Nossa america 53 final ok

Page 1

Revista do Memorial da América Latina

MÉXICO

l

Nº 53

l

Ano 2016

Português

l

Español

Destaque do 11° Festlatino / Destaque en el 11° Festlatino

América Latina em transe

O que será do continente? O pensamento vivo dos

Ameríndios

Verônica Stigger

Ficção inédita América Latina en transe ¿Qué será del continente?

El pensamiento vivo de los

Amerindios

Verônica Stigger

Ficción inédita



sumário/ INDICE

06 08 16 20 27 34

Editorial Cinema no México Sobre a arte de escrever Caçador de histórias Cosmogonia ameríndia América Latina em Transe

06 08 16 20 27 34

Editorial El cine en México Sobre el arte de escribir Cazador de historias Cosmogonía amerindia América Latina en transe

R e v is t a d o Me m o r ia l d a A m é r ic a L a t in a Governador Geraldo Alckmin

Diretoria Executiva

Secretário da Cultura José Roberto Neffa Sadek

Chefe de Gabinete Irineu Ferraz

(Respondendo pelo expediente da Pasta)

Fundação Memorial da América Latina Conselho Curador Presidente Almino Monteiro Álvares Affonso Secretário da Cultura José Roberto Neffa Sadek (Respondendo pelo expediente da Pasta)

Vice Governador e Secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Márcio França Reitor da USP Marco Antonio Zago Reitor da Unicamp José Tadeu Jorge

08 39 44 52 60 62 64 66 04/05

60 Montoro homenagem As redes e as ruas Transição em Cuba? Colômbia, a arte e a paz Olhar argentino Ficção inédita Desenho latino-americano

39 44 52 60 62 64 66

Montoro homenaje

Reitor da Unesp Julio Cezar Durigan Presidente da Fapesp José Goldemberg Reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares José Vicente Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas Ruy Martins Altenfelder Silva

n° 53

l

A n o 2016

Diretor Presidente João Batista de Andrade

Diretora do Centro Brasileiro de Estudos da América Latina Marília Franco Diretor Administrativo e Financeiro Felipe Pinheiro Diretor de Atividades Culturais Luis Avelima

Revista Nossa América Diretor Presidente João Batista de Andrade Conselho Executivo Felipe Pinheiro, Irineu Ferraz, Luis Avelima, Marília Franco e Thiago Carvalho Editor Eduardo Rascov Diretor de Arte Carlos Henrique Barros Tradutora e Revisora Elena María Barcellós Morante Leitura Final Luis Avelima Colaboraram nesta edição Daniel Pereira, Eduardo Muylaert, Francisco Cesar Filho, Hernán Reig, João Felipe Gonçalves, Julia Vallejo Puzskin, Jurandir Muller, Marco Aurélio Nogueira, Paulo Cavalcante, Pedro de Niemeyer Cesarino, Reynaldo Damázio, Rosane Queiroz e Veronica Stigger.

27

Conselho Editorial

Las redes y las calles

João Batista de Andrade, Celso Lafer, Marília Franco, Luis Avelima, Lisbeth Rebolo Gonçalves, Luis Fernando Ayerbe, Marco Aurélio Nogueira, Florianita Coelho Braga Campos, Solange Stecz e Luis Augusto Barbosa Cortez.

¿Transición en Cuba?

Nossa América é uma publicação da Fundação Memorial da América Latina. Redação: Avenida Auro Soares de Moura Andrade, 664 CEP 01156-001. São Paulo, Brasil. Tel 55 11 3823-4600

Colombia, el arte y la paz Mirada argentina

Os textos são de inteira responsabilidade dos autores, não refletindo o pensamento da revista. É expressamente proibida a reprodução, por qualquer meio, do conteúdo da revista.

Ficción inédita Dibujo latinoamericano

l

www.memorial.org.br

e-mail:memorialpublica@memorial.org.br

“Actor de La Escondida entre magueyes”. Tlaxcala. Fotografía de Juan Rulfo, 1955. Se reproduce con autorización de la señora Clara Aparicio de Rulfo, viuda del escritor. Derechos reservados.


ed i t o r i a l

Nova fasecom o mesmo espírito

Nueva fasecon el mismo espíritu

Após um breve hiato para repensar diretrizes,

Tras un breve hiato para repensar directrices,

a Revista Nossa América volta com fôlego renovado e a mesma disposição para reocupar seu lugar entre as principais publicações culturais editadas por instituições latino-americanas. Essa nova fase chega em meio aos bons ventos que desde o começo do ano sopram pelos céus da Barra Funda, levados por uma nova proposta de gestão do Memorial. Não por acaso, o Memorial atingiu a histórica marca de 1 milhão de visitantes em apenas cinco meses. Esta edição tem dois blocos principais de matérias. O primeiro aborda aspectos da cultura contemporânea do México, país homenageado pela 11ª edição do Festival de Cinema LatinoAmericano de São Paulo. Os curadores do Festlatino, Francisco Cesar Filho e Jurandir Muller, contam como a cinematografia mexicana ganhou tal relevância. O cinema continua na pauta com a entrevista inédita da jornalista Rosane Queiróz com o mexicano Guillermo Arriaga, roteirista de “Babel”, “21 Gramas” e “Amores Perros”. O outro bloco de matérias poderia ser chamado, parafraseando Glauber Rocha, de “América Latina em transe”. O que estará acontecendo no continente? O cientista político Marco Aurélio Nogueira analisa os fatos recentes no Brasil. Os casos instigantes de Cuba, Colômbia e Argentina, esperanças marcadas pelas dificuldades,

06/07

também são abordados por João Felipe Gonçalves, Eduardo Rascov e Hernán Reig. Nesse contexto, é oportuno o exemplo do estadista André Franco Montoro, em texto assinado por Eduardo Muylaert. O ex-governador faria 100 anos em julho e seu legado pode ser conferido na bela exposição da biblioteca até 17 de julho. Além desses dois blocos, outros artigos precisam ser lidos, como o denso, tenso, militante e emotivo texto de Pedro de Niemeyer Cesarino, que dignifica o conhecimento especulativo dos povos ameríndios, submetidos que são pelo implacável processo dito “civilizatório”. Será possível ensinar alguém a ser escritor? Pergunta-se o poeta Reynaldo Damázio, a partir da experiência de seu colega mexicano Mario Bellatin e sua Escuela Dinámica de Escritores. Já o conto “O passeio”, pequeno por fora e gigantesco por dentro, da jovem escritora Verônica Stigger, merece ser degustado devagar. Para ajudar nesse processo, pedimos a ela um comentário sobre sua própria ficção, prática essa que pretendemos manter nos próximos números. Boa leitura. João Batista de Andrade Presidente do Memorial da América Latina

la Revista Nuestra América vuelve con aliento renovado y la misma disposición para volver a ocupar su espacio entre las principales publicaciones culturales editadas por instituciones latinoamericanas. Esta nueva fase llega en medio a los buenos vientos que desde el inicio del año soplan por los cielos de Barra Funda, llevados por una nueva propuesta de gestión del Memorial. No es por casualidad que el Memorial haya alcanzado la histórica marca de 1 millón de visitantes en solo cinco meses. Esta edición tiene dos bloques principales de artículos. El primero aborda aspectos de la cultura contemporánea de México, país homenajeado en la 11ª edición del Festival de Cine Latinoamericano de Sao Paulo. Los curadores de Festlatino, Francisco Cesar Filho y Jurandir Muller, cuentan cómo la cinematografía mexicana ha logrado esta relevancia. El cine sigue en pauta con la entrevista inédita de la periodista Rosane Queiróz con el mexicano Guillerno Arriaga, guionista de “Babel”, “21 Gramos” y “Amores Perros”. El siguiente bloque de artículos se podría llamar, parafraseando a Glauber Rocha, “América Latina en transe”. ¿Qué estará pasando en el continente? El científico político Marco Aurélio Nogueira analiza los hechos recientes en Brasil. Los casos instigadores de Cuba, Colômbia y Argentina,

esperanzas marcadas por las dificultades, también son abordados por Joao Felipe Gonçalves, Eduardo Rascov y Hernán Reig. En este contexto, es oportuno el ejemplo del estadista André Franco Montoro, en texto que firma Eduardo Muylaert. El ex gobernador cumpliría 100 años en julio y su legado se podrá visitar en la bella exposición de la biblioteca hasta el 17 de julio. Además de estos dos bloques, hay que leer otros artículos, como el denso, tenso, militante y emotivo texto de Pedro de Niemeyer Cesarino, que dignifica el conocimiento especulativo de los pueblos amerindios, que son sometidos por el implacable proceso denominado “civilizatorio”. Será posible enseñar a alguien a ser escritor? Se pregunta el poeta Reynaldo Damázio, a partir de la experiencia de su colega mexicano Mario Bellatín y su Escuela Dinámica de Escritores. Ya el cuento “El Paseo”, pequeño por fuera y gigantesco por dentro, de la joven escritora Verónica Stigger merece ser lentamente degustado. Para que nos ayude en este proceso, le pedimos a la autora un comentario sobre su propia ficción, una práctica que pretendemos mantener en los próximos números. Buena lectura. João Batista de Andrade Presidente del Memorial de América Latina


Sucesso dos filmes

El éxito de las películas mexicanas no es de hoy

mexicanos não é de hoje

Fotos: Festlatino/Divulgação

c i ne m a

Festlatino mostra a história de uma das mais importantes cinematografias latino-americanas Festlatino muestra la historia de una de las más importantes cinematografías latinoamericanas

O

cinema mexicano atual projetou nomes reconhecidos por plateias de todo o planeta. Os atores Gael García Bernal e Diego Luna; os diretores Alejandro González Iñárritu (de “O Regresso”), Alfonso Cuarón (“Gravidade”) e Guillermo del Toro (“O Labirinto do Fauno”); o roteirista Guillermo Arriaga (“Amores Perros”, “21 Gramas” e “Babel”) e Emmanuel Lubezki, vencedor do prêmio Oscar de direção de fotografia nos anos de 2014, 2015 e 2016, são apenas alguns exemplos. Em 2015, foi mexicano o filme de maior público de toda a América Latina: “Um Gallo com Muchos Huevos”, de Gabriel Riva Palacio-Alatriste alcançou um total de 4, 1 milhões de espectadores. E entre os dez países que mais ingressos venderam no mundo em 2015, o México ocupa o quarto lugar, com 296 milhões. É também o quarto país com mais salas de cinema – 6.011 – e tem o sexto ingresso médio mais barato do mundo em 2015 (3,2 dólares). Impressiona também o número de longas-metragens que o país produz anualmente: por volta de 140, a maior marca da América Latina. Infelizmente, pouco dessa produção chega às salas brasileiras. Em 2014, apenas seis títulos mexicanos foram distribuídos comercialmente em nosso país. Este número só se multiplica graças às exibições pro-

08/09

E

l cine mexicano actual ha proyectado a nombres reconocidos por plateas de todo el planeta. Los actores Gael García Bernal y Diego Luna; los directores Alejandro González Iñárritu (de “El Regreso”), Alfonso Cuarón (“Gravedad”) y Guillermo del Toro (“El Laberinto del Fauno), el guionista Guillermo Arriaga (“Amores Perros”, “21 Gramos “ y “Babel”) y Emmanuel Lubezki, ganador del premio Óscar de dirección de fotografía en los años de 2014, 2015 y 2016, son tan solo algunos ejemplos. En 2015 fue mexicana la película con mayor recaudación de toda Latinoamérica: “Un Gallo con muchos huevos”, de Gabriel Riva Palacio-Alatriste, alcanzó un total de 4,1 millones de espectadores. Y entre los diez países que más boletos vendieron en el mundo en el 2015, México ocupa el cuarto lugar, con 296 millones. Es también el cuarto país con más salas de cine – 6.011 – y tiene el sexto boleto medio más barato del mundo en el 2015 (3,2 dólares). Impresiona, asimismo, el número de largometrajes que produce el país anualmente: alrededor de 140, la mayor marca de América Latina. Desafortunadamente, poco de esta producción llega a los cines brasileños. En 2014, únicamente seis títulos mexicanos se distribuyeron comercialmente en nuestro país. Este número solo se multiplica gracias a las exhibiciones promocionadas en algunos festivales y mues-

Nas mostras “Cine Negro” e “Divas”, o 11º Festlatino relembra a “época de ouro” do cinema mexicano, com filmes como “Distinto amanecer”* e “Aventurera”, entre outros. En las muestras “Cine Negro” y “Divas”, el 11º Festlatino recuerda la “Época de Oro” del cine mexicano, con películas como “Distinto amanecer” y “Aventurera” entre otras.


Fotos: Divulgação

A produção recente dirigida por mulheres mexicanas é destaque no 11° Festlatino, como “Danzon”, de María Novaro, e “Retratos de uma busqueda”, de Alicia Calderón. La producción reciente dirigida por mujeres mexicanas ocupa un lugar destacado en el 11º Festlatino, como “Danzón” de María Novero y “Retratos de una búsqueda”, de Alicia Calderón.

movidas por alguns festivais e mostras, como o Festlatino – Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, produzido pela Fundação Memorial da América Latina. O México conheceu o cinema poucos meses após seu nascimento, ocorrido em Paris em dezembro de 1895. Já em agosto do ano seguinte, na Cidade do México, em um dos salões do Castillo de Chapultepec (então residência oficial do presidente Porfírio Diaz), eram projetadas imagens enviadas da França – e, assim, já em seu nascedouro, uma trajetória comum irmanava mexicanos com argentinos, brasileiros e uruguaios, que assistiram suas primeiras projeções em julho de 1896. Um dos marcos de sua cinematografia acontece logo na década de 1910, quando a Revolução Mexicana torna-se um dos primeiros acontecimentos históricos totalmente documentados pelo cinema. Durante os anos 1920 poucos filmes foram produzidos por causa da instabilidade política, com crescimento na década seguinte. Mas foi nos anos 1940 que se desenvolveu o grande potencial da indústria, com a maioria dos filmes sendo dramas ou comédias. O México dominou o mercado cinematográfico da América Latina durante a maior parte dos anos 10/11

tras, como el Festlatino – Festival de Cine Latinoamericano de Sao Paulo, producido por la Fundación Memorial de América Latina. México conoció el cine pocos meses después de su nacimiento, en Paris en diciembre de 1895. Ya en agosto del año siguiente, en Ciudad de México, en uno de los salones del Castillo de Chapultepec (entonces residencia oficial del presidente Porfirio Días), se proyectaban imágenes enviadas desde Francia – y, así, ya desde su cuna, una trayectoria común hermanaba a mexicanos con argentinos, brasileños y uruguayos, que vieron sus primeras proyecciones en julio de 1896. Uno de los marcos de su cinematografía ocurre en la década de 1910, cuando la Revolución Mexicana se convierte en uno de los primeros acontecimientos históricos totalmente documentados por el cine. Durante los años de 1920 pocas películas fueron producidas a causa de la inestabilidad política, con crecimiento en la década siguiente. Pero fue en los años de la década del cuarenta cuando se desarrolló el gran potencial de la industria, siendo la mayoría de las películas dramas o comedias. México dominó el mercado cinematográfico de América Latina durante la mayor parte de los años

1940, tornando-se o maior produtor de filmes de língua espanhola, desafiando Hollywood no ramo da exibição pela região latino-americana. O período, conhecido como “a época de ouro” do cinema mexicano, chegou ao seu auge quando o filme “Maria Candelária” ganhou o Grande Prêmio no Festival de Cannes em 1946. Criou-se no país um “star system”, com atores e atrizes até hoje reconhecidos internacionalmente, como María Félix, Dolores Del Río, Ninón Sevilla, Marga López, Stella Inda, Mario “Cantinflas” Moreno, Pedro Armendáriz, Jorge Negrete e Arturo de Córdova. Em 1943, Emilio Fernández formou pela primeira vez a equipe com o fotógrafo Figueroa, o roteirista Mauricio Magdaleno e os atores Dolores Del Rio, Pedro Armendáriz e Maria Felix. Eles foram os responsáveis pela maioria dos filmes que deram fama mundial ao cinema mexicano. Fernández chamava atenção por traduzir em seus filmes a vida do mexicano. Sua ideia era “mexicanizar os mexicanos” de uma forma que o estereótipo tão divulgado pelo cinema americano de um mexicano preguiçoso, bêbado, sanguinário e sem caráter fosse excluído. Então a figura do indígena heroico e nobre passou a representar um México mais digno, que poderia ser mostrado ao mundo inteiro com orgulho. A década de 1940 viu florescer um ciclo de ci-

cuarenta, convirtiéndose en el mayor productor de películas de lengua española y desafiando a Hollywood en el área de la exhibición en la región latinoamericana. El periodo, conocido como “la época de oro” del cine mexicano, llegó a su auge cuando la película “María Candelaria” ganó el Gran Premio en el Festival de Cannes en 1946. Se creó en el país un “star system”, con actores y actrices hasta hoy reconocidos internacionalmente, como María Félix, Dolores Del Río, Ninón Sevilla, Marga López, Stella Inda, Mario Moreno ‘”Cantinflas”, Pedro Armendáriz, Jorge Negrete y Arturo de Córdova. En 1943, Emilio Fernández formó por primera vez equipo con el fotógrafo Figueroa, el guionista Mauricio Magdaleno y los actores Dolores Del Rio, Pedro Armendáriz y María Felix. Ellos fueron los responsables de la mayoría de las películas que le dieron fama mundial al cine mexicano. Fernández llamaba la atención por traducir en sus películas la vida del mexicano. Su idea era “mexicanizar a los mexicanos” de una forma que el estereotipo tan divulgado por el cine americano de un mexicano perezoso, borracho, sanguinario y sin carácter fuera excluido. Entonces la figura del indígena heroico y noble pasó a representar un México más digno, que podría ser mostrado al mundo entero con orgullo. La década de 1940 vio florecer un ciclo de cine


11° Festlatino: Três irmãos cubanos com destinos diferentes relembram os bons momentos vividos no “Parque Lenin”, em Havana (Carlos Mignon e Itziar Leemans, produção mexicana). O documentário “Sunu”, de Teresa Camour, denuncia a chegadas da semente transgênica, que ameaça não só o modo de vida tradicional do camponês, como a própria identidade do país. 12/13

Parque Lenin / Divulgação

11º Festlatino: Tres hermanos cubanos con destinos diferentes rememoran los buenos momentos vividos en el “Parque Lenin”, en La Habana (Carlos Mignon e Itziar Leemans, producción Mexicana). El documental “Sunu”, de Teresa Camour, denuncia la llegada de la semilla transgénica, que amenaza no solo el modo de vida tradicional del campesino, sino también la propia identidad del país.

Parque Lenin / Divulgação

noir en el país. Simultáneo al movimiento estadounidense, el “cine negro” mexicano también compartía sus principales elementos, pero, mientras que en los Estados Unidos se enfocaba el trauma sufrido por la Segunda Guerra Mundial, en México el centro de las tramas se daba sobre la corrupción y el crimen, algo común en el país en esa época. En 2015, durante una retrospectiva de este ciclo en el MoMA, en Nueva York, un comunicado del museo afirmaba que el erotismo, los celos y los asesinatos que muestran las películas mexicanas contienen un efecto “inimaginable en la producción actual de Hollywood”. Cabe destacar la producción en suelo mexicano que hizo el director de cine español Luis Buñuel. Oriundo del movimiento surrealista, realiza allá obras laureadas y premiadas en escaparates prestigiosos, como el Festival de Cannes. Entre las producciones o coproducciones del director en México están 21 títulos, entre ellos “Los olvidados” (1950), “Nazarín” (1959), “Viridiana” (1961) y “El Ángel Exterminador” (1962). En esa época, el ambiente cinematográfico mexicano era un efervescente caldero cultural al cual se incorporaban artistas de otras áreas, como los escritores Juan Rulfo, Carlos Fuente y Gabriel García Márquez. Rulfo fotografió el set de rodaje de películas como “La Escondida” (Roberto Gavaldón, 1955) y escribió guiones para el director de cine Emilio “el Indio” Fernández. A su vez, el autor de la obra maestra “Pedro Páramo” tuvo su cuento “El Gallo de Oro” adaptado para el cine por Carlos Fuentes y Gabriel García Márquez, que se había mudado a Ciudad de México en 1961. Al mismo tiempo, en las décadas de 1950 y 1960, surgió en México una nueva tendencia, el cine de luchadores, con la intención de contraatacar al cine de superhéroes americanos. Rodolfo Guzmán Huerta, famoso campeón de lucha libre, quedó co-

Sunu / Divulgação

nema noir no país. Simultâneo ao movimento norteamericano, o “cine negro” mexicano também compartilha seus principais elementos, mas enquanto nos Estados Undos se focava no trauma sofrido pela Segunda Guerra Mundial, no México o centro das tramas se dava sobre a corrupção e o crime, algo comum no país nessa época. Em 2015, quando de uma retrospectiva deste ciclo no MoMA, em Nova York, um comunicado do museu afirmava que o erotismo, ciúmes e assassinato que mostram os filmes mexicanos contêm um efeito “inimaginável em uma produção atual de Hollywood”. Cabe destacar a produção em solo mexicano feita pelo cineasta espanhol Luis Buñuel. Oriundo do movimento surrealista, ele ali realiza obras saudadas e premiadas em vitrines prestigiosas, como o Festival de Cannes. Entre as produções ou coproduções do diretor no México estão 21 títulos, entre eles “Os Esquecidos” (1950), “Nazarin” (1959), “Viridiana” (1961) e “O Anjo Exterminador” (1962). Nessa época, o ambiente cinematográfico mexicano era um caldeirão cultural fervilhante no qual pulavam artistas de outras áreas, como os escritores Juan Rulfo, Carlos Fuentes e Gabriel García Marquez. Rulfo fotografou o set de filmagens de películas como “La Escondida” (Roberto Gavaldón, 1955) e escreveu roteiros para o cineasta Emilio “el Indio” Fernández. Por sua vez, o autor da obraprima “Pedro Páramo” teve seu conto “O Galo de Ouro” adaptado para o cinema por Carlos Fuentes e Gabriel García Márquez, que havia mudado para a cidade do México em 1961. Ao mesmo tempo, nas décadas de 1950 e 1960, surgiu no México uma nova tendência, o cinema de lutadores, com a intenção de contra atacar o cinema de super-heróis americanos. Rodolfo Guzmán Huerta, famoso campeão de luta livre, ficou


conhecido como “El Santo”. Ele protagonizou mais de 50 filmes de aventura, fantasia e terror. Nos anos 1970/80, piora a crise econômica mexicana, com aumento da dívida externa e redução do dinheiro estatal para o cinema mexicano. A indústria cinematográfica privada começa a produzir filmes de baixo orçamento e curto período de filmagens. Surgem então as comédias eróticas e os filmes produzidos na fronteira com os Estados Unidos, como “Damas de la Noche” (1974), “Las Ficheras” (1976). Uma nova geração de cineastas surge no México nos anos 1990, em fenômeno correspondente às retomadas de produção que então teve lugar na Argentina e no Brasil. Ele seguiu-se a nomes que já estavam na ativa, como Arturo Ripstein, Alfonso Arau, Jaime Humberto Hermosillo e Jorge Fons, entre outros. Os novos realizadores misturavam influências e pautas: em sua maioria produziam um cinema mais social, mas ainda assim eram fortemente influenciados pela produção norte-americana. O resultado é um cinema muito particular, com a mistura de temas e estilos de todo o mundo, refletindo o papel especial que o México possui: os EUA ao norte, o subcontinente ao sul, e ainda uma relação particular com a Espanha e com o resto da Europa. Uma oportunidade para conhecer parte da produção histórica e atual do cinema feito no México está nas mostras especiais preparadas pelo Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo. A 11ª edição do evento, agendada para o período de 21 a 27 de julho de 2016, programou retrospectivas contemplando as divas do cinema mexicano e o cine negro. Também a cinematografia recente está incluída, com vários títulos na seção Contemporâneos do evento, além de uma mostra de filmes dirigidos por mulheres. O país registrou em 2015 a extraordinária marca de 25% de seus longas com direção de cineastas femininas. Não por acaso, uma das mesas de debate do festival tem por tema justamente “Mulheres Atrás das Câmeras”. Por Francisco Cesar Filho e Jurandir Müller, diretores do Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo

nocido como “El Santo”. Protagonizó más de 50 películas de aventura, fantasía y terror. En los años 1970/80, empeora la crisis económica mexicana, con el aumento de la deuda externa y la reducción del dinero estatal para el cine mexicano. La industria cinematográfica privada empieza a producir películas de bajo presupuesto y corto periodo de rodaje. Surgen, entonces, las comedias eróticas y las películas producidas en la frontera con los Estados Unidos, como “Damas de la Noche” (1974) y “Las Ficheras” (1976). Una nueva generación de directores de cine surge en México en los años 1990, un fenómeno correspondiente a la retomada de la producción que entonces tuvo lugar en Argentina y Brasil, que continuó la senda de nombres que ya estaban en activo, como Arturo Ripstein, Alfonso Arau, Jaime Humberto Hermosillo y Jorge Fons, entre otros. Los nuevos realizadores mezclaban influencias y pautas: en su mayoría producían un cine más social, pero aun así estaban fuertemente influidos por la producción estadounidense. El resultado es un cine muy particular, con mezcla de temas y estilos de todo el mundo, que reflejan el papel especial que posee México: los EE.UU. al norte, el subcontinente al sur, y una relación particular con España y con el resto de Europa. Una oportunidad para conocer parte de la producción histórica y actual del cine que se hace en México está en las muestras especiales preparadas por el Festival de Cine Latinoamericano de Sao Paulo. La 11ª edición del evento, prevista para el período del 21 al 27 de julio de 2016, ha programado retrospectivas que destacan a las divas del cine mexicano y el cine negro. También la cinematografía reciente está incluida, con varios títulos en la sesión Contemporáneos del evento, así como una muestra de películas dirigidas por mujeres. El país registró en el 2015 la extraordinaria marca de 25% de sus largometrajes rodados por directoras de cine. No es casualidad que una de las mesas de debate del festival tenga como tema, justamente, “Mujeres detrás de las Cámaras”. Por Francisco Cesar Filho y Jurandir Müller, directores del Festival de Cine Latinoamericano de Sao Paulo

14/15

Mulheres em busca de filhos desaparecidos na “narcoguerra” ou em luta por um modo de vida tradicional - o cine mexicano olha a realidade com coragem e delicadeza.

Mujeres en busca de hijos desaparecidos en la “narcoguerra” o en lucha por un modo de vida tradicional – el cine mexicano encara la realidad con coraje y delicadeza.


L i t e r at u r a

É possível ensinar alguém a ser

escritor? Primeiro encontro latino-americano de escolas de escritores, em Bogotá, apresenta experiências criativas no México e em Cuba

Ilustração: Julia Vallejo Puzskin

¿Es posible enseñar a alguien a ser escritor? El Primer encuentro latinoamericano de escuelas de escritores, en Bogotá, presenta experiencias creativas en México y en Cuba

A

utor de narrativas originais e desconcertantes, como “Flores” e “Cães heróis”, o mexicano Mario Bellatin criou e dirigiu a partir de 2001 a Escola Dinâmica de Escritores, iniciativa pioneira no trabalho de formação em escrita criativa. Estabelecida como entidade sem fins lucrativos e inspirada em diversas fontes, como o exercício sufi, a dança butô, Lacan, Grotowsky e Kantor, Tarkovsky e Beuys, ou nos experimentos corporais de Pina Bausch, a escola propõe aos alunos uma grade surpreendente de disciplinas com o propósito de funcionar como uma espécie de “detonador” de processos interiores de criação. Segundo Bellatin, a escola de escritores deve ser como uma grande obra de arte, uma instalação, construída permanentemente da relação entre mes16/17

A

utor de narrativas originales y desconcertantes, como “Flores” y “Canes héroes”, el mexicano Mario Bellatin crea y dirige desde 2001 la Escuela Dinámica de Escritores, iniciativa pionera en el trabajo de formación en escritura creativa. Establecida como entidad sin fines lucrativos e inspirada en diversas fuentes, como el ejercicio sufí, la danza butoh, Lacan, Grotowsky y Kantor, Tarkovsky y Beuys, o en los experimentos corporales de Pina Bausch, la escuela propone a los alumnos un plan sorprendente de asignaturas con el propósito de funcionar como una especie de “detonador” de procesos interiores de creación.

tres e discípulos. “Não se buscará necessariamente a formação de escritores no sentido estrito da palavra”, explica na abertura do livro “El arte de enseñar a escribir”, de 2007, em que registra a fascinante história do projeto e apresenta sua estrutura. A duração do curso é de dois anos e as disciplinas são tão instigantes quanto diversificadas, que podem ser a morte na literatura mexicana, construção sensorial, carpintaria da narração, filosofia e poder, o editor literário, o discurso fotográfico, teoria barroca do amor, novela curta, a poesia, se entendo não leio, se leio não entendo, entre tantos outros temas. Uma das regras essenciais da escola de Bellatin é que os candidatos à carreira literária não tenham obrigação de escrever, mas que tenham “a maior quantidade possível de experiências com criadores em plena produção”. Na contramão dos tradicionais cursos de orientação para escrita literária que visam treinar o candidato nas regras de elaboração de narrativas, tramas e personagens, a proposta do escritor mexicano é estimular o processo criativo que está na origem de toda obra literária, como de resto na de qualquer ramo da arte, feita do amálgama de repertórios que se sedimentam no imaginário. Bellatin parte da premissa de que “não se pode ensinar a ser escritor”, mas se pode buscar que os alunos “adquiram uma consciência, a mais clara e objetiva possível, de quais são suas potencialidades e dos modos particulares que possuem para ajustar seus textos”. Outra de suas preocupações é “servir de nexo entre os alunos e as distintas instâncias literárias”. Afinal, não basta para o escritor escrever bem, dominar o idioma, obter formação acadêmica, ou mover-se com desenvoltura no mercado, mas trata-se de mergulhar nos abismos e incertezas da linguagem, reiventar as formas do discurso, explorar novas fronteiras imagéticas. No primeiro encontro latino-americano de escolas de escritores em Bogotá, em março de 2015, o escritor cubano Eduardo Heras León falou de sua comovente experiência com oficinas literárias durante o processo de revolução, em que as aulas eram ministradas em galpões, praças, no meio do canavial, em

Según Bellatin, la escuela de escritores debe ser como una gran obra de arte, una instalación, construida permanentemente en la relación entre maestros y discípulos. “No se buscará necesariamente la formación de escritores en el sentido estricto de la palabra”, explica en la apertura del libro “El arte de enseñar a escribir”, de 2007, en el que registra la fascinante historia del proyecto y presenta su estructura. La duración del curso es de dos años y las asignaturas son tan instigadoras como diversificadas, que pueden ser la muerte en la literatura mexicana, la construcción sensorial, la carpintería de la narración, filosofía y poder, el editor literario, el discurso fotográfico, teoría barroca del amor, novela corta, la poesía, si entiendo no leo, si leo no entiendo, entre tantos otros temas. Una de las reglas esenciales de la escuela de Bellatin es que los candidatos a la carrera literaria no tengan la obligación de escribir, sino que tengan “la mayor cantidad posible de experiencias con creadores en plena producción”. En la contramano de los tradicionales cursos de orientación para la escritura literaria cuyo objetivo es entrenar al candidato en las reglas de la elaboración de narrativas, tramas y personajes, la propuesta del escritor mexicano es estimular el proceso creativo que está en el origen de toda obra literaria, y, asimismo, en cualquier ramo del arte, hecha de la amalgama de repertorios que se sedimentan en el imaginario. Bellatin parte de la premisa de que “no se puede enseñar a ser escritor”, sino que se puede incentivar que los alumnos “adquieran una conciencia, la más clara y objetiva posible, de cuáles son sus potencialidades y de los modos particulares que poseen para ajustar sus textos”. Otra de sus preocupaciones es “servir de nexo entre los alumnos y diversas instancias literarias”. Al final de cuentas, al escritor no le basta con escribir bien, dominar el idioma, obtener formación académica, o moverse con agilidad en el mercado, sino que se trata de zambullirse en los abismos e incertidumbres del lenguaje, reinventar las formas del discurso, explorar nuevas fronteras imagéticas.


18/19

alunos e estabelecendo diálogos entre múltiplas dicções e gêneros. Mesmo que os recursos técnicos e teóricos façam parte dos programas, esses cursos têm um direcionamento mais prático, com muitos exercícios de criação, discussões coletivas e revisão crítica dos textos. A troca de leituras e as críticas são essenciais para quem se arrisca nas trilhas da literatura, com tantas incertezas e dificuldades, especialmente para a conquista de um estilo próprio, ou mesmo na escolha do foco narrativo. Pequenas decisões nesse processo de formação podem ter repercussões incalculáveis nos rumos da obra de um escritor iniciante. O toque de um escritor numa dessas conversas, o insight durante um acalorado debate, a emenda de uma frase, o corte num parágrafo, ou a sugestão despretensiosa de um colega muitas vezes abreviam muitos anos de dúvidas e solidão. O interesse crescente de público por oficinas literárias e cursos de escrita criativa hoje revela uma mudança de comportamento diante da literatura, de seu fazer e de sua recepção, talvez rompendo o preconceito elitista de que é necessário ter dom para escrever e que por consequência é uma atividade só permitida e acessível para iniciados. Escrever também pode ser uma forma de libertação. Por Reynaldo Damazio, editor, poeta, crítico e gestor cultural.

Ilustração: Julia Vallejo Puzskin

qualquer espaço onde fosse possível reunir pessoas interessadas em discutir literatura e política, escrita e realidade, exercitando criação de novas tramas em uma sociedade em transformação radical. Heras León dirige um centro de formação literária em Havana, voltado para a produção de textos em prosa, pelo qual já passaram mais de 900 alunos em seus últimos 15 anos de atividade. O curso dura 9 meses e parte dos trabalhos produzidos pelos alunos é publicada pelo selo Editorial Caja China, mantido pelo centro, que também edita uma revista de contos que possui 13 edições. León acredita que “se pode ensinar a escrever, mas tornar-se um escritor profissional é outra coisa; a tarefa de formar é complexa e nem sempre conduz ao êxito”. No mesmo encontro de Bogotá, representantes de vários países da América Latina compartilharam projetos de formação de escritores em oficinas livres ou em nível de pós-graduação, demonstrando o quanto estamos ainda defasados no Brasil. Nossa formação acadêmica em letras não contempla, ou apenas aborda tangencialmente, a dimensão criativa da escrita, optando pelos estudos de teoria e história da literatura. Uma iniciativa pioneira no país na formação de escritores é o curso do escritor gaúcho Assis Brasil, que realiza há 30 uma oficina literária junto ao programa de pós-graduação de Letras da PUC do Rio Grande do Sul, dedicada especialmente ao gênero da narrativa e que vem revelando autores importantes no cenário da literatura brasileira contemporânea. Na opinião de Assis Brasil, “não sendo o fim e nem o começo de nada, as oficinas demonstram ser uma passagem, e de reconhecido proveito”. Muitas oficinas de criação literária são mantidas hoje de modo quase independente por escritores, como Marcelino Freire, Nelson de Oliveira, Márcia Tiburi, Ana Rüsch e Ricardo Lísias; ou por instituições privadas, como Academia Internacional de Cinema e Instituto Vera Cruz, e públicas, como o Centro de Apoio ao Escritor da Casa das Rosas, ambas em São Paulo. Sem pretensões acadêmicas e teóricas, essas oficinas permitem um trato mais arejado e provocador com a escrita, focando a produção de

En el primer encuentro latinoamericano de escuelas de escritores en Bogotá, en marzo de 2015, el escritor cubano Eduardo Heras León habló de su conmovedora experiencia en talleres literarios durante el proceso de la revolución, en el que las clases se impartían en galpones, plazas, en mitad de los cañaverales, en cualquier espacio en el fuera posible reunir a personas interesadas en discutir literatura y política, escritura y realidad, ejercitando la creación de nuevas tramas en una sociedad en transformación radical. Heras León dirige un centro de formación literaria en la Habana, orientado hacia la producción de textos en prosa, por el que ya han pasado más de 900 alumnos en sus últimos 15 años de actividad. El curso dura 9 meses y parte de los trabajos producidos por los alumnos es publicada por el sello Editorial Caja China, mantenido por el centro, que también edita una revista de cuentos que posee 13 ediciones. León cree que “se puede enseñar a escribir, pero llegar a ser escritor profesional es otra cosa; la tarea de formar es compleja y no siempre tiene éxito”. En el mismo encuentro de Bogotá, representantes de varios países de América Latina compartieron proyectos de formación de escritores en talleres libres o a nivel de posgrado lo que muestra cómo estamos aún desfasados en Brasil. Nuestra formación académica en letras no contempla, o solo aborda tangencialmente, la dimensión creativa de la escritura, optando por los estudios de teoría e historia de la literatura. Una iniciativa pionera en el país en la formación de escritores es el curso del escritor gaucho Assis Brasil, que realiza desde hace 30 años un taller literario asociado al programa de posgrado en Letras de la PUC de Rio Grande do Sul, dedicado especialmente al género de la narrativa y que viene revelando autores importantes en el escenario de la literatura brasileña contemporánea. Según opina Assis Brasil, “sin ser ni el fin ni el comienzo de nada, los talleres demuestran ser un paso, y de reconocido provecho”.

Muchos talleres de creación literaria están mantenidos hoy de modo casi independiente por escritores, como Marcelino Freire, Nelson de Oliveira, Márcia Tiburi, Ana Rüsch y Ricardo Lísias; o por instituciones privadas, como la Academia Internacional de Cine y el Instituto Vera Cruz, y públicas, como el Centro de Apoyo al Escritor de la Casa de las Rosas, ambas en Sao Paulo. Sin pretensiones académicas y teóricas, estos talleres permiten un tratamiento más fresco y provocador con la escritura, enfocado hacia la producción de los alumnos y estableciendo diálogos entre múltiples dicciones y géneros. Aunque los recursos técnicos y teóricos también forman parte de los programas, estos cursos tienen una orientación más práctica, con muchos ejercicios de creación, discusiones colectivas y revisión crítica de los textos. El intercambio de lecturas y las críticas son esenciales para quienes se arriesgan en los senderos de la literatura, con tantas incertidumbres y dificultades, especialmente para la conquista de un estilo propio, o incluso en la elección de un foco narrativo. Pequeñas decisiones en este proceso de formación pueden tener repercusiones incalculables en los rumbos de la obra de un escritor principiante. El toque de un escritor en una de estas conversaciones, el insight durante un acalorado debate, la enmienda de una frase, el corte en un párrafo, o una sugerencia sin pretensiones de un compañero, muchas veces abrevian muchos años de dudas y soledad. El interés creciente del público por talleres literarios y cursos de escritura creativa revela hoy un cambio de comportamiento ante la literatura, de su hacer y de su recepción, que tal vez rompa el prejuicio elitista de que es necesario tener talento para escribir y que, consecuentemente, es esta una actividad solo permitida y accesible para iniciados. Escribir también puede ser una forma de liberación. Por Reynaldo Damazio, editor, poeta, crítico y gestor cultural.


C A Ç A D OR D E H IST Ó RIAS / C a z a d o r de h i s t o r i a s

“Sempre que há um filme mexicano em um festival, gera boas críticas e entusiasmo” “Siempre que hay una película mexicana en un festival, genera buenas críticas y entusiasmo”

O premiado roteirista Guillermo Arriaga conta suas obsessões, medos e venturas e reflete sobre o impacto do cinema contemporâneo de seu país 20/21

El galardonado guionista Guillermo Arriaga cuenta sus obsesiones, miedos y venturas y reflexiona sobre el impacto del cine contemporáneo de su país

G

uillermo Arriaga responde e-mails rapidamente. Mas não gosta de velocidade. “Onde está o cinto de segurança?”, ele pergunta, aflito, tateando o banco traseiro do carro. O acessório estava escondido no vão do banco. Com a ajuda do motorista e da repórter, que o aguardavam no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, o homem de 1,90m e grandes olhos azuis se acomoda em segurança. Pergunto se tem medo de andar de carro. “Sim, sofri um acidente terrível. É por isso que escrevo sobre a morte”, diz, para começo de uma entrevista, no mínimo inusitada, iniciada há quase uma década. Naquele dia, uma sexta-feira de agosto, ano 2007, o roteirista mexicano regressava de um encontro de escritores no Rio, depois de ter sido convidado da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), com o livro “Um doce aroma de morte”, um dos cinco publicados no Brasil pelo selo Gryphus. Entre as curiosidades sobre o autor, em Paraty, comentava-se sobre sua perda do olfato em brigas de rua, a fama de galã, a paixão pela caça e o rompimento com o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu, seu parceiro criativo na premiada trilogia de filmes “Amores Perros” (2000), “21 Gramas” (2003) e “Babel” (2006) - este último, razão de uma discussão sobre créditos autorais, que terminou com Iñárritu barrando a presença do parceiro na sessão do filme no Festival de Cannes. Arriaga topou a entrevista, marcada para as 17hs, desde que a repórter o levasse do aeroporto a casa do cineasta brasileiro Hector Babenco, onde jantaria com o amigo, e o trouxesse de volta, a tempo de pegar o voo das 23hs, para a Cidade do México. Um prato cheio para qualquer jornalista: ter o entrevistado preso no trânsito paulistano, sem poder fugir das perguntas. A conversa, a pedido de uma revista feminina, aconteceu no trajeto ida e volta Guarulhos-Brooklin. Só que jamais foi publicada. Por questões editoriais, acabou na gaveta, inédita. Corta! Maio de 2016. Nove anos e dois e-mails depois, Arriaga surge na tela do Skype, com o rosto um tanto abatido. É meio-dia de quarta-feira na Cidade do México. “Desculpe, não estou em um bom dia”, co-

G

uillermo Arriaga responde e-mails rápidamente. Pero no le gusta la velocidad. “¿Dónde está el cinturón de seguridad?, pregunta, agobiado, palpando el asiento trasero del auto. El accesorio estaba escondido en una ranura del asiento. Con la ayuda del conductor y de la reportera, que lo esperaban en el aeropuerto de Guarulhos, en Sao Paulo, el hombre de 1,90m y grandes ojos azules se acomoda en su asiento con seguridad. Le pregunto si le da miedo andar en auto. “Sí, sufrí un accidente terrible. Es por eso que escribo sobre la muerte”, dice, a modo de entrada de una entrevista, como mínimo inusitada, que comenzó hace casi una década. Aquel día, un viernes de agosto, año 2007, el guionista mexicano regresaba de un encuentro de escritores en Rio, tras haber sido invitado de Flip (Fiesta Literaria Internacional de Paraty), con el libro “Un dulce olor a muerte”, uno de los cinco publicados en Brasil por el sello Gryphus. Entre las curiosidades sobre el autor, en Paraty, se hablaba sobre la pérdida de su olfato por las peleas callejeras, su fama de galán, la pasión por la caza y su ruptura con el director mexicano Alejandro González Iñárritu, su par creativo en la galardonada trilogía de películas “Amores Perros” (2000), “21 Gramos” (2003) y “Babel” (2006) - esta última, origen de una discusión sobre créditos autorales, que terminó con Iñárritu impidiéndole la presencia a su compañero en la sesión de la película en el Festival de Cannes. Arriaga aceptó la entrevista, convocada a las 17 horas, con la condición de que esta reportera lo condujera desde el aeropuerto hasta la casa del director de cine brasileño Hector Babenco, donde cenaría con el amigo, y lo llevara de nuevo de regreso, a tiempo de coger el vuelo de las 23 horas, a la Ciudad de México. Una golosina para cualquier periodista: tener atrapado al entrevistado en el tráfico paulistano, sin que pueda rehuir las preguntas. La conversación, encargada por una revista femenina, ocurrió en el recorrido de ida y vuelta entre Guarulhos-Brooklin. Pero nunca fue publicada. Por cuestiones editoriales, acabó guardada en un cajón, inédita. ¡Corta!


menta ele, aos 58 anos, com a mesma sinceridade e voz mansa de anos atrás. Usa uma camiseta branca onde se lê: Needs salt. Comemora ter evoluído no português depois das gravações de “Rio Eu Te Amo” (2014), coletânea de histórias em que assina o episódio “Texas”. “Meu sotaque é carioca”, brinca. Não é que é mesmo? Concordamos em falar em bom portunhol, passando a limpo uma babel de assuntos para Nossa América. Depois de se lançar como diretor no longa “Vidas Cruzadas” (2008) e produzir o mix de curtas “Words with Gods” (2014), entre outras produções sem grande visibilidade, Arriaga celebra o Leão de Ouro de Veneza como roteirista do venezuelano “Desde Allá” (2015), primeiro filme latino-americano a levar a estatueta. Continua, contudo, sem falar com o colega Iñárritu, que segue arrematando Oscares, e parece não ter mudado de ideia sobre o que afirmou há uma década: “Nós, homens, somos muy competitivos”. A seguir, o roteiro completo: Nossa América – Você mencionou ter sofrido um acidente terrível. Como foi isso? Arriaga – Eu tinha 26 anos. Éramos quatro adultos e três crianças numa caminhonete. Um grupo de amigos indo caçar. Eu estava dormindo no banco de trás. O motorista perdeu o controle, caímos num barranco. Começamos a rodar. Todos sobreviveram. Mas eu fui o que mais se machucou. Bati com a cara nas pedras, meu rosto desfacelou. Foram sete horas de operação para tirar cada pedacinho de vidro. Tive de refazer meu nariz. Ele mudou um pouco, para pior. (risos) A partir daí, comecei a escrever sobre acidentes. NA – Foi daí que perdeu o olfato? Arriaga – O olfato eu já tinha perdido, aos 13 anos, em brigas de rua. Na adolescência, passava muito tempo na rua. Era aquele que os grandes queriam pegar. Sempre fui bom de briga. NA – Como é não sentir o cheiro de nada? Arriaga – Com o tempo, aprendi a compensar o olfato com o paladar. Posso sentir o cheiro com a língua, respirando pela boca. Seria pior perder o paladar ou a visão. E creio que os aromas que se sente costumam ser mais ruins do que bons. De qualquer 22/23

forma, os odores são importantes no meu trabalho. Em “Amores Perros”, há uma cena em que eles cozinham e você pode (quase) sentir o cheiro. NA – Por que acredita ser importante falar sobre violência e morte? Arriaga – É importante falar sobre os temas que nos atraem e que, ao mesmo tempo, negamos. Quando há um acidente, as pessoas param para ver. Há uma atração natural, mórbida. É uma curiosidade profundamente humana pelo desconhecido, o cadáver, o sangue, a carne. Por isso, muitos de meus filmes falam, tratam de finitude, o peso dos mortos sobre os vivos, a decadência do corpo, o amor proibido. Em “Vidas Cruzadas” (com Kim Bassinger e Charlize Teron), falo do mistério de uma mulher em busca do amor. NA – Quais foram as suas influências no cinema? Arriaga – Copolla. “O Poderoso Chefão II”. Mas entro muito na literatura, influenciado sobretudo por (Immanuel) Kant e (William) Faulkner. Há também um grande filme mexicano dos anos 60: “Viento Negro” (direção de Servando González). Trata da construção de uma estrada de ferro no deserto de Sonora, em que os trabalhadores sofrem com o isolamento e esse vento violento. É o meu mexicano favorito. NA – Como avalia o impacto do cinema mexicano mundo afora? Arriaga – Creio que o México é um país com uma cultura poderosa, que alimenta os cineastas. O que acontece é que durante muito tempo nos faltou autoconfiança. Filmes como “Amores Perros” devolveram a confiança ao cinema mexicano e mostraram que se pode fazer as coisas de certa maneira, com certas apostas. Nas últimas décadas, seguimos crescendo, como um país que possui enormes contradições como sociedade, mescladas a uma cultura histórica e iconográfica muy rica. Ganhamos Oscares e prêmios importantes. Sempre que há um filme mexicano em um festival, é um filme que gera boas críticas e entusiasmo. NA – O seu rompimento com Alejandro Iñárritu, depois do sucesso de Babel (2006), causou polêmica. O que aconteceu?

Mayo de 2016. Tras nueve años y dos correos electrónicos, Arriaga surge en la pantalla de Skype, con el rostro un poco abatido. Son casi las doce de un miércoles en la Ciudad de México. “Perdona, no tengo un buen día”, comenta, a los 58 años, con la misma sinceridad y la voz mansa de años atrás. Lleva una camiseta blanca donde se lee: Needs salt. Celebra haber evolucionado en el portugués después del rodaje de “Rio Eu Te Amo” (2014), compendio de historias en la que firma el episodio “Texas”. “Mi acento es carioca, de Rio de Janeiro”, bromea. ¿A qué sí? Acordamos conversar en un buen “portuñol”, pasando a limpio una babel de asuntos para Nossa América. Después de lanzarse como director con el largometraje “Vidas Cruzadas” (2008) y producir el mix de cortos “Words with Gods” (2014), entre otras producciones sin gran visibilidad, Arriaga festeja la conquista del León de Oro de Venecia como guionista de la venezolana “Desde Allá” (2015), primera película latinoamericana en ganar la estatuilla. Sigue, sin embargo, sin hablarse con el compañero Iñárritu, que sigue coleccionando Óscares, y que parece no haber cambiado de idea sobre lo que afirmó hace una década: “Nosotros, los hombres, somos muy competitivos”. A continuación, el guion completo: Nossa América – Hiciste mención a un accidente terrible que sufriste. ¿Cómo fue? Arriaga – Tenía 26 años. Éramos cuatro adultos y tres niños en una camioneta. Un grupo de amigos que iba a cazar. Yo estaba durmiendo en el asiento de atrás. El conductor perdió el control, nos caímos por un barranco. Empezamos a rodar. Todos sobrevivieron. Pero fui yo el que más daño se hizo. Me golpeé con la cara en las piedras, me destrocé el rostro. Fueron siete horas de operación para sacarme cada trocito de cristal. Tuvieron que reconstruirme la nariz. Cambió un poco, para peor. (risas) A partir de entonces, empecé a escribir sobre accidentes. NA – ¿Fue entonces cuando perdiste el olfato? Arriaga – El olfato lo había perdido a los 13 años, en peleas callejeras. En la adolescencia, me pasaba mucho tiempo en la calle. Yo era siempre al que los grandes querían darle. Se me han dado bien las peleas.

NA – ¿Cómo es no sentir el olor de nada? Arriaga – Con el tiempo, aprendí a compensar el olfato con el gusto. Puedo sentir el olor con la lengua, respirando por la boca. Habría sido peor perder el gusto o la visión. Y creo que los olores que se sienten suelen ser más malos que buenos. De cualquier forma, los olores son importantes en mi trabajo. En “Amores Perros”, hay una escena en la que cocinan y puedes (casi) sentir el olor. NA – ¿Por qué crees que es importante hablar sobre la violencia y la muerte? Arriaga – Es importante hablar sobre los temas que nos atraen y que, al mismo tiempo, negamos. Cuando hay un accidente, las personas se paran a verlo. Hay una atracción natural, morbosa. Es una curiosidad profundamente humana por lo desconocido, el cadáver, la sangre, la carne. Por eso, muchas de mis películas hablan, tratan de la finitud, el peso de los muertos sobre los vivos, la decadencia del cuerpo, el amor prohibido. En “Vidas Cruzadas” (con Kim Bassinger y Charlize Teron), hablo del misterio de una mujer en busca del amor. NA – ¿Cuáles fueron tus influencias en el cine? Arriaga – Copolla. “El Padrino II”. Pero entro mucho en la literatura, influido sobre todo por (Immanuel) Kant y (William) Faulkner. Hay también una gran película mexicana de los años 60: “Viento Negro” (dirección de Servando González). Trata de la construcción de una vía de tren en el desierto de Sonora, en la que los trabajadores sufren por el aislamiento y ese viento violento. Es mi película mexicana favorita. NA – ¿Cómo evalúas el impacto del cine mexicano en el mundo? Arriaga – Creo que México es un país con una cultura poderosa, que alimenta a los directores de cine. Lo que pasa es que durante mucho tiempo nos faltó autoconfianza. Películas como “Amores Perros” le devolvieron la confianza al cine mexicano y mostraron que se pueden hacer las cosas de cierta manera, con ciertas apuestas. En las últimas décadas, seguimos creciendo, como un país que posee enormes contradicciones como sociedad, mezcladas a una cultura histórica e iconográfica muy rica. Ganamos


Arriaga – O rompimento de uma relação, seja qual for, se deve a fatores complexos, difíceis de explicar, e diferentes para cada um dos envolvidos. Éramos uma dupla, nós dois deveríamos ter um reconhecimento similar por essa criação. Mas ele achava que não. Que somente ele tinha o mérito. A competitividade não é exclusividade das mulheres. Nós, homens, somos muito competitivos. Temos em nossos genes o território. Não há nada mais competitivo do que um macho territorial. NA – O que guardou dessa experiência? Arriaga – Fazer um novo filme como diretor. NA – Na última década, voltaram a se falar? Arriaga – (Silêncio. Apenas acena que não com a cabeça). NA – Chegou a assistir “O Regresso” (filme de Iñárritu, Oscar de melhor filme em 2016)? Arriaga – (Continua acenando que não com a cabeça, contrariado). Não tenho nada a dizer. NA – Vários de seus roteiros, e também da cinematografia mexicana, têm contribuído para formar uma imagem do país ligada a violência e ao tráfico. Como vê essa questão? Arriaga – Não estou de acordo. Temos cineastas novos como Michel Franco, Amat Escalante, Carlos Reygadas, que seguem fortalecendo nosso cinema com diversos temas, incluindo comédias como “Club Sandwich”, de Fernando Eimbcke. Seria como dizer que todos os filmes brasileiros têm a ver com favela. Mas não se pode negar a violência que o México está vivendo, a partir do momento em que Estados Unidos bloqueou o fluxo de drogas da Colômbia. O cinema reflete esses temas. NA – Qual é o México que a maioria não conhece? Arriaga – Não gosto do México clichê: tequila, mariachis, Frida... Quando era pequeno, meu pai me levou para ver os quadros de Frida Kahlo. Fiquei com medo. A Frida agarrando o coração de outra Frida... (risos). Mais do que dos boleros, gosto da música nortenha. Conhece a banda Tigres Del Norte? Gostaria que as pessoas conhecessem o México do deserto. Dos camponeses. O México liberal, agnóstico. Pouca gente sabe que fomos um dos primeiros 24/25

Óscares y premios importantes. Siempre que hay una película mexicana en un festival, es una película que genera buenas críticas y entusiasmo. NA – Tu ruptura con Alejandro Iñárritu, después del éxito de Babel (2006), causó polémica. ¿Qué pasó? Arriaga – La ruptura de una relación, sea cual sea, se debe a factores complejos, difíciles de explicar, y diferentes para cada uno de los implicados. Formábamos un dúo, los dos deberíamos tener un reconocimiento similar por esa creación. Pero él creía que no. Que solo él tenía el mérito. La competitividad no es exclusividad de las mujeres. Nosotros, los hombres, somos muy competitivos. Tenemos en nuestros genes el territorio. No hay nada más competitivo que un macho territorial. NA – ¿Qué has guardado de esa experiencia? Arriaga – Hacer una nueva película como director. NA – En la última década, ¿se han vuelto a hablar? Arriaga – (Silencio. Solo dice que no con la cabeza). NA – ¿Has llegado a ver “El Regreso” (película de Iñárritu, Óscar de mejor película en 2016)? Arriaga – (Sigue diciendo que no con la cabeza, contrariado). No tengo nada que decir. NA – Varios de tus guiones, y también de la cinematografía mexicana, han contribuido a formar una imagen del país relacionada con la violencia y el narcotráfico. ¿Cómo ves esta cuestión? Arriaga – No estoy de acuerdo. Tenemos nuevos directores como Michel Franco, Amat Escalante, Carlos Reygadas, que siguen fortaleciendo nuestro cine con diversos temas, incluidas comedias como “Club Sandwich”, de Fernando Eimbcke. Sería como decir que todas las películas brasileñas tienen que ver con la favela. Pero no se puede negar la violencia que está viviendo México, a partir del momento en que Estados Unidos bloqueó el flujo de drogas desde Colombia. El cine refleja estos temas. NA – ¿Cuál es el México que la mayoría no conoce? Arriaga – No me gusta el México cliché: tequila, mariachis, Frida... Cuando era pequeño, mi padre me llevó a ver los cuadros de Frida Kahlo. Tuve mie-

De roteirista a diretor: Guillermo Arriaga filmou “Vidas que se cruzam”, em 2008, nos EUA, após se desentender com o antigo parceiro Alejandro Iñárritu.

De guionista a director: Guillermo Arriaga realizó “Vidas que se cruzan”, en 2008, en EE.UU, tras su desencuentro con su antiguo amigo Alejandro Iñárritu.

países que deu voto à mulher. E um dos primeiros que sancionou a Lei do Divórcio. Esse México precisa ser melhor divulgado. NA – Quais semelhanças enxerga entre Brasil e México? Arriaga – Adoro a alma brasileira. Sinto o Rio como minha cidade. Compartilhamos contradições políticas, econômicas e sociais. É uma tristeza que estejamos enfermos de corrupção e impunidade. Vocês também vivem muito perto da violência e da morte, como os mexicanos. Ao mesmo tempo, têm uma cultura rica: Fernando Meirelles, Hector Babenco, Walter Salles, Jorge Amado, Clarice Lispector... NA – Quando participou da Flip, diz a lenda que fez sucesso com o público feminino. Arriaga – Isso foi engraçado. O (escritor) Marçal Aquino, mediador da minha mesa, me confessou depois que tinha de inventar as perguntas, porque os papéis que vinham da plateia eram convites das

do. Frida agarrándole el corazón a otra Frida… (risas). Más que los boleros, me gusta la música norteña. ¿Conoces la banda Tigres del Norte? Me gustaría que las personas conocieran el México del desierto. De los campesinos. El México liberal, agnóstico. Poca gente sabe que fuimos uno de los primeros países que le dio el voto a la mujer. Y uno de los primeros que sancionó la Ley del Divorcio. Este México hay que divulgarlo mejor. NA – ¿Qué semejanzas observas entre Brasil y México? Arriaga – El alma brasileña me encanta. Siento Rio como mi ciudad. Compartimos contradicciones políticas, económicas y sociales. Es triste que estemos enfermos de corrupción e impunidad. Ustedes también viven muy de cerca la violencia y la muerte, como los mexicanos. Al mismo tiempo, tienen una cultura rica: Fernando Meirelles, Hector Babenco, Walter Salles, Jorge Amado, Clarice Lispector...


cosmogonias

Por Rosane Queiroz, jornalista, escritora e cantora de boleros

NA – Cuando participaste en la Flip, dice la leyenda que tuviste éxito con el público femenino. Arriaga – Eso fue gracioso. El (escritor) Marçal Aquino, mediador de mi mesa, me confesó, luego, que tenía que inventarse las preguntas, porque los papeles que venían del público eran invitaciones de mujeres: “El número de mi habitación es este, mi teléfono es este”. Pero él se guardó los papeles. ¡Nunca vi esos mensajes! (risas). Tampoco podría atenderlos. Llevo 30 años casado con una mujer maravillosa. NA – El sexo también mueve la industria cinematográfica Arriaga – El sexo es el motor de la vida. El amor descansa sobre la fuerza del sexo. Sin seducción, no hay nada. Freud no estaba equivocado. NA – El papel masculino anda más complicado que el femenino, ¿no? Arriaga – Sí. Fuimos relegados a una categoría de semi-mujer. No me gusta este exceso de vanidad masculina, preocupación con el pelo, arrugas. Lo que intento pasarle a mi hijo es que asuma sus actos. Un hombre debe hacer elecciones y vivir con ellas. Crecí en la cultura de que los hombres no lloran. NA – Asumes ser cazador. ¿Qué te atrae en la caza? Arriaga – Es una pasión. Y, como toda pasión, no tiene explicación. Lo que se puede decir es que te lleva a los límites de la vida y de la muerte. A veces me dan pena los animales y me pregunto si no es el momento de parar. Desde hace 12 años, uso solo el arco y flecha. Y nunca mato nada que no me coma. Cada vez invento una receta. Ya preparé una pierna de jabalí a la miel, una deliciosa cascabel con mantequilla. ¡Riquísima! NA – ¿Qué más estás “cazando”? Arriaga – Trabajo todos los días, desde las diez de la noche hasta las cinco de la mañana. Duermo hasta las 10 y luego aprovecho el día. Acabo de terminar una novela. Voy a empezar el guion de mi próxima película. Es un secreto todavía. Por Rosane Queiroz, periodista, escritora y cantante de boleros

26/27

Resistência e pensamento entre os povos ameríndios Resistencia y pensamiento entre los pueblos amerindios

Davi Kopenawa Yanomami publicou uma alentada especulação filosófica sobre o problema da destruição e da morte. Ameríndios visitam a Galeria Cláudia Andujar, no Instituto Inhotim, MG Davi Kopenawa Yanomami publicó una emotiva especulación filosófica sobre el problema de la destrucción y de la muerte. Amerindios visitan la Galería Claudia Andujar, en el Instituto Inhotim, Minas Gerais

A

discussão em torno da PEC 215, que pretende transferir ao Congresso Nacional a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, é um dos elementos fundamentais para que se entenda o atual

L

Fotos: William Gomes

mulheres: “O número do meu quarto é esse, meu telefone é esse”. Só que ele guardou os papéis. Nunca vi esses bilhetes! (risos). Mas não seria possível atendê-los. Sou casado há 30 anos com uma mulher maravilhosa. NA – O sexo também move a indústria cinematográfica. Arriaga – O sexo é o motor da vida. O amor descansa sobre a força do sexo. Sem sedução, não há nada. Freud não estava equivocado. NA – O papel masculino anda mais complicado do que o feminino, não? Arriaga – Sim. Fomos delegados a uma categoria de semi-mulher. Não gosto desse excesso de vaidade masculina, preocupação com cabelo, rugas. O que procuro passar ao meu filho é que assuma seus atos. Um homem deve fazer escolhas e viver com elas. Cresci na cultura de que os homens não choram. NA – Você assume ser caçador. O que o atrai na caça? Arriaga – É uma paixão. E, como toda paixão, não tem explicação. O que se pode dizer é que te leva aos limites da vida e da morte. Às vezes sinto pena dos animais e me pergunto se não é o momento de parar. Há 12 anos, uso apenas arco e flecha. E nunca mato nada que não coma. Cada vez invento uma receita. Já preparei uma perna de javali ao mel, uma deliciosa cascavel com manteiga. Deliciosa! NA – O que mais anda “caçando”? Arriaga – Trabalho todos os dias, das dez da noite às cinco da manhã. Durmo até 10hs e depois aproveito o dia. Acabo de terminar um romance. Vou iniciar o roteiro do meu próximo filme. Tudo segredo ainda.

a discusión en torno de la PEC 215, que pretende transferir al Congreso Nacional la decisión final sobre la demarcación de tierras indígenas, es uno de los elementos fundamentales para que se entienda


retrocesso referente ao respeito a direitos históricos e à diversidade socioambiental do país. De origem genocida, a sociedade brasileira não está acostumada a valorizar e reconhecer a multiplicidade de experiências humanas com as quais convive, a fim de superar as mazelas produzidas por sua trajetória colonial e capitalista, bem como de projetar as condições de sua sobrevivência futura. Coincidem no país duas formas de genocídio entre as mais graves da história da humanidade: uma referente à escravidão e diáspora negras, outra aos povos ameríndios. A destruição sistemática destes últimos, em especial, não é objeto de políticas de memorialização, bem como de ensino e debate críticos ao longo dos processos de formação que envolvem os mais distintos segmentos da sociedade. A imagem do indígena permanece, via de regra, nos estereótipos do atraso ou do bom selvagem – nada muito distinto dos marcos que dominavam a concepção dos povos autóctones no século XIX. As investidas ilegítimas da política branca, reacionária e corrupta que dominaram o cenário político mais recente só tendem a agravar esse quadro. Essa política menospreza, evidentemente, as transformações profundas vividas pelas populações ameríndias nos últimos tempos. Não são estas transformações derivadas apenas do contato nefasto com a sociedade ocidental, mas sim do acúmulo de experiências e de conhecimentos referentes a milênios de relações com sociedades vizinhas, a reflexões sistemáticas sobre a temporalidade e os impasses da existência. É isso que conduz à formação de um saber propriamente especulativo, que diversos agentes dos povos ameríndios sempre exerceram e que continuam a exercer nos tempos atuais. Esta é, aliás, uma das razões pelas quais se pode entender como as sociedades ameríndias conseguiram sobreviver à destruição de seus mundos. É que os seres humanos, ensinava o antropólogo Claude Lévi-Strauss, pensam e produzem sentido para viver; pensam especificamente e de maneira talvez ainda mais obstinada quando as suas condições de existência se encontram ameaçadas, como lembram Déborah 28/29

el actual retroceso en lo que se refiere al respeto a derechos históricos y a la diversidad socio-ambiental del país. De origen genocida, la sociedad brasileña no está acostumbrada a valorizar y a reconocer la multiplicidad de experiencias humanas con las que convive, con el fin de superar las heridas producidas por su trayectoria colonial y capitalista, así como de proyectar las condiciones de su supervivencia futura. Coinciden en el país dos formas de genocidio entre las más graves de la historia de la humanidad: Una que se refiere a la esclavitud y diásporas negras, otra a los pueblos amerindios. La destrucción sistemática de estos últimos, en especial, no es objeto de políticas de “memorialización”, así como de enseñanza y debate críticos a lo largo de los procesos de formación que integran a distintos segmentos de la sociedad. La imagen del indígena permanece asociada , por regla, a los estereotipos del atraso o del buen salvaje – nada muy distinto de los marcos que dominaban la concepción de los pueblos autóctonos en el siglo XIX. Las ofensivas ilegítimas de la política blanca, reaccionaria y corrupta, que han dominado el escenario político reciente solo tienden a agravar este cuadro. Esta política menosprecia, evidentemente, las transformaciones profundas vividas por las poblaciones amerindias en los últimos tiempos. Estas transformaciones no se derivan solamente del contacto nefasto con la sociedad occidental, sino también de la acumulación de experiencias y de conocimientos referentes a milenios de relaciones con sociedades vecinas, a reflexiones sistemáticas sobre la temporalidad y las vicisitudes de la existencia. Es esto lo que conduce a la formación de un saber propiamente especulativo, que diversos agentes de los pueblos amerindios siempre han ejercido y continúan ejerciendo en los tiempos actuales. Esta es, además, una de las razones por las que se puede entender cómo las sociedades amerindias consiguieron sobrevivir a la destrucción de sus mundos. Y es que

Danowski e Eduardo Viveiros de Castro. O exercício do pensamento, portanto, não é função de uma configuração socioeconômica hierárquica, complexa, supostamente propícia para o seu desenvolvimento entre uma casta de privilegiados. É função da própria condição humana. Se, por um lado, faz-se necessário reconhecer a falácia da narrativa moderna que identifica em tais configurações as condições últimas e necessárias para a produção de pensamentos especulativos tais como o filosófico, também é verdade que o respeito e a garantia de uma condição de vida digna se faz fundamental para a manifestação saudável de formas diversas de conhecimento. A situação dos Guarani do Mato Grosso do Sul nos ajudará a compreender melhor o ponto. Espremidos entre fazendas, perseguidos por milícias, atropelados por picapes, hostilizados por toda parte, vivendo de maneira improvisada em lonas na beira de estradas, contaminados por agrotóxicos e assolados pelo desespero suicida de seus jovens, recusam-se terminantemente a se retirar do que consideram como o seu território ancestral. Mas são ainda falantes hábeis de sua língua nativa, conhecedores de um complexo conjunto de saberes cosmológicos e detentores de umas das mais belas poéticas verbais entre os povos ameríndios – um conjunto de conhecimentos inseparável da terra que, à sua revelia, foi transformada em um ambiente inóspito, dominado pelos crimes da monocultura. O Ayvu rapyta, um conjunto de narrativas poéticas que tratam do surgimento do mundo segundo a ótica guarani, deveria ser matéria obrigatória do ensino médio, ao lado de clássicos tais como os da Grécia antiga. Mas as traduções disponíveis são poucas e conhecidas apenas pelos círculos dos especialistas (veja, por exemplo, as versões de Pierre Clastres em A fala sagrada, Editora Papirus, e de Josely Vianna Baptista, publicada na coletânea de poemas Roça barroca, Cosac Naify). Se fossem lidas com mais frequência, se fossem consideradas,

los seres humanos, enseñaba el antropólogo Claude Lévi-Strauss, piensan y producen sentido para vivir; piensan específicamente y de manera tal vez todavía más obstinada cuando sus condiciones de existencia se encuentran amenazadas, como recuerdan Déborah Danowski y Eduardo Viveiros de Castro. El ejercicio del pensamiento, por tanto, no es función de una configuración socioeconómica jerárquica, compleja, supuestamente propicia para su desarrollo entre una casta de privilegiados. Es función de la propia condición humana. Si, por un lado, es necesario reconocer la falacia de la narrativa moderna que identifica en tales configuraciones las condiciones últimas y necesarias para la producción de pensamientos especulativos tales como el filosófico, también es verdad que el respeto y la garantía de una condición de vida digna resulta fundamental para la manifestación saludable de formas diversas de conocimiento. La situación de los Guaraní de Mato Grosso do Sul nos ayudará a comprender mejor este punto. Comprimidos entre haciendas, perseguidos por milicias, atropellados por camionetas, hostilizados en toda parte, viviendo de manera improvisada bajo toldos en los bordes de las carreteras, contaminados por agrotóxicos y asolados por la desesperación suicida de sus jóvenes, se niegan terminantemente a retirarse de lo que consideran su territorio ancestral. Pero son todavía hablantes hábiles de su lengua nativa, conocedores de un complejo conjunto de saberes cosmológicos y mantienen una de las más bellas poéticas verbales entre los pueblos amerindios – un conjunto de conocimientos inseparables de la tierra que, pese a su oposición, ha sido transformada en un ambiente inhóspito, dominado por los crímenes del monocultivo. El Ayvu rapyta, un conjunto de narrativas poéticas que tratan del surgimiento del mundo según la óptica guaraní, debería ser asignatura obligada en la enseñanza media, al lado de clásicos tales como los de la Grecia antigua. Pero las traducciones disponibles son pocas y conocidas solamente en los círculos de especialistas (véase, por ejemplo, las versiones de Pierre Clastres en A fala sagrada, Editora


30/31

Cláudia Andujar viveu por décadas entre os Yanomami. Fotografou seus rituais, arte e vida íntima. Suas imagens correram o mundo e encontraram um lugar de exposição permanente no Instituto Inhotim

Fotos: Cláudia Andujar

William Gomes

Claudia Andujar vivió durante décadas entre los Yanomami. Fotografió sus rituales, arte y vida íntima. Sus imágenes recorrieron el mundo y encontraron un lugar de exposición permanente en el Instituto Inhotim.

Cláudia Andujar

Papirus, y de Josely Vianna Baptista, publicada en la colección de poemas Roça barroca, Cosac Naify). Si se leyeran con más frecuencia, si se consideraran, sobre todo como una referencia para la formación cultural brasileña, ciertamente conducirían a una transformación en la percepción de las culturas amerindias por el sentido común dominante – culturas antiguas, diversas y demasiado complejas para que sean reducidas al rótulo de indio genérico. Los Yanomami de Roraima, por su parte, enfrentan desde los años setenta severas amenazas a su existencia, agravadas a lo largo de la década de 1980 por la entrada masiva de decenas de millares de garimpeiros (buscadores de metales preciosos) en sus tierras. Asolados por la enfermedad, por la explotación sexual y por tantas otras formas de violencia, cerca de un cuarto de la población yanomami ha desaparecido por los efectos directos e indirectos de los garimpos (explotaciones de minerales), estimulados por la actuación de Romero Jucá como presidente de la FUNAI (Fundación Nacional de Amparo al Indio) entre 1986 y 1988, como relató la Comisión Nacional de la Verdad. Uno de los más prominentes líderes y pensadores amerindios, Davi Kopenawa Yanomami, no dejó de registrar y de denunciar las masacres de su pueblo en un libro, que ya nació como un clásico, publicado en francés por la prestigiosa colección Terre Humaine. De lectura obligada, la obra, recientemente traducida al portugués por la Companhia das Letras bajo el título de A queda do céu – palavras de um xamã yanomami, es más que un relato autobiográfico y una denuncia política. Aporta también una crítica filosófica sobre el problema de la destrucción y de la muerte a través de los criterios específicos del pensamiento chamánico de este pueblo. Una prueba más de que la capacidad especulativa amerindia no se detiene por el establecimiento de la barbarie. El cuadro no es menos distinto para los Marubo de la Tierra Indígena Valle do Javari, en el extremo oeste del Amazonas. Supervivientes del holocausto del caucho, que diezmó a diversas poblaciones

William Gomes

sobretudo, como uma referência para a formação cultural brasileira, certamente levariam a uma transformação da percepção das culturas ameríndias pelo senso comum dominante – culturas antigas, diversas e complexas demais para serem reduzidas ao rótulo do índio genérico. Os Yanomami de Roraima, por sua vez, enfrentam desde os anos 1970 severas ameaças à sua existência, agravadas ao longo da década de 1980 pela entrada maciça de dezenas de milhares de garimpeiros em suas terras. Assolados pela doença, pela exploração sexual e por tantas outras formas de violência, cerca de um quarto da população yanomami desapareceu pelos efeitos diretos e indiretos dos garimpos, estimulados pela atuação de Romero Jucá como Presidente da FUNAI entre 1986 e 1988, como relatou a Comissão Nacional da Verdade. Um dos mais proeminentes líderes e pensadores ameríndios, Davi Kopenawa Yanomami, não deixou de registrar e de denunciar os massacres de seu povo em um livro, já nascido clássico, publicado em francês pela prestigiosa coleção Terre Humaine. De leitura obrigatória, a obra, recentemente traduzida em português pela Companhia das Letras sob o título de “A queda do céu – palavras de um xamã yanomami”, é mais do que um relato autobiográfico e uma denúncia política. Ela traz também uma crítica filosófica sobre o problema da destruição e da morte através dos critérios específicos do pensamento xamânico deste povo. Mais uma prova de que a capacidade especulativa ameríndia não se detém por conta do estabelecimento da barbárie. O quadro não é menos distinto para os Marubo da Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas. Sobreviventes do holocausto da borracha, que dizimou diversas populações indígenas da região entre os séculos XIX e XX, a sociedade marubo se formou a partir de fragmentos de grupos


dispersos que, em um determinado momento, foram reunidos nas remotas cabeceiras do rio Curuçá por um grande chefe e xamã, João Tuxáua. Ele e outros parentes seus seriam responsáveis por consolidar um sólido conjunto de saberes transmitidos pela palavra, até os dias de hoje conhecido pelos xamãs. Dentre os diversos gêneros de suas artes verbais, destacam-se as narrativas cantadas saiti, que chegam a duas centenas de episódios distintos. Cada um pode ocupar horas ou mesmo dias quando executado, além de dezenas de páginas quando transcrito e traduzido. Elas versam sobre o surgimento do mundo, dos animais, dos humanos e de outros tantos eventos ocorridos nos tempos primeiros. Treze delas foram traduzidas por mim em uma edição bilíngue (Quando a Terra deixou de falar - cantos da mitologia marubo, Editora 34), produzida em parceria com os cantadores marubo. Como pode um saber tão vasto perdurar em meio a condições de vida problemáticas? Grande parte dos jovens da Terra Indígena Vale do Javari sofre de hepatite crônica, associada a uma epidemia de malária que já dura ao menos dez anos. O grave quadro de saúde se associa a toda sorte de desagregações sociais e conflitos geracionais motivados, sobretudo, pela falta de uma mediação mais adequada com o mundo dos brancos. Jorge Marubo, uma das lideranças da área, estima que seu povo não sobreviverá nos próximos 20 ou 30 anos se nada for feito (e nada mesmo se faz, a despeito dos diversos esforços de lideranças indígenas, antropólogos e indigenistas que atuam na área) . Assim como no caso yanomami e guarani, o pensamento mítico marubo também versa sobre o problema da morte e do sofrimento. Duas de suas narrativas (“Roka - a origem da vida breve” e “Rome Owa Romeya”, traduzidas na publicação acima referida) tratam de antepassados que decidiram viver em lugares melhores, após sofrerem as consequências

32/33

indígenas de la región entre los siglos XIX y XX, la sociedad marubo se formó a partir de fragmentos de grupos dispersos que, en un determinado momento, se reunieron en las remotas cabeceras del río Caruçá por un gran jefe y chamán, João Tuxáua. Él y otros parientes suyos serían los responsables de consolidar un vasto conjunto de saberes transmitidos por la palabra, hasta los días de hoy conocidos por los chamanes. Entre los diversos géneros de sus artes verbales, se destacan las narrativas cantadas saiti, que llegan a dos centenas de episodios distintos. Cada uno puede ocupar horas o incluso días cuando se ejecutan, además de decenas de páginas cuando se transcriben y se traducen. Versan sobre el surgimiento del mundo, de los animales, de los humanos y de otros tantos eventos ocurridos en los tiempos primeros. Trece de estos cantos han sido traducidos por mí en una edición bilíngue (Quando a Terra deixou de falar - cantos da mitologia marubo, Editora 34), producida en conjunto con los cantadores marubo. ¿Cómo puede un saber tan vasto perdurar en medio a condiciones de vida problemáticas? Gran parte de los jóvenes de la Tierra Indígena Valle de Javari sufre hepatitis crónica, asociada a una epidemia de malaria que ya dura por lo menos diez años. El grave cuadro de salud se asocia a toda suerte de desagregaciones sociales y conflictos generacionales motivados sobre todo por la falta de una mediación más adecuada con el mundo de los blancos. Jorge Marubo, uno de los líderes de la zona, estima que su pueblo no sobrevivirá en los próximos 20 o 30 años si no se hace algo (y realmente nada se hace, a pesar de los diversos esfuerzos de los líderes indígenas, antropólogos e indigenistas que actúan en el área) . Así como el caso yanomami y guaraní, el pensamiento mítico marubo también versa sobre el problema de la muerte y del sufrimiento. Dos de sus narrativas (“Roka - a origem da vida breve” y “Rome Owa Romeya”, traducidas en la publicación supra referida) tratan de antepasados que decidieron vivir en lugares mejores, tras sufrir las consecuencias de la violencia que, incluso en los tiempos antiguos, comprometían

da violência que, mesmo nos tempos antigos, comprometiam a possibilidade do bem viver entre parentes. A questão volta a ser tratada em outra narrativa importante, que se refere à construção do CaminhoMorte por Vei Maya, uma antepassada que faleceu após ser espancada por seu marido. Naquela época, qualquer morto tinha por destino a morada melhor do mundo da copa das árvores, sem distinção de caráter. Inconformada e motivada pelo crime do esposo, Maya convoca os espíritos das árvores e ordena a construção do Caminho-Morte, um longo e tortuoso trajeto repleto de perigos. Desde então, o caminho só é atravessado por quem, ainda nesta vida, aprende a morrer. Sem o conhecimento da formação do mundo transmitido pelas artes verbais, sem a ética da vida entre parentes, a pessoa estará fadada a permanecer prisioneira do caminho e não cumprir o trajeto que levaria ao seu fim. Terminará, ainda, por retornar para esta terra, na qual errará como um espectro carente e insensato. Desde então, os xamãs marubo se esforçam por conduzir tais espectros desgarrados para os seus respectivos destinos finais, assim evitando que encostem nos viventes e produzam um sem número de problemas que os brancos costumam interpretar como complicações da individualidade (alcoolismo, doença mental, depressão, agressividade e assim por diante). Com uma certa margem de sucesso, eles têm conseguido realizar tal condução em suas aldeias construídas debaixo da floresta. O mesmo, no entanto, não ocorre com os brancos e suas cidades. Ignorantes, eles têm de conviver perpetuamente com os seus fantasmas, capazes de prestidigitar aqueles que se julgam vivos. Se não forem controlados, acabarão por comprometer a possibilidade de existência não apenas dos mundos ameríndios mas, também, de qualquer mundo comum. Por Pedro de Niemeyer Cesarino, professor do Departamento de Antropologia da FFLCH/USP.

la posibilidad del buen vivir entre parientes. La cuestión vuelve a ser tratada en otra narrativa importante, que se refiere a la construcción del Camino-Muerte por Vei Maya, una antepasada que falleció tras ser apaleada por su marido. En aquella época, cualquier muerto tenía por destino la mejor vivienda del mundo de la copa de los árboles, sin distinción de carácter. Indignada y motivada por el crimen de su esposo, Maya convoca a los espíritus de los árboles y ordena la construcción del Camino-Muerte, un largo y tortuoso trayecto repleto de peligros. Desde entonces, solo atraviesa el camino quien, aún en esta vida, aprende a morir. Sin el conocimiento de la formación del mundo transmitido por las artes verbales, sin la ética de la vida entre parientes, la persona estará condenada a permanecer atrapada en el camino y a no cumplir el trayecto que le llevaría a su fin. Terminará, además, por retornar a esta tierra, en la cual errará como un espectro carente e insensato. Desde entonces, los chamanes marubo se esfuerzan por conducir a estos espectros desgarrados a sus respectivos destinos finales, evitando así que se peguen a los vivos y produzcan un sin número de problemas que los blancos suelen interpretar como complicaciones de la individualidad (alcoholismo, enfermedades mentales, depresión, etc.). Con un cierto margen de éxito, han conseguido realizar dicha conducción en sus aldeas construidas debajo del bosque. Lo mismo, sin embargo, no ocurre con los blancos y sus ciudades. Ignorantes, tienen que convivir perpetuamente con sus fantasmas, capaces de prestidigitar a aquellos que se juzgan vivos. Si no se controlan, acabarán por comprometer la posibilidad de existencia no solo de los mundos amerindios, sino también de cualquier mundo común. Por Pedro de Niemeyer Cesarino, profesor del Departamento de Antropología de la FFLCH/USP.


s o c i ed a de

em transe

América Latina

en transe

Un coup de dés jamais n’abolira le hazard (Stéphane Mallarmé)

34/35

Fotos: Hernán Reig

América Latina

Impulsionadas pela crise econômica, agitações sociais colocam em xeque as ilusões provocadas por experiências políticas de esquerda de vários países latino-americanos. O que virá a seguir é uma incógnita. Impulsadas por la crisis económica, agitaciones sociales ponen en jeque las ilusiones provocadas por experiencias políticas de izquierda de varios países latinoamericanos. Lo que vendrá a continuación es una incógnita.


36/37

“N

uestra comarca del mundo” – como se refería a América Latina el escritor uruguayo Eduardo Galeano – vive días de inestabilidad y la luz al final del túnel está empañada. ¿qué pasó con los años dorados de los gobiernos progresistas, que en los últimos 15 años lograron el ascenso económico de millones de personas con la adopción de políticas sociales en larga escala? La llegada de los partidos de izquierda al poder en países como Brasil, Venezuela, Argentina, Ecuador, Bolivia y Uruguay, marcó el inicio de programas que redujeron la miseria y ampliaron la inclusión social, al mismo tiempo que se incrementaba el Producto Interno Bruto (PIB). De repente, estos países han pasado a vivir crisis de orden político y económico – como consecuencia de la caída de la tasa de crecimiento, la menor en los cinco años anteriores al 2014, según evalúa la Cepal – Comisión Económica para la América Latina y el Caribe. Volviendo a Galeano: en el epílogo de su obra más famosa, Las Venas Abiertas de América Latina, escribió: “No hay más camino para nuestro continente que de la violencia”. ¿Estaría vaticinando el escenario actual de esta América Latina, hoy inflamada por manifestaciones idiosincráticas y de intolerancia que toman las calles y las redes sociales? Aún no hay respuestas definitivas que expliquen qué hicieron mal los gobiernos de izquierda. La única asertiva es que este giro no se puede atribuir solamente a la caída del desempeño económico. El modelo se habría agotado, pregonan algunos analistas. “Mantener políticas sociales ya no garantiza avances tan rápidos y significativos como sucedía en el pasado”, constata el científico político Antonio Lassance. Carisma y populismo son atributos tangibles, y sin embargo, no siempre transferibles. Que lo digan las viudas y huérfanos de Perón, Getúlio Vargas, Luiz Inácio Lula da Silva, Salvador Allende y, más recientemente, Hugo Chávez, el más emblemático de este club de líderes de la izquierda. Gobernó un año mediante decretos, implantó programas que mejoraron los índices de calidad de vida de la población – más

Foto: Hernán Reig

“N

ossa comarca do mundo” – como se referia à América Latina o escritor uruguaio Eduardo Galeano – vive dias de instabilidade e a luz no fim do túnel está embaçada. O que foi feito dos anos dourados dos governos progressistas, que nos últimos 15 anos proporcionaram a ascensão econômica de milhões de pessoas com a adoção de políticas sociais em larga escala? A chegada dos partidos de esquerda ao poder em países como Brasil, Venezuela, Argentina, Equador, Bolívia e Uruguai, marcou o início de programas que reduziram a miséria e ampliaram a inclusão social, ao mesmo tempo em que alavancava o Produto Interno Bruto (PIB). De repente, esses países passaram a viver crises de ordem politica e econômica - consequência da queda na taxa de crescimento, a menor dos cinco anos anteriores a 2014, conforme avaliação da Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe. Voltando a Galeano: no epílogo de sua obra mais famosa, As Veias Abertas da América Latina, ele escreveu: “Não há outro caminho para o nosso continente, além da violência”. Estaria vaticinando o cenário atual dessa América Latina, hoje conflagrada por manifestações idiossincráticas e de intolerância que tomam as ruas e as redes sociais? Ainda não há respostas definitivas que expliquem o que saiu errado com os governos de esquerda. A única assertiva é que a guinada não pode ser atribuída apenas à queda no desempenho econômico. O modelo teria se esgotado. apregoam analistas. “Manter as políticas sociais já não garante avanços tão rápidos e significativos quanto no passado”, constata o cientista político Antonio Lassance. Carisma e populismo são atributos tangíveis, mas, nem sempre transferíveis. Que o digam viúvas e órfãos de Peron, Getúlio Vargas, Luiz Inácio Lula da Silva, Salvador Allende e, mais recentemente, Hugo Chávez, o mais emblemático desse clube de líderes da esquerda. Governou um ano por decretos, implantou programas que melhoraram os índices de qualidade de vida da população – mais da metade

abaixo da linha de pobreza apesar de a Venezuela ser, então, o país mais rico da AL - adotou postura radical contra o capitalismo, e, se de um lado, teve apoio, de outro também angariou antipatias dos venezuelanos. A crise venezuelana, a derrota de Evo Morales no referendo para nova reeleição, o fim do kirchnerismo na Argentina, e a decadência do principal partido de esquerda no Brasil, sugerem que os povos da América Latina estão mais críticos com projetos longevos de poder. Morales parece ter entendido o recado das urnas quando admitiu que sem comida na mesa ninguém se importa com ideologia. Atribui a situação à divisão interna do seu partido e à corrupção. “Temos prefeitos na prisão ou sendo processados”, disse ao jornal El País, da Espanha.

de la mitad por debajo de la línea de la pobreza a pesar de que Venezuela era, entonces, el país más rico de AL – adoptó una postura radical contra el capitalismo y, si por un lado, obtuvo apoyos, por el otro, también recibió la antipatía de los venezolanos. La crisis venezolana, la derrota de Evo Morales en el referéndum para la nueva reelección, el fin del kirchnerismo en Argentina, y la decadencia del principal partido de izquierda en Brasil, sugieren que los pueblos de América Latina están más críticos con proyectos longevos de poder. Morales parece haber entendido el mensaje de las urnas al admitir que cuando no hay comida en la mesa a nadie le importa la ideología. Atribuye la situación a la división interna en su partido y a la corrupción. “Tenemos alcaldes en la cárcel o siendo juzgados”, dijo al diario El País, de España.

Não foi possível consertá-lo em pleno voo e o avião da economia pousou. Para aonde vai a América Latina?

No fue posible repararlo en pleno vuelo y el avión de la economía aterrizó. ¿Hacia dónde va América Latina?


H OM E N AG E M / h o m en a j e

Na Argentina, a expectativa é que o novo governo reverta a inflação, detenha o déficit público e retome as rédeas do crescimento – no fundo, mesma lição de casa a ser feita por Uruguai, Colômbia e Chile. Caso atípico é o da Colômbia: Juan Manuel Santos, que assumiu em 2010 como sucessor da direita no país (leia-se: Álvaro Uribe), acabou reeleito ano passado com o apoio da esquerda, compromissado em acelerar a agenda de paz no processo das Farc e os programas de inclusão social e de transferência de renda. No Equador, o presidente Rafael Correa dá sinais de que não concorrerá à reeleição em 2017 e no Peru a filha de Fujimori quase sucedeu a Ollanta Humala. Países da América Central e do Caribe vão surfar no vácuo dos EUA enquanto o México vive situação paradoxal: apesar da crise do petróleo, o país pode crescer pelo menos 2,5% em 2017. Tudo estaria mais tranquilo não fossem os 55 milhões de pobres e os altos índices de violência gerados pelo narcotráfico e outros crimes, como o feminicídio, que registrou cerca de 200 mortes em 2015. Em perspectiva, o panorama visto de qualquer quadrante da América Latina pede leitura fina dos próximos capítulos envolvendo EUA e Cuba, sem dúvida, o assunto até aqui de maior relevância histórica do século. Junte-se ao episódio o desfecho das eleições norte-americanas, que pode mudar não só a direção do diálogo em andamento como as relações entre EUA e América Latina. Aliás, nada garante que o sucessor de Obama vá levar ao pé da letra a recomendação de um colegiado de notáveis norteamericanos que propõe ao vencedor apoiar e indicar soluções para o principal problema da América Latina – o combate a corrupção, Quem viver, verá. Por Daniel Pereira, jornalista e escritor

En Argentina, la expectativa es que el nuevo gobierno revierta la inflación, detenga el déficit público y vuelva a tomar las riendas del crecimiento – en el fondo, los mismos deberes que deben hacer Uruguay, Colombia y Chile. Un caso atípico es el de Colombia: Juan Manuel Santos, que asumió la presidencia en 2010 como sucesor de la derecha en el país (léase Álvaro Uribe), acabó siendo reelegido el año pasado con el apoyo de la izquierda, comprometido en acelerar la agenda de paz en el proceso de las Farc y los programas de inclusión social y de transferencia de renta. En Ecuador, el presidente Rafael Corre ha dado señales de que no se presentará a la reelección en 2017 y, en Perú, la hija de Fujimori estuvo a punto de llevar la presidencia. Países de América Central y del Caribe van a nadar en el vacío de los EE.UU, mientras México vive una situación paradójica: a pesar de la crisis del petróleo, el país puede crecer por lo menos el 2,5% en 2017. Todo estaría más tranquilo si no fuera por los 55 millones de pobres y los altos índices de violencia generados por el narcotráfico y otros crímenes, como el feminicidio, que registró cerca de 200 muertes en el 2015. En perspectiva, el panorama visto desde cualquier cuadrante de América Latina demanda una lectura afinada de los próximos capítulos de las relaciones entre EE.UU y Cuba, sin duda el asunto hasta ahora de mayor relevancia histórica del siglo. Únase a este episodio el desenlace de las elecciones norteamericanas, que pueden cambiar no solo la dirección del diálogo en curso, sino también las relaciones entre EE.UU y América Latina. Por cierto, nada garantiza que el sucesor de Obama vaya a seguir al pie de la letra la recomendación de un consejo de notables estadounidenses que propone al vencedor que apoye y promueva soluciones para el principal problema de América Latina – el combate a la corrupción. Quien aún esté vivo, llegará a verlo. Por Daniel Pereira, periodista y escritor

38/39

O modo

Montoro de governar ainda serve ao Brasil.

O

modo Montoro de governar foi determinante para o fim da ditadura, que se arrastou de 1964 a 1985. A volta das eleições diretas para governador, em 1982, levou Franco Montoro ao governo de São Paulo num quadro de crise, recessão e revolta.

El modo

Montoro

de gobernar todavía le sirve a Brasil

E

l modo Montoro de gobernar fue determinante para el fin de la dictadura que se arrastró desde 1964 a 1985. El retorno de las elecciones directas para gobernador, en 1982, llevó a Franco Montoro al gobierno de Sao Paulo en un cuadro de crisis, recesión y re-


Seu sucesso mostra que esse modelo ainda pode ser muito útil ao Brasil de 2016. Quando Montoro, formado em 1938 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, faleceu em 16 de julho de 1999, aos 83 anos, mereceu imenso reconhecimento. A lição desse Professor, que faria 100 anos no dia 14 de julho de 2016, parece servir como uma luva para o momento atual. Franco Montoro assumiu o governo do Estado há mais de 30 anos, em condições adversas muito parecidas com as atuais do País: “estava instalada a maior crise econômica de nossa história, com um grau extremamente elevado de expectativas populares e tinha-se à frente o fruto do pior descalabro administrativo, devido à herança recebida do governo anterior”. Encerrado o governo Maluf, o último eleito indiretamente, a proposta de mudar a prática política, com moralização e austeridade na aplicação dos recursos, era vista como quixotesca. Mais do que aliados políticos, Montoro procurava sempre os mais preparados para cada posto, tanto assim que os especialistas que elaboraram a “Proposta Montoro”, na casa da rua Madre Teodora, eram ironicamente chamados de “a turma da Sorbonne”. Em plena crise, e sem contar com ajuda federal, pois ainda estávamos no governo Figueiredo, o último da ditadura, Montoro direcionou o potencial econômico do Estado ao atendimento das necessidades básicas da população, apesar da significativa queda da arrecadação estadual. A crise gerara fome, desemprego e desânimo. A dramática recessão levou a severa política de saneamento financeiro, comandada pelo depois ministro José Serra. A crise não impediu o governador de honrar os compromissos de campanha, direcionando investimentos públicos para a área social e, já a partir do segundo ano, corrigindo inúmeras injustiças e distorções, inclusive as relativas à remuneração do funcionalismo.

40/41

vueltas. Su éxito muestra que este modelo todavía le puede ser muy útil al Brasil de 2016. Cuando Montoro, que se había graduado en 1938 por la Facultad de Derecho del Largo de Sao Francisco, falleció el 16 de julio de 1999, a los 83 años, mereció enorme reconocimiento. La lección de este profesor, que cumpliría 100 años el día 14 de julio de 2016, parece que calza como un guante en el momento actual. Franco Montoro asumió el gobierno del Estado hace más de 30 años, en condiciones adversas muy semejantes a las actuales del País: “estaba instalada la mayor crisis económica de nuestra historia, con un grado extremadamente elevado de expectativas populares y nos hallábamos ante el fruto del peor descalabro administrativo, debido a la herencia recibida del gobierno anterior”. Terminado el gobierno de Maluf, el último mandatario elegido indirectamente, la propuesta de cambiar la práctica política, con moralización y austeridad en la aplicación de los recursos se veía como quijotesca. Más que aliados políticos, Montoro buscaba siempre a los más preparados para cada puesto, tanto es así que a los especialistas que elaboraron la “Propuesta Montoro”, en la casa de la calle Madre Teodora, los llamaban irónicamente “la pandilla de la Sorbonne”. En plena crisis y sin contar con ayuda federal, pues aún estábamos en el gobierno Figueiredo, el último de la dictadura, Montoro volcó el potencial económico del Estado a la atención de las necesidades básicas de la población, a pesar de la significativa caída de la recaudación estadual. La crisis había generado hambre, desempleo y desánimo. La dramática recesión condujo a una severa política de saneamiento financiero, comandada por el después ministro José Serra. La crisis no impidió que el gobernador honrara los compromisos de campaña, dirigiendo las inversiones públicas hacia el área social y, a partir del segundo año, corrigiendo innumerables injusticias y distorsiones, incluso las que afectaban a la remuneración del funcionariado público.

Montoro, candidato natural à presidência da República, viu em Tancredo Neves o melhor candidato na circunstância, numa visão desprendida pouco corriqueira na política: “As pessoas sofrem quando são convidadas apenas para o medíocre”. Na administração, Montoro queria os melhores, mas atuando em sintonia. Para tanto, em modelo inédito, dividiu o governo em quatro áreas de gestão: econômica, social, de infraestrutura e jurídicoadministrativa. O governador reunia regularmente todos os secretários de cada área, deixando claro que deveria haver uma sinergia de todos os setores para que as metas fossem melhor alcançadas. Todos podiam e deviam opinar, havendo espaço para a formação de novas lideranças. Muitos secretários nunca tinham trabalhado na administração pública e vários se revelaram ótimos quadros, colaborando depois com sucessivos governos.

Montoro, candidato natural a la presidencia de la República, vio en Tancredo Neves al mejor candidato en aquellas circunstancias, en una visión desprendida poco habitual en la política: “Las personas sufren cuando se las invita únicamente para lo mediocre”. En la administración, Montoro quería a los mejores, pero actuando en sintonía. Por ello, en modelo inédito, dividió al gobierno en cuatro áreas de gestión: económica, social, de infraestructura y jurídico-administrativa. El gobernador reunía regularmente a todos los secretarios de cada área, dejando claro que debería haber una sinergia entre todos los sectores para que las metas se alcanzaran mejor. Todos podían y debían opinar, habiendo espacio para la formación de nuevos liderazgos. Muchos de los secretarios nunca habían trabajado en la administración pública y varios se transforma-


Pedagogicamente, Montoro transformou os desafios do governo em 12 batalhas a serem vencidas: alimentação, menor, saúde, meio ambiente, educação, segurança, habitação, transportes, tecnologia, descentralização e participação, saneamento financeiro e austeridade e, coroando todas, democracia. Montoro era sensível às novas demandas sociais, endossando lutas ainda incipientes. O Conselho Estadual de Defesa do Meio Ambiente resultou na criação de parques estaduais e das enormes áreas de proteção ambiental. O Conselho Estadual da Condição Feminina gerou a experiência das Delegacias da Mulher. O Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, os novos conselhos destinados às questões relacionadas aos jovens, aos idosos, aos portadores de deficiência, bem como os Conselhos Comunitários de Segurança, trouxeram uma nova forma de participação e de busca conjunta de soluções. Montoro se empenhou em fazer um governo de modernização e humanização também nas difíceis áreas de justiça, sistema penitenciário e segurança pública, procurando introduzir, não sem resistência, filosofias de respeito à dignidade das pessoas e cumprimento da lei. Para tanto, cercouse de outros professores, comprometidos como ele com a ideia de justiça. O secretário da Justiça, durante quase todo o governo, foi o depois ministro José Carlos Dias. A Segurança teve quatro secretários, começando com Manoel Pedro Pimentel, Miguel Reale Júnior e, na maior parte do tempo, Michel Temer. No último ano de governo, acumulei as pastas da Justiça e da Segurança, visando completar o projeto de uma polícia ao mesmo tempo mais eficiente, humana e democrática. O estilo é o homem. O presidente Figueiredo, quando se aborrecia, ameaçava: “Olha que eu chamo o Pires”, seu ministro da Guerra, homem da linha dura. Já Montoro, diante de qualquer contratempo, dizia: “Chama o Michel”. Ele conta-

42/43

va com a habilidade de negociador do secretário da Segurança para resolver as situações mais intrincadas sem qualquer recurso à violência, que Montoro abominava. Foi assim que convivemos com greves, manifestações, acampamentos, rebeliões, com pouquíssimos acidentes de percurso. A histórica derrubada das grades do palácio dos Bandeirantes, logo no início do governo, foi um teste decisivo. No começo de abril de 1983 um grupo de manifestantes saiu do Largo Treze de Maio, em Santo Amaro, num movimento que degenerou em saques e depredações. Quando Montoro se reunia no dia seguinte com os novos governadores do Rio e de Minas, Brizola e Tancredo, o presidente Figueiredo já tinha posto o II Exército de prontidão. Da janela de seu gabinete, um Montoro apreensivo viu a derrubada das grades e a invasão do palácio. Ao invés de mandar a Polícia Militar reprimir os manifestantes, desceu e recebeu uma comissão, gesto destemido que devolveu a calma a São Paulo. Montoro foi acusado de não ter pulso, de “segurar” a polícia, de não ter autoridade. A história se encarregou de mostrar que o governador estava certo ao exercer seu senso de moderação e de justiça. Não houve intervenção em São Paulo, nem se implantou a desordem. Hoje, o centenário Montoro é quase uma unanimidade. Superando as críticas, soube ser Montoro o tempo todo, um ser humano cordial e acolhedor, extremamente generoso, que formou uma legião de administradores públicos e deixou como legado um modo democrático, humano e bem-sucedido de governar. Por Eduardo Muylaert, advogado, secretário do governo Franco Montoro.

ron en excelentes cuadros, que posteriormente colaboraron en sucesivos gobiernos. Pedagógicamente, Montoro convirtió los desafíos del gobierno en 12 batallas que se deberían vencer: alimentación, menores, salud, medio ambiente, educación, seguridad, vivienda, transportes, tecnología, descentralización y participación, saneamiento financiero y austeridad y, coronando a todas, democracia. Montoro era sensible a las nuevas demandas sociales, abrazando luchas aún incipientes. El Consejo Estadual de Defensa del Medio Ambiente dio origen a la creación de parques estaduales y de enormes áreas de protección ambiental. El Consejo Estadual de la Condición Femenina generó la experiencia de las Comisarías de las Mujeres. El Consejo de Participación y Desarrollo de la Comunidad Negra, los nuevos consejos destinados a las cuestiones relacionadas con los jóvenes, los ancianos, las personas con necesidades especiales, así como los Consejos Comunitarios de Seguridad aportaron una nueva forma de participación y de búsqueda conjunta de soluciones. Montoro se empeñó en hacer un gobierno de modernización y humanización también en las difíciles áreas de Justicia, sistema penitenciario y Seguridad Pública, procurando introducir, no sin resistencias, filosofías de respeto a la dignidad de las personas y cumplimiento de la ley. Para ello, se rodeó de otros profesores comprometidos, como él, con la idea de justicia. El secretario de Justicia, durante casi todo el gobierno, fue el futuro ministro José Carlos Dias. La cartera de Seguridad tuvo cuatro secretarios, comenzando con Manoel Pedro Pimentel, Miguel Reale Júnior y, en la mayor parte del tiempo, Michel Temer. En el último año de gobierno, acumulé las carteras de Justicia y de Seguridad, con el objetivo de completar el proyecto de una policía al mismo tiempo más eficiente, humana y democrática. El estilo es el hombre. El presidente Figueiredo, cuando se enfadaba, amenazaba: “Ojo que llamo a Pires”, su ministro de la Guerra, hombre de la línea dura. En cambio, Montoro, ante cualquier

contratiempo, decía: “Llama a Michel”. Él contaba con la habilidad de negociador del secretario de Seguridad para resolver las situaciones más intrincadas, sin cualquier recurso a la violencia, que Montoro abominaba. Fue de esta manera como logramos convivir con huelgas, manifestaciones, acampadas, rebeliones, con poquísimos accidentes durante el recorrido. El derribo histórico de las gradas del palacio de los Bandeirantes, justo al inicio del gobierno, fue un test decisivo. A comienzos de abril de 1983 un grupo de manifestantes salió del Largo Treze de Maio, en Santo Amaro, en un movimiento que degeneró en saqueos y depredaciones. Cuando Montoro se reunía al día siguiente con los nuevos gobernadores de Río y de Minas, Brizzola y Tancredo, el presidente Figueiredo ya había puesto al II Ejército en alerta. Desde la ventana de su gabinete, un Montoro aprensivo vio el asalto de las verjas y la invasión del palacio. En vez de mandar a la Policía Militar a que reprimiera a los manifestantes, bajó y recibió a una comisión, gesto audaz que devolvió la calma a Sao Paulo. Montoro fue acusado de no tener pulso, de “pararle los pies” a la policía, de no tener autoridad. La historia se encargó de mostrar que el gobernador tenía razón al ejercer su sentido de moderación y de justicia. No hubo intervención militar en Sao Paulo ni tampoco se implantó el desorden. Hoy, el centenario Montoro es casi una unanimidad. Superando las críticas, supo ser todo el tiempo Montoro, un ser humano cordial y acogedor, extremadamente generoso, que formó a una legión de administradores públicos y dejó como legado un modo democrático, humano y exitoso de gobernar. Por Eduardo Muylaert, abogado, secretario del goberno Franco Montoro.


A s r ede s e a s r u a s / L a s r ede s y l a s c a l l e s

Os novos termos do jogo político e social

preferencias em relação a muitas coisas. Produzem cultura e alteram o modo como nos comunicamos. São coisas óbvias, mas que precisam ser pensadas. Por exemplo, a partir do momento em que se troca a carta por uma mensagem de whatsapp tem-se a troca de dois padrões de conduta e de dois padrões de temporalidade. Com a carta você tinha que prever dias para a interação. A comunicação hoje é imediata. E os meios que usamos para isso são móveis e cada vez mais portáteis e inteligentes.

O cientista político Marco Aurélio Nogueira comenta o turbilhão que agita a sociedade brasileira

Los nuevos términos del juego político y social

Há uma aceleração absurda do tempo, não?

El científico político Marco Aurélio Nogueira comenta el torbellino que agita a la sociedad brasileña

O senhor coordenou na Cátedra Unesco Memorial um curso que se propôs a discutir a sociabilidade contemporânea, com seus impactos na política e na vida das cidades. Participaram dele diversos pesquisadores que têm refletido sobre esses temas. Quais as conclusões?

A grande questão contemporânea é o que mu-

dou ou está mudando na vida a ponto de modificar o modo como as pessoas se relacionam, se comportam, pensam e protestam, participam da política ou se lançam na defesa de determinadas causas. Quando pensamos em termos de “redes e ruas”, abrimo-nos por inteiro para a sociabilidade contemporânea, pois vivemos cada vez mais intensamente em redes sociais e das redes passamos para as ruas, indo, digamos assim, do virtual para o presencial. As redes estão fazendo com que mudemos nossas 44/45

E

n el primer semestre, la Cátedra Unesco Memorial de América Latina abordó los procesos socio-políticos contemporáneos, especialmente los del subcontinente latinoamericano. Trece investigadores han problematizado la debilitación del Estado y el surgimiento de una nueva militancia a partir de las redes sociales. A su término, el catedrático concedió la siguiente entrevista:

A decadência de partidos e de formas tradicionais de atuação política é um fenômeno que se acentuou nos últimos anos

Usted ha coordinado en la Cátedra Unesco Memorial un curso cuya propuesta era discutir la sociabilidad contemporánea, con sus impactos en la política y en la vida de las ciudades. Han participado diversos investigadores que están reflexionando sobre estos temas. ¿Cuáles son las conclusiones?

L

a gran cuestión contemporánea es lo que ha cambiado o lo que está cambiando en la vida de las personas hasta tal punto de modificar el modo en el que se relacionan, se comportan, piensan y protestan, participan en la política o se lanzan en defensa de determinadas causas. Cuando pensamos en términos de “redes y calles”, nos abrimos por entero para la sociabilidad contemporánea, puesto que vivimos cada vez más intensamente en redes sociales y de las redes pasamos a las calles, yendo, por así decirlo, de lo virtual a lo presencial. Las redes están haciendo que cambiemos nuestras preferen-

Foto: Hernán Reig

N

o primeiro semestre, a Cátedra Unesco Memorial da América Latina abordou os processos sócio-políticos contemporâneos, especialmente os do subcontinente latino-americano. Sob os auspícios do professor Marco Aurélio Nogueira, treze pesquisadores esquadrinharam o enfraquecimento do Estado e o surgimento de uma nova militância a partir das redes sociais. Ao final, o catedrático concedeu a seguinte entrevista:

S

em dúvida. Isso altera a percepção do tempo, cálculos e ansiedades precisam ser pensados de outra maneira. É um fenômeno geral, mas que se manifesta de forma desigual. Não são todos que

cias en relación a muchas cosas. Producen cultura y alteran el modo en el que nos comunicamos. Son cosas obvias, pero sobre las que tenemos que pensar. Por ejemplo, a partir del momento en el que se cambia la carta por un mensaje de whatsapp se produce el cambio de dos patrones de conducta y de dos patrones de temporalidad. Con la carta tenías que prever días para la interacción. La comunicación hoy es inmediata. Y los medios que usamos para esto son móviles y cada vez más portátiles e inteligentes. Hay una aceleración absurda del tiempo, ¿no?

Sin

lugar a dudas, esto altera la percepción del tiempo, cálculos y ansiedades se deben pensar de otra manera. Es un fenómeno general, pero que se manifiesta de forma desigual. No todos están incluiLa decadencia de los partidos políticos y de formas tradicionales de actuación política es un fenómeno que se ha acentuado en los últimos años


estão incluídos digitalmente ou que usufruem das mesmas velocidades de conexão, por exemplo. Muitos ainda vivem de forma “tradicional”, com a memória de um mundo que já não existe mais, tendendo a ver o mundo conectado e veloz como se fosse a oficina do diabo. Temos de pensar como essa mudança toda - temporal, emocional, da própria lógica - reverbera nas estruturas da sociedade, na cultura, no Estado, na economia, na movimentação política. Stella Senra, autora de ”O Último Jornalista”, analisando essa aceleração, dizia que o tempo do jornalismo ficou cada vez menor. Antes ele falava da coisa que aconteceu ontem. Com as transmissões ao vivo, a instantaneidade, fala-se sobre o que está acontecendo agora. O jornal impresso perdeu o sentido. Então o que a imprensa faz? Ela fala do amanhã e ao fazer isso tenta escrever o amanhã, determinar o que vai acontecer. Realmente os jornais nem usam mais o verbo no passado, as manchetes estão sempre tentando adivinhar o futuro. Como a internet e as redes sociais interferem nisso?

Você tem até um grande problema nisso, que é

a questão da gestão da vida cotidiana, que se dá por meio da relação com a informação. Esse é um dos grandes nós da nossa época: como não ser soterrado pelas informações? No limite você fica paralisado. Não da para escapar da massa de informações, que nos alcançam de múltiplas formas. Como processar tudo isso? Todos sofrem para armazenar e selecionar informações. Ninguém se detém muito para pensar em como organizar as informações, evidentemente. O fluxo de informações não vai diminuir, nem é desejável que isso ocorra. Nós é que vamos ter que aprender a gerir melhor a informação. O fenômeno é brasileiro ou é encontrado em toda a América Latina?

I

l mondo è paese e é cada vez mais uma “aldeia global”. Trata-se de um fenômeno geral, que acompanha a globalização capitalista e a mundialização das relações, da circulação de mercadorias, ideias e informações. A recomposição social também é 46/47

dos digitalmente o disfrutan de las mismas velocidades de conexión, por ejemplo. Muchos viven todavía de forma “tradicional”, con la memoria de un mundo que ya no existe más, tendiendo a ver el mundo conectado y veloz como si fuera el taller del diablo. Tenemos que pensar cómo todo este cambio – temporal, emocional, de la propia lógica – germina en las estructuras de la sociedad, de la cultura, en el Estado, en la economía, en el movimiento político. Stella Senra, autora de “El Último Periodista”, al analizar esta aceleración, constata que el tiempo del periodismo se ha vuelto cada vez menor. Antes contaba lo que ocurrió ayer. Con las transmisiones en directo, la instantaneidad, se cuenta lo que está ocurriendo ahora. El periódico impreso ha perdido el sentido. Entonces, ¿qué hace la prensa? Habla sobre el mañana y, al hacerlo, intenta escribir el mañana, determinar lo que va a ocurrir. Realmente los periódicos ya no usan el verbo en el pasado, los titulares siempre están intentando adivinar el futuro. ¿Cómo interfieren Internet y las redes sociales en todo esto?

Tenemos,

es cierto, un gran problema con esto, que es la cuestión de la gestión de la vida cotidiana, que se da por medio de la relación con la información. Este es uno de los grandes nudos de nuestra época: ¿cómo no ser aplastado por estas informaciones? En el límite te quedas paralizado. No es posible escapar de la masa de informaciones, que nos alcanza de múltiples formas. ¿Cómo procesarlo todo? Todos sufren para almacenar y seleccionar informaciones. Nadie se detiene mucho para pensar en cómo organizar las informaciones, evidentemente. El flujo y las informaciones no va a disminuir, tampoco es deseable que esto ocurra. Nosotros somos los que vamos a tener que aprender a gestionar mejor la información. ¿Se trata de un fenómeno brasileño o se encuentra en toda América Latina?

I

l mondo è paese, y es cada vez más una “aldea global”. Se trata de un fenómeno general, que acompaña a la globalización capitalista y a la mundialización

geral. É claro que cada sociedade tem sua dinâmica: em algumas, por exemplo, as instituições e as identidades políticas são mais fortes, estão mais enraizadas, produziram uma cultura que foi apropriada de forma mais igualitária pelos cidadãos. Elas conseguem transitar de modo mais suave, digamos assim. Em outras, a turbulência é maior, porque as estruturas sociais são mais desiguais, as instituições menos estáveis, a democracia mais imperfeita. Por exemplo, o Brasil nunca foi forte em identidade política e partidária, não está em nosso DNA. Mas isso não ocorre com o DNA argentino, o italiano ou o francês. Provavelmente a crise do peronismo na Argentina seja menos grave do que a crise do lulismo no Brasil, por exemplo. Uma pessoa que pouco soubesse sobre o país e aqui chegasse neste momento iria pensar que a sociedade brasileira está vivendo um retrocesso ou um avanço? Se for avanço, para aonde estamos indo? Qual o futuro do Brasil?

Nem retrocesso, nem avanço: temos compo-

nentes dos dois. Há avanço porque a sociedade está se movimentando, a democracia continua em vigor, a política voltou a frequentar as conversas cotidianas. Mas há retrocesso porque a democracia está pouco qualificada, o debate não flui com facilidade, a “classe política” não evoluiu, o sistema político dificulta a governança, faltam lideranças e, como se não bastasse, a crise econômica é muito profunda e praticamente dificulta uma ação mais ativa do Estado. Mesmo assim, não creio que as políticas sociais de inclusão venham a ser desativadas e nem que qualquer tipo de guinada autoritária ou ditatorial venha a acontecer. O futuro brasileiro tende a ser democrático e, no horizonte, desponta uma reforma política e a recuperação de uma atuação política de maior unidade e entendimento entre as forças democráticas. Quando isso se materializará não dá para afirmar, mas a tendência a meu ver é esta. O senhor diria que agitações sociais como as que estão vivendo o Brasil e outros países latino-americanos, neste momento, libertaram forças que estavam restritas, ocultas ou aprisionadas? Ou as próprias

de las relaciones, de la circulación de mercancías, ideas e informaciones. La recomposición social también es general. Está claro que cada sociedad tiene su propia dinámica: en algunas, por ejemplo, las instituciones y las identidades políticas son más fuertes, están más enraizadas, han producido una cultura que ha sido apropiada de forma más igualitaria por los ciudadanos. Estas sociedades consiguen transitar de modo más suave, por decirlo de esta manera. En otras, la turbulencia es mayor, porque las estructuras sociales son más desiguales, las instituciones menos estables, la democracia más imperfecta. Por ejemplo, Brasil nunca ha sido fuerte en identidad política y partidaria, no está en nuestro ADN. Pero lo mismo no ocurre con el ADN argentino, italiano o francés. Probablemente, la crisis del peronismo en Argentina sea menos grave que la crisis del lulismo en Brasil, por ejemplo. ¿Una persona que sepa poco sobre Brasil y llegue aquí en este momento podría pensar que la sociedad brasileña está viviendo un retroceso o un avance? Si es un avance, ¿hacia dónde vamos? ¿Cuál es el futuro de Brasil?

N

i retroceso, ni avance: tenemos componentes de los dos. Hay un avance porque la sociedad se está moviendo, la democracia continúa en vigor, la política ha vuelto a frecuentar las conversaciones cotidianas. Pero hay retroceso, porque la democracia está poco cualificada, el debate no fluye con facilidad, la “clase política” no ha evolucionado, el sistema político dificulta la gobernabilidad, faltan liderazgos y, por si esto fuera poco, la crisis económica es muy profunda y prácticamente dificulta una acción más activa del Estado. Aun así, no creo que las políticas sociales de inclusión se vayan a desactivar o que cualquier tipo de viraje autoritario o dictatorial vaya a ocurrir. El futuro brasileño tiende a ser democrático y, en el horizonte, despunta una reforma política y la recuperación de una actuación política de mayor unidad y entendimiento entre las fuerzas democráticas. Cuándo esto se llegará a materializarse no se puede afirmar, pero la tendencia, según mi percepción, es esta.


agitações sociais criaram novas demandas, novas formas de se organizar e forças políticas inovadoras?

A

s sociedades atuais, de capitalismo reestruturado, maior fragmentação, pluralismo e individualização, são “naturalmente” participativas e dinâmicas. Não é de hoje que se registram agitações sociais na região ou no Brasil. Elas têm acompanhado as acomodações que se processam na estrutura social, no Estado e nas formas da política. Quanto menos, por exemplo, se tem de força dos partidos políticos, mais se tem de efervescência social “fora de controle”, ou seja, espontânea e sem uma direção clara e poder de agenda particularmente expressivo. As pessoas vocalizam intensamente suas demandas e suas postulações de direito hoje, e contam para isso com as redes e as mídias sociais. Há uma pressão social para que se renove a política, para que se modifique o modo de organizar e fazer política. Isso, porém, não é fácil, especialmente se não houver núcleos políticos ativos que façam aquilo que os partidos políticos de antes faziam. Lá em 1967 o filósofo francês Guy Debord (19311994) definia a “sociedade do espetáculo” como o conjunto de relações sociais mediadas pela imagem, que segundo ele ameaçava condicionar todas as dimensões da vida. Atualmente as agendas ainda são geradas pelo espetáculo?

Cada

vez mais! O espetáculo está em tudo. Hoje qualquer dimensão da vida é pautada pela busca da exposição. As pessoas esperam ser informados suficientemente, ou seja, espetacularmente, a respeito de tudo. E as próprias pessoas querem se expor, se mostrar, aparecer e fixar seus valores, suas demandas e seus estilos no imaginário público. Tome-se como exemplo a lógica do self. O que é o self? O self é você documentar a si mesmo e produzir imagens para se comunicar nas redes, como se você precisasse de uma certificação pública do seu engajamento, da sua presença em algum lugar. Comparecer a um show ou a uma manifestação já não basta, é preciso que se diga a todos que o comparecimento aconteceu, para que as pessoas fiquem sabendo e acreditem. 48/49

¿Diría usted que agitaciones sociales como las que se viven ahora en Brasil y otros países latinoamericanos, en este momento, han libertado fuerzas que estaban restrictas, ocultas o aprisionadas? ¿O las propias agitaciones sociales han creado nuevas demandas, nuevas formas de organizarse y fuerzas políticas innovadoras?

L

as sociedades actuales, de capitalismo reestructurado, mayor fragmentación, pluralismo e individualización, son “naturalmente” participativas y dinámicas. No viene de hoy el registro de agitaciones sociales en la región o en Brasil. Estas acompañan las acomodaciones que se procesan en la estructura social, en el Estado y en las formas de la política. Por ejemplo, cuanto menos hay de fuerza en los partidos políticos, más hay de efervescencia social “fuera de control”, o sea, espontánea y sin una dirección clara y poder de agenda particularmente expresivo. Las personas vocalizan intensamente sus demandas y sus postulaciones de derecho hoy, y cuentan para ello con las redes y los medios sociales. Hay una presión social para que se renueve la política, para que se modifique el modo de organizar y hacer política. Esto, sin embargo, no es fácil, especialmente si no hay núcleos políticos activos que hagan lo que hacían antes los partidos políticos. Allá por 1967, el filósofo francés Guy Debord (1931-1994) definía la “sociedad del espectáculo” como un conjunto de relaciones sociales mediadas por la imagen, que, según él amenazaba con condicionar todas las dimensiones de la vida. Actualmente, ¿las agendas se generan por el espectáculo?

!C

ada vez más! El espectáculo está en todo. Hoy cualquier dimensión de la vida está pautada por la búsqueda de la exposición. Las personas esperan que se les informe suficientemente, o sea, espectacularmente, respecto a todo. Y las propias personas quieren exponerse, mostrarse, aparecer y fijar sus valores, sus demandas y sus estilos en el imaginario público. Tómese como ejemplo la lógica del self. ¿Qué es el self? El self es documentarte a ti mismo y producir imágenes para comunicarte a través de las redes sociales, como si necesitaras una certificaci-

Se você sai desse plano mais privado do cotidiano e vai para o plano da vida organizada, mais estruturada, por exemplo, para a esfera pública e o plano da política, dos movimentos sociais, dos processos de contestação, de protesto, de manifestação - então essa dimensão fica ainda mais forte. O que talvez nos ajude a entender a “crise” que parece estar rondando o ativismo atual. Que crise é essa?

V

ocê pode, se quiser, pensar numa crise que deriva do fato de que a ação política de contestação hoje é menos organizada e não se faz por meio da figura do “militante”, de alguém que se dedica full time a uma causa. As pessoas estão muito mais recolhidas à vida privada e não se dispõem a trocar sua privacidade por formas intensas de engajamento. Donde a assim chamada “militância de sofá”, via redes sociais. A própria ida das pessoas às ruas, hoje em dia, não é marcada por um engajamento à moda antiga, um engajamento total, em que você estava convencido de uma causa, se identificava com a bandeira de um partido, etc. Os limites da “entrega” são mais claros. Em 2013 o slogan era “sem partidos” e continua assim: todos querem distância dos elementos de identificação mais fortes e tradicionais. Isso cria a figura do militante flutuante, que escolhe em que manifestação irá, com que objetivo, quando e com qual grau de disponibilidade. O importante não é tanto o resultado a ser obtido, mas o efeito imagético que se produzirá - ou seja, o espetáculo. Estou falando de modo muito genérico. Trata-se de uma tendência, um vetor que organiza o campo das manifestações e dos protestos. Obviamente, muitas pessoas continuam interessadas em obter resultados. Mas a flutuação é um dado real, assim como a dosagem do engajamento e o próprio caráter de certos movimentos e manifestações. A luta pelo “impeachment de Dilma” levou milhões às ruas, mas de um dia para outro as pessoas voltaram para casa, sem que nada de concreto tivessem, a rigor, conquistado. As manifestações contra o aumento do preço das passagens de ônibus tiveram força de uns anos para cá e depois murcharam, levando consigo o MPL (Movimento Passe Livre).

ón pública de tu involucramiento, de tu presencia en algún lugar. Comparecer a un espectáculo o a una manifestación ya no es suficiente, es necesario que se les diga a todos que la comparecencia ha ocurrido, para que las personas lo sepan y te crean. Si sales de este plano más privado de lo cotidiano y te vas al plano de la vida organizada, más estructurada, por ejemplo, para la esfera pública y el plano de la política, de los movimientos sociales, de los procesos de contestación, de protesta, de manifestación – entonces esta dimensión se hace más fuerte. Lo que tal vez nos ayude a entender la “crisis” que parece estar rondando al activismo actual. ¿Qué crisis es esta?

P

uedes, si quieres, pensar en una crisis que deriva del hecho de que la acción política de protesta hoy es menos organizada y no se hace por medio de la figura del “militante”, de alguien que se dedica full time a una causa. Las personas están mucho más recogidas en la vida privada y no se disponen a cambiar su privacidad por formas intensas de compromiso. Ahí está la denominada “militancia de sofá”, vía redes sociales. La propia ida de las personas a la calle, hoy en día, no está marcada por una militancia a la moda antigua, una militancia total, en la que estabas convencido de una causa, te identificabas con la bandera de un partido, etc. Los límites de la “entrega” son más claros. En el 2013 el slogan era “sin partidos” y sigue siendo así: todos quieren distancia de los elementos de identificación más fuertes y tradicionales. Esto crea la figura del militante fluctuante, que escoge a cual manifestación irá, con qué objetivo, cuándo y con qué grado de disponibilidad. Lo importante no es tanto el resultado que se obtendrá, sino el efecto imagético que se producirá – o sea, el espectáculo. Estoy hablando de modo muy genérico. Se trata de una tendencia, un vector que organiza el campo de las manifestaciones y de las protestas. Obviamente, muchas personas siguen interesadas en obtener resultados. Pero la fluctuación es un dato real, así como la dosificación del compromiso y el propio carácter de ciertos movimientos y manifestaciones. La lucha por el “impeachment de Dilma” ha


Foto: Hermán Reig

Uma velha ordem está morrendo e novas formas de sociabilização estão nascendo, mais velozes, conectadas e individualizadas

Un orden viejo está muriendo y nuevas formas de socialización están naciendo, más velozes, conectadas e individualizadas

Mas não há um dia sem manifestações. O jornalista e escritor Vicente Villadarga escolheu aleatoriamente sete dias corridos e procurou saber se havia alguma manifestação em algum ponto da cidade. A ideia era provar que atualmente não passa um dia sequer sem manifestação em algum horário e lugar.

llevado a millones a las calles, pero de un día a otro las personas volvieron a sus casas sin que, si lo vemos con rigor, conquistaran algo concreto. Las manifestaciones contra el aumento del precio de los boletos de autobús tuvieron fuerza desde algunos años hacia acá y luego se marchitaron, llevándose consigo al MPL (Movimiento por el Pasaje Libre).

É

verdade. A movimentação e a “participação” são dados inerentes à vida veloz, conectada e individualizada. Mas delas não está havendo nenhuma convergência para um “ponto ótimo” de contestação. Em outras regiões da América Latina, há processos semelhantes ao que está em curso em nosso país? Diante de tantas mudanças, como ficarão as relações entre os países americanos, especialmente com o Brasil, que ocupa certa centralidade?

A

América Latina só faz sentido se for vista como uma região composta por países muito diferentes

50/51

Pero no hay un día sin manifestaciones. El periodista y escritor Vicente Villadarga escogió de forma aleatoria siete días naturales e indagó saber si había alguna manifestación en algún punto de la ciudad. La idea era probar que actualmente no pasa un día siquiera sin que haya una manifestación en algún horario o lugar.

E

s verdad. El movimiento y la “participación” son datos inherentes a la vida veloz, conectada e individualizada. Pero no está saliendo de ellas ninguna convergencia para un “punto óptimo” de protesta. En otras regiones de América Latina, ¿hay procesos semejantes al que está en curso en nuestro país? Ante tantos cambios, ¿cómo van a quedar las relaciones entre los países americanos, especialmente con Brasil, que ocupa cierta centralidad?

entre si, países que vêm buscando nos últimos 20 anos formas melhores de integração regional. Há muitos blocos e esforços de integração. Ao mesmo tempo, há uma crise que repercute a crise geral do capitalismo e que corta alguns países de modo particular, criando a sensação de que toda a região segue as mesmas tendências. Penso que essa visão é incorreta. Não dá, por exemplo, para comparar a crise que está dizimando a sociedade e a democracia na Venezuela com a crise brasileira, que está conseguindo ser administrada. O problema é que a região paga um preço alto pelos longos períodos em que “populismos” vigoraram. Muitos países ainda dependem de líderes salvacionistas, a organização democrática é fraca em várias sociedades e a região, como um todo, continua exposta aos ventos internacionais, por mais que alguns de seus países tenham se tornado potências médias ou emergentes. Um “bloco latino-americano” é uma construção que avança com dificuldade. Mas as relações entre os países melhoraram, seja em decorrência dos processos de integração, seja pela vigência de melhores redes de informação e comunicação. Não me parece que caminharemos para trás neste aspecto. Podemos até mesmo avançar, sobretudo se puderem ser contornadas as tensões que nascem da dualidade entre interesse comercial e solidariedade política. A política externa dos diferentes Estados mostra-se hoje mais atenta aos riscos de se abandonar o pragmatismo, de condicionar o comércio à ideologia ou de se praticar retóricas “nacionalistas” que incluam algum tipo de veto aos Estados Unidos. Nestas circunstâncias, como pensar em um mundo mais “pacífico” ou harmonioso? Nosso destino comum de longo prazo passa com certeza por um destino comum de curto prazo que está inteiramente impregnado de tensões, injustiças, violências e contradições. O cientista político Marco Aurélio Nogueira é professor da Unesp e pesquisador do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais Por Eduardo Rascov, escritor, editor e jornalista

A

mérica Latina solo tiene sentido si se ve como una región compuesta por países muy diferentes entre sí, países que vienen buscando en los últimos 20 años formas mejores de integración regional. Hay muchos bloques y esfuerzos de integración. Al mismo tiempo, hay una crisis que refleja la crisis general del capitalismo y que corta algunos países de modo particular, creando la sensación de que toda la región sigue las mismas tendencias. Pienso que esta visión es incorrecta. No se puede, por ejemplo, comparar la crisis que está diezmando a la sociedad y la democracia en Venezuela con la crisis brasileña, que se está consiguiendo administrar. El problema es que la región paga un precio alto por los largos períodos en los que “populismos” han estado en vigor. Muchos países aún dependen de líderes salvacionistas, la organización democrática es débil en varias sociedades y la región, como un todo, sigue expuesta a los vientos internacionales, por más que algunos de sus países se hayan convertido en potencias medias o emergentes. Un “bloque latinoamericano” es una construcción que avanza con dificultad. Pero las relaciones entre los países han mejorado, ya sea como consecuencia de los procesos de integración, o por la vigencia de mejores redes de información y comunicación. No me parece que caminemos hacia atrás en este aspecto. Podemos incluso avanzar, sobre todo si se pueden driblar las tensiones que nacen de la dualidad entre el interés comercial y la solidaridad política. La política exterior de los diferentes Estados se muestra hoy más atenta a los riesgos de abandonar el pragmatismo, de condicionar el comercio a la ideología o de que se practiquen retóricas “nacionalistas” que incluyan algún tipo de veto a los Estados Unidos. En estas circunstancias, ¿cómo pensar en un mundo más “pacífico” o harmónico? Nuestro objetivo común a largo plazo pasa, sin dudas, por un destino común a corto plazo que está enteramente impregnado de tensiones, injusticias, violencias y contradicciones. El científico político Marco Aurélio Nogueira es profesor de Unesp e investigador del Instituto de Políticas Públicas y Relaciones Internacionales. Por Eduardo Rascov, escritor, editor y periodista


t r a n s i ç ã o ? / ¿ T r a n s i c i ón ?

O presente dura muito tempo El presente dura mucho tiempo

Percepções populares das mudanças em Cuba

Foto: João Felipe Gonçalves

Percepciones populares de los cambios en Cuba

Cubanos usam livremente a internet em novos pontos públicos de Wi-Fi, em praças e ruas de Havana

Cubanos usan libremente internet en nuevos puntos públicos de Wi-FI en plazas y calles de La Habana

E

E

m novembro passado, regressei a Cuba para realizar dois meses de trabalho de campo antropológico. A mídia internacional falava de grandes mudanças na ilha e das esperanças dos cubanos por um futuro melhor, e colegas estrangeiros me advertiram que eu encontraria um país muito diferente do que eu tinha visto em minha última visita, em 2013. E de fato encontrei claros sinais de mudanças em Havana: pequenos negócios proliferando por toda parte, al52/53

n noviembre pasado, regresé a Cuba para realizar dos meses de trabajo de campo antropológico. Los medios internacionales hablaban de grandes cambios en la isla y de las esperanzas de los cubanos por un futuro mejor, y compañeros extranjeros me advertían de que me encontraría un país muy diferente al que había visto en mi última visita, en 2013. Y de hecho encontré claras señales de cambios en la Habana: pequeños negocios que proliferaban por

guns elegantes restaurantes privados frequentados por uma nova classe média e uma nova elite, e vários pequenos cartazes escritos à mão anunciando a venda de imóveis. Nas poucas ruas e praças onde se instalaram pontos públicos de wifi, pessoas se aglomeravam e conversavam animadamente com parentes e amigos no exterior através de computadores, tablets e smartphones. Tudo isso era muito novo, fruto claro das reformas levadas a cabo recentemente pelo governo cubano. Porém, quando eu perguntava a amigos e conhecidos havaneses como viam as mudanças no país, sua resposta era unanimemente incrédula: no ha cambiado nada, todo sigue igual. Quando eu reagia mencionando algumas mudanças evidentes, eles retrucavam, um tanto contraditoriamente, que algunas cosas han cambiado, pero para peor. Ou seja, em vez das esperanças otimistas de que costuma falar a imprensa estrangeira, meus interlocutores expressavam dois tipos de narrativa: uma de permanência e uma de decadência. Por um lado, me diziam que havia mais continuidades que novidades: os alimentos distribuídos pelo sistema de racionamento, como antes, eram muito limitados; as demais mercadorias continuavam caríssimas e escassas; a onipresente propaganda política seguia com a perspectiva de sempre; os mesmos velhos estavam no poder. Por outro lado, me davam vários exemplos de declínio do bem-estar social: a pobreza, a mendicância e as desigualdades sociais estavam aumentando; o atendimento de saúde havia piorado; muitas escolas haviam sido fechadas; poucos podiam usufruir dos serviços oferecidos pelos novos negócios; o custo de vida não parava de crescer. Essa visão de persistência combinada com decadência me parece bastante generalizada entre havaneses e havanesas de várias idades, rendas, cores, e locais de moradia. Foi meu trabalho de campo anterior que me permitiu fazer essas observações. Desde 2001 eu já realizara 19 meses de pesquisa em Havana, incluindo um ano contínuo entre 2008 e 2009. Conto ali com uma extensa e sólida rede de amigos, vizinhos e colegas, além de conhecer suficientemente os códigos culturais locais para obter informações e opini-

todas partes, algunos elegantes restaurantes privados frecuentados por una nueva clase media y una nueva elite, y varios pequeños carteles escritos a mano anunciando la venta de inmuebles. En las pocas calles y plazas en las que se instalaron puntos públicos de wifi, las personas se aglomeraban y hablaban animadamente con parientes y amigos en el extranjero a través de ordenadores, tabletas y smartphones. Todo esto era muy nuevo, fruto claro de las reformas llevadas a cabo recientemente por el gobierno cubano. Sin embargo, cuando les preguntaba a amigos y conocidos habaneros cómo veían los cambios en el país, su respuesta era unánimemente incrédula: no ha cambiado nada, todo sigue igual. Cuando reaccionaba, mencionando algunos cambios evidentes, ellos replicaban, un tanto contradictoriamente, que algunas cosas han cambiado, pero para peor. O sea, en vez de las esperanzas optimistas de las que suele hablar la prensa extranjera, mis interlocutores expresaban dos tipos de narrativa: una de permanencia y una de decadencia. Por un lado, me decían que había más continuidades que novedades: los alimentos distribuidos por el sistema de racionamiento, como antes, eran muy limitados; las demás mercancías seguían carísimas y escasas; la omnipresente propaganda política continuaba con la perspectiva de siempre; los mismos viejos estaban en el poder. Por otro lado, me daban varios ejemplos de decadencia del bien estar social: la pobreza, la mendicidad y las desigualdades sociales estaban aumentando; la asistencia sanitaria había empeorado; se habían cerrado muchas escuelas; pocos podían disfrutar de los servicios ofrecidos por los nuevos negocios; el coste de vida no paraba de crecer. Esta visión de persistencia combinada con decadencia me parece bastante generalizada entre habaneros y habaneras de varias edades, rentas, colores y lugares de residencia. Fue mi trabajo de campo anterior el que me permitió hacer estas observaciones. Desde el 2001 ya había realizado 19 meses de investigación en la Habana, incluyendo un año continuado entre el 2008 y el 2009. Cuento allí con una extensa y sólida red de amigos, vecinos y colegas, además de


ões pouco acessíveis a visitantes mais ocasionais. Reconheço que tenho menos conhecimento etnográfico sobre o interior da ilha, mas em visitas a outras províncias entre dezembro e janeiro passados percebi ali o mesmo ceticismo com relação às mudanças por que passa o país. Tal visão cética certamente tem fundamentos na realidade do país. As reformas feitas sob a liderança de Raúl Castro têm tido um caráter mais econômico que político, e as vias continuam fechadas para uma oposição organizada e pública ao governo. Isso foi novamente demonstrado em abril deste ano pelo VII Congresso do Partido Comunista de Cuba, que frustrou as expectativas internacionais de renovação generacional e abertura política. Apesar de ter sido anunciada uma futura unificação das duas moedas cubanas e de algumas empresas já estarem aceitando pagamento em ambas, a economia continua dividida entre um setor baseado em pesos cubanos (nos quais se recebem os salários e com os quais se obtêm serviços de lazer e transporte, produtos subsidiados pelo racionamento e os caros alimentos vendidos em feiras livres) e um setor baseado em pesos conversíveis (chamados popularmente de “dólares” por terem o valor atrelado à moeda norte-americana, e nos quais se oferecem todas as demais mercadorias e serviços, como produtos de higiene, artigos eletrônicos, eletrodomésticos e a maioria das roupas). Isso, obviamente, implica enormes dificuldades econômicas para a maioria dos cubanos, especialmente para aqueles que não têm acesso a moedas fortes – e explica a piada corrente de que para viver em Cuba é necessário ter fe, ou seja, familia en el exterior. Isso não mudou com as recentes reformas econômicas – ao contrário, elas geraram uma estratificação ainda maior entre os que têm mais ou menos acesso a dólares. Os novos serviços e produtos disponíveis aumentaram muito as expectativas de consumo, mas elas são inatingíveis para a maioria dos cidadãos – especialmente com o aumento geral dos preços. A saúde pública local tem sofrido fortemente com a crescente exportação oficial de médicos cubanos para o exterior, pois cada vez mais a po54/55

conocer suficientemente los códigos culturales locales para obtener informaciones y opiniones poco accesibles a visitantes más ocasionales. Reconozco que tengo menos conocimiento etnográfico sobre el interior de la isla, pero en visitas a otras provincias entre diciembre y enero pasado noté allí el mismo escepticismo con relación a los cambios por los que atraviesa el país. Tal visión escéptica ciertamente tiene fundamentos en la realidad del país. Las reformas realizadas bajo el liderazgo de Raúl Castro han tenido un carácter más económico que político, y las vías continúan taponadas para una oposición organizada y pública al gobierno. Esto ha sido demostrado nuevamente en abril de este año en el VII Congreso del Partido Comunista de Cuba, que ha frustrado las expectativas internacionales de renovación generacional y apertura política. A pesar de haber sido anunciada una futura unificación de las dos monedas cubanas y de que algunas empresas ya están aceptando el pago en ambas, la economía sigue dividida entre un sector basado en pesos cubanos (en los que se reciben los sueldos y con los que se obtienen servicios de ocio y transporte, productos subsidiados por el racionamiento y los caros alimentos vendidos en los mercados) y un sector basado en los pesos convertibles (llamados popularmente “dólares” por tener el valor parejo a la moneda estadounidense, y en los que se ofrecen todas las demás mercancías y servicios, como productos de higiene, artículos electrónicos, electrodomésticos y la mayoría de las ropas. Esto, obviamente, implica enormes dificultades económicas para la mayoría de los cubanos, especialmente para quienes no tienen acceso a monedas fuertes – y explica el chiste corriente de que para vivir en Cuba es necesario tener fe, es decir, familia en el exterior. Esto no ha cambiado con las recientes reformas económicas – al contrario, estas han generado una estratificación aún mayor entre los que tienen más o menos acceso a los dólares. Los nuevos servicios y productos disponibles han aumentado mucho las expectativas de consumo, pero son inalcanzables para la mayoría de los ciudadanos – especialmente con el aumento general de los precios. La salud pública

pulação é atendida por inexperientes estudantes de medicina. A nova rede de transporte público instalada em Havana em 2008 já mostra claros sinais de deterioração, com ônibus menos frequentes, mais cheios e em mau estado de conservação. O sistema de escuelas en el campo – em que alunos do ensino médio residiam e estudavam no interior – foi encerrado, transferindo às famílias os custos de alimentação e moradia de milhares de jovens. Várias escolas urbanas – como uma que ficava em frente à minha casa em Havana – também foram fechadas para a redução de custos. Novos blocos habitacionais estão sendo construídos, mas são destinados quase que exclusivamente àquele grupo crescentemente privilegiado que hoje controla não somente a política como grande parte da economia nacional (inclusive o turismo): os militares. Assim, os cubanos estão conhecendo hoje os piores efeitos que o neoliberalismo trouxe a várias partes do mundo: crescente pobreza e desigualdades. Em suma, há boas razões que justificam a visão popular de persistência e decadência prevalecente hoje em Havana. Mas essa visão tem raízes também nas formas de imaginar o tempo e a história que têm predominado em Cuba há muitos anos. Toda realidade social é apreendida através de esquemas culturais, e – como mostrou o antropólogo MichelRolph Trouillot – a história só é entendida através de narrativas que lhe dão ordem e sentido. São representações coletivas que explicam por que mesmo os beneficiários de políticas recentes se negam a reconhecer que mudanças reais estejam acontecendo ou tenham algo de positivo. Entre os que me traçaram um quadro de continuidade e de declínio se encontram, por exemplo, uma mulher casada com um estrangeiro que finalmente pode levar o filho para suas férias no exterior, um homem que agora pode frequentar baladas e pontos de namoro gay sem ser detido pela polícia, uma adolescente que possui um celular presenteado (e sempre recarregado) por uma tia que mora em Miami, e proprietários que alugam apartamentos para estrangeiros sem pagar os impostos exorbitantes que existiam até recentemente. Pelo que me relataram amigos, mesmo a visita de

local está sufriendo fuertemente con la creciente exportación oficial de médicos cubanos al exterior, pues cada vez más la población es atendida por inexpertos estudiantes de medicina. La nueva red de transporte público instalada en la Habana en 2008 ya muestra claras señales de deterioro, con autobuses menos frecuentes, más llenos y en mal estado de conservación. El sistema de escuelas en el campo – en el que los alumnos de la enseñanza media residían y estudiaban en el campo – fue clausurado, transfiriendo a las familias los costes de la alimentación y la vivienda de millares de jóvenes. Varias escuelas urbanas – como una que estaba enfrente de mi casa en la Habana – también han sido cerradas para la reducción de costes. Nuevos bloques de viviendas se están construyendo, pero se destinan casi exclusivamente a aquel grupo privilegiado creciente que hoy controla no solo la política, sino también gran parte de la economía nacional (incluso el turismo): los militares. Así, los cubanos están conociendo hoy los peores efectos que el neoliberalismo ha traído a varias partes del mundo: creciente pobreza y desigualdades. En suma, hay buenas razones que justifican la visión popular de persistencia y decadencia que prevalece hoy en la Habana. Pero esta visión tiene raíces también en las formas de imaginar el tiempo y la historia que predominan en Cuba desde hace muchos años. Toda la realidad social se aprehende a través de esquemas culturales y – como ha mostrado el antropólogo Michel-Rolph Trouillot – la historia solo se entiende a través de narrativas que le dan orden y sentido. Son representaciones colectivas que explican por qué incluso los que se benefician de políticas recientes se niegan a reconocer que estén sucediendo cambios reales o que estos tengan algo de positivo. Entre los que me trazaron un cuadro de continuidad y de decadencia se encuentran, por ejemplo, una mujer casada con un extranjero que finalmente puede llevarse a su hijo de vacaciones al exterior, un hombre que ahora puede frecuentar fiestas y puntos de relaciones gay sin que le detenga la policía, una adolescente que posee un teléfono celular regalado (y siempre recargado) por una tía que vive en Miami, y propietarios que alquilan pisos a extranjeros sin pagar


56/57

los impuestos exorbitantes que existían hasta hace poco. Por lo que me han relatado amigos, incluso la visita de Barack Obama se recibió sobre todo con incredulidad y asombro. Pocos vieron en ella una señal de cambio interno efectivo – ¡cómo si un presidente estadounidense que defendía la democracia liberal en la televisión cubana no fuera una inmensa novedad! Pero, ¿cuáles son las narrativas preexistentes que permiten que los cambios contemporáneos se vean bajo las lentes de la permanencia y de la decadencia? Según mi punto de vista, se trata de dos formas de temporalidad que se han desarrollado en Cuba en las últimas cinco décadas y que quiero llamar de “el gran antes” y “las dificultades permanentes”. La primera de ellas tiene su origen en la obsesión del discurso gubernamental por los años 1950, representados como un período de miseria, violencia, corrupción moral y dominación extranjera, por un lado, y de luchas y resistencias heroicas, por otro. Este “gran antes” aparece de innumerables formas en la vida cotidiana de los cubanos: en los medios, en los museos, en las exposiciones, en los libros de memorias, en las escuelas, en los cines. En la imaginación oficial, la tenebrosa era de Batista es el pasado con el que todo presente se debe comparar, generando un balance inevitablemente positivo para el período socialista. Constantemente diseminada desde los años 1960, esta visión oficial se enraizó de tal forma en la imaginación popular que, incluso para los críticos del gobierno, el término “antes”, cuando se refiere a fenómenos colectivos, se convirtió en sinónimo de “antes de 1959”. Una vez estaba comiendo naranjas con un amigo – negro, que vivía en un patio de vecinos y crítico feroz del gobierno – que me comentó que “antes” hasta las frutas eran mejores en Cuba. Cuando le pregunté si me hablaba del período anterior a la crisis de los años 1990, se rio y me explicó: no, chico, cuando yo digo “antes”, quiero decir “antes”. En otra ocasión, una profesora me dio su dirección informando el número de la calle y agregando: el número de la casa es el último año en que Cuba fue feliz: 1958. Para defensores y críticos del gobierno, por

Foto: João Felipe Gonçalves

Barack Obama foi recebida sobretudo com incredulidade e assombro. Poucos viram nela um sinal de mudança interna efetiva – como se um presidente estadunidense defendendo a democracia liberal na televisão cubana não fosse uma imensa novidade! Mas quais são as narrativas preexistentes que permitem que as mudanças contemporâneas sejam vistas pelas lentes da permanência e da decadência? A meu ver, trata-se de duas formas de temporalidade que se desenvolveram em Cuba nas últimas cinco décadas e que quero chamar de “o grande antes” e “as dificuldades permanentes”. A primeira delas tem origem na obsessão do discurso governamental pelos anos 1950, representados como um período de miséria, violência, corrupção moral e dominação estrangeira, por um lado, e de lutas e resistências heroicas, por outro. Esse “grande antes” aparece em inúmeras formas na vida cotidiana dos cubanos: na mídia, em museus, em exposições, em livros de memórias, nas escolas, nos cinemas. Na imaginação oficial, a tenebrosa era de Batista é o passado com o qual todo presente deve ser comparado, gerando um saldo inevitavelmente positivo para o período socialista. Constantemente disseminada desde os anos 1960, essa visão oficial se enraizou de tal forma na imaginação popular que, mesmo para os críticos do governo, o termo “antes”, quando referido a fenômenos coletivos, se tornou sinônimo de “antes de 1959”. Uma vez eu estava comendo laranjas com um amigo – negro, morador de um cortiço e crítico feroz do governo – e ele comentou que “antes” até as frutas eram melhores em Cuba. Quando eu perguntei se ele falava do período anterior à crise dos anos 1990, ele riu e explicou: no, chico, cuando yo digo “antes”, quiero decir “antes”. De outra feita, uma professora me deu seu endereço informando o nome da rua e agregando: el número de la casa es el último año en que Cuba fue feliz: 1958. Para defensores e críticos do governo, portanto, 1959 é o grande divisor de águas da história cubana e todas as mudanças por que o país passou desde então

Permanência com decadência: o “grande antes” e as “dificuldades permanentes” inibem os cubanos de imaginar o futuro

Permanencia con decadencia: “El gran antes” y “las dificultades permanentes” inhiben a los cubanos de imaginar el futuro

– e foram muitas! – empalidecem em comparação ao grande “antes”. Desde então, é como se Cuba vivesse um eterno presente. A segunda grande narrativa que precede e ajuda a explicar a atitude perante as mudanças atuais em Cuba é a que chamo de “dificuldades permanentes”. Ao contrário do socialismo real euroasiático, o regime cubano nunca se apresentou como totalmente vitorioso. Apesar de constantemente salientar as admiráveis conquistas sociales, a propaganda oficial sempre deu maior ênfase às dificuldades encontradas pelo socialismo e a suas repetidas batalhas contra inimigos internos e externos. É significativo que a maior festividade patriótica cubana não celebre a vitória dos revolucionários, mas sua primeira e maior derrota: o ataque frustrado a um quartel em 26 de

tanto, 1959 es el gran divisor de aguas de la historia cubana y todos los cambios por los que pasó el país desde entonces - ¡y han sido muchos! – palidecen en comparación al gran “antes”. Desde entonces, es como si Cuba viviese un eterno presente. La segunda gran narrativa que precede y ayuda a explicar la actitud ante los cambios actuales en Cuba es la que llamo “dificultades permanentes”. Al contrario del socialismo real euroasiático, el régimen cubano nunca se ha presentado como totalmente victorioso. A pesar de que constantemente se destacan las admirables conquistas sociales, la propaganda oficial siempre le ha dado mayor énfasis a las dificultades encontradas por el socialismo y a sus repetidas batallas contra enemigos internos y externos. Es significativo que la mayor festividad patriótica


julho de 1953. A derrota é também reconhecida por dois grandes lemas oficiais que projetam a vitória do socialismo para um futuro eterno: ¡Hasta la victoria, siempre! – a frase de Che Guevara mais citada em Cuba – e ¡Venceremos! – o clamor com que termina todo ato político oficial no país. Repetidos diariamente em inúmeros meios escritos e orais, esses dois lemas colocam a vitória em futuro inatingível, cuja distância temporal se renova a cada reiteração. Alongase assim um presente cheio de dificuldades e fracassos, que o governo reconhece, enfatiza e quase sempre atribui ao embargo comercial estadunidense. Como o grande antes, o discurso oficial das dificuldades permanentes também tem sua versão popular e crítica, pois a imensa maioria dos havaneses costuma narrar sua vida diária como uma luta incessante, uma lida contra inúmeras dificuldades. Uma forma corriqueira de responder ao cumprimento ¿cómo estás? é ahí, en la lucha – o que se refere, é claro, não à luta pelo socialismo, mas pela sobrevivência. Também a expressão no es fácil se tornou desde os anos 1990 um mantra usado para comentar sobre os mais diversas problemas cotidianos. O uso ubíquo dessa frase – no dizer do escritor Abilio Estévez, “um delicado eufemismo usado em qualquer circunstância adversa, e para os havaneses qualquer circunstância é adversa” (2004, pp. 248249, tradução minha) – demonstra como a narrativa popular sobre o cotidiano é marcada por queixas constantes. Embora atribua os problemas diários ao governo, essa narrativa crítica ecoa o discurso oficial das dificuldades do socialismo cubano. Assim, as duas narrativas que predominam há décadas em Cuba – a do grande antes e a das dificuldades permanentes – fornecem o contexto simbólico em que as mudanças atuais no país são popularmente entendidas – ou melhor, minimizadas e criticadas. Por um lado, a narrativa do grande antes torna pequenas e superficiais todas as transformações históricas ocorridas em Cuba desde a consolidação do socialismo, inclusive as de hoje em dia. Por outro lado, a narrativa das dificuldades permanentes permite ver as mudanças atuais de forma unilateralmente negativa e crítica. Como afir58/59

cubana no celebre la victoria de los revolucionarios, sino su primera y mayor derrota: el ataque frustrado a un cuartel el 26 de julio de 1953. La derrota es también reconocida por dos grandes lemas oficiales que proyectan la victoria del socialismo para un futuro eterno: ¡Hasta la victoria, siempre! – la frase de Che Guevara más citada en Cuba – y ¡Venceremos! – el clamor con el que termina todo acto político oficial en el país. Repetidos diariamente en innumerables medios escritos y orales, estos dos lemas colocan la victoria en un futuro intangible, cuya distancia temporal se renueva a cada reiteración. Se alarga, así, un presente lleno de dificultades y fracasos, que el gobierno reconoce, enfatiza y casi siempre atribuye al embargo comercial estadounidense. Como el gran antes, el discurso oficial de las dificultades permanentes también tiene su versión popular y crítica, pues la inmensa mayoría de los habaneros suele narrar su vida diaria como una lucha incesante, una faena contra innumerables dificultades. Una forma cotidiana de responder al saludo ¿cómo estás? es ahí, en la lucha – lo que se refiere, claro está, no a la lucha por el socialismo, sino por la supervivencia. Asimismo, la expresión no es fácil se convirtió desde los años 1990 en un mantra usado para comentar sobre los más diversos problemas cotidianos. El uso ubicuo de esta frase – en palabras del escritor Abilio Estévez, “un delicado eufemismo usado en cualquier circunstancia adversa, y para los habaneros cualquier circunstancia es adversa” (2004, pp. 248-249, traducción mía) – demuestra cómo la narrativa popular sobre el día a día está marcada por quejas constantes. Aunque atribuya los problemas diarios al gobierno, esta narrativa crítica reproduce el discurso oficial de las dificultades del socialismo cubano. Así, las dos narrativas que predominan desde hace décadas en Cuba – la del gran antes y la de las dificultades permanentes – proporcionan el contexto simbólico en el que los cambios actuales en el país son popularmente entendidos – o mejor, minimizados y criticados. Por un lado, la narrativa del gran antes torna pequeñas y superficiales todas las transformaciones históricas ocurridas en Cuba desde la consolidación del socialismo, incluso las de hoy en día.

mei acima, isso não quer dizer que a dupla percepção de permanência com decadência seja falsa ou imaginária. Ela tem bases muito concretas na realidade cubana contemporânea. Contudo, qualquer mudança histórica, em qualquer lugar, é apreendida por esquemas culturais preexistentes, que enfatizam alguns aspectos e obscurecem outros. No caso em questão, as narrativas cubanas anteriores predispõem à visão de continuidade combinada com declínio e impõem sérios limites à imaginação de mudanças fundamentais e para melhor. Em outras palavras, tanto a narrativa do grande antes quanto a das dificuldades permanentes prolongam o presente de forma indefinida e inibem a imaginação de um porvir alternativo. Quando combinadas, as duas narrativas – cada uma delas com sua versão oficial e popular – criam um tempo presente cheio de obstáculos e dificuldades que se expande eternamente. Não é por acaso que inúmeros havaneses se queixam de não conseguirem antever um futuro para seu país – e nem para si mesmos em seu país. Ao não verem saída para Cuba, milhares optam pela saída de Cuba. As migrações para o exterior cresceram sistematicamente nas últimas décadas e se aceleraram nos últimos anos, e é comum que migrantes expliquem sua decisão dizendo que en Cuba yo no tenía futuro. Como se o futuro também tivesse emigrado, os que ficam na ilha vivem em um eterno presente. É por isso que, apesar das novidades que os cercam, a maioria dos havaneses não vive hoje um momento de grandes esperanças. Referências: Estévez, Abilio. 2004. Inventario secreto de La Habana. Barcelona: Tusquets Editores. Trouillot, Michel-Rolph. 1995. Silencing the Past: Power and the Production of History. Boston: Beacon Press. Por João Felipe Gonçalves, professor do Departamento de Antropologia da USP.

Por otro, la narrativa de las dificultades permanentes permite ver los cambios actuales de forma unilateralmente negativa y crítica. Como he afirmado arriba, esto no quiere decir que la doble percepción de permanencia con decadencia sea falsa o imaginaria. Tiene bases muy concretas en la realidad cubana contemporánea. Sin embargo, cualquier cambio histórico, en cualquier lugar, se aprehende por esquemas culturales preexistentes, que dan énfasis a algunos aspectos y oscurecen otros. En este caso en cuestión, las narrativas cubana anteriores predisponen a la visión de continuidad combinada con la decadencia e imponen serios límites a la imaginación de cambios fundamentales y para mejor. En otras palabras, tanto la narrativa del gran antes como la de las dificultades permanentes prolongan el presente de forma indefinida e inhiben la imaginación de un porvenir alternativo. Cuando se combinan, las dos narrativas – cada una de ellas con su versión oficial y popular - crean un tiempo presente lleno de obstáculos y dificultades que se expande eternamente. No es casual que innumerables habaneros se quejen de que no consiguen antever un futuro para su país – ni tampoco para sí mismos en su país. Al no ver salida para Cuba, millares optan por la salida de Cuba. Las migraciones para el exterior han crecido sistemáticamente en las últimas décadas y se han acelerado en los últimos años, y es común que migrantes expliquen su decisión diciendo que en Cuba yo no tenía futuro. Como si el futuro también hubiese emigrado, los que se quedan en la isla viven en un eterno presente. Es por eso que, a pesar de las novedades que los rodean, la mayoría de los habaneros no vive hoy un momento de grandes esperanzas. Referencias: Estévez, Abilio. 2004. Inventario secreto de La Habana. Barcelona: Tusquets Editores. Trouillot, Michel-Rolph. 1995. Silencing the Past: Power and the Production of History. Boston: Beacon Press. Por João Felipe Gonçalves, profesor de Antropología de la USP.


c o l ô m b i a,a r t e e p a z / C o l o m b i a, a r t e y p a z

Quando a paisagem perde a inocência

Cuando el paisaje pierde la inocencia

“No son margaritas”, da série “Glifosatos” óleo sobre madeira, 17.2 x 71.2 cm/2009

A

Colômbia está prestes a assinar um acordo histórico que colocará fim a um conflito de 50 anos com as FARC-EP. Os ventos pacificadores que emanam de Cuba, onde se dão as negociações, arejam a sociedade colombiana, que começa a fazer um balanço de sua história recente. Um balanço de esperança e medo - vazado em várias linguagens, inclusive a artística. O trabalho de Pedro Ruiz, por exemplo, ganha nova força e pode ser compreendido em sua totalidade. “Oro. Espíritu y naturaleza de un territorio” - que o pintor expos no Memorial este ano – não é a celebração de uma Colômbia paradisíaca, um santuário no qual plana o espírito da natureza, que finalmente reencontrou a paz. Não. A obra de Ruiz é um grito por uma terra ameaçada, que sofreu grandes reveses nas últimas décadas, não apenas pelas fumigações químicas assassinas, como também pelos 60/61

bombardeios militares e o deslocamento de populações rurais e dos que viviam nas margens dos rios. Refletindo sobre Ruiz, o escritor colombiano William Ospina definiu bem: “Há um século, ninguém acreditaria que um pintor poderia pintar um belo campo de papoulas, a costa exuberante de um rio equinocial, a biodiversidade da selva, campos semeados e chama-los, com razão, de “naturezas mortas”. [Em Ruiz] estamos diante de um exercício múltiplo e complexo, em que se juntam Manet e Brueghel, o assombro diante da natureza e o triunfo da morte, o amor à paisagem e o espírito crítico da arte, Páramo e Goya, a vida verde e a morte branca”. Eduardo Rascov é escritor, editor e jornalista

C

olombia está a punto de firmar un acuerdo histórico que pondrá fin a un conflicto de 50 años con las FARC. Los vientos pacificadores que emanan de Cuba, donde transcurren las negociaciones, son un golpe de aire fresco para la sociedad colombiana, que empieza a hacer balance de su historia reciente. Un balance de esperanza y miedo – transmitido en varios lenguajes, incluso el artístico. El trabajo de Pedro Ruiz, por ejemplo, gana nueva fuerza y se puede comprender en su totalidad. “Oro. Espíritu y naturaleza de un territorio” – que este año el pintor expuso en el Memorial - no es la celebración de una Colombia paradisiaca, como un santuario en el que planea el espíritu de la naturaleza, que finalmente ha reencontrado la paz. No. La exposición de Ruiz es un grito por una tierra amenazada, que ha sufrido grandes reveses en las últimas décadas,

no solo por las fumigaciones químicas asesinas, sino también por los bombardeos militares y los desplazamientos de las poblaciones campesinas y de las que viven a la orilla de los ríos. Al reflexionar sobre la obra de Ruiz, el escritor colombiano William Ospina ha definido bien: “Hace un siglo, nadie creería que un pintor podría pintar un hermoso campo de amapolas, la costa exuberante de un río equinoccial, la biodiversidad de la selva, campos sembrados y llamarlos, con razón, de “naturalezas muertas”. [En Ruiz] estamos ante un ejercicio múltiple y complejo, en el que se juntan Manet y Brueghel, el asombro ante la naturaleza y el triunfo de la muerte, el amor al paisaje y el espíritu crítico del arte, Páramo y Goya, la vida verde y la muerte blanca”. Por Eduardo Rascov, escritor, editor y periodista


OL H AR / MIRAd a

O Universo Encapsulado de

Hernán Reig Los universos encapsulados de

Hernán Reig

A

forma plana não detém mais o fotógrafo argentino Hernán Reig. Nem a representação o satisfaz como quando saía a fotografar Buenos Aires. Hoje ele constrói delicadas iluminuras tridimensionais e encapsuladas. Universos em bolhas em assépticos blisters farmacêuticos. Depois, fotografa-os e os exibe em grandes dimensões. Insatisfeito, escreve sobre eles.

Cada uno es como es cada quien es cada cual cada loco con su tema*

*(Joan Manuel Serrat)

62/63

Las formas de dios y las huellas del gen y una escalera

Antes delfin ahora hambre y después nada

Los colores plagian la felicidad finge la fe duda

Diez cápsulas especiales diversos objetivos Apareamiento

Las hojas de Sao Paulo un otoño irremediable winter is coming

Las partes son el todo de un todo a partes Tecno gestalt

L

a forma plana ya no detiene al fotógrafo argentino Hernán Reig. Tampoco la representación lo satisface como cuando salía a fotografiar Buenos Aires. Hoy construye delicadas ilustraciones tridimensionales y encapsuladas. Universos en burbujas en asépticos blisters farmacéuticos. Luego, los fotografía y los exhibe en grandes dimensiones. Insatisfecho, escribe sobre ellos.

Zipper mercado Péndulo de plata destino argentino


F I C Ç ÃO I N É D ITA

O passeio

El paseo Para Eduardo y los demás implicados

Para Eduardo e os demais envolvidos

O

Foto: Eduardo Sterzi

s três meninos iam no banco de trás da caravan azul bebê. O mais velho estava sentado no meio, separando os outros dois que, por vezes, sem qualquer motivo aparente, se pegavam a tapa até que seus narizes sangravam. Era o único que tinha o cabelo castanho escuro, grosso e liso, como o dos chineses, que gostava de imitar comendo arroz com pauzinho, ou como o dos índios do Alto Xingu, que ele conheceria mais de três décadas depois. Ia fazer oito anos dali a alguns meses. Por isso, consideravase responsável pelo irmão e pelo primo, os loirinhos da família, cerca de três anos mais jovens do que ele. Quem dirigia era o tio, sozinho no banco da frente. Iam pela avenida Beira-Mar a sessenta quilômetros por hora ouvindo Marvin Gaye no toca-fitas. Naquela época do ano, as ruas estavam praticamente desertas. Eram poucos os que ficavam na praia na semana posterior ao Carnaval, quando o calor arrefecia e começava a soprar uma brisa no final da tarde. Nenhum deles usava cinto de segurança: ainda não se sabia o que era ter medo. Quando o tio aumentava o som até quase estourar as caixas, os meninos se botavam a rir e a gritar de alegria: este era o sinal de que iriam acelerar. Já era a oitenta quilômetros por hora e cantando pneu que o carro saía da Beira-Mar, dobrava numa clareira entre as dunas e ganhava a areia fina e dura 64/65

L

os tres niños iban en el asiento trasero de la caravan azul bebé. El mayor estaba sentado en medio, separando a los otros dos que, a veces, sin motivo aparente, se daban golpes hasta sangrar por las narices. Era el único que tenía el pelo castaño oscuro, grueso y liso, como el de los chinos, a quienes le gustaba imitar comiendo arroz con los palillos, o como el de los indios de Alto Xingú, que él conocería más de tres décadas después. Iba a cumplir ocho años dentro de algunos meses. Por eso, se consideraba responsable del hermano y del primo, los rubitos de la familia, casi tres años más jóvenes que él. Quien conducía era el tío, solo en el asiento de delante. Iban por la avenida del paseo marítimo a sesenta quilómetros por hora, oyendo a Marvin Gaye en el radiocassete. En aquella época del año, las calles estaban prácticamente desiertas. Eran pocos los que se quedaban en la playa en la semana posterior al Carnaval, cuando el calor arrecia y empezaba a soplar una brisa al final de la tarde. Ninguno de ellos llevaba puesto el cinturón de seguridad: aún no sabían lo que era tener miedo. Cuando el tío aumentaba el volumen hasta casi explotar los altavoces, los niños se echaban a reír y a gritar de alegría: esta era la señal de que iban a acelerar. Ya estaban a ochenta quilómetros por hora y chillaban los neumáticos cuando el coche salía del

da praia. Os três meninos gargalhavam, caindo uns por sobre os outros. O tio chegava a colocar mais de cem quilômetros por hora na caravan. O vento que inundava o carro atuava como um alucinógeno nos pequenos corpos dos guris. Eles riam ainda mais como se, agindo assim, fossem capazes de expandir aquele instante ao infinito. O tio dava então um repentino cavalinho de pau e eles se jogavam uns por cima dos outros exagerando o efeito da inércia. Era depois disso que se botavam a cantar o refrão da música escrita em língua estrangeira, inventando palavras sem sentido em substituição àquelas que ainda não entendiam e que falavam que nunca haveria uma montanha alta o bastante, um vale profundo o bastante e um rio selvagem o bastante que pudesse separá-los. Por Verônica Stigger, autora de “Opisanie swiata”, romance ganhador do Prêmio São Paulo 2014 na categoria “melhor estreante acima de 40 anos”.

paseo marítimo, doblaba en un claro entre las dunas y alcanzaba la arena fina y dura de la playa. Los niños se partían de risa, cayéndose unos sobre los otros. El tío llegaba a ponerse a más de cien quilómetros por hora en la caravan. El viento que inundaba el auto actuaba como un alucinógeno en los pequeños cuerpos de los chavales. Se reían aún más como si, comportándose de esta manera, fueran capaces de expandir aquel instante hasta el infinito. El tío daba entonces un repentino volantazo y ellos se lanzaban sobre los otros exagerando el efecto de la inercia. Tras esto era cuando se ponían a cantar el estribillo de la música escrita en lengua extranjera, inventando palabras sin sentido que sustituían a las que aún no entendían y que hablaban que nunca habría una montaña lo bastante alta, un valle lo bastante profundo o un río lo bastante salvaje que pudiera separarlos. Por Verônica Stigger, autora de “Opisanie swiata”, novela ganadora del Premio São Paulo 2014 en la categoría “mejor principiante más de 40 años.”

Uma vez, conversando com amigos, percebi que só eu lembrava certos detalhes (uma roupa, uma frase, uma mobília...) de algumas histórias que havíamos vivido juntos. Meus amigos não apenas haviam esquecido tais pormenores como acreditavam que eu estivesse inventando o que, para mim, ficara tão fortemente gravado na memória que era como se a imagem do que acontecera voltasse em sonho, para mim, todas as noites. Isso me fez pensar que o escritor talvez seja uma espécie de guardião da memória: ele se lembra daquilo que todos esquecem. Não sei se isso é bom, mas sei que é isso que acaba movendo muitas das histórias que conto. Escrevi “O passeio” em 24 de dezembro de 2015. Foi o presente de Natal que dei a meu marido, Eduardo Sterzi. Não queria que ele se esquecesse de uma história que sempre gostou de me contar.

Una vez, hablando con amigos, me di cuenta de que solo yo recordaba ciertos detalles (una ropa, una frase, un mueble…) de algunas historias que habíamos vivido juntos. A mis amigos no solo se les habían olvidado estos detalles, sino que creían que yo los estaba inventando o que, a mí se me habían quedado tan fuertemente grabados en la memoria que era como si la imagen de lo que había ocurrido volviera en sueños, para mí, todas las noches. Esto me hizo pensar que el escritor tal vez sea una especie de guardián de la memoria: recuerda aquello que todos olvidan. No sé si esto es bueno, pero sé que es esto lo que acaba moviendo muchas de las historias que cuento. Escribí “El paseo”, el 24 de diciembre del 2015. Fue el regalo de navidad que le di a mi marido, Eduardo Sterzi. No quería que se le olvidara una historia que siempre le ha gustado contarme.

Veronica Stigger

Veronica Stigger


humor

Com esta caricatura de Vinícius de Moraes, Paulo Cavalcante venceu o 1° Salão Latino-americano de Humor, promovido pelo Memorial e a Associação dos Cartunistas do Brasil, no primeiro semestre. O tema era “Sons da América Latina”. Cavalcante foi escolhido pelos próprios finalistas do Salão.

66/67

Con esta caricatura de Vinícius de Moraes, Paulo Cavalcante ganó el 1er Salón Latinoamericano de Humor, promovido por el Memorial y la Asociación de los Dibujantes de Brasil, en el primer semestre. El tema era “Sonidos de América Latina”. Cavalcante fue elegido por los propios finalistas del Salón.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.