre as escolas e com outros espaços extra-escolares, abrindo-as ao exterior e

São sobejamente conhecidos os traços gerais deste modelo: para o conjunto das disciplinas, o grupo de alunos é constituído para o ano inteiro (num processo de escolha em que o aluno não exerce qualquer direito de preferência), encontrando-se todas as semanas, a dias, horas e lugares fixos, perante o professor encarregado de leccionar a respectiva disciplina, no quadro de um programa e de um plano de estudos que se impõem a todos (professor e alunos). Há inúmeras investigações que demonstram a ineficácia deste modelo, sugerindo a implementação de uma nova organização pedagógica, cuja chave constituiria no equilíbrio entre as actividades da turma, do pequeno grupo e do indivíduo, criandose deste modo o equilíbrio necessário entre a aprendizagem orientada pelo professor e a que é desenvolvida por iniciativa dos alunos. Esta organização orientar-se-ia pelos princípios da pedagogia diferenciada e dos modelos construtivistas da aprendizagem, cujos objectivos assumem que o indivíduo é o centro condutor das acções e actividades realizadas na escola. As TIC, particularmente através do desenvolvimento e integração da Internet nas actividades escolares, permitem corresponder

3. 2. Quais as repercussões das TIC na organização escolar e curricular? Situamos as principais repercussões provocadas pela integração das TlC ao nível da organização, na relação com os conteúdos e na metodologia.

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às expectativas deste novo modelo, desde logo, por possibilitarem a adopção de uma nova definição do tempo escolar, tal como é proposta por Schwartz & Polllishuke (1995): flexível para adaptar-se às necessidades dos alunos e flexível para adaptar-se às mudanças da planificação e programação. Trata-se de desescolarizar o tempo e o lugar (sala de aula), retirandos-Ihe a dimensão colectiva que actualmente têm: o mesmo tempo e a mesma sala para todos os alunos. As repercussões em relação com os conteúdos, compreendem aspectos que vão desde pôr à disponibilidade dos alunos todo o tipo de conhecimentos relacionados com o programa, do acesso a outras fontes de informação diferentes, à actualização permanente dos conteúdos através do acesso a bases de dados e ao estabelecimento de uma relação directa com os criadores do conhecimento. Trata¬se, como afirma Machado (1995: 466) do “pleno acesso ao conhecimento”, num novo paradigma de aprendizagem em que aprender “consistirá em saber interagir com as fontes de conhecimento existentes [...] com outros detentores/processadores do Conhecimento (outros professores, outros alunos, outros membros da sociedade)”. A idéia do “pleno acesso ao conhecimento” não se pode confundir com “totalidade”. A Web gera de facto um fluxo informativo que não cessa de crescer: reservas de memórias diversificadas (bancos de dados, grandes arquivos, bibliotecas), grupos e indivíduos podem tornar-se emissores e aumentar exponencialmente este fluxo informativo a que, metaforicamente, Lévy (2000) chama de segundo dilúvio. Quem já utilizou qualquer motor de busca para pesquisar informação sobre um assunto, deparou-se de imediato com uma inundação de informações, ficando com a sensação de uma abundância ilimitada, como se acedesse a toda a informação disponível. Não se faça deste fenómeno um mito

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associado à Internet. Em primeiro lugar, não existe sistema de informação sem erros, perdas, desfasamentos e a Internet também não foge a esta constatação. Em segundo lugar, a abundância informativa sugere, paradoxalmente, que o acesso pleno, o todo, é inacessível. O problema não está no acesso livre e fácil, é de facto uma vantagem, mas em saber o que procurar e como o fazer. O que fazer? Lévy (idem), ao convocar o Dilúvio, utiliza a imagem da arca de Noé. Assim como no meio do caos Noé fez uma selecção dos dados e construiu um mundo bem ordenado na sua arca, também os navegadores da Net devem saber domar o caos informativo, arranjar zonas de familiaridade e construir um sentido para o seu universo comunicacional. Como fazê-Io? A actual tecnologia publicita o acesso directo à informação, propagandeia a ideologia do faça você mesmo, insistindo ainda a que o pode fazer em just-in-time (qualquer hora e de qualquer lugar). Esta ideologia, usada no seu fundamentalismo extremo, dispensa a figura da intermediação sempre presente ao longo da história, processo a que o professor também não escapa. Não obstante os progressos proporcionados pela tecnologia no acesso directo e individualizado à informação, esta perfomance merece ser questionada quando o aspecto crucial trata de gerar do caos informacional um sentido comunicacional, ou seja, transformar informação em saber, aspecto fulcral da comunicação educativa. De que serve ter acesso directo a um banco de dados se não se souber o que fazer com esses dados? A resposta, esclarece Wolton (2000: 124) é evidentemente cultural e remete-nos para a complexa questão dos meios cognitivos de que o indivíduo dispõe para reintegrar a informação no seu contexto e para dela se servir. Ou seja, a tecnologia torna possível o acesso directo à informação, mas não é possível o acesso directo ao conhecimento. Passar de um conhecimento intuitivo e sumário do senso comum para a um conhecimento reflexivo em que o


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indivíduo seja capaz de organizar, associar e estabelecer relações com as informações não se alcança com a imediaticidade do directo: requer tempo, muito tempo, calma e paciência para aprender a pensar. Deste modo, começa-se a compreender que a navegação pelos oceanos informáticos requer a intermediação humana, nomeadamente a dos professores como insiste Wolton (idem: 124), vincando que a emancipação que a Web proporciona não passa pela supressão dos intermediários, mas antes pelo reconhecimento do seu papel. Deste modo, a Web deslocou a perspectiva da individualização da aprendizagem, muito em voga nos inícios da era da aplicação da informática e do multimédia no ensino, fazendo emergir uma ideologia técnica que vincava a interacção aluno-máquina sem qualquer outra intermediação, para uma perspectiva de aprendizagem cooperativa, sendo esta a mudança qualitativa mais prometedora que a Web proporciona à educação. As repercussões em relação à metodologia prendem-se com as possibilidades de se criarem metodologias singulares e variadas adaptadas ao perfil de cada aluno e aos contextos de aprendizagem. Trata-se de aplicar uma pedagogia diferenciada. As TIC permitem valorizar o método, o processo, o itinerário, o como, dando aos professores a possibilidade de ensinarem de “outro modo”, permitindo pensar num paradigma metodológico que rompa com o modelo de pedagogia uniformizante. Tal paradigma passa pela combinação dos ambientes presenciais com os ambientes a distância, dos ambientes fechados com os ambientes abertos, da ligação das escolas em rede, entre si, e com outras fontes produtoras de informação e do saber. Num sistema em que a tecnologia assegura a difusão a informação, ensinar de “outro modo” deve significar, necessariamente,

ensinar a construir o saber, ensinar a pensar. Em síntese, estas repercussões e a natureza da tecnologia que as suportam expandem a complexidade do diálogo da sala de aula, possibilitando quer o acesso e manipulação de fontes exteriores de informação, como também a comunicação a distância, o que em termos práticos significa aprendizagem colaborativa e expansão da capacidade de diálogo interpessoal. A envolvência das aplicações multimédia nas redes de comunicação e a combinação da sua flexibilidade com a comunicação virtual levou-nos a designar este novo mundo educacional por Comunidades Virtuais de Aprendizagem que, devido à utilização que fazemos do termo virtual - uma forma potencial de mediação interfacial que não se opõe ao real -, preferimos designar por Comunidades de Aprendizagem, sem mais adjectivação (Silva, 1998). 3. 2. 1. As comunidades de aprendizagem A formação da idéia de comunidade (o “sentimento do nós”), como lhe chama Gurvitch (1979) não passa necessariamente por factores territoriais fisicos, mas pelo desenvolvimento do “sentimento subjectivo dos participantes de construir um todo” (Weber, 1944: 33). Na linha destes autores há múltiplas maneiras de estar ligado pelo todo e no todo e a idéia de comunidade é hoje entendida “como um espaço de construção (um território simbólico) marcado pela extensão e pela profundidade da interacção entre os indivíduos em construir esse todo” Silva (1998: 95). Neste enquadramento, a natureza flexível e policêntrica da Internet tem funcionado como suporte para as relações interpessoais, ajudando a superar o característico individualismo da sociedade de massas, como sugerem várias reflexões sociológicas. Michel Maffesoli (Maffesoli, 1990), sociólogo atraído pelas abordagens

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comunitárias da vida urbana na sociedade pós-moderna, observa que as novas tecnologias geram uma matriz comunicacional de proximidade, o sentido de pertença, o desejo de estar - juntos na partilha de motivações e interesses comuns. Através das múltiplas mediações, retornamos ao tempo das tribos, não como as de outrora baseadas no território fisico, mas tribos do conhecimento, do afectivo e do social, às quais os indivíduos se agregam voluntariamente para partilhar necessidades, desejos e interesses da mais variada ordem. Neste sentido, esclarece que ser solitário, hoje, não significa viver isolado já que, segundo as múltiplas ocasiões que se apresentem, o indivíduo solitário pode agregarse a este ou àquele grupo, a esta ou àquela actividade. Boaventura de Sousa Santos (Santos, 1994), num registo político e social, enfatiza a “arqueologia virtual presente” para favorecer uma emancipação progressiva das comunidades. A arqueologia virtual, cuja escavação é orientada para margens, para a periferia, para a inteligibilidade, dando preferência a estruturas descentralizadas, não hierárquicas e fluidas, potencia a constituição de comunidades de fronteira, caracterizadas por uma identidade em processo de reconstrução e de reinvenção, na medida em que é através dela que se podem desabrochar novas energias emancipatórias e realizar os princípios da autonomia, da participação e da solidariedade. Embora o autor não refira textualmente as redes de comunicação, a Internet, pelos princípios que Ihes são atribuídos - mobilidade, flexibilidade e policentrismo - pode constituir-se como um dos suportes adequados à concretização desta arqueologia virtual, reinventando as alternativas de prática social. Pierre Lévy (Lévy, 1997) ao efectuar uma reflexão sobre os espaços de identidade do ser humano (a terra, o território e o mercado) considera que a tecnologia digital e as redes de comunicação fizeram emergir um

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novo espaço antropológico, o Espaço do Saber, saber não apenas do conhecimento científico, mas do saber que qualifica o Homo Sapiens: um saber-viver, um saber coextensivo à vida. Trata-se de um espaço virtual - um não-lugar -, mas que já está presente (ainda que dissimulado, disperso, travestido e misturado) e é habitado e animado por intelectos colectivos que procuram formas de comunicação inauditas. A constituirse efectivamente este novo espaço antropológico, considera o filósofo que se “abriria um novo espaço de liberdade tanto às comunidades como aos indivíduos. A partir de hoje o conhecimento, o pensamento, a invenção, a aprendizagem colectivos oferecem a cada um a participação numa multiplicidade de mundos, lançam pontes sobre as separações, as fronteiras e as escalas graduadas do Território”. (idem: 201). Voltando ao terreno do escola, estas reflexões sobre as implicações antropológicas das TIC permitem pensar as escolas como comunidades de aprendizagem construídas com base na partilha de motivações comuns, de afinidades de interesses, de conhecimentos, de actividades, de projectos, num processo de cooperação e interacções sociais entre escolas e outras instituições comunitárias, entre autores e leitores, independentemente das proximidades geográficas e domínios institucionais. A tecnologia mudou radicalmente a medida da escala espacial: o longe e o próximo não existem em termos virtuais, a medida faz-se pela implicação dos actores em projectos de interesse e motivação comuns que desejam partilhar. Deste modo, os professores e os alunos podem, não só, desenvolver interacções satisfatórias entre si, mas também, cada escola e/ou cada um dos seus membros pode estabelecer relações plurais e colaborativas com outras escolas, com colegas, com peritos ou instituições diversas.


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A abertura ao exterior estabelece um mapeamento dinâmico entre o local e o global, e a escola, longe de se descaracterizar no fenômeno da globalização, vê reforçada e afirmada a sua autonomia, numa relação interactuante, de co-responsabilidade e de solidariedade com os outros centros educativos. Como esclarece Thompson (1998) o eixo globallocal merece uma reavaliação pois o fenômeno global da comunicação não eliminou o seu carácter localizado da apropriação. E se tal reavaliação é feita para o quadro da comunicação de massas, ganha mais pertinência no tempo das actuais tecnologias. A Internet é uma rede global, mas, ao mesmo tempo, é local em todos os seus pontos. O seu funcionamento depende de infra-estruturas que remetem para a acção dos Estados, das Universidades e de Empresas capazes de mobilizar os recursos necessários para a sua criação e manutenção dos pontos locais de acesso, mas a sua viabilidade também depende da existência da acção local de pessoas e comunidades. Ou seja, é globalizada na difusão, mas simultaneamente é localizada do ponto de vista da apropriação e da participação. Daí que já se tenha designado este novo padrão comunicativo de glocalizado, em que o global e o local se cruzem e interagem de forma dinâmica (Silva, 2000a). Neste tipo de rede qualquer ponto local (como uma escola em concreto, o professor, o aluno, etc.) pode transformar-se no elemento de entrada no sistema global, afirmando a sua autonomia peculiar. Este padrão constitui uma potencial plataforma para fazer emancipar progressivamente as comunidades, na medida em que através dela se podem desabrochar energias emancipatórias e realizar os princípios da autonomia, da participação, da colaboração e da solidariedade. É neste processo interactuante entre o global e o local da rede (glocalizado) que radica grande parte do sucesso da Internet e que haja uma procura crescente da sua apropriação quotidiana pelos indivíduos e pelas organizações.

Estaremos já a viver neste novo mundo educacional? Dias (1992) e Costa Pereira (1993), ao formularem nos inícios da década de 90 a constituição de um novo paradigma educacional, que emergiria gradualmente através da aplicação das tecnologias multimedia interactivas no processo educacional, previam que a sua formação ocorresse num futuro mais ou menos longínquo. No entanto, pelo que já referia Lopes (1994) também nos inícios da década ao evocar uma multiplicidade de projectos telemáticos orientados para escolas de ensino não superior, aos quais acresce a dinâmica actual proporcionada pelos programas dos projectos “Nónio Século XXI” e “Internet nas Escolas”, esse futuro não está tão longínquo como se poderia supor. As dinâmicas educacionais introduzidas nas escolas ao abrigo do Programa “Nónio Século XXI” permitem-nos dizer que há uma tendência de mudança. Sob uma aparente nonnalidade algo está a acontecer, algo está a mudar com vista à renovação da escola e à sua transformação em Comunidades de Aprendizagem. É precisamente sobre a execução dos projectos das escolas ao abrigo do Programa “Nónio Século XXI” que faremos a última reflexão. A análise dos relatórios de avaliação sobre a introdução das TIC na escola (Silva & Silva, 1999; Nónio Século XXI, 1999) mostra que há um desenvolvimento diferenciado da aplicação do Programa Nónio nas diversas “Escolas Nónio”, facto também constatado em recente seminário organizado pelo Centro de Competência da Universidade do Minho1. Há escolas com um 1 Seminário “O Programa Nónio Século XXI e a Integração das Tecnologias das Tecnologias da Informação e Comunicação no Quotidiano Escolar”, organizado pelo Centro de Competência da Universidade do Minho e realizado na Escola Secundária da Trofa em Maio de 2000.

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óptimo envolvimento da comunidade escolar e cujos reflexos nas mudanças de comportamentos e práticas educativas são evidentes, e outras há em que os resultados não são tão satisfatórios. Estes diferentes desenvolvimentos levam-nos a reflectir que a integração das TIC na escola não é um assunto de mero apetrechamento (que é necessário), mas reclama a adopção de uma política estratégica, cujos contornos desenvolveremos de forma breve no ponto seguinte. 4. Quais as condições para a integração das TIC na escola? o sucesso da integração das TIC na escola deve passar por uma estratégia de amplo alcance, cujas linhas de orientação devem assentar em três vectores: • Devem aparecer integradas no contexto do projecto curricular. • O uso pedagógico exige uma convergência de pontos de vista entre o conhecimento pedagógico disponível e o pensamento do professor. • Devem inserir-se numa política de renovação pedagógica da escola. 4. 1. Integração no contexto do projecto curricular Qualquer tecnologia de comunicação só por si não é mediadora da aprendizagem. As pessoas não aprendem mais, como refere Jonassen (1992), pelo simples facto de estarem frente a um computador, livro, vídeo ou qualquer outro media. O papel das tecnologias da comunicação é importante, salienta Dias (1995), porque têm influência nas estratégias da aprendizagem e activam os processos mentais, devendo a nossa preocupação “ser orientada mais para a forma como o aluno interage com informação, como desenvolve o modelo mental da informação e como a utiliza de forma significativa em novas tarefas, ou situações problema, do que para os modos de transmissão e as tecnologias de suporte” (idem, 1995: 24).

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Situar as tecnologias desta forma significa que a sua integração deve ser feita no âmbito do projecto curricular, espaço mediado por fenômenos substantivos (filosofia, fundamentação, objectivos, conteúdos, metodologias, meios e avaliação), por processos (em cujo desenvolvimento e funcionamento se constróem os programas educativos) e por dinâmicas (que redefinem e reconstróem os programas educativos). Deste modo, as TIC devem aparecer devidamente relacionadas com os demais elementos do projecto curricular (filosofia, fundamentação, finalidades, objectivos, conteúdos, avaliação) de forma a adquirirem sentido e propósito educativo, num processo de influências mútuas, até porque também há certos princípios e processos de aprendizagem que são dificilmente concretizáveis se o projecto curricular não incorporar a contribuição das TIC. A própria exploração da noção de integração das tecnologias no currículo, e não a mera adição ou aplicação, torna imperioso que não se perca de vista que o educativo requer uma legitimação ideológica fundamentada numa determinada tomada de posição sobre a natureza do conhecimento e cultura, sobre o conhecimento relativo ao desenvolvimento e construção do saber por parte dos alunos e sobre o papel que neste processo jogam os professores e as escolas ao utilizarem certas tecnologias. Sem esta contextualização acrescem as dificuldades para se retirar o máximo potencial curricular e pedagógico de cada tecnologia. No entanto, se de um ponto de vista teórico é relativamente fácil justificar e fundamentar a integração curricular das TIC, bem como postular uma série de relações entre os diversos elementos do desenho curricular a partir de perspectivas provenientes de fontes psicológicas, sociológicas, comunicativas, epistemológicas e pedagógicas, a prática mostra que o


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uso pedagógico das TIC nas escolas e nas aulas por parte dos professores é algo mais complexo, exigindo que se estabeleça uma convergência de pontos de vista entre o conhecimento pedagógico disponível e o pensamento do professor sobre esse mesmo conhecimento, aspecto que abordaremos de seguida. 4. 2. Convergência entre o conhecimento pedagógico disponível e o pensamento do professor Esta questão relaciona-se com a utilização do conhecimento pedagógico por parte das escolas e dos professores. Trata-se de considerar a natureza do conhecimento pedagógico, a sua origem, construção e a sua interacção com os sujeitos utilizadores e os seus contextos de trabalho. Em termos gerais, o conhecimento pedagógico consiste num conjunto de saberes teóricos e práticos que o professor adquire na sua formação inicial e contínua, e que se concretiza na formulação de projectos curriculares e pedagógicos específicos para determinado nível educativo, programas, métodos e estratégias de ensino, alunos particulares, etc. Porém, a integração curricular deste conhecimento depende “de uma dada representação do sujeito que o assimila, acomoda e aplica” (Pacheco, 1993: 325), operando-se a intersecção entre o conhecimento teórico e o conhecimento prático “através de um processo pessoal de raciocínio e acção pedagógica, contextualizado quer, em termos didácticos, por um acto de ensino, quer, em termos educativos, por um quadro de valores, crenças, projectos” (idem: 325). Donde se conclui que o conhecimento pedagógico, não obstante a fundamentação científica e a legitimação axiológica e social, depende de um contexto de acção que exige constantes actualizações e adaptações. Estamos, portanto, perante duas dimensões: a objectiva, através da fundamentação,

legitimidade axiológica e social, relevância cultural e pertinência pedagógica do conhecimento, e a dimensão subjectiva, processo através do qual os sujeitos utilizadores interaccionam com o conhecimento e com as condições reais para a sua utilização na prática pedagógica. O uso pedagógico das TlC exige que se preste atenção a esta dupla dimensão: por um lado, à necessária integração no contexto de projectos educativos bem fundamentados e elaborados e, por outro lado, às propriedades tidas em consideração pelos sujeitos utilizadores e aos contextos de trabalho de utilização, ao modo como os professores, sujeitos activos e adultos, entendem a experiência profissional. Estas exigências reclamam uma particular atenção à formação dos professores e aos seus contextos de trabalho. Incidiremos a análise na formação, já que os contextos de trabalho serão objecto de tratamento no ponto seguinte. Vemos o professor como um profissional reflexivo e construtivo capaz de diagnosticar situações complexas de ensino-aprendizagem, de tomar decisões adaptadas à sua realidade concreta de ensino e, simultaneamente, como um autor capaz de recriar e melhorar as suas próprias acções. Deste modo, o professor é o principal protagonista da concretização curricular sobre quem recai a última palavra da integração das tecnologias. A chave para esta integração, que em muitos casos representa uma proposta de mudança num bom número de concepções educativas e em muitos aspectos organizativos, funcionais, metodológicos e relacionais do nosso sistema escolar, está na formação dos professores. O novo quadro comunicacional gerado pelas TIC, ao acelerar de forma vertiginosa a velocidade de processamento de informação e do saber

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disponível, tornou crucial o contexto das competências, exigindo que os educadores/professores possuam uma cultura tecnológica e de renovação pedagógica de forma a estarem capacitados para extrair o máximo potencial curricular das TIC. Silva & Maria João (2000), tendo por base uma investigação-acção em formar para a sociedade de informação, reflectem que a formação no domínio das TIC deve estruturar-se em três domínios científicos: i) saberes de carácter instrumental e utilitário, domínio que designam por alfabetização informática; ii) saberes e competências ao nível da pesquisa, selecção e integração da informação, com vista à transformação da informação em conhecimento; iii) saberes no desenvolvimento de formas de expressão e comunicação em ambientes virtuais. Sobre as estratégias de formação no domínio das TIC (tanto a formação inicial como a contínua), Silva (1998) considera que devem ser variadas, quer ao nível dos conhecimentos, quer ao nível das metodologias. Ao nível de conhecimento, a formação deve incluir uma tríplice abordagem: tecnológica, expressiva e pedagógica. A tecnológica deve traduzir-se em conhecimentos sobre a manipulação, rotinas de operação e modos de produção das diversas TIC; a expressiva no conhecimento do discurso e das linguagens específicas e associadas a cada tecnologia; a pedagógica no conhecimento para integrar as tecnologias no processo de desenvolvimento curricular. Ao nível das metodologias, a formação também deve incluir uma tríplice abordagem: teórica, apresentação de casos e práticas em situações de formação. Na teórica, com a inclusão de informações pertinentes provenientes de diversas fontes (comunicacionais, psicológicas e pedagógicas); na apresentação de casos recorrendo a simulações e a exercícios exemplares; nas práticas em situação de formação através da análise de situações de aprendizagens

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concretas, de forma a garantir o domínio progressivo das novas idéias e habilidades relacionadas com o uso pedagógico das TIC. Esta estratégia de formação (dois níveis e cada um com uma tripla abordagem) deve encarada de forma integrada, pois, como afirma Moderno (1992: 165), “o domínio da técnica induz, muitas vezes, o formador à ilusão do domínio pedagógico”. Não obstante o valor da formação recebida pelos professores para facilitar a integração das TIC, o incremento do uso pedagógico exige a consideração de um terceiro vector: que a inserção de faça numa política de renovação pedagógica da escola. 4. 3. Inserção numa política de renovação pedagógica da escola Nos dois pontos anteriores referimos que as TIC devem estar integrados no desenho do projecto curricular e que a utilização deve estar em estreita relação com a reconstrução por parte dos professores dos seus esquemas de pensamento e de acção educativa. A formação dos professores é o elemento chave, pois a integração depende do nível das suas decisões didácticas. Porém, estas condições podem não ser suficientes para uma utilização continuada e renovada das TIC, poís a integração efectiva depende de outras decisões tomadas a outros níveis do design curricular, desde o macrodesign, definido ao nível político, ao mesodesign centrado no projecto educativo da escola. Estas decisões devem ir ao encontro da renovação pedagógica da escola, passando pelo estabelecimento de certas condições e processos institucionais que reconheçam e potenciem o uso continuado das TIC. Exigem, concretamente, a disponibilidade de tecnologias com o apetrechamento efectivo das salas de aula, a criação de mediatecas e centros de recursos, a criação de apoios pedagógicos e a criação de


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compromissos que favoreçam o desenvolvimento interdisciplinar das situações de ensino-aprendizagem. Nos tempos mais recentes houve um grande esforço em reforçar o equipamento das TIC, nomeadamente em vídeo, computadores e postos de ligação à Internet. No entanto, o estado da situação actual, mesmo nas escolas aderentes ao Programa Nónio, mostra que a relação destas tecnologias com o número de turmas e o número de professores e alunos é ainda manifestamente insuficiente (Silva & Silva, 1999; Nónio Século XXI, 1999a). Em termos nacionais, um inquérito efectuado em 1998 indicou que o ratio era de 35 alunos por computador para as escolas do 2° e 3° ciclos do Ensino Básico e Ensino Secundário, mas havia escolas que apresentavam um ratio superior a 100 alunos por computador. Receamos que estes valores, já por si elevados, estejam ainda sub-avaliados para efeitos de utilização pedagógica, pois o cálculo teve em conta todos os computadores existentes na escola, incluindo os que não estão disponibilizados para tarefas de ensino-aprendizagem. A integração das TIC é de facto muito condicionada por problemas provocados pela insuficiência dos equipamentos, provocando perturbações na organização das actividades curriculares e fazendo com que a utilização tenha que ser necessariamente esporádica. Para além do equipamento torna-se essencial modificar o design arquitectural das salas e do mobiliário escolar. A estrutura do espaço é determinante: desde o tamanho das salas, por vezes demasiado exíguo para permitir o estabelecimento de zonas de trabalho diversificado para uma pedagogia diferenciada, à colocação de tomadas de corrente eléctrica, de interruptores graduais da iluminação, a mesas de suporte para os equipamentos de projecção e a mesas de trabalho dos alunos que permitam reformular facilmente as configurações espaciais.

Outra condição fundamental passa pela presença nas escolas de pessoal especializado nas TIC, seja para fazer a manutenção dos sistemas e para resolver problemas de natureza técnica, mas também para fazer a animação da mediateca/centro de recursos da escola. Como afirma Formosinho (1992: 43) “qualquer organização beneficia de ter a desempenhar cargos que exijam especialização técnica pessoas habilitadas com formação especializada correspondente” e a falta deste profissionais qualificados constitui um dos maiores problemas que as diversas investigações destacam sobre o funcionamento e utilização das mediatecas e dos centros de recursos (Tucker, 1987). Há, por vezes, problemas triviais de natureza técnica, como a compatibilização entre equipamentos, que o professor não sabe resolver e desconhecendo não se sente compelido a usar algo em cujo domínio não está preparado. Mas, para além da resolução dos problemas triviais, vemos este profissional especializado, designado em Rocha Trindade (1990) por tecnólogo, com uma função nobre no espaço escolar: animador da mediateca/centro de recursos, de cuja personalidade aberta, entusiasta, criativa e dialogante depende o sucesso da integração das TIC na escola. A resolução destes problemas assegurariam a fiabilidade real dos processos e contribuiriam para um uso continuado das TIC nas actividades pedagógicas. Porém, o uso sistemático só será potenciado se a escola acolher e assumir na orientação da sua organização educativa, nos seus projectos de desenvolvimento, na filosofia do seu projecto educativo, a idéia de introduzir novos modos de comunicação e de facilitar novas actividades e processos de aprendizagem aos seus alunos. Caso contrário, haverá sempre situações de utilização bem sucedidas, mas que serão pontuais e marginais em relação ao funcionamento que se deseja global e continuado. Por isso é que

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defendemos que a integração das TIC deve inserir-se numa estratégia de amplo alcance, passando por uma política de integração curricular, de formação de professores e de renovação pedagógica da escola. Conclusão Procuramos mostrar ao longo do texto que as TIC não são apenas meros instrumentos para se comunicar este ou aquele conteúdo, mas que, na medida em que favorecem determinados processos de aquisição/ exploração do saber e da aprendizagem, interaccionam com estrutura cognitiva dos sujeitos (a forma como se aprende) e com a estrutura das organizações. Em cada época histórica cada conjunto significativo de tecnologias condicionou o aparecimento de novas formas de estar e de ser - práticas, actividades, comportamentos, etc. -, ou seja, um “novo mundo comunicacional”. A tecnologia dos bits trouxe-nos o ambiente da comunicação virtual, a possibilidade de aceder ao mundo das informações e de estabelecer relações interpessoais e colaborativas. Estabelecem uma espécie de retorno ao tempo tribal em que o saber era construído por comunidades vivas, só que agora o território destas comunidades é o ciberespaço, um novo espaço onde o indivíduo pode descobrir e construir os seus saberes de forma personalizada e partilhada. As características das actuais TIC proporcionam um espaço de profunda renovação da escola, permitindo pensá-Ias como uma verdadeira comunidade de aprendizagem. Para o sistema educativo e seus agentes reside aqui o grande desafio: compreender a chegada do tempo destas tecnologias que permitem passar de um modelo que privilegia a lógica da instrução, da transmissão e memorização da informação para um modelo cujo funcionamento se baseia na construção colaborativa de

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saberes, na abertura aos contextos sociais e culturais, à diversidade dos alunos, aos seus conhecimentos, experimentações e interesses. Ao perspectivarmos as TIC como factor condicionante para a formação de um “novo mundo comunicacional e educacional” acabamos por revelar que o desafio central que se coloca à tecnologia é a temática da estratégia. O problema não é de “maquinaria”, mas de prever e optimizar as repercussões nas interacções com os demais elementos do sistema. No campo educacional, parece-nos evidente e imperioso que o debate a fazer sobre e com as tecnologias se deve situar no campo organizacional, seja do funcionamento global da escola, seja na formulação e implementação do currículo, aspecto que não tem sido prática corrente no nosso país, infelizmente. Urge caminhar neste sentido! Referências bibliográficas Costa Pereira, D. (1993). Tecnologia Educativa e a mudança desejável no sistema educativo. In Revista Portuguesa de Educação, vol. 6, n° 3. Dias, P. (1992). Que direcções para a interacção na comunicação educacional multimedia? In lnformática & Educação, n° 3, Revista do Pólo da Universidade do Minho do Projecto Minerva. Dias, P. (1995). Relatório da Disciplina de Hipertexto. Braga: Universidade do Minho. Dunlop, C. & Kling, R. (1991). Computerization and Controversy. New York: Academic Press. Formosinho, J. (1992). O dilema organizacional da escola de massas. In Revista Portuguesa de Educação, Universidade do Minho, 5 (3). Gurvitch, G. (1979). A vocação actual da sociologia, vol.1. Lisboa: Cosmos. Jonassen, D. (1992). What are cognitive tools? In Piet Kommers; David Jonassen, & Terry Mayes (coord.). Cognitive tools for learning.


UNIDADE 4 - CURRÍCULO, PROJETOS E TECNOLOGIA

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Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC

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