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Editorial
CARTA AO LEITOR
O fim do tempo Não é justo que buracos negros sejam famosos por engolir luz. É como se lembrar de Albert Einstein como um bom violinista – coisa que ele era mesmo; Elsa, sua segunda esposa, disse ter se apaixonado pelo maior físico da história depois que ele “tocou Mozart no violino de forma maravilhosa”. Buracos negros têm de fato uma gravidade absurda o bastante para fazer com raios de luz aquilo que o ralo da pia do seu banheiro faz com a água da torneira. “Gravidade”, vale lembrar, não é exatamente uma força. Ela é a forma como sentimos distorções no espaço – não no espaço sideral, mas no “espaço” à nossa volta mesmo, aquele composto por uma dimensão de comprimento, uma de altura e uma de largura.
Ele devora o tempo. Se você pudesse se aproximar do centro de um buraco, um segundo para você equivaleria a um século aqui na Terra. Se alguém pudesse te ver daqui, enxergaria o seu corpo como uma estátua. Congelado. Você precisa de quase um século para completar uma piscada de olho, afinal. Depois piora. Cada centímetro a mais que você cai em direção ao centro do buraco aumenta esse déficit temporal. Mais um pouco e um segundo seu vai durar um milhão de anos na Terra. Depois um bilhão. Uma hora não vai mais ter Terra, nem Sol, nem Via Láctea. Nem nenhuma estrela acesa. Então todos os prótons e nêutrons do Universo decaem. Deixam de existir. Não sobra mais nada além de radiação pura. E escuridão. E frio. Enquanto isso, passou um minuto no seu relógio. E você não é só o último humano vivo. É a última coisa que existe no cosmos. Cada buraco negro é um portal instantâneo para o fim de tudo. Olhar para a escuridão de um significa vislumbrar o momento em que o Universo voltará a ser nada. Por essas, aquela primeira imagem de um desses astros, divulgada em abril, é a foto mais importante da história. Uma imagem para apreciar ouvindo Mozart, com Einstein ao violino.
Um objeto com massa – seja um alfinete, seja a Terra, seja o Sol – entorta o “tecido do espaço”. Um raio de luz vindo de alguma estrela acaba desviado pela gravidade do Sol, pois é o próprio espaço pelo qual a luz se propaga que está se curvando. Tal curvatura, porém, é suave demais para tragar os raios, então eles passam pelo Sol como os pneus de uma Land Rover vencem um buraco de estrada. Alexandre Versignassi Com um buraco negro é diferente. Ele DIRETOR DE REDAÇÃO entorta tanto o tecido do espaço que os raios de luz caem lá dentro e acabam presos para sempre. Daí a escuridão da coisa. Ilumine-o com uma lanterna e você não vai ver nada. Ele vai sugar os raios da lanterna. Mas, não, essa não é a propriedade mais interessante dos buracos negros. A grande graça ali é outra: o fato de que o tecido do espaço também é o tecido do tempo, como descobriu o violinista Albert. Tanto que o nome oficial da coisa é “tecido espaço-tempo”. Um buraco negro, então, não engole apenas coisas.
Pela primeira vez na história, imagem de um buraco negro é divulgada (Foto: Event Horizon / Twitter)
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EXPEDIENTE Diretora-executiva: Tayla Assis Administrativo: Bruna Falcão Redação Diretor de Redação : Alexandre Versignassi Redatores: André Jorge de Oliveira Bruno Vaiano Iêva Tatiana Sara Lira
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A SAGA DOS DINOSSAUROS BRASILEIROS
Editores: Daniele Marzano Johanna Klein Eugenio Sokolowski Roberto Udinesi Tiago Ribeiro Equipe de Fotografia : Elvis de Paula Ramon Bitencourt Jonas Eisenberg Artes e Ilustrações : Guilherme Asthma Arte Ácida Rafael Fernandes Azevedo
Sumário
Diretora de Edição: Camila Ferreira
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CAÇADORA DE LUZ
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MISTÉRIOS DA FÍSICA
Financeiro: Gisleny Lopes Vitor Dias Estágiarios: Thais Prado Lucas Vasques
08 POLUIÇÃO NOS OCEANOS
Marketing: Mariana Passos Yuri Bareti Design: Eduardo do Nascimento 4
05 EXTINÇÃO
Extinção
Tigres-de-bengala correm risco de extinção por mudanças climáticas Espécie, que já está ameaçada, sofreria impactos significativos com o aumento do nível do mar e a perda de seu habitat em Bangladesh
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por Redação (Foto: Pixabay/Free-Photos/Creative Commons)
s mudanças climáticas e o aumento do nível do mar podem acabar com uma das maiores fortalezas de tigres do mundo: o mangue arbóreo de Sundarbans, em Bangladesh, que abriga centenas de espécies de animais. Entre eles está o tigre-de-bengala, ameaçado de extinção por causa da devastação de seu habitat natural. Cerca de 70% da terra região está a poucos metros acima do nível do mar, e mudanças graves devem acontecer na área, conforme apontou um novo estudo publicado na revista Science of The Total Environment. As alterações provocadas por um planeta em aquecimento serão "suficientes para dizimar" os poucos tigres-de-bengala que permanecem no país asiático. "Até 2070, não haverá habitats de tigre adequados remanescentes em Sundarbans de Bangladesh", concluiu a pesquisa. O documento, que se baseia em cenários climáticos desenvolvidos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), complementa estudos que oferecem previsões negativas para a vida selvagem em Sundarbans. Em 2010, uma pesquisa conduzida pelo Fundo
Mundial para a Natureza projetou que uma elevação do nível do mar de 11 polegadas poderia reduzir o número de tigres na região de Sundarbans em 96% dentro de algumas décadas. Sharif A. Mukul, autor do novo relatório sobre Sundarbans, e seus colegas buscaram quais eram os riscos para o tigre-de-bengala além da elevação do nível do mar – que representa 5,4 %. Eles descobriram que entre 2050 e 2070, há 11,3 % de chances da perda de habitat. Desde o início de 1900, a devastação do meio ambiente, a caça e o comércio ilegal de animais dizimou a população global de tigres em aproximadamente de 100 mil para menos de 4 mil. Em Sundarbans, o aumento de eventos climáticos extremos e mudanças na vegetação irão reduzir ainda mais a população do felino. E como o mangue inunda, confrontos podem crescer entre humanos e tigres, visto que o bicho se afasta de seu habitat em busca de novas terras. “Muitas coisas podem acontecer”, disse Mukul ao jornal The New York Times. “A situação poderia ser ainda pior se houvesse um ciclone, surto de doenças ou escassez de alimentos.”
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Física "Imagem fantasma" produzida a partir de emaranhamento quântico (Foto: Gabriela Barreto Lemos/Divulgação)
O gato fantasma da física quântica Experimento inédito liderado por brasileira demonstrou como o emaranhamento de partículas pode fazer com que um feixe de luz carregue a imagem de um objeto sem jamais ter interagido com ele por André Jorge de Oliveira
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á 80 anos, o físico austríaco Erwin Schrödinger demonstrava que se um gato fosse uma partícula subatômica, poderia estar vivo e morto ao mesmo tempo. O experimento mental que ele propôs ficou conhecido como o paradoxo do Gato de Schrödinger: imagine que o animal esteja trancado em uma caixa junto a um frasco de veneno, que a qualquer momento pode matá-lo. Enquanto não abrirmos a caixa, não há como dizer se o felino está vivo ou morto. Na mecânica quântica, diz-se que ele está vivo e morto até a abertura do recipiente e a devida medição de seu estado. O problema é que o procedimento altera as possibilidades do gato estar em uma condição ou na outra. “Em termos de gatos parece uma discussão ridícula, mas para fótons e outras partículas na escala quântica, essa discussão é muito difícil de resolver”, aponta Gabriela Lemos, física formada pela UFMG que hoje faz parte do Instituto para Ótica Quântica e Informação Quântica de Viena, Áustria. Ela liderou um experimento inédito publicado na revista Nature no qual, em alusão ao famoso paradoxo, foi produzida uma “fotografia fantasma” na forma de um gato, composta por
fótons que jamais interagiram com o objeto. O fenômeno é possível graças ao emaranhamento, uma conexão a nível quântico que determina que duas partículas estarão intimamente relacionadas e compartilharão informações entre si instantaneamente. Nos anos 30, Einstein chegou a chamar a propriedade de “ação assustadora à distância”, pois aparentemente contrariava sua Teoria da Relatividade ao ultrapassar a própria velocidade da luz. “Na verdade, nós da física quântica continuamos debatendo essas questões até hoje”, diz Gabriela. Para fazer a foto do “gato fantasma”, os pesquisadores utilizaram dois feixes de laser, um amarelo e outro vermelho, com os fótons de ambos emaranhados. Apenas o feixe vermelho iluminou o contorno do gato em materiais como silício e vidro, guardando em si as informações sobre o objeto. Ambos os feixes foram então sobrepostos, e enquanto o vermelho era descartado, o amarelo foi apontado na direção de uma câmera. O resultado: sem que em nenhum momento tivessem atingido o contorno do gato, os fótons amarelos acabaram obtendo aquela imagem de seus “gê-
Física meos” vermelhos. O mais impressionante é que as gravações foram confeccionadas de modo a serem invisíveis para a luz amarela. “Em outros experimentos, essa informação da imagem seria carregada pelos dois gêmeos juntos – nós conseguimos transferir essa informação para apenas um dos fótons”, explica. A grande inovação da técnica foi diferenciar as cores dos feixes, de modo a não deixar dúvidas de que o efeito da “imagem fantasma” provém do emaranhamento quântico. As aplicações práticas podem ser muitas. Na medicina, por exemplo, seria possível examinar tecidos através de luzes invisíveis que não danifiquem as células, e então a partir do emaranhamento gerar imagens com feixes de luz visíveis. Seguindo a mesma lógica, daria para foto-
“
O que mais me empolga nesse experimento que fizemos da imagem quântica são as perguntas interessantes que inspirou. A partir de algumas delas estamos desenvolvendo outros experimentos bem inovadores sobre os quais não posso falar agora. Espero obter outros resultados bonitos no próximo ano
”
grafar objetos visíveis apenas em infravermelho. É como se o experimento tivesse adicionado mais um gato ao paradoxo de Schrödinger. Gabriela descreve uma situação hipotética onde dois gatos “emaranhados” estão em caixas distintas, uma em Brasília e a outra em Recife. Ao abrir a caixa de Brasília, verifica-se que o animal está morto – logo se conclui que o outro gato também morreu, pois estão conectados. Mas o gato de Recife teria morrido no momento em que se observou a morte do outro? “A resposta a essa pergunta depende se o estado (vivo/morto/vivo e morto) do gato representa algo real (tangível) ou só representa o meu conhecimento sobre o gato”, afirma. De acordo com a física, estes debates não devem terminar tão cedo.
Fótons que criaram esta imagem jamais interagiram com o objeto (Foto: Gabriela Barreto Lemos/Divulgação)
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Poluição Os anfípodes do mar profundo, como esta pequena criatura semelhante a um camarão, estão ingerindo pedaços microscópicos de plástico e microfibras minúsculas. (Foto : David Shale, Minden Pictures)
Criaturas das profundezas estão se alimentando de plástico Em seis das mais profundas fendas dos oceanos, cientistas encontraram diminutos animais semelhantes a camarões ingerindo minúsculos sedimentos plásticos. por Redação O LIXO PLÁSTICO agora é virtualmente inevi- Society Open Science, acrescenta mais dados
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tável em cada fenda dos oceanos do mundo e, como constatado pela primeira vez por um estudo, os animais que vivem nos ambientes mais profundos e remotos do planeta estão se alimentando de plástico em quantidades alarmantes. Uma equipe britânica de pesquisa capturou anfípodes, que são minúsculos crustáceos semelhantes a camarões que vivem e se alimentam de resíduos no fundo do mar, em seis das mais profundas fossas oceânicas do mundo e os levou a seu laboratório. Lá, verificaram que mais de 80% dos anfípodes apresentavam fibras e partículas plásticas em seus aparelhos digestivos, conhecidos como intestino posterior. Quanto mais profunda a fossa, mais fibras foram encontradas. Na Fossa das Marianas, a mais funda, localizada a mais de dez quilômetros de profundidade no oeste do Pacífico, os cientistas encontraram fibras em 100% das amostras: em todos os anfípodes coletados. Estudos anteriores de partículas plásticas ingeridas por organismos marinhos capturados próximos à superfície apresentaram percentuais bem menores. A nova pesquisa, publicada no periódico Royal
à pesquisa anterior, que só descobriu sedimentos plásticos depositados no fundo do mar em 2014. Contudo ela traz mais informações sobre o cenário que está se moldando com as fossas oceânicas como o destino final dos detritos marinhos. As notícias não são nada animadoras.
“ Depois que as partí-
culas plásticas afundam nas profundezas do mar, elas não têm mais para onde ir. ”
“Se pudéssemos estalar os dedos magicamente e voltar no tempo 10, 20, 50 anos e parar de produzir plástico, o que aconteceria com o plástico nos rios? Ele escoaria e seria levado pelas correntes”, afirma Alan Jamieson, biólogo marinho da Universidade de Newcastle e autor principal do estudo. “Chegando à costa, seria diluído e se dispersaria. No mar aberto, a ação das ondas e raios ultravio-
Poluição leta agiria nesse plástico e a superfície voltaria a ficar limpa. Entretanto, no mar profundo, não existe dispersão ou escoamento, Ele acrescenta: “Essa não foi uma descoberta única. O Oceano Pacífico cobre metade do planeta. Nossos locais de estudo foram próximos ao Japão, Peru e Chile, mas estavam afastados da costa por milhares de quilômetros. Agora podemos afirmar com segurança que o plástico está por toda parte. Não vamos perder tempo procurando mais. Vamos concentrar nossos esforços em seus efeitos concretos.”
Um Austrodromidia octodentata com plástico sobre sua concha em vez de uma esponja, como é comum, em Edithburgh, Austrália. FOTO DE FRED BAVENDAM, MINDEN PICTURES/NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE
Um tubarão-baleia nada ao lado de uma sacola plástica no Golfo de Áden.
FOTO DE THOMAS P. PESCHAK, NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE
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Capa
A saga dos dinossauros brasileiros Nem só de T. rex vive a Pré-História: dos antiquíssimos répteis gaúchos aos “jovens” dinossauros mineiros, o Brasil tem 47 dinos para chamar de seus.
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Por Bruno Vaiano
uem vê Peirópolis no Google Maps – um vilarejo de nove ruas e uma rotatória em Uberaba, no Triângulo Mineiro – nota algo peculiar: a pousada local se chama Lago dos Dinossauros. Um restaurante foi batizado de Toca do Dinossauro; outro, de Caçarola do Dino. Quem quer cerveja vai ao Jurassic Bar. A estação de trem desativada tornou-se o Museu Paleontológico de Peirópolis. Em seu jardim, o artista plástico Northon Fenerich esculpiu em tamanho real um titanossauro – dino herbívoro pescoçudo, com patas de elefante. Por lá, a Pré-História gera mais de cem postos de trabalho. É que a formação geológica Marília, sobre a qual se assenta Uberaba, contém uma das maiores concentrações de fósseis de dinossauro conhecidas no Brasil. São fragmentos (em geral, ossos, dentes e até cocôs fósseis) de répteis que viveram ali entre 80 e 66 milhões de anos atrás – o fim do período Cretáceo, que termina com a queda de um asteroide na península de Yucatán, no México. Só o CPPLIP, centro de pesquisa fundado na década de 1990 para explorar a região, extraiu cerca de 4 mil desses fragmentos. Além dos dinos em si, há alguns de seus contemporâneos: tartarugas, crocodilos, rãs e peixes.
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Desde 2006, vigora uma lei que obriga o terreno de qualquer obra de construção civil em Uberaba a passar pela avaliação prévia de um paleontólogo. Funciona: “Em 2016, nas fundações de um shopping no centro, encontramos dois esqueletos de titanossauro, um deles bem articulado”, conta Luiz Carlos Borges Ribeiro, professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e ex-diretor do museu em Peirópolis. Ribeiro já teve seu momento Indiana Jones: em 2004, durante a duplicação da BR-050, que liga Uberaba a Uberlândia, uma escavação na encosta da Serra da Galga revelou vértebras encravadas na rocha. Ribeiro passava de carro pelo trecho em obras e viu os fósseis de longe. Lá, se escondiam 230 ossos, pertencentes a uma família de dinossauros da espécie de nome científico Uberabatitan riberoi: Uberaba por causa da cidade, titan pelo porte (16 toneladas), riberoi em referência a Luiz Ribeiro. O riberoi, como o dino da escultura de Peirópolis, era um titanossauro – o do pescoço longo. É, talvez, o maior do Brasil. Uberaba está no ramo dinossáurico desde 1945. A estrada de ferro Mogiana, que ia até o sertão de
Capa Goiás, passava por Uberaba e transpunha a Serra da Galga. Era um trecho íngreme e perigoso; um desvio mais seguro começou a ser construído após um descarrilamento. O engenheiro responsável por essa obra encontrou ossos petrificados ao dinamitar uma encosta de morro, e a notícia chegou ao patriarca dos dinossauros brasileiros, Llewellyn Ivor Price. O nome tem explicação: Price nasceu no Rio Grande do Sul, mas era filho de missionários metodistas dos EUA. Estudou na Universidade de Oklahoma e foi trazido de volta ao Brasil pelo governo Vargas para trabalhar na seção de paleontologia do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Era o workaholic perfeito para a missão: “Ele colecionava tudo o que dizia respeito a fóssil do Brasil”, contou a paleontóloga Vera da Fonseca em uma entrevista em 2011. “Tirava xerox e colocava em umas pastinhas. Dizia: ‘Pode pegar o que quiser, desde que coloque um papelzinho aqui dizendo que levou.’” Assim que chegou a Uberaba, Price viu os operários
da ferrovia jogando bocha com um ovo de titanossauro no lugar da bola; a casca já estava fragmentada pelo atrito com o chão. Foi o primeiro ovo fóssil da América do Sul. Daquele dia até 1976, Price liderou as escavações e despachou centenas de descobertas para o Museu de Ciências da Terra, no Rio de Janeiro, que pertence ao Serviço Geológico do Brasil. Price não fez descobertas só em Uberaba, é claro. Seu primeiro achado brasileiro, diga-se, foi em outra formação geológica: a de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Lá estava um Staurikosaurus pricei, caçador pequeno e ágil, de dentes afiados [ele é o da ilustração nº 1 – de agora em diante, os dinossauros serão numerados]. O exemplar foi despachado para os EUA, e só seria analisado na década de 1970. Calhou que era valioso: viveu há 233 milhões de anos, no Triássico – o que significa que o gaúcho é um dos dinos mais antigos do mundo, em oposição aos mineiros, que estão entre os mais novos.
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01. Staurikosaurus Pricei
Comprimento: 2,25 metros. Altura: 0,8 metro. Onde: Santa Maria (RS). Quando: 233 milhões de anos. O primeiro dino encontrado no Brasil, em 1936, só seria identificado na década de 1970, nos EUA. Foi um pequeno carnívoro, de dentes afiados, e extremamente antigo: viveu antes das linhagem dos saurópodes (pescoçudos de quatro patas) e terópodes (bípedes com jeitão de galinha) se separarem na evolução.
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Região Sul A formação geológica de Santa Maria (RS) fica na bacia sedimentar do Paraná e contém fósseis do Triássico: os dinos mais antigos do mundo.
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02.
Ilustração : Arte Ácida Estúdio
02. Saturnalia tupiniquim
Comprimento: 2 metros. Altura: 1 metro. Onde: Santa Maria (RS). Quando: 225 milhões de anos. É um ótimo fóssil de transição: sua linhagem daria origem aos herbívoros de pescoço longo, mas ele ainda era pequeno e onívoro, corria sem tocar as duas patas da frente no chão e tinha um cérebro com características de dinossauro carnívoro. É da mesma época do Staurikosaurus.
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03. Amazonsaurus brasiliensis
Comprimento: 12 metros. Altura: 5 metros. Onde: Itapecuru Miri (MA). Quando: 100 milhões de anos. Cem pequenos fragmentos fósseis do pescoçudo foram descobertos em 2004. Seu corpo provavelmente foi levado por um rio que não existe mais, encalhou na foz e foi recoberto de sedimentos – o que permitiu sua fossilização.
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03.
Região Nordeste As formações geológicas do Araripe, no Ceará, e de Alcântara e Itapecuru, no Maranhão, contêm fósseis do começo do Cretáceo, há cerca de 110 milhões de anos.
04. Irritator challengeri
04.
Ilustração : Arte Ácida Estúdio
Comprimento: 8 metros. Altura: 3 metros. Onde: Chapada do Araripe (CE). Quando: 110 milhões de anos. hDino pescador, do qual só se conhece o crânio – que havia sido modificado com gesso por caçadores de fósseis ilegais para torná-lo mais bonito para a venda. Tinha dentes cônicos espaçados, bons para caçar na água, e uma “crista” nas costas, formada por projeções das vértebras. 15
05. 05. Pycnonemosaurus nevesi
Comprimento: 11 metros. Altura: 4 metros. Onde: Querência (MT). Quando: 70 milhões de anos.
Ilustração : Arte Ácida Estúdio 16
Carnívoro bípede de grande porte que pertence ao grupo dos abelissaurídeos – dinos de braços minúsculos e, provavelmente, pequenos chifres na cabeça. Eles não são parentes do T. rex, apesar da semelhança superficial. Caçava dinos maiores, parecidos com o Uberabatitan aqui ao lado.
06. Uberabatitan riberoi
Comprimento: 26 metros. Altura: 5 metros. Onde: Uberaba (MG). Quando: 70 milhões de anos. Havia perdido para outro herbívoro, o Austroposeidon, o posto de maior dinossauro do Brasil – mas estimativas recentes o colocam de volta ao topo do pódio. É um dos dinossauros de Peirópolis, encontrado às margens de uma estrada durante uma obra.
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Bacia Bauru A Bacia sedimentar de Bauru, que passa pelo oeste paulista, Triângulo Mineiro e Mato Grosso, contém os dinos mais novos do Brasil: viveram perto da extinção, entre 80 e 66 milhões de anos. 17
Espaço
Marcelle Soares-Santos: a caçadora de luz A cientista capixaba busca o brilho dos fenômenos mais violentos do Universo para iluminar um mistério: o que é a energia escura?
Por Bruno Vaiano
M
arcelle Soares-Santos tinha 5 anos quando descobriu que a luz é mais rápida que o som. Era década de 1980, e sua família havia acabado de se mudar para Parauapebas, no Pará. Ela fazia um passeio com a escola quando um paredão de rocha foi dinamitado nas minas de ferro da região: primeiro, ela viu a explosão, só depois o estrondo alcançou seus ouvidos. Às 7h40 da manhã de 17 de agosto de 2017, Marcelle experimentou o contrário pela primeira vez: ouviu o estrondo, e só depois observou o clarão correspondente. A cientista, então com 36 anos, estava com seus pertences encaixotados em um apartamento em Chicago, nos EUA, esperando o caminhão de mudança. Foi quando o celular apitou com uma notificação do observatório LIGO-Virgo: duas estrelas de nêutrons – cada uma com 1,4 vez a massa do Sol – haviam colidido a 1 bilhão de anos-luz da Terra. O LIGO havia detectado o “som” gerado pelo choque: o trabalho da brasileira e sua equipe era apontar um telescópio para o céu e tentar encontrar a emissão de luz correspondente. Isso porque o LIGO não é um observatório comum – do tipo que enxerga ondas eletromagnéticas (isto é, a luz e suas parentes invisíveis, como rádio, raios X e micro-ondas). Ele está mais para um enorme microfone, que detecta outro tipo de onda: as ondas gravitacionais.
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Ilustração : Guilherme Asthma
Para entender ondas gravitacionais, é preciso primeiro compreender de fato o que é a gravidade. E ela é o seguinte: se você deitar em uma cama coberta de bolinhas de gude, todas vão rolar na sua direção. Afinal, quanto mais pesado é um objeto, mais o colchão afunda. O Universo é como um colchão, só que feito de um tecido diferente: três dimensões de espaço e uma de tempo. E o Sol é você: algo tão massivo que afunda bem esse tecido. É por isso que as bolinhas de gude – como a Terra ou Júpiter – ficam presas em volta dele. Ondas gravitacionais, por sua vez, ocorrem quando um fenômeno cósmico é tão violento que faz a superfície do colchão subir e descer periodicamente, como o mar. É exatamente o que uma colisão de estrelas de nêutrons provoca. Elas nascem quando uma estrela até 30 vezes maior que o Sol morre e ejeta suas camadas externas. Aí o núcleo – a única coisa que sobra – é compactado até ficar com uns 30 quilômetros de diâmetro. Um pedaço de estrela de nêutrons do tamanho de uma caixa de fósforos pesa 2,1 · 1013 kg – o mesmo que 4 bilhões de elefantes africanos. Ou seja: quando duas dessas trombam, o negócio fica feio. E foi exatamente isso que aconteceu na manhã da mudança de Marcelle. Vamos revisar: o LIGO detectou as ondas gravitacionais da colisão. Ela e seus colegas precisavam encontrar a luz correspondente. E a colisão de duas estrelas de nêutrons, nem precisa dizer, gera um brilho realmente ofuscante. Acontece que qualquer brilho a 1 bilhão de anos-luz de distância aparece aqui na forma de um pontinho quase invisível. Foi declarada aberta,
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então, a temporada de caça ao pontinho. Para a missão, eles usaram um dos telescópios do NOAO – um dos muitos observatórios high techinstalados pela comunidade científica no deserto do Atacama, no Chile, onde o clima árido e o céu limpo criam condições perfeitas para os astrônomos. Lá está instalada a câmera digital de resolução mais alta disponível na superfície da Terra (570 megapixels, ou 57 vezes a de um celular) – máquina que a própria Marcelle ajudou a construir. A câmera, através das lentes do telescópio, fotografou a região do céu em que o LIGO acusou a colisão. À distância correta, havia 30 galáxias. Não deu outra: o pontinho estava em uma delas. A detecção foi um sucesso. Esse seria, por si só, um feito importante na carreira de qualquer astrofísico. Mas Marcelle usa essas emissões para dar um passo além: calcular a taxa em que o Universo está se expandindo. E, com isso, desvendar um dos maiores mistérios da ciência – a energia escura. Para entender o que é a tal energia escura – e por que precisamos da câmera mais potente do mundo para estudá-la –, é preciso voltar ao Big Bang. No início do Universo, tudo o que existe hoje estava concentrado em um ponto de densidade infinitamente alta e dimensões infinitamente pequenas, uma singularidade. Essa singularidade se expandiu, e está em expansão até hoje: dá para imaginar o cosmos como um balão sendo inflado sem parar; e as galáxias, como lantejoulas coladas em sua superfície, afastando-se uma das outras conforme o ar entra.
Marcelle viveu no Pará dos 4 aos 14 anos. Voltou a seu Estado natal e se formou em física na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Depois fez doutorado na USP e, em 2010, começou o pós-doutorado no Fermilab, em Chicago. Foi lá que ela se envolveu com a câmera de 570 megapixels – cuja principal função não é caçar as colisões do LIGO, e sim fotografar galáxias distantes para um megaprojeto chamado Dark Energy Survey (DES, em português, “levantamento sobre energia escura”). Marcelle, hoje, é uma das líderes do DES, e a única mulher negra da equipe. Também é professora na Universidade Brandeis, em Boston – é para lá que ela estava se mudando no começo da matéria.
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Espaço
Os telescópios NOAO, no Chile, recebem as informações do LIGO – e buscam a colisão no céu.
Mas existe um mistério aí: a velocidade dessa expansão está aumentando. E ninguém sabe por quê. Diante do mistério, surgiu a hipótese da energia escura. Existe alguma coisa acelerando a expansão cósmica. A essa coisa deram o nome de “energia escura”, por pura falta de opção melhor. “Se você considera o Big Bang sozinho, sem energia escura, a taxa de expansão do Universo deveria ser uniforme ao longo do tempo”, explicou Marcelle à SUPER. “Nos primeiros anos do Universo, era assim de fato, só que agora a expansão está mais rápida.” É como se você empurrasse um Fusca quebrado a 10 km/h numa reta, e depois que você parasse de dar impulso, ele começasse a ir a 15 km/h. Não faz o menor sentido. É por isso que a energia escura é um mistério – e há um projeto inteiro, o DES, dedicado a desvendá-la. O primeiro passo do DES é saber a que taxa o Universo se expande. Assim, dá para deduzir quanta energia é necessária para realizar tal feito. E, por tabela, saber quanta energia escura existe. Um dos jeitos de calcular a taxa de expansão do Universo é com uma ajudinha de galáxias. Galáxias são aglomerados de bilhões (às vezes trilhões) de estrelas. 20
Por isso, exercem uma atração gravitacional imensa. Uma galáxia sempre tende a atrair outras galáxias, formando aglomerados. O negócio é que, se o Universo está mesmo se expandindo cada vez mais rápido, ele vai separar as galáxias mais rápido do que a gravidade é capaz de juntá-las. Como a taxa de expansão é bem maior hoje do que era antes, dá para deduzir que os aglomerados de galáxias do presente são menores que os do passado. Não seria ótimo, então, se nós pudéssemos olhar para o passado e comparar os aglomerados de hoje com os de antigamente? Assim, com base no quanto eles estão menores, daria para calcular com precisão quanto o Universo se expandiu. Pois é exatamente isso que faz Marcelle. Sem precisar de máquina do tempo. É que a luz, por mais rápida que seja, tem uma velocidade finita. Assim, a luz dos aglomerados distantes demora mais para chegar à Terra do que a luz dos mais próximos. Ou seja: quanto mais longe Marcelle olha, mais ela volta no tempo. O céu é a máquina do tempo. Quanto à câmera DES, sua função é justamente fotografar centenas de milhares de aglomerados, de todas as épocas, para permitir esse cálculo. Alguns estão ab-
Espaço surdamente distantes de nós, e é isso que torna necessária a resolução de 570 megapixels. Agora, a cereja no bolo: lembra a colisão de estrelas de nêutrons lá do início do texto? Pois é: ela serve para confirmar se a taxa de expansão do Universo calculada pelo método dos aglomerados está certa. Para explicar, vamos começar com um arco-íris: o vermelho fica sempre embaixo, o violeta, sempre em cima. Esse fenômeno acontece porque as ondas eletromagnéticas do vermelho são mais compridas que as do roxo, e as cores do arco-íris são organizadas por comprimento. Quando o Universo se expande, as ondas de luz também esticam. E quanto mais esticam, mais se desviam para o vermelho. Aí é só aplicar a mesma lógica de antes: se a luz emitida por uma colisão de estrelas de nêutrons a 2 bilhões de anos-luz daqui se desvia excessivamente para o vermelho em relação à de uma que tenha rolado a 1 bilhão de anos-luz da Terra, é porque a expansão do Universo está fazendo a luz da segunda colisão se afastar de nós mais rápido que a da primeira. Quando comparamos os resultados obtidos com aglomerados de galáxias e colisões de estrelas de nêutrons (entre outros métodos, que envolvem, por exemplo, explosões estelares chamadas supernovas), acontece uma surpresa: eles não batem. “Há uma discrepância,
que aumenta quanto mais precisas ficam as medidas”, diz Marcelle. “Está cada vez mais complicado.” Há sempre a possibilidade de que os cientistas estejam ignorando alguma variável sem perceber. Mas também há a possibilidade de que as leis da física que conhecemos tenham chegado a um limite. Que as equações da Relatividade Geral, que explicam a expansão do cosmos, simplesmente não funcionem quando as distâncias envolvidas são enormes. Algo parecido já aconteceu antes, inclusive: na década de 1920, descobriu-se que a Relatividade Geral não funciona a distâncias extremamente curtas – para elas, existe a mecânica quântica, toda uma nova física, que permite, por exemplo, que uma coisa ocupe vários lugares ao mesmo tempo. Se descobrirmos que uma outra física se esconde não só no domínio das coisas minúsculas, mas também no das muito grandes, Marcelle estará na vanguarda dessa nova explicação. E a comunidade científica já percebeu: em fevereiro deste ano, a fundação Alfred P. Sloan lhe concedeu uma bolsa de US$ 70 mil. A Bolsa Sloan, que começou a ser distribuída em 1955, é um reconhecimento cobiçado: 47 dos cientistas que a receberam no começo da carreira ganharam prêmios Nobel depois. Algo nos diz que eles sabem farejar um talento.
(National Optical Astronomy Observatory) 21
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