Galileo 309 br 2017 04

Page 1

A CIÊNCIA AJUDA VOCÊ A MUDAR O MUNDO

R$16,5bi R$12,8bi

CIENTISTAS VÃO ÀS RUAS CONTRA GOVERNOS

Loteria

OS LUGARES EM QUE TODO MUNDO RECEBE MESADA

Jogosilegais

COM PROIBIÇÃO, BRASIL DEIXA DE ARRECADAR MAIS DE R$ 15 BILHÕES • P.21

ENTREVISTA: RONALDO LEMOS E A TECNOLOGIA A FAVOR DA POLÍTICA P. 48

COMO A DESIGUALDADE COMPROMETE A SUA

Os ricos brasileiros vivem menos que os pobres suecos. Entenda como as grandes diferenças sociais estão afetando a qualidade de vida de toda a população

P. 30

C A RG A TRIBUTÁ RI A FEDER A L A PROX . 4,65%

P.58

309

VENDA PROIBIDA

P. 07

EDIÇÃO

EXEMPLAR DE ASSINANTE

P.64

FÍSICO REJEITA TEORIA DA GRAVIDADE DE EINSTEIN

R$14,00

DOSSIÊ JOGOS DE AZAR

edição de ipad

ABR. 17


NOVOAPPGALILEU

O MUNDO ESTÁMUDANDO CONSTANTEMENTE. TENHA TUDO O QUE PRECISA SABER SOBRE OS TEMASATUAIS NA PALMA DA SUA MÃO. Todo o conteúdo e todas as edições de GALILEU disponíveis em seu celular ou tablet, totalmente adaptados à tela.

ENVIE UM SMS GRÁTIS COM A PALAVRA GALILEU PARA 30133 E BAIXE O APLICATIVO. DISPONÍVEL PARA


COMPOSIÇÃO EDIÇÃO DE ABRIL DE 2017

ANTIMATÉRIA

MATÉRIAS P.14 INFOMANIA ESCRITORES AFRICANOS

P.07 CIENTISTAS CONTRA TRUMP

P.10 DESAFIO CONTRA O CÂNCER P.11 A MOTOSSERRA E A POLÍTICA

P.15 ENTREVISTA COM M. NIGHT SHYAMALAN

P.30 A DESIGUALDADE NOS DEIXA DOENTES

P.15 MORGAN FREEMAN E SUA NOVA SÉRIE

P.42 ENSAIO A JORNADA DOS RINOCERONTES

P.16 AVALIAÇÃO COMPLETA DO NINTENDO SWITCH

P.48 ENTREVISTA RONALDO LEMOS

P.17 OS MELHORES CELULARES DE 2017

P.52 MULHERES DE OURO P.58 EXISTE DINHEIRO GRÁTIS

P.20 ELEMENTAR LENTE DE CONTATO

P.64 O QUE FAZ AS COISAS CAÍREM?

P.12 O BIÓGRAFO DA TEORIA DA RELATIVIDADE

P.13 PLANTINHAS ESPACIAIS

P.21 DOSSIÊ JOGOS DE AZAR

BOLADA O jogo do bicho movimenta anualmente cerca de R$ 12 bilhões com apostas sem supervisão do Estado.

P.71 TUBO DE ENSAIOS P.72 PANORÂMICA P.74 ULTIMATO


AutorA best-seller com mAis de 2 milhões de livros vendidos

Depressão não é frescura Em Mentes depressivas, a dra. Ana Beatriz Barbosa Silva, médica psiquiatra e escritora, disseca a depressão de forma inovadora ao abordar a doença do século por meio de suas três dimensões: física, mental e espiritual.

Nas livrarias e em e-book


PRIMEIRAMENTE

W W W.G ALILEU.GLOBO.COM

#309

QUEM FEZ A CAPA FOTO Tomás Arthuzzi PRODUÇÃO Beatriz Liranço MODELO Luanna Marin MAQUIAGEM Ananda Resende

04. 2017

POR CRISTINE KIST

AGRADECIMENTOS Ricardo Almeida Riachuelo Interdomus LAFER

COLABORADORES DO MÊS

Fernanda Didini

uma solução satisfatória. Foi o que aconteceu na última edição de julho,

EDITORA DE ARTE

sobre meritocracia (O pobre tem seu

ONDE NASCEU E ONDE MORA Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP)

lugar. E não sai de lá por quê?), quando usamos a imagem de uma babá

HISTÓRICO Formada em 2009 pela UFPE, Campus do Agreste – Caruaru. Já passou pela FutureBrand e Editora Abril.

em um elevador de serviço amarelo que a editora de arte Fernanda Didini construiu do zero só para aquela foto. Conto tudo isso para deixar claro

É CONHECIDA POR Seu gosto peculiar para entretenimento e seus ataques de riso altamente contagiosos

o quanto levamos a sério o design da revista. Sabemos que a forma de apresentação do conteúdo contribui (e muito) para torná-lo não apenas

DIZEM QUE

mais bonito, mas mais interessante e informativo. Em novembro de

NÃO SE DEVE

2015, lançamos um novo projeto grá-

JULGAR UM

fico que, já na época, recebeu vários

Feu (Felipe Eugênio)

prêmios nacionais e internacionais.

DESIGNER

LIVRO PELA

Um dos mais importantes foi uma

C A PA , M A S . . .

Design, competição anual que reúne

medalha de prata no The Best of News as melhores publicações do mundo inteiro. Pois bem. Em 2016, aproveitamos para fazer uma série de pequenas modificações no projeto que

odos os meses,

deixaram o produto final ainda mais

além da reunião de

bem-acabado. E o resultado é que,

pauta normal, faze-

desta vez, ganhamos não uma, mas

mos também uma

duas medalhas de ouro e outras três

segunda reunião

menções honrosas. Fomos o único

com toda a equipe só para discutir

veículo brasileiro e um dos poucos

a imagem de capa. Às vezes ela dura

do mundo a receber medalha de ouro

cinco minutos — foi o caso da edição

(ao nosso lado na lista estão The New

de junho do ano passado, que trata-

York Times e National Geographic,

va de erotização infantil e mostrava

cof). Para comemorar, nada mais

uma menina de costas escrevendo

justo que usar o espaço dos colabo-

à mão a frase Essa novinha é uma

radores do mês, aqui ao lado, para

criança. Já chegamos, no entanto, a

apresentar nosso pequeno — mas

ficar mais de cinco horas trancados

brilhante — departamento de arte.

na sala de reunião devorando sacos e

Boa leitura e até o mês que vem!

T

mais sacos de bolachas de água e sal (sempre há uma boa alma que providencia a comida) até encontrarmos

Cristine Kist — Editora-chefe ckist@edglobo.com.br

! ELAS POR ELAS Nos dias 31 de março e 1º de abril, GALILEU participa do evento Elas por Elas no VillageMall, no Rio de Janeiro. Mediaremos grupos de discussão sobre gênero e sobre machismo em diferentes áreas. Você pode acompanhar a cobertura do evento no nosso site e nas redes sociais.

ONDE NASCEU E ONDE MORA Petrolina (PE) e São Paulo (SP) HISTÓRICO Formado em 2011 pela UFPE, Campus do Agreste – Caruaru e pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (Portugal). É CONHECIDO POR Seus muitos talentos artísticos e seu sotaque pernambucano mais carregado que o das novelas

João Pedro Brito DESIGNER ONDE NASCEU E ONDE MORA São Paulo (SP) HISTÓRICO Formado em Editoração pela USP, passou pelas redações da Autoesporte e da Época antes de chegar à Galileu. É CONHECIDO POR Seu superpoder de se comunicar exclusivamente por memes


DIRETOR GERAL: Frederic Zoghaib Kachar DIRETOR DE AUDIÊNCIA: Luciano Touguinha de Castro DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE: Virginia Any

CONSELHO

Na edição de março, nossos Conselheiros mergulharam no cinza para procurar algo de colorido na revista

POR NATHAN FERNANDES DIRETORA DE GRUPO CASA E COMIDA, CASA E JARDIM, CRESCER E GALILEU: Paula Perim REDAÇÃO EDITORA-CHEFE: Cristine Kist EDITORA DE ARTE: Fernanda Didini EDITORES: Giuliana de Toledo, Nathan Fernandes e Thiago Tanji REPÓRTERES: André Jorge de Oliveira e Isabela Moreira DESIGNERS: Felipe Eugênio (Feu) e João Pedro Brito ESTAGIÁRIOS: Júlio Viana (texto) e Fernanda Ferrari (arte) ASSISTENTE DE REDAÇÃO: Wania Pace COLABORADORES DESTA EDIÇÃO: Daniel Barros, Diego Borges, Eduarda Endler,

A REVISTA QUE TODO MUNDO QUER VER Edição • Março/2017

Fellipe Abreu, Ismael dos Anjos, Jotapê Jorge, Luiz Felipe Silva, Mariane Morisawa, Marília Marasciulo, Melissa Cruz, Thássius Veloso e Yuri Gonzaga (texto); Gabriela Namie, Guilherme Henrique, Tomás Arthuzzi, Beatriz Liranço, Dulla, Inara Negrão e Érico Hiller (arte); Monique Murad Velloso (revisão); Adilson Jesus Aparecido de Oliveira, professor de Física da UFSCar (consultor científico)

O QUE ELES ACHARAM

E-MAIL DA REDAÇÃO: galileu@edglobo.com.br

11%

TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DIRETOR DE TECNOLOGIA: Rodrigo Gosling ESTRATÉGIA DIGITAL DESENVOLVEDORES: Everton Ribeiro, Fabio Marciano, Leandro Paixão,

Marcelo Amendola, Murilo Amendola, Thiago Previero e William Antunes

DA REPORTAGEM DE CAPA

ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL GERENTE: Silvia Balieiro MERCADO ANUNCIANTE FINANCEIRO, IMOBILIÁRIO, TI, COMÉRCIO E VAREJO — Diretor de Negócios Multiplataforma: Emiliano Morad Hansenn; Gerente de Negócios Multiplataforma: Ciro Horta Hashimoto; Executivos Multiplataforma: Christian Lopes Hamburg, Cristiane de Barros Paggi Succi, Milton Luiz Abrantes e Selma Maria de Pina. MODA, BELEZA E HIGIENE PESSOAL — Diretor de Negócios Multiplataforma: Cesar Bergamo; Executivos Multiplataforma: Adriana Pinesi Martins, Ana Paula Boulos, Eliana Lima Fagundes, Giovanna Sellan Perez, Selma Teixeira da Costa e Soraya Mazerino Sobral. CASA, CONSTRUÇÃO, ALIMENTOS E BEBIDAS, HIGIENE DOMÉSTICA E SAÚDE — Diretora de Negócios Multiplataforma: Luciana Menezes; Executivos Multiplataforma: Fatima Ottaviani, Paula Santos, Rodrigo Girodo Andrade, Taly Czeresnia Wakrat e Valeria Glanzmann. MOBILIDADE, SERVIÇOS PÚBLICOS E SOCIAIS, AGRO E INDÚSTRIA — Diretor de Negócios Multiplataforma: Renato Augusto Cassis Siniscalco; Executivos Multiplataforma: Diego Fabiano, Cristiane Soares Nogueira, Jessica de Carvalho Dias, João Carlos Meyer e Priscila Ferreira da Silva. EDUCAÇÃO, CULTURA, LAZER, ESPORTE, TURISMO, MÍDIA, TELECOM E OUTROS — Diretora de Negócios Multiplataforma: Sandra Regina de Melo Pepe; Executivos de Negócios Multiplataforma: Ana Silvia Costa, Dominique Petroni de Freitas e Lilian de Marche Noffs. ESCRITÓRIOS REGIONAIS — Gerente Multiplataforma: Larissa Ortiz; Executiva de Negócios Multiplataforma: Babila Garcia Chagas Arantes. UNIDADE DE NEGÓCIOS — RIO DE JANEIRO — Gerente de Negócios Multiplataforma: Rogerio Pereira Ponce de Leon; Executivos Multiplataforma: Daniela Nunes, Lopes Chahim, Juliane Ribeiro Silva, Maria Cristina Machado e Pedro Paulo Rios Vieira dos Santos. UNIDADE DE NEGÓCIOS — BRASÍLIA — Gerente Multiplataforma: Barbara Costa Freitas Silva; Executivos Multiplataforma: Camila Amaral da Silva e Jorge Bicalho Felix Junior. GERENTE DE EVENTOS: Daniela Valente. OPEC OFFLINE: Carlos Roberto de Sá, Douglas Costa e Eduardo Ramos. OPEC ONLINE: Rodrigo Santana Oliveira, Danilo Panzarini, Higor Daniel Chabes e Rodrigo Pecoschi. ESTRATÉGIA COMERCIAL: Guilherme Iegawa Sugio. EGCN — Consultora de Marcas: Olivia Cipolla Bolonha. ESTÚDIO GLOBO: Caio Henrique Caprioli, Ligia Rangel Cavalieri e Luiz Claudio dos Santos Faria

Há pontos fortes, não sei bem quais

67%

22%

Eu vejo flores em vocês

Tema lindo, execução cinza

DO DOSSIÊ MICRORGANISMOS

100% Me fizeram ver o que nunca tinha visto

MÉDIAS DAS MATÉRIAS 9,4 A cidade que ninguém quer ver

9,3

8,1

9,8

10

Dossiê microrganismos

Como enlouquecer seu robô na cama

Museu ao mar

A parte que lhes cabe

AUDIÊNCIA Diretor de Marketing Consumidor: Cristiano Augusto Soares Santos; Diretor de Planejamento e Desenvolvimento Comercial: Ednei Zampese; Gerente de Vendas Canais Indiretos: Reginaldo Moreira da Silva; Gerente de Criação: Valter Bicudo Silva Neto; Coordenadores de Marketing: Eduardo Roccato Almeida e Patricia Aparecida Fachetti

Galileu é uma publicação da EDITORA GLOBO S.A. — Av. Nove de Julho, 5.229, 8º andar, CEP 01407-907, São Paulo/SP. Tel. (11) 3767-7000. Distribuidor exclusivo para todo o Brasil: Dinap — Distribuidora Nacional de Publicações. Impressão: Plural Indústria Gráfica Ltda. — Av. Marcos Penteado de Ulhoa Rodrigues, 700, Tamboré, Santana de Parnaíba/SP, CEP 06543-001

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O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de Verificação, adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário de Gases de Efeito Estufa — Ano 2012 da Editora Globo S.A. é preciso, confiável e livre de erro ou distorção e é uma representação equitativa dos dados e informações de GEE sobre o período de referência para o escopo definido; foi elaborado em conformidade com a NBR ISO 14064-1:2007 e as Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol.

Cidade dos pesadelos

Fluam, meus orgasmos

“Matérias assim são ótimas para desmistificar ideias incoerentes com a vida social de uma cidade. É importante mostrar esse lado que é cruel, mas, infelizmente, tido como normal por muita gente.”

“Interessante e assustador. Inovações tecnológicas para melhorar a sexualidade são bem-vindas, mas será que estamos mesmo caminhando em direção ao mundo retratado em Blade Runner?”

ELLEN RODRIGUES (Goiânia, GO), sobre a reportagem de capa

TÚLIO TERRELL (São Paulo, SP), sobre Como enlouquecer seu robô na cama

Um pedacinho pra cada esquema “O design da matéria deveria ser replicado nos livros de biologia. Foi bem fácil entender os processos que no Ensino Médio eu me matava para decorar.”

CAIO MELO (São Paulo, SP), sobre Gene domável


P. 07

04.2017

ANTIMATÉRIA

Cientistas organizam protestos contra Donald Trump

FATOS • FEITOS • NÚMEROS • NOTAS • NOTÁVEIS

Fig. (GH)

04.2017

EDIÇÃO THIAGO TANJI

ILUSTRADORES CONVIDADOS

DESIGN FERNANDA DIDINI

2

1

GUILHERME HENRIQUE (GH) GABRIELA NAMIE (GN)


CIENTISTAS EMMARCHA 04.2017

Pesquisadores dos Estados Unidos se

mobilizam contra as

políticas de

Donald Trump POR JULIO CESAR SOARES VIANA*

a comunidade científica dos Estados Unidos

entrou em alerta quando, no início de janeiro, informações sobre o aquecimento global foram retiradas do site da Casa Branca. Na mesma época, um comunicado enviado a quatro agências federais norte-americanas informava que os cientistas não deveriam divulgar nenhuma informação a menos que fossem autorizados por seus superiores. Para completar, o recém-empossado presidente Donald Trump nomeou Scott Pruitt, conhecido inimigo dos ecologistas, como secretário da agência de proteção ambiental do país. Durante a campanha eleitoral, o então candidato Trump chegou a afirmar que o discurso sobre o aquecimento global era um

CENSURA

Dados sobre o aquecimento global foram removidos dos sites de agências públicas dos Estados Unidos

*Com supervisão de Thiago Tanji

P. 08


04.2017

P. 09

plano da China para desacelerar a econo-

do há mais de uma década.” De acordo

LUTA CONTRA O RETROCESSO

mia norte-americana. Diante desse cená-

com o professor, o conservadorismo e a

Apesar do receio de represálias, como a

rio, os cientistas arregaçaram as mangas

falta de esclarecimento de parte da popu-

diminuição do orçamento público desti-

dos jalecos e foram à luta.

lação também são entraves para valorizar

nado às pesquisas, os cientistas acredi-

Inspirado na Marcha das Mulheres,

o trabalho dos cientistas. “É incrível que o

tam que é preciso tomar uma posição po-

mobilização que ocorreu em Washington

país lidere a ciência no mundo e que me-

lítica no momento vivido pelos Estados

no dia seguinte à posse de Trump, um

tade da população norte-americana não

Unidos. “Não estamos falando apenas por

protesto batizado de Marcha da Ciência

acredite em evolução”, destaca.

nós, pois a ciência é para todos. Se não

está marcado para ocorrer na capital

Os próprios pesquisadores conside-

pudermos monitorar o ar limpo e a água

norte-americana no dia 22 de abril, data

ram, no entanto, que é necessário furar

limpa, não são só os cientistas que sofre-

que comemora o Dia da Terra e relem-

a bolha acadêmica de teses e relatórios

rão por isso, mas todas as pessoas que

bra a importância da luta pela proteção

dependem do nosso trabalho e confiam

ambiental do planeta. “Um monte de

em nós”, diz Gill. “Nós também somos ci-

gente teve essa ideia ao mesmo tempo

dadãos, somos tão parte da comunidade

no Twitter”, afirma Jacquelyn Gill, pesquisadora em mudanças climáticas na Universidade do Maine e uma das organizadoras do movimento de cientistas. Com o engajamento de pesquisadores de diferentes lugares, foram convoca-

AS MEDIDAS DE TRUMP Dezembro de 2016: Governo solicita o nome dos cientistas do Departamento de Energia que fizeram pesquisas sobre mudanças climáticas.

quanto qualquer um, e temos o direito e o dever de ter voz política.” Inspirada na Marcha da Ciência, uma mobilização brasileira será realizada no final de abril para chamar a atenção dos problemas enfrentados pela comunidade

das mais de 350 marchas que tomarão

Janeiro de 2017: Informações referen-

científica do país. Uma das organizado-

as ruas de outras cidades dos Estados

tes ao aquecimento global são retira-

ras do movimento, a pesquisadora Márcia

das do site da Casa Branca.

Cristina Barbosa, professora de física na

Unidos e do resto do mundo.

PARA ALÉM DA BOLHA Na opinião de Jacquelyn Gill, a presidência de Donald Trump não é a origem dos

Fevereiro de 2017: O antiambientalista Scott Pruitt é confirmado chefe da EPA, agência de proteção ambiental do país.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que o atual cenário político e econômico do Brasil é marcado por retrocessos para a ciência. “Ideologi-

problemas da ciência norte-americana.

Março de 2017: Trump propõe corte de

camente, a ciência sempre foi atacada no

“Existem muitos grupos, mais especifi-

quase 20% no orçamento do NOAA, ins-

Brasil. Há pessoas que não querem falar

camente corporações, que têm trabalha-

tituição de pesquisa atmosférica.

sobre as células-tronco, por exemplo”, diz.

do para minar a ciência, especialmente

“Parece que já nos acostumamos com o

quando os dados ou pesquisas vão contra

descrédito da ciência por aqui.”

seus interesses”, revela a organizadora da Marcha dos Cientistas.

A MARCHA DA CIÊNCIA AO REDOR DO PLANETA

Em maio do ano passado, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação foi

Em 2014, o senador Lamar Smith ten-

incorporado ao Ministério de Comuni-

tou emplacar a lei da “Ciência Secreta”,

cações, em uma medida criticada pelos

projeto que impediria a Agência de

pesquisadores por extinguir uma pasta

Proteção Ambiental dos Estados Unidos

exclusiva para discutir a ciência no país.

(EPA) de criar regulamentações para po-

No final de janeiro, o governo do esta-

líticas públicas baseadas em pesquisas.

do de São Paulo também retirou 10%

O projeto não foi aprovado, mas o par-

do orçamento destinado à Fundação de

lamentar afirma que retomará a discus-

Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo

são em breve — apoiado por empresas

(Fapesp) — após manifestações, a deci-

da indústria de gás e óleo, Smith é co-

são foi revertida e R$ 120 milhões foram

nhecido por atacar os pesquisadores que

devolvidos ao fundo de pesquisas.

estudam o aquecimento global.

e dialogar com o restante da sociedade

Com a realização da marcha, no en-

“Há grupos que não aceitam investi-

com o objetivo de aproximar as pesso-

tanto, a professora Márcia Cristina Bar-

mentos em pesquisas sobre a sexualida-

as da ciência. “Nós nem sempre faze-

bosa acredita que será possível mostrar

de de adolescentes e homossexuais, por

mos um bom trabalho em nos conec-

à população a importância da ativida-

exemplo”, diz Emilio Moran, professor da

tar com a comunidade e conversar com

de científica e seu impacto no avanço

Universidade de Michigan e membro do

as pessoas sobre aquilo que fazemos”,

intelectual, econômico e tecnológico do

Conselho Nacional de Ciência (NBS) dos

conta Jacquelyn Gill. “Parte dos indi-

país: “Seu filho precisa saber o que é

Estados Unidos. “Essas pessoas entram

víduos não nos veem como humanos

ciência, ele precisa fazer ciência. O Bra-

com ações políticas pedindo que se blo-

ou membros da sociedade. Ficamos de

sil não pode se conformar em ser um

queie o financiamento. Isso vem ocorren-

fora, voltados para nós mesmos.”

país de segundo escalão.”


P. 10

04.2017

Código para vencer o câncer

zada entre os cânceres e os estilos de vida para identificar marcas genômicas e relacioná-las”, explica Reis. O processo de pesquisa e sequenciamento do genoma tem estimativa de duração de cinco anos. Quando finalizado, abrirá caminho para novas maneiras de prevenção da doença. “É possível que no futuro, com exames genéticos, o diagnóstico

Iniciativa global solucionará sete mistérios sobre o câncer com a ajuda de três institutos brasileiros

O projeto mapeará as causas do câncer ainda não conhecidas

dade de remissão”, diz Reis.

GRANDE DESAFIO

POR JOTAPÊ JORGE

V

seja mais precoce, com maior possibili-

Os principais objetivos dos pesquisadores para os estudos contra o câncer

inte e três instituições e mais de 100 milhões de libras investidas,

ERRADICAR CÂNCERES

o equivalente a R$ 390 mi-

CAUSADOS PELO VÍRUS HPV-4

lhões. Esses são alguns dos números do

O HPV-4 é transmitido pela saliva e por secreções

Grand Challenge, literalmente “Grande

sexuais e é responsável por pelo menos 530 mil

Desafio”, iniciativa proposta pela asso-

casos de câncer ao ano. Um dos desafios é encontrar

ciação britânica Cancer Research UK

uma maneira de reduzir esse número a zero.

para solucionar sete questões relacionadas ao câncer. Três instituições brasilei-

OBTER FORMAS DE IDENTIFICAR

ras participam do projeto: o Hospital do

CÂNCERES LETAIS E NÃO LETAIS

Câncer de Barretos, no interior de São

A missão é encontrar uma forma de

Paulo, o Instituto A.C. Camargo, na ca-

diferenciar cânceres benignos e agressi-

pital paulista, e o Instituto Nacional do

vos, evitando tratamentos invasivos.

Câncer, no Rio de Janeiro. FABRICAR VACINAS PARA O

“Nós ainda não sabemos metade dos causadores externos de câncer”, afir-

TRATAMENTO DE CÂNCERES NÃO VIRAIS

ma Rui Reis, oncologista responsável

Descobrir um jeito de “potencializar” as defesas

pelo projeto no Hospital do Câncer de

do organismo para localizarem e combate-

Barretos. “Nosso objetivo é mapear e

rem cânceres em estágios iniciais é o foco.

encontrar causas da doença que ainda não são conhecidas.” De acordo com

DESENVOLVER DIAGNÓSTICOS

os pesquisadores, 900 pacientes serão

COM A UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIA 3-D

analisados, colaborando com um ban-

Um mapeamento do grupo de células e vasos

co de dados de 5 mil pessoas ao redor

sanguíneos afetados pelo tumor ajudaria a

do mundo. “Faremos uma análise cru-

NENHUMA A MENOS Pesquisa afirma que, no ano passado, 503 mulheres sofreram agressões físicas a cada hora no Brasil POR NATHAN FERNANDES

FIG. - GH

UMA PESQUISA realizada pelo Instituto Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que uma a cada três mulheres brasileiras com mais de 16 anos foi vítima de violência em 2016. O estudo Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil calculou ainda que, a cada hora, 503

medicina a derrotar as células cancerosas.

mulheres sofreram agressões físicas no ano passado. Em 61% dos casos o agressor era conhecido da vítima. Apesar do maior número de informações em relação ao tema, com apoio da Lei Maria da Penha, de 2006, 52% das mulheres que participaram do estudo afirmaram que não reportaram a agressão sofrida.

E apenas 11% das que procuraram algum tipo de ajuda recorreram à Delegacia da Mulher. A pesquisa ressalta ainda o racismo estrutural da sociedade ao revelar que mulheres negras (32%) e pardas (31%) relataram ter sofrido consideravelmente mais violência do que as brancas (25%).


04.2017

P. 11 Fig. - GN

ARMAÇÃO ILIMITADA Comércio de armas é o maior desde a Guerra Fria por conta de tensões na Ásia POR J. J.

Fig. GH

O PODER DA MOTOSSERRA Estudo mostra a relação entre a influência do agronegócio na política e os índices de desmatamento de um país POR J. J.

DADOS DO INSTITUTO de Pesquisa Ambiental da Amazônia indicam que, em 2016, o desmatamento de floresta nativa da região amazônica cresceu 30% em relação a 2015, sendo o pior resultado desde 2008 — Pará, Rondônia e Mato Grosso são os estados que lideram a devastação. Os dados corroboram as informações de um estudo recém-publicado pela revista Global Environmental Change, que mostram como a efetividade da legislação ambiental é inversamente propor-

EM VOTAÇÃO

A discussão de mudanças do licenciamento ambiental será (mais) uma das pautas polêmicas debatidas pelo Congresso Nacional neste ano.

O PROJETO

De autoria do deputado federal Mauro Pereira (PMDB-RS), uma das alterações propostas determinaria que atividades agropecuárias ficariam dispensadas do licenciamento ambiental, que atualmente é obrigatório.

cional à fatia do agronegócio no Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, o setor é responsável por movimentar aproximadamente R$ 1,2 trilhão da economia do país. “A bancada ruralista domina as duas pontas da discussão, ocupando a Comissão de Agricultura e a Comissão do Meio Ambiente”, diz o cientista político Edelcio Vigna. Em 2012, mudanças no Código Florestal foram criticadas por ambientalistas e a então presidente Dilma Rousseff vetou 12 alterações propostas pela bancada ruralista. Uma das medidas barradas permitia ao proprietário rural reflorestar apenas 25% da área degradada por uma plantação. O pesquisador Tiago Reis, um dos autores da pesquisa, destaca que o Brasil tem muito a contribuir no debate mundial sobre políticas de conservação das florestas e matas nativas, apesar do cenário adverso. “Nós podemos oferecer lições aprendidas sobre o fenômeno global do desmatamento”, afirma.

ADEUS ÀS ARMAS? Dados do Instituto Internacional da Paz em Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês) mostram que houve um aumento na comercialização de armamentos em 2016 por conta de tensões diplomáticas na Ásia: Índia e Paquistão disputam a região fronteiriça da Caxemira, enquanto a China reclama a soberania dos conjuntos de ilhas que existem ao longo do Mar da China. Os principais exportadores de armas são Estados Unidos, Rússia, China, França, Alemanha e Reino Unido — cinco dessas nações são membros permanentes do conselho de segurança da ONU. O Brasil é hoje o 26º maior vendedor de armamentos do mundo e comercializou R$ 202 milhões de itens bélicos no ano passado.

PARA DAR INVEJA A TONY STARK Negociações de armamentos (em %) MAIORES EXPORTADORES DE ARMAS Estados Unidos Rússia China França Alemanha Reino Unido Outros

33% 23% 6,2% 6% 5,6% 4,6% 21,6%

MAIORES IMPORTADORES DE ARMAS Índia Arábia Saudita Emirados Árabes Unidos China Argélia Turquia Outros

13% 8,2% 4,6% 4,5% 3,7% 3,3% 62,7%


P. 12

04.2017

LUNETA DE OLHO NAS ESTRELAS POR ANDRÉ JORGE DE OLIVEIRA

UM SÉCULO MUITO RELATIVO

FIG. - GH

Chega ao Brasil biografia da teoria de Einstein escrita pelo astrofísico português Pedro G. Ferreira, um obcecado pela relatividade geral PROJETAR PONTES enchia Pedro Gil Ferreira de tédio. No fim da década de 1980, ele estudava Engenharia em Lisboa, mas queria desvendar os segredos do Universo. “Sempre tive obsessão pela relatividade geral”, diz Ferreira, que se tornou astrofísico pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Ele fez da biblioteca universitária sua segunda casa e dominou a “geometria ardilosa e a matemática obscura” de Einstein. De tão fascinado, escreveu um livro a respeito. “Foi uma oportunidade única para ler artigos icônicos e entrevistar pessoas importantes.”

A RELATIVIDADE GANHOU VIDA PRÓPRIA

a primeira imagem em alta resolu-

APÓS A DIVULGAÇÃO DO TRABALHO DE

ção do buraco negro no centro da

ALBERTEINSTEIN.QUAISFORAMOSALTOS

Via Láctea. E a teoria dará frutos,

E BAIXOS DA TEORIA NO ÚLTIMO SÉCULO?

com novas ideias sobre como a

A trajetória foi uma montanha-rus-

mecânica quântica e a relativi-

sa. Começou com oito anos de traba-

dade interagem e reformulam a

lho árduo de Einstein, seguidos por

natureza do espaço-tempo.

um período fértil de muitas desco-

A TEORIA PERFEITA

Autor: Pedro G. Ferreira Editora: Companhia das Letras (2017) Páginas: 376 Preço: R$ 59,90

bertas, até entrar em hibernação no

O LIVRO CONTA COMO O NACIONALISMO

início dos anos 1930. Foi relançada

DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL CRIOU

só na década de 1960, quando se

TENSÕES ENTRE CIENTISTAS EUROPEUS.

tornou a teoria que conhecemos.

OBREXITTEMCAUSADOALGOPARECIDO? Ainda não houve impacto na ciên-

VOCÊ DIZ QUE O SÉCULO 20 FOI DA FÍSICA

cia que faço, mas decerto haverá: o

QUÂNTICA,MAS QUEO21SERÁ MARCADO

Reino Unido perderá precioso apoio

PELA RELATIVIDADE GERAL. POR QUÊ?

financeiro europeu e as parcerias

Há muita coisa pela frente, como o

internacionais não permanecerão

telescópio que tentará reconstruir

como estão. Assola a incerteza...

PEDACINHO DE MARTE

NORDESTE DE SYRTIS

Nasa planeja trazer amostra

Os cientistas têm conhecimento de que a região abrigou águas aquecidas em eras passadas. Houve vida por lá?

Nordeste de Syrtis

marciana de volta à Terra Cratera de Jezero

A Nasa está interessada em recolher material físico de Marte e escolheu as três áreas do planeta que serão vasculhadas pelo sucessor da sonda Curiosity, a partir de 2020 (veja ao lado). O foco da missão será buscar evidências de vida.

CRATERA DE JEZERO

Colinas Columbia

Mais promissora das três. Era um grande lago onde desaguava um rio caudaloso. Lugar perfeito para antigos seres vivos.

COLINAS COLUMBIA

FONTE: Nasa Explore Mars Map

Região explorada pelo rover Spirit. Águas termais já fluíram ali: depósito de sílica pode ser indício de vida no passado.


P. 13

04.2017

Astronautas jardineiros

AGENDA

Abril de 2017

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Colheita da quinta safra de vegetais fresquinhos na ISS reforça tendência para que plantas e humanos convivam no espaço

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10 11 12 13 14 15

23 24 25 26 27 28 29 30

7

és de repolho chinês foram colhidos na Estação

-

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-

DIA DE JÚPITER: GIGANTE BRILHA COMO NUNCA

Melhor dia para observar o rei do

Espacial Internacional (ISS)

Sistema Solar: estará em oposição,

em fevereiro — foi a quinta

mais próximo da Terra (a 666 mi-

safra de plantas do experimento Veggie

lhões de km) e mais brilhante. Visível

desde 2014 (veja outros plantios abaixo).

à noite, nasce no Leste ao escurecer.

Metade da produção servirá como salada para os astronautas e o restante retornará à Terra para análise. Há décadas, cientis-

10

tas estudam os efeitos da microgravidade nas plantas, como no funcionamento dos

ENCONTRO MARCADO DE TRÊS ASTROS EM VIRGEM

Ainda bastante charmoso, Júpiter

genes. “O processo controla a produção

se encontra com a Lua Cheia e Spica

de enzimas e as reações metabólicas”, diz

(250 anos-luz da Terra), estrela mais

Howard Levine, da Nasa, que trabalha no

brilhante da Constelação de Virgem.

Projeto APH, sucessor do Veggie. As plan-

Trio surge no Leste após o pôr do Sol.

tas terão papel central em naves tripuladas, já que serão fontes de alimento e oxigênio no espaço profundo. “Isso inclui missões

17

de trânsito em Marte ou nas vizinhanças da Terra e da Lua”, afirma Ray Wheeler,

MARTE FLERTA COM AS MAGNÍFICAS SETE IRMÃS

Belíssimo aglomerado estelar visível

que coordena estudos de suporte à vida

a olho nu, as Plêiades flertam com o

na Nasa. Sem contar, é claro, a satisfação

planeta vermelho no início da noite

de cultivar um pedacinho da Terra — e vê-lo brotar bem longe de casa.

FIG. - GH

na direção Noroeste. Regiões Norte e Nordeste têm melhor visibilidade.

24

HUBBLE FAZ ANOS E NÓS GANHAMOS O PRESENTE

Parabéns ao Hubble: lançado há 27

GIRASSOL

Expedição 30/31 com Don Pettit (2012) A flor quase morreu na ISS, mas resistiu sob os cuidados atenciosos do astronauta Donald Pettit. Ele compartilhava em um blog o status dessa e de mais duas plantas pessoais.

ALFACE ROMANA VERMELHA Expedição 44 com Scott Kelly (2015)

Primeira verdura produzida e consumida no espaço. “Pequena mordida para um homem, salto gigante na jornada para Marte”, tuitou o comandante Kelly.

ZÍNIA

Expedição 46 com Scott Kelly (2016) Foi a primeira flor a germinar no experimento Veggie. A equipe do projeto criou uma cartilha simplificada para instruir Kelly na arte da “jardinagem autônoma”.

REPOLHO CHINÊS

Expedição 50/51 com Peggy Whitson (2017) Whitson cultivou por um mês e colheu os primeiros pés da espécie na ISS. Metade da safra volta à Terra; o resto é dos astronautas, que dispõem até de molhos para colocar na salada.

anos, o lendário telescópio espacial até hoje é um colosso científico. A Nasa garante que ele passará dos 30 anos. E que venha o James Webb!

LUNETA TODAS AS SEXTAS, ÀS 17H, LIVE NA NOSSA FANPAGE. ASSISTA! As principais notícias espaciais da semana são comentadas em transmissão ao vivo


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04.2017

BIBLIOTECADA ÁFRICA 03

be

l em 20

NGŨGĨ WA THIONG’O

No 1

1938

PAÍS

LÍNGUA

PUBLICAÇÕES

SOBRE

QUÊNIA

INGLÊS E GIKUYU

Um Grão de Trigo (Alfaguarra) e Sonhos em Tempos de Guerra (Biblioteca Azul)

Escreveu seus três primeiros livros em inglês, antes de rejeitar a língua e o antigo nome por considerá-los heranças do colonialismo.

INGLÊS E AFRICÂNER

Diário de um Ano Ruim e Desonra (Companhia das Letras)

É conhecido por criticar tanto o Apartheid quanto o atual governo do Congresso Nacional Africano, no poder desde 1994.

INGLÊS

O Melhor Tempo É o Presente e O Engate (Companhia das Letras)

A escritora foi uma das vozes oposicionistas brancas do Apartheid, escrevendo crônicas e livros contra o regime de segregação racial.

INGLÊS

Precisamos de Novos Nomes (Biblioteca Azul)

Tornou-se a primeira mulher negra e africana a ser nomeada para o Man Booker Prize, prêmio da literatura em língua inglesa.

INGLÊS

Aqui Estão os Sonhadores (Globo Livros)

INGLÊS

O Mundo se Despedaça e A Flecha de Deus (Companhia das Letras)

“Pai do romance africano”, seu livro O Mundo se Despedaça é um dos mais lidos do continente e foi traduzido para mais de 40 línguas.

INGLÊS

Americanah e Hibisco Roxo (Companhia das Letras)

Vencedora do Prêmio MacArthur, a chamada “Bolsa para Gênios”, é uma importante figura do feminismo no continente.

INGLÊS

O Leão e a Joia (Geração Editorial)

Primeiro africano a ganhar o Nobel de Literatura, foi perseguido por sua atuação política e viveu exilado na Inglaterra e nos Estados Unidos.

PORTUGUÊS

O Último Voo do Flamingo e Terra Sonâmbula (Companhia das Letras)

Vencedor do Prêmio Camões em 2013, é considerado um dos principais autores da língua portuguesa atual.

PORTUGUÊS

Mayombe e Lueji — O Nascimento de um Império (Leya)

Foi ministro da Educação e militante do Movimento Popular pela Libertação de Angola, lutando por 26 anos na guerra civil do país.

PORTUGUÊS

Bom Dia, Camaradas (Companhia das Letras) e Os da Minha Rua (Língua Geral)

Ganhou o Prêmio Jabuti na categoria infantil pela obra AvóDezanove e o Segredo do Soviético.

FRANCÊS

O Caso Meursault (Biblioteca Azul)

ÁRABE

Noites das Mil e Uma Noites (Companhia de Bolso) e O Jardim do Passado (Record)

1940 ÁFRICA DO SUL

NADINE GORDIMER

NOVIOLET BULAWAYO

IMBOLO MBUE

CHINUA ACHEBE

CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE

l em 19 be

86

No

WOLE SOYINKA

MIA COUTO

PEPETELA

1923

1981

1982

ZIMBÁBUE

CAMARÕES

1930

1977

NIGÉRIA

1934

1955

MOÇAMBIQUE

1941

Aqui Estão os Sonhadores foi eleito um dos melhores livros de 2016 pelos jornais The New York Times e Washington Post.

ANGOLA

ONDJAKI

KAMEL DAOUD

l em 19 be

88

No

POR JOTAPÊ JORGE

be

l em 1

99

J.M. COETZEE

NASCIMENTO

No

INFOMANIA

NOME

A nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie lançou em março o livro Para Educar Crianças Feministas — e GALILEU aproveitou para fazer uma lista de escritores africanos

NAGUIB MAHFOUZ

1977

1970

1911

ARGÉLIA

EGITO

Jornalista, ganhou o prêmio Goncourt, um dos principais da língua francesa, pelo livro O Caso Meursault. Único autor de língua árabe a ser laureado com o Nobel, escreveu 34 romances e mais de 350 contos. Morreu em 2006.


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P. 15

Fragmentos de Shyamalan Fig. - GN

DEUS À PROCURA DE RESPOSTAS

Em Fragmentado, o diretor M. Night Shyamalan volta a trabalhar com seus temas preferidos: a espiritualidade e o sobrenatural

Programa apresentado pelo ator Morgan Freeman investiga como as pessoas lidam com a religião

POR MARIANE

MORISAWA,

POR ISABELA MOREIRA

DE LOS ANGELES

A

ltos e baixos acompanham a carreira do diretor

Kevin, protagonista de Fragmentado, possui 23 personalidades

indiano M. Night Shyamalan. Com menos de 30 anos, ele

foi considerado gênio por O Sexto Sentido (1999), mas depois caiu em desgraça com produções como O Último Mestre do Ar (2010) e Depois da Terra (2013). Em Fragmentado, Shyamalan volta a falar de seus temas preferidos, como o sobrenatural e a espiritualidade — no filme, James McAvoy representa Kevin, um homem com pelo menos 23 personalidades e que sequestra três adolescentes. Confira a conversa da GALILEU com o diretor.

O QUE INSPIROU ESSA HISTÓRIA? Sempre tive interesse no transtorno dissociativo de identidade. Criei o Kevin há 15 anos. Eu tinha algumas páginas de desenvolvimento do personagem e certas cenas, mas não a história completa.

O FILME FALA QUE SE A ALMA ESTÁ SOFRENDO, ESTÁ EVOLUINDO. FOI UMA INTENÇÃO PROVOCAR

Fig. - GH

O ESPECTADOR COM ESSE CONCEITO?

VOCÊ TEVE TANTO GRANDES SUCESSOS QUANTO

Nos meus filmes, os marginalizados, os que

FILMES QUE FORAM CRITICADOS DURAMENTE.

são considerados fracos, os que têm problemas

FICOU NERVOSO AO EXIBIR FRAGMENTADO

são, na verdade, poderosos. Em Fragmentado,

PELA PRIMEIRA VEZ PARA O PÚBLICO?

eles falam sobre essa filosofia de que quem

Estou fazendo isso há algum tempo, então não fico

não sofreu não teve chance de se tornar

confuso ou amargo. Muitas vezes, o filme simples-

a melhor versão de si mesmo.

mente não é o que as pessoas esperavam. O importante é que eu esteja artisticamente satisfeito com

E VOCÊ JÁ SE SENTIU MARGINALIZADO?

o que fiz. Nesse caso [do filme Fragmentado], é

Escrevo sobre personagens marginalizados e empo-

algo diferente e único — se as pessoas não gosta-

deradores, mas não sei, acho que preciso de terapia

rem, tudo bem, porque representa meus valores.

para responder a essa questão. Pode ter a ver com a

A popularidade não deveria fazer parte da equa-

experiência de ser imigrante nos Estados Unidos.

ção, mas é claro que quero agradar.

CONHECIDO POR INTERPRETAR Deus no cinema, Morgan Freeman não gosta de ser comparado à figura religiosa. “Tenho curiosidade de conhecer as pessoas, seus contextos sociais e estruturas culturais”, contou o ator em entrevista à GALILEU. Esse foi um dos motivos que fizeram com que ele concordasse em apresentar A História de Deus, produção que viaja o mundo conhecendo as diferentes interpretações de fé. Em sua segunda temporada, o programa encontra um novo desafio: entender a relação, muitas vezes conflituosa, entre ciência e religião. “Vários cientistas acreditam que a ciência é uma espécie de substituta de Deus”, diz Freeman. “Mas há outros tantos pesquisadores que veem a ciência como uma forma de investigar o mundo.” Para o produtor-executivo James Younger, a ciência e a religião podem coexistir de uma maneira interessante. Enquanto a ciência fala do Big Bang para explicar o início do universo, por exemplo, os religiosos citam o Gênesis. “É o mesmo fenômeno visto de diferentes perspectivas, mas uma não anula a outra”, afirma Younger. A segunda temporada de A História de Deus estreia no dia 16 de abril, às 20h30, no canal pago NatGeo.


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04.2017

TECNOLOGIADESCOMPLICADA

Sabe o Mario? Ele voltou! Novo lançamento da icônica empresa japonesa, Nintendo Switch aposta na interatividade e no entretenimento entre amigos POR DIEGO BORGES

O Switch conta com dois mini-joysticks que podem ser acoplados em uma tela portátil

O Switch também conta com uma tela própria que permite aos jogadores usufruir dos games em qualquer lugar. Para quem preza a qualidade visual, basta acoplar o dispositivo central a uma TV para que os gráficos do jogo alcancem o padrão dos videogames atuais. Entre os jogos disponíveis estão

M

ario e seus amigos estão

franquias clássicas, como Zelda: Breath

de volta. Enquanto Sony e

of the Wild e Super Mario Odyssey.

Microsoft iniciam a geração 4k

dos videogames, a Nintendo investe no entretenimento junto com amigos por meio do Switch, que chegou às lojas de

FICHA TÉCNICA PESO: 400 gramas ARMAZENAMENTO:

Apesar de ainda não ter data de lançamento no Brasil, o sucesso de vendas mostra que o Switch atingiu seus objetivos e que muitos gamers ainda se

próprio design do videogame, que conta

32 GB de memória interna. Há possibilidade de comprar um cartão de memória com 2 TB

conceito das companhias que buscam in-

com dois “Joy-Con” — mini-joysticks

BATERIA: Interna,

cansavelmente jogos cada vez mais reais.

boa parte do mundo no dia 3 de março. A proposta de interação fica evidente no

que, quando unidos a uma base ou à tela portátil do console, viram um só.

com duração de duas horas e meia a seis horas

interessam pelo conteúdo da empresa japonesa, cuja proposta é diferente do

Nada de game over para a Nintendo!


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04.2017

NOKIA 3310 Nokia

O celular ganhou novas cores, mas seus recursos são similares aos do modelo antigo: só funciona em rede 2G e não roda WhatsApp. O jogo da cobrinha está de volta, agora em cores!

MOTO G5 PLUS Motorola

Recebeu um corpo com alumínio no lugar do plástico para aumentar a durabilidade. O botão Home passou a entender gestos mais complexos feitos com os dedos.

Fig. - GH

DO MOTO G AO CELULAR DA COBRINHA

Feira mundial apresenta tendências para os smartphones — e uma delas é deixá-los mais parecidos com os aparelhos do início dos anos 2000

LG G6 LG

O destaque do aparelho é a tela gigante, com 5,7 polegadas e proporção widescreen de 18:9. As cores de fotos e vídeos são extremamente vivas.

BLACKBERRY KEYONE

Fig. - GN

WORK, WORK, WORK, WORK Quais os melhores aplicativos para trabalhar a distância? POR MELISSA CRUZ

ENQUANTO O BRASIL pulava Carnaval, a feira de celulares MWC acontecia em Barcelona. Para transmitir as informações em meio à folia, o TechTudo utilizou plataformas em nuvem e aplicativos de comunicação — e recomenda os melhores serviços para trabalhar a distância.

TLC

A digitação no teclado físico é desajeitada, e o usuário pode levar algum tempo para (re)aprender a manuseá-lo. Roda com o Android 7 Nougat.

TRELLO O gerenciador de tarefas é útil para fazer o planejamento da equipe de maneira remota e controlar os fluxos de trabalho. Está disponível em dispositivos móveis para Android e iOS.

GOOGLE DRIVE E DROPBOX

POR THÁSSIUS VELOSO*

Serviços de armazenamento em nuvem são importantes

FEIRA MAIS IMPORTANTE DE TECNOLOGIA da Europa, o Congresso Mundial de Celulares (MWC) aconteceu entre os dias 27 de fevereiro e 2 de março em Barcelona, na Espanha, com lançamentos para todos os gostos (e bolsos). Foram apresentados desde aparelhos desenvolvidos com alta tecnologia, como o Xperia XZ Premium, até a releitura do Nokia 3310, que fez sucesso nos anos 2000 por ter fama de indestrutível e, claro, pelo jogo da cobrinha. *O jornalista viajou a convite do Grupo TCL

na hora de transferir arquivos sem perder a qualidade de fo-

NOKIA 6 Nokia

O celular opera com o Android 7 Nougat e possui tela de 5,5 polegadas em Full HD. A câmera principal do smartphone tem 16 megapixels e é integrada ao Google Assistente.

XPERIA XZ PREMIUM Sony

Ganhou uma função de câmera lenta poderosíssima. Ela capta a cena em quase 1.000 quadros por segundo, preservando as cores.

tos e vídeos, por exemplo.

WHATSAPP Para que o time se comunique em tempo real de maneira prática, o aplicativo de mensagens continua sendo a melhor solução.

TWITTER E FACEBOOK As redes sociais são boas aliadas para receber

@techtudo_oficial

/techtudo

@TechTudo

notícias de diferentes assuntos em tempo real.


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ELEMENTAR

SÃO SEUS OLHOS

Saiba como foram inventadas e entenda do que são feitas as lentes de contato — POR EDUARDA ENDLER*

LENTE DE CONTATO

H

á cerca de 500 anos o italiano Leonardo da Vinci já cogitava

acabar com problemas de visão por meio do desenvolvi-

SILICONEHIDROGEL Este elemento, que faz parte das lentes de hidrogel associadas ao silicone, possibilita que as lentes deem maior capacidade de oxigenação aos olhos.

mento de uma espécie de lente que poderia ser posta na superfície do globo ocular. Mas ele nunca tirou a ideia do papel, e as lentes que conhecemos hoje ainda demoraram bastante para aparecer. O que impulsionou sua fabricação não foi a vontade de corrigir de proteger os olhos. Antigamente, as lentes eram feitas de forma rudimentar, com vidro, e encaixadas

1

andavam por ambientes inósdifíceis, como tempestades de areia. Esse modelo lembra as lentes esclerais, usadas ainda hoje por quem tem anomalias nas córneas. Foi só em 1929 que William Feinbloom desenvolveu uma lente de contato produzida com vidro e plástico. Entretanto, continuava sendo um material muito rígido, que causava desconforto no usuário. As lentes de contato gelatinosas, consideradas por alguns médicos oftalmoveis e maleáveis, só foram inventadas nos anos 70. Hoje, ainda existem lentes dos dois tipos: rígidas e gelatinosas. As rígidas não precisam de hidratação após o torneamento computadorizado e o polimento; as gelatinosas, por sua vez, precisam.

20

8

O

ÁGUA Toda lente tem uma porcentagem de água, que pode chegar a 60%. A função da água é aumentar o conforto com a hidratação e auxiliar na oxigenação da córnea.

pitos e vivenciavam situações

logistas como mais confortá-

H

1

H

6

C

8

O

C

9

F

FLUORCARBONO O carbono está presente em quase todas as matérias do planeta e é indispensável para a vida humana. Na lente de contato, unido ao flúor, garante um material estável.

o grau, e sim a necessidade

nos olhos dos guerreiros que

6

A primeira lente de contato da história foi feita com vidro e plástico

FLUORSILICONE O silicone, quando associado ao fluorcarbono, gera este novo material que também facilita a chegada de oxigênio ao olho do usuário.

HIDROXIETILMETACRILATO (HEMA) É uma espécie de “plástico” que tem a capacidade de se hidratar. É usado nas lentes de hidrogel, conhecidas como “gelatinosas”.

*Com apuração de Cartola — Agência de Conteúdo Foto: Tomás Arthuzzi / Editora Globo Fontes: Viviane N. Uebel (CREMERS 24178), diretora técnica do Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre; Brunno Dantas, membro titular da Sociedade Brasileira de Oftalmologia; e Luis Ricardo Del Arroyo Tarragô Carvalho, médico oftalmologista do Hospital São Lucas da PUCRS


DOSSIÊ

JOGOS DE AZAR

REPORTAGEM THIAGO TANJI

DESIGN JOÃO PEDRO BRITO

F A Ç A M

S U A S

Congresso Federal coloca as cartas na mesa e discute a legalização dos jogos de azar com a expectativa de arrecadar impostos de um mercado bilionário que atualmente opera de maneira ilícita Antes de ser conduzido À

Valadares (PSB-SE) em sessão

de tributos de mais de R$ 29 bi-

cadeira de ministro do Supremo

realizada no final de fevereiro.

lhões, em um período de três anos.

Tribunal Federal, Alexandre de

Após afirmar que a decisão sobre

Na avaliação do Ministério Público

Moraes passou por uma sabatina

a legalização dependia dos parla-

e da Receita Federal, no entanto, a

de 12 horas no Senado. Enquanto

mentares, o jurista elogiou o mo-

ausência de fiscalização das casas

sua careca refletia a iluminação

delo de negócio norte-americano

de jogos daria margem para a prá-

do auditório onde acontecia a

de cassinos, que integra opções

tica de atividades menos lúdicas,

sessão, o ex-ministro da Justiça

de lazer para toda a família.

como a lavagem de dinheiro.

expôs sua opinião sobre diferen-

O interesse dos três poderes da

Enquanto o debate prossegue

tes temas, incluindo a legalização

República em discutir os jogos de

em Brasília, um mercado bilioná-

dos jogos de apostas no Brasil.

azar no Brasil não é mera opção

rio opera à margem da lei: espe-

“A Constituição nem determi-

cultural: de acordo com os proje-

cialistas no setor afirmam que o

na nem proíbe a questão de jogos

tos que tramitam no Congresso

jogo do bicho, considerado uma

de azar, isso entra na opção do

Nacional, a legalização de cassi-

contravenção penal, movimen-

legislador, ou seja, do Congresso

nos, bingos, apostas eletrônicas e

ta anualmente cerca de R$ 12 bi-

Nacional”, disse Moraes em res-

do jogo do bicho seria responsável

lhões com apostas sem nenhum

posta ao senador Antônio Carlos

por um aumento na arrecadação

tipo de supervisão do Estado. Foto: Getty Images/Dorling Kindersley

21


B R A S I L

POR UM GOLPE DE SORTE Em pauta desde o governo Dilma Rousseff, projeto de legalização de cassinos é discutido por senadores e deputados federais Brasil é um dos poucos países do mundo que proíbe jogos de O azar como os praticados em cassinos e bingos — atualmente, as apostas legalizadas se restringem à Loteria da Caixa Federal, administrada pelo Estado e que em 2016 arrecadou R$ 12,8 bilhões. Outras nações que não autorizam essas atividades são Cuba, Islândia e países de maioria muçulmana, como Arábia Saudita e Indonésia. Mas em tempos de vacas magras nas contas públicas, o jeito é também fazer uma fezinha. Ainda em 2015, a presidente Dilma Rousseff conversou com ministros e parlamentares sobre a possibilidade de legalizar os jogos de azar com a justificativa de aumentar a arrecadação do Estado com impostos sobre a operação dos estabelecimentos. Hoje, duas propostas sobre o tema avançam no Congresso Nacional. De autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), o Projeto de Lei nº 186/2014 autoriza a concessão de operação para cassinos, bingos, apostas virtuais e jogo do bicho — o texto segue para votação no plenário. Na Câmara dos Deputados, os parlamentares aprovaram em agosto do ano passado o Marco Regulatório dos Jogos no Brasil, que debate a legalização das atividades de apostas e as tributações sobre empresas e jogadores. Com o cenário favorável, donos de redes internacionais de cassinos já estudam possíveis locais para a abertura de estabelecimentos de apostas, que enfrentam resistência da bancada evangélica do Congresso e de parlamentares receosos com a possibilidade de que a legalização dos jogos dará brecha para a prática de atividades ilícitas, como lavagem de dinheiro. “O debate fica restrito a questões morais, enquanto no mundo inteiro o assunto é tratado como uma atividade econômica”, afirma Magno José Santos de Sousa, presidente do Instituto Jogo Legal, que defende a legalização.

Foto: Getty Images/Steve McAlister • Ícones: Gabriela Namie


HISTÓRIA DE CONFLITOS 1920 O presidente Epitá-

DA MEGA-SENA AO JOGO DO BICHO Mercado nacional de apostas rende arrecadação bilionária

cio Pessoa permite

YES, NÓS TIVEMOS LAS VEGAS Cidades brasileiras já abrigaram cassinos de luxo

que casas de apostas sejam construídas em instâncias de turismo 1930 Após um período de proibição, a construção de cassinos é retomada com a presidência de

LOTERIAS DA CAIXA

Desde 1962 a Caixa Econômica Federal controla jogos como a Mega-Sena e a Loteca: em 2016, foram arrecadados R$ 12,8 bilhões

Getúlio Vargas 1933 É inaugurado no Rio de Janeiro o Cassino da Urca, estabeleci-

CORRIDA DE CAVALOS

mento luxuoso que receberia estrelas

A legislação brasileira permite

internacionais

que apostas sejam realizadas

1946

nos eventos ligados aos Jóqueis Clubes do Brasil

No dia 30 de abril,

É PROIBIDO, MAS NEM TANTO

o presidente Eurico Gaspar Dutra assina um decreto que fecha os quase 70

APOSTAS NO BRASIL SÃO REALIZADAS EM SITES ESTRANGEIROS

mpresas de apostas esportivas permitem aos brasileiros utilizarem seus serviços por conta de uma brecha da legislação: os servidores dessas companhias estão sediados em países onde é permitida a realização da atividade. De acordo com Pedro Trengrouse, professor da Fundação Getúlio Vargas que publicou um estudo sobre o tema, a regulamentação dos sites de apostas no país geraria mais de R$ 2,7 bilhões em impostos.

E

cassinos do país

BINGOS

1993 Mesmo após a proibição em A Lei Zico legaliza

2004, especialistas afirmam que

os bingos com a

casas ilegais do jogo arrecadam

justificativa de

R$ 1,3 bilhão anualmente

recolher impostos e estimular os esportes olímpicos 2004 Após denúncias de corrupção, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decreta o fechamento das casas de bingos

C

JOGO DO BICHO

Operando à margem da lei durante todo o século 20, o jogo funciona até hoje como uma loteria informal e tem receita de R$ 12 bilhões

COM OS ADORNOS DE FLORES e frutas pendurados na cabeça, Carmen Miranda era uma das estrelas do Cassino da Urca, estabelecimento com vista privilegiada para a Baía de Guanabara. Por lá, personalidades da sociedade carioca se divertiam ao lado de convidados estrangeiros, como o ainda jovem Orson Welles, eternizado em Hollywood após dirigir o filme Cidadão Kane. Legalizado pelo governo de Getúlio Vargas, os cassinos fizeram parte do cotidiano dos brasileiros endinheirados durante as décadas de 1930 e 1940 — quase 70 estabelecimentos operaram em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Petrópolis e Santos. Em 1946, no entanto, o presidente Eurico Gaspar Dutra proibiu o funcionamento dos cassinos por conta dos “abusos nocivos à moral e aos bons costumes”. Boatos da época diziam que a proibição foi um pedido de Carmela Dutra, esposa do presidente, que era ligada a setores conservadores da Igreja Católica. “Era uma ideia pautada em uma concepção moralista, de que casas de jogos seriam um ambiente propício ao álcool e à prática da prostituição”, conta Alamiro Salvador Netto, professor da Faculdade de Direito da USP. A partir daí, os jogos foram enquadrados como contravenção penal, infração considerada um “crime 23 menor” pelo Código Penal.


M U N D O

VIVA LA REVOLUCIÓN Fidel Castro teve apoio do povo contra cassinos

N NAS PRIMEIRAS HORAS do dia 1º de janeiro de 1959, a população de Havana acordou com a notícia da vitória do exército liderado por Fidel Castro e da consequente renúncia de Fulgencio Batista, que ocupava o poder de modo ditatorial desde 1952. Homens e mulheres saíram às ruas e se dirigiram contra os maiores símbolos de corrupção do regime deposto: cassinos foram ocupados e máquinas caça-níqueis instaladas em bares foram quebradas. Durante os anos de ditadura, Batista manteve relações próximas com mafiosos norte-americanos como Meyer Lansky, que construíram hotéis luxuosos e estabelecimentos de apostas destinados a turistas. Depois da vitória de Fidel, cassinos e casas de prostituição foram fechados e o jogo de azar foi proibido em Cuba.

O PAÍS ONDE TUDO VALE UM PITACO BRITÂNICOS FAZEM DAS CASAS DE APOSTAS UMA CULTURA NACIONAL

24

FORTUNA Em 2014, as loterias movimentaram US$ 400 bilhões pelo mundo

esde que as casas de apostas foram legalizadas no Reino Unido, em 1961, 9 mil estabelecimentos estão espalhados pelo território britânico e recebem palpites tão diversos quanto pode ser a criatividade humana — em 2000, o galês Peter Edwards apostou 50 libras que seu neto jogaria

D

um dia pela seleção de seu país. Dito e feito: em 2013, durante os jogos classificatórios para a Copa do Mundo, o jovem Harry Wilson entrou em campo vestindo a camisa do País de Gales aos 42 minutos do segundo tempo. E o orgulhoso avô partiu para resgatar o prêmio de 125 mil libras, equivalente a mais de R$ 480 mil.

Países recordistas em número de cassinos 1.541 189-169 110-48 Fonte: Online Casino Directory


PECADOS DA CIDADE DO PECADO

OS MAIORES QUEBRADORES DE BANCA Habilidade e trapaça ajudaram a tirar dinheiro dos cassinos Equipe de Blackjack do MIT Estudantes do instituto norte-americano de

Nascida com um empurrãozinho da máfia, Las Vegas se tornou símbolo dos jogos de azar

tecnologia calculavam as probabilidades de quais cartas seriam viradas no Blackjack — o jogo en-

o início da década de 1930, a construção de uma N usina hidrelétrica entre os estados norte-americanos de Nevada e do Arizona atraiu milhares de trabalhadores para a região, que se estabeleceram nas cidades próximas ao campo de obras. Para saciar os desejos dos operários por diversão e outras intenções menos nobres, o governo de Nevada permitiu a construção de casas de apostas em Las Vegas, cidade sem grandes atrativos até então. A partir daí, notórios mafiosos norte-americanos decidiram investir na região. Em 1947, Benjamin "Bugsy" Siegel, antigo contrabandista de bebidas alcoólicas durante o período da Lei Seca, inaugurou o cassino Flamingo, primeiro grande empreendimento de apostas que integrava um hotel luxuoso e uma casa de shows — no mesmo ano da abertura do cassino, Siegel foi assassinado por inimigos. Com o aumento da fiscalização do governo para coibir sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, a má fama de Las Vegas deu lugar ao profissionalismo de megaempresários no setor de entretenimento: no ano passado, o estado de Nevada arrecadou mais de US$ 11 bilhões em impostos referentes aos jogos de azar.

volve apostas para que a soma das cartas não ultrapasse o valor de 21. Tommy Carmichael O norte-americano desenvolveu engenhocas que eram inseridas nas máquinas caça-níqueis para fazer chover dinheiro dos dispositivos. Foi preso em diferentes momentos das décadas de 1980 e 1990. Dominic LoRiggio Com o apelido de "O Dominador dos Dados", o jogador ofere-

JOGADORES DO MUNDO, UNI-VOS Mais de 6,8 mil cassinos estão espalhados pelo planeta

ce cursos que custam US$ 1,6 mil para ensinar as técnicas de como atirar os dados no ar com

40 Talín

54 Moscou

perfeição e atingir as combinações apostadas.

26 Riga 24 Londres

29 Deadwood

Gonzalo García-Pelayo

122 Las Vegas

No início da década de

74 Miami

26 Henderson

28 St. Petersburg

32 Macau

1990, o espanhol observou o funcionamento

As dez cidades recordistas em número de cassinos

das roletas dos cassinos, registrou os resul-

Total de Nome da cassinos cidade

Proporção em relação às demais cidades

tados e fez uma análise em um software capaz de fornecer as tendên-

Foto: Getty Images/Adam Gault

cias dos resultados.


C R I M E S

E

V Í C I O

NADA PESSOAL, APENAS NEGÓCIOS Com a possível legalização, crimes ligados aos jogos de azar preocupam autoridades

APOSTAS FORAM RESPONSÁVEIS POR JOGO SUJO MANIPULAÇÕES MANCHARAM CONQUISTAS NO FUTEBOL

26

história do Campeonato Brasileiro de 2005 teve de ser reescrita em função de um escândalo que abalou a imagem do futebol do país: uma investigação concluiu que o árbitro Edílson Pereira de Carvalho combinara resultados com um grupo de apostadores. As 11 partidas apitadas por Carvalho foram anuladas e jogadas novamente — no fim do

A

riado em 1892 para sortear prêmios C aos frequentadores do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, o jogo do bicho ganhou popularidade que extrapolou os muros do parque, funcionando como uma loteria informal de apostas de sequência de números. A história da contravenção penal, no entanto, também é marcada por episódios violentos. Em 2004, Waldomiro Garcia, o Maninho, foi assassinado no Rio de Janeiro. Ele era filho de Waldemir Garcia, o Miro, um dos principais nomes do jogo do bicho carioca e ex-presidente da escola de samba Salgueiro. Entre as pautas discutidas na Câmara dos Deputados está a anistia aos acusados de prática de exploração ilegal de jogos. Além das ligações ilícitas, a legalização de jogos de azar preocupa as autoridades por conta dos riscos do aumento de práticas criminosas, como a lavagem de dinheiro. "O intuito da lavagem é criar mecanismos para retirar a aparência da ilicitude do dinheiro", diz João Santa Terra, coordenador de segurança institucional do Ministério Público de São Paulo. Assim, o dinheiro originado de um crime seria injetado em uma empresa — como um cassino — para ganhar a camuflagem de legalidade. Magno José Santos de Sousa, do Instituto Jogo Legal, refuta a associação entre dinheiro ilícito e a atividade de casas de apostas. "As empresas que operam cassinos são multinacionais cotadas na Bolsa de Valores que, se cometerem um erro em uma jurisdição, perdem o direito de atuar em outros países", afirma.

ano, o Corinthians se sagrou campeão do torneio. Pedro Trengoruse, professor da FGV, enumera medidas para que episódios como esse não se repitam caso as apostas sejam legalizadas. "É necessário haver campanhas educativas, monitoramento do padrão das apostas e punição dos envolvidos em manipulações de resultados."


"SÓ POR HOJE EVITAREI A PRIMEIRA APOSTA" Jogadores compulsivos se reúnem para tratar doença

L GRANDES PERDEDORES Estados Unidos lideram entre os países cujos habitantes mais perdem dinheiro com apostas (em bilhões de dólares) 120 100 80 60 40

EUA China Japão Itália Austrália Reino Unido Canadá Alemanha França Espanha Coreia do Sul Cingapura

20

Fonte: H2 Gambling Capital

TRATAMENTO

Foto: Getty Images/Dorling Kindersley • Ícone: Gabriela Namie

O Instituto de Psiquiatria da USP conta com um ambulatório para jogadores compulsivos

LOCALIZADA NO BAIRRO da Armênia, em São Paulo, uma sala comercial funciona como escritório dos Jogadores Anônimos, irmandade criada em 1957 nos Estados Unidos a fim de reunir pessoas que apresentam compulsão para realizar apostas. O programa de recuperação é inspirado nos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos, com realização de encontros periódicos para que os participantes compartilhem as experiências e lutem contra o vício. "O sonho do jogador é ganhar um bom dinheiro e ter uma vida tranquila. Mas quando ganha alguma coisa, ele esconde o dinheiro, ele mente, tudo para jogar no dia seguinte", diz um dos membros do grupo que preferiu não se identificar e está há um ano e meio sem fazer apostas. Os membros da irmandade revelam que a maioria dos participantes é de homens, embora haja crescimento da participação de mulheres idosas nas reuniões. As máquinas caça-níqueis, por proporcionarem resultados imediatos, são as principais responsáveis pelo desenvolvimento do vício. "Quando paramos de jogar redescobrimos a vida, porque antes tudo girava em torno do jogo", conta um membro que está há mais de 15 anos em abstinência. "Mas essa doença não tem cura: da mesma maneira que eu saí, se vacilar posso voltar e ser pior do que era antes." Leia mais sobre o tema na página 71


P Ô Q U E R

A ARTE DO BLEFE O pôquer é considerado um jogo de estratégia por exigir habilidade de seus praticantes

orte ou estratégia? Apesar de a cultura popular associar S os torneios de pôquer às mesas de cassinos, a realização de campeonatos é permitida no Brasil, já que as leis nacionais consideram o jogo de cartas como uma atividade que envolve a habilidade e o raciocínio dos jogadores. “O pôquer começou de maneira amadora no país e hoje temos competições com estrutura profissional”, afirma Leo Bello, autor do livro Aprendendo a Jogar Poker (Editora Best Seller). Formado em Medicina, Bello seguiu carreira como jogador de pôquer e ajudou a criar o BSOP, torneio brasileiro que reúne jogadores profissionais e oferece uma premiação milionária aos primeiros colocados.

As principais combinações do Texas Hold'em, principal modalidade nos torneios de pôquer UM/DOIS PARES

TRINCA

SEQUÊNCIA

FLUSH

FULL HOUSE

STRAIGHT FLUSH

"ONE PAIR"

"THREE OF A KIND"

"STRAIGHT"

"FLUSH"

"FULL HOUSE"

"STRAIGHT FLUSH"

Três cartas iguais e duas diferentes

Cinco cartas de naipes diferentes em sequência

Cinco cartas de mesmo naipe, mas não em sequência

Uma trinca e uma dupla

Cinco cartas do mesmo naipe e em sequência

Combinações

Combinações

Combinações

Combinações

Combinações

Combinações

123.552

54.912

10.200

5.108

3.744

36

Um par de cartas iguais

Combinações 1.098.240

"TWO PAIRS" Dois pares de cartas iguais

Fonte: Aprendendo a Jogar Poker (Best Seller)

Popularização do pôquer rende premiações milionárias e destaca brasileiros

Dono das cartas

Só para milionários

Jogadas virtuais

Campeonato nacional

É do Brasil!

A maior premiação de

O torneio Monte Carlo

Empresa proprietária do

Disputado na cidade de

Alexandre Gomes, André

um torneio aconteceu em

One Drop Extravaganza

site PokerStars, a cana-

São Paulo, o torneio bra-

Akkari e Thiago Decano são

2012, quando o iraniano

de 2016 exigia um valor

dense Amaya lucrou

sileiro BSOP Millions 2016

os três brasileiros que já

Antonio Esfandiari

de entrada de 1 milhão de

US$ 55,5 milhões no pri-

reuniu mais de 2,5 mil jo-

conquistaram o campeona-

ganhou US$ 18,3 milhões

euros para os jogadores

meiro trimestre de 2016

gadores profissionais

to mundial de pôquer

Foto: Getty Images/Long Ha

COM TODAS AS FICHAS NA MESA


ILUSTRAÇÃO YORKA

SUMÁRIO DE MATÉRIAS

CAPA: DESIGUALDADE FAZ MAL À SAÚDE P.30 ENTREVISTA: RONALDO LEMOS P.48 RENDA BÁSICA P.58

ENSAIO: RINOCERONTES P.42 MULHERES DE OURO P.52

OUTRA TEORIA DA GRAVIDADE P.64


REPORTAGEM MARÍLIA MARASCIULO EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO FOTOS DULLA DESIGN INARA NEGRÃO

30


G

A GALILEU ADVERTE:

DESIGUALDADE FAZ MAL À SAÚDE

A SUA LONGEVIDADE DEPENDE DA DO

SEU VIZINHO. A CIÊNCIA MOSTRA QUE

TODOS, RICOS E POBRES, SÃO MENOS

SAUDÁVEIS EM PAÍSES COM GRANDES DIFERENÇAS SOCIAIS COMO O BRASIL

31


NO NO INVERNO de 1846, uma

epidemia de tifo, doença bacteriana transmitida por pul-

gas que causa febre alta, delírios e erupções cutâneas, assolava a região da Silésia,

norte da Alemanha, provo-

cando a morte de mais de

uma questão de tratar um ou

po afetava crianças e adultos

Trinta e um anos depois,

15 mil pessoas. Sem saber o

outro paciente com remé-

na Baixada Fluminense, norte

pouco mudou. A dengue se

que fazer, o governo prussia-

dios, comida, moradia e rou-

do Rio de Janeiro, naquele que

espalhou pelo país e chegou a

no enviou ao local uma comi-

pas”, escreveu o médico em

seria o retorno das epidemias

capitais como São Paulo, onde

tiva chefiada pelo jovem mé-

seu relatório. “Se nós de fato

de dengue no Brasil. Um mi-

bairros como a Brasilândia,

dico polonês Rudolf Virchow.

quisermos intervir na Silésia,

lhão de pessoas foram amea-

periferia na zona norte re-

Em 16 dias, ele chegou a uma

temos de promover o avan-

çadas só no Rio; o total de ca-

cordista no número de casos

conclusão: a epidemia era

ço de toda a população e es-

sos chegou a 33.568 no país,

na cidade, convivem com ela

evitável, pois tinha como cau-

timular um esforço comum.”

12.480 dos quais na capital

há pelo menos seis anos. Há

sas a pobreza, a fome, a cor-

Naquela época, quando as cau-

fluminense. As condições da

dois, transformou-se em uma

rupção e a desigualdade.

sas das doenças ainda eram

Baixada, com alta insalubrida-

nova epidemia: em seu auge,

Além de formular leis que

desconhecidas e acabavam

de, aglomerados de pessoas

em 2015, foram 3,6 mil casos

funcionavam só no papel, a

sendo atribuídas a miasmas,

e falta de informação sobre a

a cada 100 mil habitantes —

aristocracia não reconhecia

as ideias de Rudolf Virchow

prevenção — eliminar focos

para se ter uma ideia, uma

os mineradores de classes

provocaram incômodo.

de água parada, essenciais

doença é considerada epidê-

mais baixas como seres hu-

No verão de 1986, uma

para a reprodução do mos-

mica quando existem mais de

manos. “É preciso dei-

doença que causava febre

quito —, eram perfeitas para a

300 casos por 100 mil habi-

xar claro que não é mais

alta, manchas e dores no cor-

proliferação da doença.

tantes em uma região.

32


Lixões e esgoto a céu aberto, casas coladas umas nas outras, falta de informação sobre como se prevenir e falta de drenagem das águas de chuvas de verão permanecem cenários perfeitos para a proliferação do mosquito, que depois chegou a outros bairros da cidade. Na Brasilândia,

46%

é o quanto as chances de morrer antes dos 85 anos são maiores para os mais pobres, segundo pesquisa com 1,7 milhão de pessoas

os moradores já não se perguntam se terão dengue, mas quando. E, enquanto a situação permanecer igual àquela da Baixada em 1986, não é exagero dizer que eles têm razão. “As epidemias não apon-

A dengue está aí para mostrar

tam sempre para deficiências

isso. No auge da epidemia em

da sociedade? Pode-se consi-

São Paulo, em 2015, o núme-

derar como causas as condi-

ro de casos por 100 mil ha-

ções atmosféricas, as mudan-

bitantes chegou a quase 400

ças cósmicas gerais e coisas

no Itaim Bibi, um dos bairros

parecidas, mas em si e por si

mais ricos da cidade.

esses problemas nunca causam epidemias. Elas só po-

PROBLEMA MUNDIAL

dem existir onde, devido a

Szwarcwald é editora do suple-

condições sociais de pobreza,

mento A Panorama of Health

o povo viveu durante muito

Inequalities in Brazil (Um

tempo em uma situação anor-

Panorama das Desigualdades

mal”, disse Virchow no século

em Saúde no Brasil), publica-

19, em uma constatação que

do no International Journal

parece cada vez mais atual.

for Equity in Health no fim

O médico polonês é tido

do ano passado. Nele estão

como um dos pais da medi-

reunidas análises realizadas

cina social, área que estuda

com base na última Pesquisa

como a estrutura social de-

Nacional de Saúde, divulgada

termina a saúde da população.

em 2013. Um dos resultados

Se em 1846 Virchow foi con-

que mais chamam a atenção

siderado revolucionário por

é o de que, embora a saúde

apontar a pobreza como de-

do brasileiro tenha melhora-

terminante de uma epidemia,

do na sua totalidade, ainda

algo que atualmente é aceito

existe uma diferença muito

na medicina, os pesquisadores

grande entre a expectativa de

da área enfrentam hoje outro

vida de cada região.

desafio: mostrar como a de-

Pelas estatísticas, os mora-

sigualdade social prejudica a

dores da região Sudeste, por

saúde da sociedade toda, não

exemplo, vivem em média

só a dos mais pobres.

cinco anos a mais do que os

“Não adianta você se escon-

do Nordeste. Mesmo assim,

der atrás de muros em con-

os habitantes do Sudeste têm

domínios, uma hora as conse-

vida mais curta que a possível

quências vão chegar”, afirma

nos países nórdicos, conheci-

a pesquisadora da Fiocruz

dos pelos bons índices

Celia Landmann Szwarcwald.

de igualdade social.

33


48,53

48,21

RICOS E POBRES DE SAÚDE A parcela mais abastada do Brasil vive, em média , menos que a mais pobre da Suécia

35,89

HOMEM

32,11

35,16

33,1

33,68

36,68 27,74

MULHER

Expectativa de vida na Suécia, por faixa de renda** Um quarto mais pobre da população 76 82,1 Segundo quarto mais pobre 81,3 83,7

27,32

32,57

30,13

29,08

34,94

41,06

42,67 37,59

37,85

41,59

35,15

38,81

42,1

43,15 PAÍSES MAIS DESIGUAIS TENDEM A TER EXPECTATIVA DE VIDA MENOR; COMPARE A REALIDADE DE ALGUNS PAÍSES:

50,45

51,48

53,5

51,67

60,79

63,38

QUE MATAM

Segundo quarto mais rico Um quarto mais rico

Costa Rica

Dinamarca

Alemanha

Reino Unido

Finlândia

Grécia

Chile

Suécia

Canadá

Austrália

França

Itália

Espanha

Japão

80,55

80,84

81,06

81,13

81,29

81,5

81,96

81,96

82,25

82,37

82,69

83,08

83,59

Estados Unidos 78,94

79,4

México

Brasil 74,4

76,72

Colômbia 73,99

Argentina

Paraguai 72,92

76,16

Rússia 70,37

Vietnã

Butão 69,47

75,63

Índia 68,01

Tailândia

Haiti 62,75

74,42

República Democrática do Congo

Zimbábue 57,5

58,66

África do Sul

EXPECTATIVA DE VIDA, EM ANOS

57,18

ÍNDICE DE IGUALDADE GINI*

Expectativa de vida no Brasil, por faixa de renda Zero a meio salário mínimo 65 70 Mais de meio a um salário 63 72 Mais de um a dois salários 67 73 Mais de dois a cinco salários 69 74 Mais de cinco a dez salários 72 75 Mais de dez salários 75 77

83 84,7 84,4 86,4


*Quanto mais próximo de zero, mais igualitário é o país | **Calculada para homens e mulheres aos 30 anos FONTES: Banco Mundial, Statistics Sweden (2013) e Ipea com base nos dados do Censo de 2010

O problema, no entanto,

tá-las. Para entendê-la, é pre-

ciou outro pensador, John

não está restrito ao Brasil,

ciso primeiro compreender

Locke, cujas teorias, por sua

mostra outro estudo publi-

o que é saúde. Segundo o

vez, ainda são adotadas na

cado em fevereiro na revista

conceito formulado em 1947

medicina. Pai do liberalismo

médica britânica The Lancet.

pela Organização Mundial da

britânico, Locke acreditava

Feita com 1,7 milhão de pes-

Saúde (OMS), “é o estado de

que o indivíduo conta só com

soas de Reino Unido, França,

mais completo bem-estar fí-

suas próprias forças para ter

Suíça, Portugal, Itália, EUA e

sico, mental e social, e não

seu direito à vida garantido.

Austrália, a pesquisa mostrou

apenas a ausência de enfer-

Médicos que concordam

que o risco de morrer antes

midade.” O campo abrange a

com Locke compartilham a

dos 85 anos é 46% maior en-

biologia humana, na qual en-

ideia de que cada pessoa é

tre os mais pobres. “Embora

tram a herança genética e os

responsável pelas escolhas

a saúde dos mais ricos não

processos biológicos do enve-

relacionadas à própria saúde.

esteja necessariamente amea-

lhecimento; o meio ambiente,

Essas escolhas podem resul-

çada, as desigualdades têm

que vai desde o local de mo-

tar nos chamados fatores de

um custo alto para a socie-

radia até o de trabalho e a ali-

risco, comportamentos que

dade e para os sistemas de

mentação disponível; o esti-

têm associação causal direta

saúde, então, a longo pra-

lo de vida, do qual resultam

com a doença. Por exemplo,

zo, todos pagam por elas”,

decisões como fumar, beber,

fumar é um fator de risco para

diz a epidemiologista Silvia

praticar exercícios; e a orga-

doenças como câncer de pul-

Stringhini, da Universidade

nização da assistência de saú-

mão, ou seja, a probabilidade

de Lausanne, na Suíça, uma

de, que são os hospitais, mé-

de um fumante ter câncer de

das autoras do estudo.

dicos, medicamentos.

pulmão é muito maior do que

No mais recente Relatório

E aí tudo começa a com-

Mundial de Ciências Sociais,

plicar. Dentro da própria me-

Os pesquisadores de medici-

divulgado em março, a Organi-

dicina, existem aqueles que,

na social acreditam que esses

zação das Nações Unidas para

embora reconheçam a in-

entendimentos são limitados e

a Educação, a Ciência e a Cul-

fluência do ambiente na saú-

defendem a importância de se

tura (Unesco) também desta-

de, atribuem maior importân-

considerarem os determinan-

ca que “o acesso desigual à

cia às causas biológicas das

tes sociais, que são o que leva

assistência médica pode ser

doenças. É uma corrente de

as pessoas a terem tais com-

uma fonte de descontenta-

pensamento que surgiu no sé-

portamentos. Ao contrário dos

mento social e político”.

culo 17. Um dos maiores pre-

fatores de risco, os determinan-

cursores foi o médico inglês

tes são algo que foge do con-

Thomas Sydenham, um dos

trole da pessoa. Os principais

A associação entre pobreza

primeiros a valorizar a ob-

são a classe social, o gênero, a

e doença parece óbvia, mas

servação e a classificação das

etnia, a riqueza e as condições

a discussão proposta pelos

doenças para o diagnóstico e

de moradia. “Eles afetam os in-

especialistas vai além do ris-

tratamento, em vez de buscar

divíduos de maneiras diferen-

co de contrair doenças e tra-

as causas. Sydenham influen-

tes e não necessariamente têm

CONTRA A CORRENTE

a de um não fumante.

uma relação causal direta com a doença, mas favorecem certos estados de saúde”, explica a epidemiologista Rita Barradas

“ASDESIGUALDADESTÊMCUSTOALTO PARAOSSISTEMASDESAÚDE.ALONGO PRAZO,TODOSPAGAMPORELAS”

Silvia Stringhini, epidemiologista

Barata, autora do livro Como e por que as Desigualdades Sociais Fazem Mal à Saúde (Editora Fiocruz). É como um funil: os determinantes podem gerar fatores de risco que levam a doenças. Pressionando o funil pela boca, estaria a desigualdade social.

35


“Quando falamos em desi-

judicados pelos conflitos. Mas

gualdade social, geralmente

houve pleno emprego e gran-

nos referimos a situações que

de redução na desigualdade

implicam algum grau de injus-

de renda. O salário das clas-

tiça, isto é, diferenças que são

ses mais baixas cresceu 9% e

injustas porque estão associa-

o da classe média caiu 7%.

das a características que siste-

Wilkinson mostra ainda

maticamente colocam alguns

que, a partir de certo limiar,

grupos em desvantagem com

o aumento no PIB per capi-

relação à oportunidade de ser e

ta não significa melhora na

se manter sadio”, escreve Rita

saúde. Isso explica por que

Barradas Barata. E situações

um país pode ser muito rico

como essas estão se agravan-

e, ainda assim, não ter popu-

do no Brasil: com alta no de-

lação saudável ou expectativa

semprego, em março, pela pri-

de vida alta. O maior exem-

meira vez em 22 anos, o indíce

plo são os EUA. O país tem

Gini calculado pela Fundação

um dos maiores PIBs per ca-

Getúlio Vargas mostrou au-

pita (US$ 55.836,79), um dos

mento da desigualdade.

maiores gastos com saúde por

SAÚDE NÃO TEM PREÇO

MIL PESSOAS

morrem por ano no mundo com doenças negligenciadas

habitante (US$ 9.402,54) e uma alta porcentagem do PIB

Ora, então basta ser rico

destinada a esse fim (17,14%).

para ter saúde? Não. A ri-

Mesmo assim, os americanos

queza costuma ser associa-

vivem quase cinco anos a me-

da à garantia de melhor qua-

nos que os japoneses, que têm

lidade de vida, o que leva a

US$ 32.477,22 de PIB per ca-

melhores níveis de saúde e

pita, gastam com saúde, por

à ausência de fatores de ris-

pessoa, US$ 3.702,95 e dedi-

co para doenças como as in-

cam 10,23% do PIB a ela.

fecciosas, relacionadas prin-

Mesmo comparados a paí-

cipalmente à higiene. Desde

ses menos desenvolvidos,

os anos 1980, no entanto, es-

como o Brasil, os Estados

tudos mostram que a espe-

Unidos não se saem bem

rança de vida ao nascer está

quando o assunto é saúde.

mais ligada a indicadores de

Por aqui, temos PIB per ca-

distribuição de renda do que

pita de US$ 8.8538,59, gas-

ao Produto Interno Bruto.

tamos menos de US$ 1.000

O epidemiologista britâ-

com saúde por pessoa e dedi-

nico Richard Wilkinson, da

camos 8,32% do PIB a isso.

Universidade de Nottingham,

No fim, vivemos quatro anos a

é um dos maiores pesquisado-

menos que os americanos.

res do tema. No livro O Nível

Outro dado interessante,

(Civilização Brasileira), em

este da pesquisa coordenada

parceria com Kate Pickett,

por Szwarcwald, é o de que

Wilkinson demonstrou que

apenas 4,7% dos brasileiros

períodos com aumento da es-

que buscam atendimento mé-

perança de vida na Inglaterra

dico não são atendidos. Nos

coincidiram com a primeira e

EUA, o índice varia: 15,3% en-

a segunda guerras: observou-

tre quem possui plano priva-

-se ganho de 6,6 e 6,5 anos,

do, 42,1% dos que são cober-

respectivamente. Esquisito,

tos pelo Medicaid, programa

considerando que o padrão

para indivíduos de baixa ren-

de vida e os serviços de

da, e 84,6% dos que não têm

saúde foram muito pre-

nenhum tipo de cobertura.

36

500

50

CENTAVOS

de dólar é o custo médio para tratar cada pessoa com DTN por ano


149

países do mundo são atingidos pelas doenças negligenciadas

ESQUECIDAS, MAS NÃO VENCIDAS

Algumas doenças são consideradas pela OMS doenças tropicais negligenciadas (DTN), pois não recebem a atenção necessária. Veja as sete que mais afetam o Brasil

1 DENGUE A doença, que pode ser causada por quatro tipos diferentes de vírus, é transmitida pelas fêmeas do mosquito Aedes aegypti. Seus principais sintomas são febre alta (acima de 39°C) e dores no corpo, que podem evoluir para casos mais graves de hemorragias. Entre 2002 e 2011, a dengue se consolidou como um dos maiores desafios de saúde pública no Brasil. Em 2013, ocorreu o maior surto no país, com cerca de 2 milhões de casos.

2 DOENÇA DE CHAGAS Causada por um protozoário transmitido por um inseto, o barbeiro, provoca sintomas leves, como inchaço e febre. Se não tratada, porém, pode se tornar crônica e causar insuficiência cardíaca. A estimativa do Ministério da Saúde é de que existam entre 2 milhões e 3 milhões de pessoas infectadas no país.

3 LEISHMANIOSE Existem dois tipos de leishmaniose: a que ataca a pele e as mucosas e a que ataca os órgãos internos — principalmente o fígado, o baço, os gânglios linfáticos e a medula óssea. Os sintomas incluem febre, emagrecimento, anemia e hemorragias. É transmitida pelo chamado mosquito-palha e atinge aproximadamente 3,5 mil pessoas no Brasil, país com a maior incidência da doença na América Latina.

4 ESQUISTOSSOMOSE É mais conhecida como barriga d’água, pois entre os sintomas está o inchaço abdominal. O parasita tem como hospedeiro caramujos de água doce que eliminam as larvas que contaminam os humanos e se instalam no fígado e no intestino. No Brasil, estima-se que 1,5 milhão de pessoas vivam em áreas com risco de contrair a doença.

5 MALÁRIA Outra doença transmitida por mosquito, tem sintomas parecidos com os da gripe, como febre e calafrio. Se não tratada, pode provocar insuficiência respiratória, coma e levar à morte. No Brasil, por ano, há cerca de 150 mil casos, a maioria deles na Amazônia. Mas os números vêm diminuindo: em 2015, foi observada a menor quantidade de casos nos últimos 35 anos.

6 HANSENÍASE Popularmente conhecida como lepra, a doença causa danos aos nervos e à pele. Causada por uma bactéria e transmitida pela saliva ou por via respiratória, tem cura e é prevenida pela vacina BCG, que faz parte do Programa Nacional de Imunizações. Mesmo assim, o Brasil ainda registra a segunda maior incidência no mundo, com cerca de 30 mil novos casos por ano.

7 TUBERCULOSE É uma das doenças mais antigas, que ainda atinge milhares de pessoas no mundo inteiro — mais precisamente, 10 milhões por ano. Causa febre, fadiga e tosse crônica com catarro ou sangue e é transmitida pelas vias aéreas ou pela saliva. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, há cerca de 70 mil casos por ano e 4,5 mil mortes.


ASAÚDEPÚBLICANOBRASILPODE PERDERMAISDER$430BILHÕESEM INVESTIMENTOSEMDUASDÉCADAS E A GENTE COM ISSO?

não se torna obesa ou hiper-

mento da violência”, destaca

EFEITO DOMINÓ

A comparação entre as taxas de

tensa de uma hora para ou-

Barata. Em outras palavras,

Existem, é claro, formas de

obesidade nos países é um dos

tra”, afirma Barata.

o estresse está aí para todo

minimizar as consequências

exemplos de como a desigual-

Uma explicação é encontra-

mundo. E os efeitos dele no

das desigualdades sociais.

dade afeta a saúde. Classificada

da na epigenética, campo que

corpo são bastante conheci-

O acesso à saúde é uma de-

atualmente como uma epide-

estuda a relação da herança

dos na medicina: aumento do

las. O Brasil está entre os

mia, ela atinge 18% da popu-

genética com o meio ambien-

risco de doenças cardiovas-

países que possuem um sis-

lação mundial. Ainda que haja

te. De acordo com a teoria,

culares e, principalmente, de

tema de garantia de aces-

obesos saúdaveis, a obesidade

condições ambientais ruins

transtornos mentais como de-

so universal para todas as

é considerada um fator de ris-

aumentam o risco de adoe-

pressão e ansiedade. Segundo

classes, o Sistema Único de

co para hipertensão, diabetes,

cer entre aqueles que já têm

a OMS, o Brasil é o quinto

Saúde (SUS), criado com a

doenças cardiovasculares e al-

predisposição genética para

país que mais sofre com essas

Constituição de 1988. O pro-

guns tipos de câncer.

determinadas doenças.

doenças no mundo — atrás de

blema, no caso brasileiro, é

Seguindo uma lógica causal

Ao mesmo tempo, o orga-

China, Índia, Estados Unidos

que o investimento em um

simples, os índices de obesida-

nismo pode ser modificado

e Rússia, todos com altos ín-

programa que pretende aten-

de deveriam ser maiores nas

por processos adaptativos

dices de desigualdade.

der a todos é baixo — e tem

camadas mais ricas, que têm

ao meio ambiente. No exem-

O fato de esses efeitos se-

maior poder aquisitivo para

plo da obesidade, Wilkinson

rem diretos sobre os mais

Com a aprovação da Pro-

exagerar na comida, e atingir

cita a hipótese do “fenótipo

pobres é um grande parado-

posta de Emenda à Consti-

todos os países ricos de forma

poupador”. Ela sugere que,

xo e talvez explique por que

tuição que congela os gastos

homogênea. Não é o que acon-

quando uma grávida está es-

superar as desigualdades

públicos por 20 anos, a esti-

tece. Além de afetar principal-

tressada, o desenvolvimento

permanece sendo um desa-

mativa é de que o SUS per-

mente os mais pobres, a doen-

do feto prepara-o para uma

fio. Segundo Wilkinson, só

ca mais de R$ 430 bilhões de

ça tem índices que parecem

vida em um ambiente estres-

fica claro que um aumento

investimentos até 2036, con-

acompanhar os da desigualda-

sante. Os bebês nessa situa-

na renda não necessariamen-

forme estudo publicado pelo

de social, ou seja, países mais

ção nascem menores e com

te provoca melhora na saúde

Conselho Nacional de Saúde

desiguais são mais obesos.

taxas metabólicas mais bai-

quando a comparação é fei-

(CNS). Problemas como esse

De acordo com a Organi-

xas, como se fossem viver

ta entre países. Dentro deles,

geram falta de confiança no

zação para a Cooperação e

em um local onde a comida

essas desigualdades se refle-

sistema público que incentiva

Desenvolvimento Econômico

é escassa. O problema é que

tem na expectativa de vida,

a busca por planos privados,

(OCDE), é possível traçar

a oferta de alimento não é es-

e os mais ricos vivem mais

ainda que a custos elevados —

uma relação direta entre as

cassa. Por isso, esses bebês

— a pesquisa da Fiocruz

no ano passado, as mensalida-

crises econômicas e o au-

se tornam mais propensos a

confirma isso no caso bra-

des tiveram alta de 13,55%, a

mento dos índices de obesi-

obesidade, diabetes e doen-

sileiro. “O difícil é mostrar

maior desde 1997. Como alter-

dade. Na crise econômica de

ças cardiovasculares.

que, se você tivesse as mes-

nativa às mudanças, o Minis-

se tornado cada vez menor.

2008, por exemplo, o consu-

“Os impactos das desigual-

mas condições financeiras

tério da Saúde propõe a cria-

mo de frutas e legumes nos

dades são diretos sobre os

em um país mais igualitário,

ção de modelos particulares

EUA despencou 5,6% para

mais pobres, mas afetam as

sua vida seria melhor”, afir-

com preços populares.

cada 1% de aumento no índi-

demais camadas da sociedade

ma o britânico. O pensamen-

Mas essa pode se tornar

ce de desemprego. “Em saú-

porque provocam deteriora-

to deveria ser: não chegarei

uma falsa solução, explica

de, as coisas não caem

ção da vida pública, perda do

aos 80 anos se meu vizinho

a professora da Fundação

do céu. Uma pessoa

senso de comunidade e o au-

também não viver até lá.

Getúlio Vargas Sonia Fleury.

38


17,1 %

11,7% 8,4 %

Primeiro grau completo Segundo grau completo

Diabetes

8,1%

10,3 %

Sem educação formal

PREVALÊNCIA DE DOENÇAS CRÔNICAS Por escolaridade

14 %

14,6 %

15,7%

14,9%

Hábitos que aumentam as chances de adoecer são mais frequentes entre quem tem menor formação; confira os dados do Brasil

16,9%

JUNTAS

15,9%

22,8 %

EDUCAÇÃO EANDAM SAÚDE

Superior completo

5,36% 3,44% 4,18%

Acidente vascular cerebral 2,74% 0,82% 0,79% 0,58% Depressão

PREVALÊNCIA DE HÁBITOS NÃO SAUDÁVEIS Entre os adultos brasileiros, por escolaridade

Consumo de frutas e vegetais menos de cinco vezes por semana

ABUSO DE ÁLCOOL

83,4 %

80,2 %

FUMAR

74,8 %

ESTILO DE VIDA SEDENTÁRIO

61,3%

9,61%

8,61% 6,95% 6,4% 8,71%

PREVALÊNCIA DE LIMITAÇÕES SEVERAS OU MUITO SEVERAS Por escolaridade Decorrentes de diabetes 8,18% 9,04% 4,4% 1,42% Decorrentes de acidente vascular cerebral

Sem educação formal

Primeiro grau completo

Segundo grau completo

Superior completo 10,67%

Consumo de carne com excesso de gordura

Decorrentes de depressão

44,5 %

43,8 %

36,3 %

28,3 %

FONTE: Pesquisa Nacional de Saúde 2013, dados analisados no suplemento publicado no International Journal for Equity in Health

17,94% 15,11%

29,92%

16,11%

9,77% 8,91% 6,45%

39


“EM SOCIEDADES MAIS DESIGUAIS, AS PESSOAS TÊM MEDO UMAS DAS OUTRAS”

em países desenvolvidos foi em 1920; a partir de 1930 ela diminuiu e só voltou a aumentar na década de 1970. Ela cria uma ideia de superioridade e inferioridade, então os mais ricos

Professor da Universidade de Nottingham,

se sentem superiores e criam uma

Richard Wilkinson argumenta que socie-

ideia de que os pobres são pobres

dades igualitárias são mais saudáveis por-

porque são preguiçosos e burros.

que têm menos problemas como violência, abuso de drogas e doenças mentais.

E COMO ESSE PENSAMENTO AFETA A SOCIEDADE COMO UM TODO? Ele gera competição e ansiedade. A vida passa a ser sinônimo de status, nós julgamos uns aos outros com

VOCÊ ESTUDA OS IMPACTOS

base na riqueza exterior, o dinheiro

DA DESIGUALDADE HÁ PELO

passa a ser a maior qualidade de uma

MENOS 30 ANOS. ACHA QUE O

pessoa. Em sociedades mais desiguais,

MUNDO ESTÁ MAIS CONSCIENTE

a vida em comunidade é mais fraca,

DISSO OU ESTAMOS NOS

existe mais violência. As pessoas

TORNANDO MAIS DESIGUAIS?

têm medo umas das outras, ficam

Os dois. Houve um grande

constantemente se defendendo.

aumento da consciência da desigualdade desde a crise

EM TEMPOS DE CRISE, É POSSÍVEL

financeira de 2008, mas isso não

CRESCER ECONOMICAMENTE

significa que as desigualdades

E DIMINUIR A DESIGUALDADE

diminuíram. Enxergo alguns sinais

AO MESMO TEMPO?

positivos. A Organização para a

Pelo contrário, existem evidências

Cooperação e Desenvolvimento

suficientes que comprovam que

Econômico (OCDE), por exemplo,

a desigualdade é ruim para o

tem feito acordos com paraísos

crescimento econômico. Ela provoca

fiscais para compartilharem

ainda mais instabilidade econômica.

dados com autoridades fiscais de diferentes países. Isso é

EXISTE ALGO QUE POSSA SER

importante, pois não se pode falar

FEITO INDIVIDUALMENTE PARA

em mudar o sistema de impostos

MELHORAR A SITUAÇÃO?

se ainda existirem paraísos

No momento, nossa melhor esperança

fiscais, porque as pessoas só vão

é a pressão popular. As experiências

continuar a esconder o dinheiro.

no passado mostram que as maiores mudanças na distribuição de renda

40

NÓS TEMOS OBSERVADO UMA

decorreram de movimentos sociais

GRANDE POLARIZAÇÃO POLÍTICA

fortes ou de alguma ameaça externa,

NOS ÚLTIMOS TEMPOS. ISSO PODE

como o comunismo. Veja o presidente

TER A VER COM A DESIGUALDADE?

americano Franklin Roosevelt, por

Sim, a desigualdade sempre

exemplo. Na década de 1930, ele reduziu

provoca aumento na polarização

a desigualdade com o argumento de

política. A última vez que a

que estava preservando o capitalismo

desigualdade esteve tão alta

diante de uma ameaça comunista.


“A deterioração dos serviços públicos leva também a uma precarização do setor privado, pois o parâmetro sempre vem do público”, afirma a doutora em Ciência Política. Basta ver o número crescente de operadoras de planos de saúde punidas pela Agência Nacional de Saúde

0,7%

da população do Brasil, ou seja, mais de 1,4 milhão, nunca se consultou com um médico, segundo estudo da Fiocruz

Suplementar (ANS) por negarem cobertura indevidamente: no último trimestre do ano passado, 11 operadoras tiveram planos suspensos. Mas o conceito de acesso

cionados à baixa escolaridade.

não significa apenas a obten-

No fim das contas, tudo está

ção de tratamentos. Engloba

interligado, como bem mostra

dimensões como acessibili-

o conceito de saúde da OMS.

dade e educação. Os dados

“É um efeito dominó”, con-

da Fiocruz mostram que 22

clui Szwarcwald. E demanda

milhões de brasileiros ainda

mudanças estruturais. Não

subutilizam os serviços de

adianta falar em prevenção

saúde: 0,7% da população,

para quem nem sequer sabe

por exemplo, jamais consul-

ler ou mal tem o que comer.

tou um médico na vida, e 3%

O hospital mais moderno será

nunca foram ao dentista.

inútil quando faltam meios

Em regiões como a da

para os pacientes chegarem

Brasilândia, bairro da zona

até ele. Continuar combaten-

norte de São Paulo, a reclama-

do um mosquito sem promo-

ção dos moradores é básica:

ver, ao mesmo tempo, melho-

falta transporte público para le-

rias de saneamento básico, é

vá-los até hospitais próximos.

entrar em uma guerra impos-

Quando existem linhas dispo-

sível de vencer.

níveis, a frequência é reduzi-

Na Silésia de 1846, Virchow

da após determinados horá-

já havia sugerido tudo isso.

rios. “Esse programa Corujão

Para prevenir outra epidemia

da Saúde, que oferece exames

como a de tifo, seria necessária

em horários alternativos, à noi-

uma democracia ilimitada, com

te, é muito bonito, mas como

o fim de privilégios, para criar

vamos fazer para chegar até os

cidadãos livres e bem-educa-

hospitais se os ônibus só pas-

dos e uma sociedade mais coe-

sam por aqui até as dez e meia

sa. “Esses são os métodos radi-

da noite?”, diz Evan Belchior

cais que sugiro como remédio”,

de Brito, 36 anos, morador

escreveu o médico polonês em

da Brasilândia e membro da

seu relatório. Anos depois, en-

Associação de Moradores do

tre 1918 e 1922, a região teve

Alto da Vila Brasilândia.

outra grande epidemia da

A pesquisa de Szwarcwald

doença, com cerca de 3 mi-

também mostrou que os com-

lhões de mortos. Atualmente,

portamentos de risco, como

os casos de tifo são raros —

baixo consumo de verduras,

mas o remédio para as epide-

sedentarismo, abuso de ál-

mias sugerido por Virchow ain-

cool e tabagismo, estão rela-

da parece radical.


Hope (Esperança, em inglês) dormia "aparentemente feliz", descreve Hiller. Teve uma vida sofrida, no entanto. Em 2013, no Quênia, foi encontrado chorando ao lado do corpo de sua mãe, morta por caçadores.

SOLIDÃO

DESIGN FEU

EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO

FOTOS ÉRICO HILLER

ASSASSINADOS POR CAÇADORES QUE BUSCAM SEU VALIOSO CHIFRE, OS RINOCERONTES PODEM SER EXTINTOS EM DUAS DÉCADAS. O FOTÓGRAFO ÉRICO HILLER ACOMPANHOU DURANTE DOIS ANOS ESSA TRAGÉDIA ANUNCIADA

O FIM DOS GIGANTES


DE PERTO

Os filhotes órfãos quenianos, registrados nesta imagem ao lado dos seus tratadores, contrariam o padrão. Mesmo após o trauma de perder os pais, continuaram dóceis com humanos.

43


Nos locais de caça, as savanas da África do Sul mais parecem cemitérios. Os chifres são retirados muitas vezes com os animais ainda vivos, baleados. Os corpos, sem valor comercial, são deixados.

A CÉU ABERTO


OFERECIDO POR UM TRAFICANTE, um pedaço de chifre de rinoceronte do tamanho de uma caixinha de fósforos custa US$ 2.500 — quase R$ 7.900 — no mercado negro na Ásia, onde está a maioria da clientela. Foi fotografando de perto cenas espantosas como esta que Érico Hiller investigou o extermínio desses animais. Em média, a cada oito horas um deles morre no mundo.

"Quando soube do problema, em 2007, tinham morrido 83 rinocerontes naquele ano. Quando terminei o projeto, já eram mais de mil mortos", conta o fotodocumentarista independente, mineiro radicado em São Paulo. O trabalho de dois anos — foram oito viagens a três continentes — está registrado em imagens e textos no livro A Jornada do Rinoceronte, lançado no ano passado.

A jornada que observou, diz Hiller, é feita de ambição. De um lado, caçadores paupérrimos agem principalmente na África do Sul, onde estão 95% dos animais. "Em uma noite, o cara consegue mais dinheiro do que o que a família dele teve a vida inteira." De outro, há consumidores indiferentes à extinção, que pode ocorrer em duas décadas. "São pessoas muito ricas, letradas, estudadas."

Os chifres não são de osso. São nada mais do que um emaranhado de queratina, a proteína que compõe nossos cabelos e unhas. Ainda assim, seu consumo, muitas vezes em sopas, significa ostentação. Os benefícios não têm base na ciência, são só promessas de que curam ressaca, febre, convulsão e até câncer. "É um motivo chulo. Os animais são mortos só para arrancarem os chifres", resume Hiller.

45

Para desmotivar a caça, veterinários sul-africanos dopam os animais, extraem os chifres — eles voltarão a crescer — e os catalogam. Parte dos especialistas, porém, considera a prática um erro.

PREVENÇÃO

Editora M'Arte — R$ 90, 252 páginas, com textos em português e inglês

A JORNADA DO RINOCERONTE


DE TOCAIA

No Zimbábue, guardas usam trajes camuflados para vigiar movimentos de possíveis caçadores furtivos nas savanas.


LIÇÃO

47

Máscaras ajudam a chamar a atenção de alunos da região de Kaziranga, na Índia, para a importância de preservar os rinocerontes. Há casos, inclusive, de meninos que denunciaram os pais como caçadores.


PAPO CABEÇA COM RONALDO LEMOS

Tecnologia muda vidas Três anos depois da aprovação do Marco Civil da Internet, advogado Ronaldo Lemos lança aplicativo para recolher assinaturas

POR

não é fácil falar com ronaldo lemos.

nicações. “Enviei meu currículo, que era

Na primeira vez que tentamos, ele estava

o de um estudante sem experiência. Mas

em Nova York. Na segunda, prestes a em-

nos meus dados tinha o e-mail, e isso cha-

barcar para Pequim. O advogado mineiro

mou atenção. Curiosamente, no mesmo

nascido em Araguari tornou-se conhecido

currículo coloquei meu telefone errado.

ao liderar o processo de consulta pública

Eles tentaram me contatar por semanas e

que resultou no projeto de lei do Marco

precisaram mandar um mensageiro, por-

Civil da Internet, aprovado há três anos.

que o escritório não tinha e-mail.”

CRISTINE KIST DESIGN FEU

Formado em Direito pela USP, ele come-

Hoje, Lemos é professor da Uerj, apre-

çou a se interessar por tecnologia logo no

sentador da GloboNews e diretor do

início do curso, em 1994: “Quando entrei

Instituto de Tecnologia e Sociedade do

na faculdade, ainda não havia provedores

Rio (ITS Rio). Foi no ITS Rio que ele aju-

de internet no Brasil, mas a USP começou

dou a desenvolver o Mudamos, um apli-

a abrir o acesso discado para os bolsistas,

cativo criado para recolher assinaturas

então tive logo o meu primeiro e-mail, que

digitais de apoio a projetos de iniciativa

era rol@usp.br”. Foi graças a esse e-mail

popular — algo que, segundo ele, “pode

que ele conseguiu o primeiro está-

mudar completamente a relação entre re-

gio, justamente na área de telecomu-

presentantes e representados”.

48


COMO EXATAMENTE VAI FUNCIONAR O MUDAMOS? O Mudamos cria uma caixa de ferramentas para promover a participação pública. Desenvolvemos um aplicativo que vai permitir às pessoas assinarem projetos de lei de iniciativa popular. A Constituição prevê que, se 1% dos eleitores assinarem um projeto de lei, ele tem de ser aceito pelo Congresso e votado como um projeto normal. O problema é que até hoje a tecnologia para colher essas assinaturas foi o papel, o que traz inúmeros problemas. Por exemplo, no papel é praticamente impos-

Foi exatamente o que fizemos com o

sível auditar as assinaturas. Vimos isso

Marco Civil. Construímos uma plataforma

acontecer agora com as “10 Medidas de

aberta e colaborativa para escrever toda

Combate à Corrupção”, que obtiveram as

a lei. Isso teve um impacto profundo em

assinaturas, mas tiveram de ser “adota-

termos de transparência e de participação.

das” por um deputado. A mesma coisa

As pessoas que participaram do processo

ocorreu com a Lei da Ficha Limpa.

ficavam impressionadas quando viam que

Com o aplicativo, será possível assi-

seus comentários e opiniões eram debati-

nar um projeto de lei pelo celular, e as

dos e respondidos — ou, ainda, incluídos

assinaturas são totalmente auditáveis.

no projeto. Isso mostrou que é possível

Estamos usando a nova tecnologia do

um modelo de construção de políticas pú-

Blockchain [sistema que garante a se-

blicas que seja mais aberto à sociedade e

gurança das operações e que se tornou

menos sujeito à corrupção ou a decisões

conhecido por ser usado em transações

PRAZER, INTERNET

com bitcoins] para fazer isso, dando to-

“Apresentei a inter-

tal transparência ao processo. Isso pode

net para muita gente.

A TECNOLOGIA TRANSFORMOU QUASE TUDO NAS ÚL-

mudar completamente a relação entre

As pessoas ficavam

TIMAS DÉCADAS, MAS A POLÍTICA E, MAIS PRECI-

impressionadíssimas,

SAMENTE, O SISTEMA REPRESENTATIVO ESCAPA-

saíam da minha casa

RAM PRATICAMENTE ILESOS. A QUE SE DEVE ESSA

representantes e representados.

tomadas atrás de portas fechadas.

A ELABORAÇÃO DO MARCO CIVIL DA INTERNET FUNCIO-

como se tivessem

“IMPENETRABILIDADE”?

NOU COMO UM LABORATÓRIO PARA O MUDAMOS?

visto algo místico.”

A política vem se distanciando da socie-

O Mudamos é uma ampliação da expe-

dade. Em vez de se tornar mais porosa

riência de construção colaborativa de

e permeável, ela está ficando cada vez

uma política pública. Ele cria ferramen-

mais fechada em si mesma, obedecen-

tas que permitem a qualquer pessoa par-

do a uma espécie de lógica própria.

ticipar da construção de políticas públicas.

Foto: Divulgação/ITS

São muitas razões para isso. Em

49


primeiro lugar, o próprio sistema polí-

sa de um novo plano nacional de Banda

tico brasileiro, fundado nesse chamado

Larga, que coordene os esforços federais,

“presidencialismo de coalizão”. Outra ra-

estaduais e municipais permitindo levar

zão é a corrupção, que permite que agen-

conectividade a todas as escolas. Nesse

tes privados possam “hackear” a política

quesito, estamos ficando atrás até mes-

em favor de interesses próprios, deixan-

mo de nossos vizinhos. Argentina, Chile,

do de lado o interesse público.

Uruguai e Colômbia têm feito um trabalho melhor que o Brasil em conectividade.

EM 2010, O GOVERNO ANUNCIOU A IMPLANTAÇÃO DO PLANO DE BANDA LARGA NAS ESCOLAS, QUE

FAZ TRÊS ANOS QUE O MARCO CIVIL FOI APROVADO.

FRACASS0U. HOJE, MUITOS LUGARES, INCLUSIVE

DESDE ENTÃO, HOUVE UMA SÉRIE DE TENTATIVAS

ESCOLAS, SEGUEM DESCONECTADOS — O QUE É VIS-

DE ALTERÁ-LO OU ATRAVESSÁ-LO, COMO A FATÍDI-

TO COMO UMA DEMONSTRAÇÃO DE QUE A TECNOLO-

CA PROPOSTA DA LIMITAÇÃO DE DADOS E VÁRIOS

GIA ESTÁ, NA VERDADE, AUMENTANDO A DESIGUAL-

PROJETOS DE LEI PROPOSTOS PELA CPI DOS CRIMES

DADE. COMO RESOLVER ESSE PROBLEMA?

CIBERNÉTICOS. COMO VOCÊ, QUE É O “PAI DA CRIAN-

Essa questão é fundamental. Hoje, a

ÇA”, ACOMPANHOU ESSE PROCESSO?

maioria absoluta das escolas do Brasil

O Marco Civil incomoda muito quem não

não conta com banda larga de verdade.

gosta da liberdade na internet. Por exem-

Em outras palavras, estão desconectadas

plo, vários políticos prefeririam que a rede

da possibilidade de usar a internet para

brasileira pudesse ser controlada e censu-

fins educacionais. Hoje, quando a cone-

rada. O Marco Civil não deixa isso acon-

xão chega, a banda é tão curta que a in-

tecer, por isso a reação a ele é tão forte.

ternet só fica disponível para a direção

Um dos maiores opositores do projeto foi

da escola ou, quando muito, para os pro-

o então deputado federal Eduardo Cunha.

fessores. Os alunos não têm acesso. Esse

Quando o Marco foi aprovado, ele rapida-

é um dos nossos desafios hoje: conectar

mente propôs um projeto de lei para al-

todas as escolas do país em banda larga.

terá-lo, criando no Brasil um “direito ao

Isso tem o potencial de reduzir o deter-

esquecimento”. Seria um direito de apa-

minismo geográfico. Independentemente

gar da internet informações julgadas “in-

de onde uma pessoa nasce, ela poderá ter

convenientes”. Na mesma linha, diversos

acesso a todo o conhecimento necessá-

outros deputados vêm propondo leis para

rio. É preciso lembrar que hoje é possí-

mudar o Marco Civil, sempre buscando

vel aprender tudo pela internet. Não só

aumentar o controle sobre a internet.

o conteúdo da escola, como física, química ou matemática — por exemplo, nos

O MARCO JÁ FOI CITADO ATÉ PELO JUIZ QUE DERRU-

vídeos da Khan Academy —, mas tam-

BOU O WHATSAPP. O QUE ACHA DAS INTERPRETAÇÕES

bém habilidades que a escola não ensi-

DETURPADAS QUE TÊM SIDO FEITAS DO TEXTO?

na. É possível, por exemplo, aprender a

O desafio de uma lei é não só sua apro-

programar, aprender atividades práticas,

vação mas também sua aplicação. O

como consertar uma bicicleta, cozinhar,

curioso é que o Marco Civil proibiu ex-

aprender um idioma e assim por diante.

pressamente suspender ou interromper

Quem tem acesso à rede, com um pouco

serviços da internet. Mesmo assim, hou-

de curiosidade e disciplina, pode apren-

ve alguns juízes de primeira instância

der muita coisa nova e tem a capacida-

que resolveram aplicá-lo incorretamen-

de de mudar a própria vida. Levar isso

te. Felizmente, os tribunais superiores

para dentro da escola é fundamental.

foram rápidos em reverter essas decisões, dizendo claramente que estavam

ENQUANTO EM ALGUNS LUGARES A INTERNET AIN-

equivocadas. Agora, o STF vai decidir

DA NÃO CHEGOU, EM OUTROS OPERA-SE NO LIMITE.

sobre o caso. A questão da obtenção dos

VOCÊ JÁ DISSE QUE “ESTAMOS À BEIRA DE UM APA-

dados para fins de investigação criminal

GÃO DE CONECTIVIDADE”. POR QUE CHEGOU-SE A

é legítima e importante. No entanto, não

ESSE EXTREMO E COMO EVITAR ESSE APAGÃO?

é bloqueando um serviço que esse tema

A razão é que o tema da conectividade fi-

irá avançar. O dano colateral é grande

cou anos à deriva no país. Não houve pla-

demais. Além disso, temos de lembrar

nejamento e coordenação necessários para

que a regra na internet infelizmente é a

promover investimentos em infraes-

vigilância. São poucos os serviços que

trutura. Em síntese, o Brasil preci-

adotaram um padrão de segurança crip-

50


tográfica capaz de proteger os usuários de serem bisbilhotados. O WhatsApp fez isso, assim como a Apple, com o iMessenger ou o aplicativo Signal. É importante que existam serviços seguros, à prova de interceptação.

UMA DAS FUNÇÕES MAIS IMPORTANTES DO ESTADO É JUSTAMENTE A DE ZELAR PELA SEGURANÇA. HOJE, SE O ESTADO CONSIDERAR VOCÊ SUSPEITO, ELE PODE ENTRAR NA SUA CASA — QUE ATÉ ENTÃO ERA UM TERRITÓRIO PRIVADO — E VARRER TUDO ATRÁS DE PROVAS. COMO FICA O PAPEL DO ESTADO NA PREVENÇÃO DE CRIMES QUANDO ELE PERDE ESSE “ACESSO PRIVILEGIADO” A TODOS OS LUGARES? Acho que o Estado nunca teve ferramentas tão poderosas para investigação como tem atualmente. As revelações do caso Snowden e os documentos vazados pelo WikiLeaks, que aparentemente são verdadeiros, demonstram que o estado de vigilância é imenso. Estamos perdendo as poucas esferas privadas que ainda restam. É nesse contexto que os poucos serviços que adotam um sistema de proteção criptográfica contra vigilância surgem. Vale lembrar que, hoje, analisar um celular de uma pessoa é muito mais revelador do que entrar no domicílio dela. É preciso equilíbrio. É totalmente justificável que casos ilícitos possam ser investigados, mas é necessário haver freios e

Hoje, analisar um celular de uma pessoa é muito mais revelador do que entrar no domicílio dela.” FAZ DEZ ANOS QUE VOCÊ ESCREVEU O PRIMEIRO

contrapesos para evitar abusos.

ARTIGO DEFENDENDO A CRIAÇÃO DE UM MARCO FALANDO EM SNOWDEN, LOGO DEPOIS QUE ELE VA-

REGULATÓRIO CIVIL PARA A INTERNET BRASILEIRA.

ZOU OS PRIMEIROS DOCUMENTOS, O GOVERNO BRA-

DESDE ENTÃO, O QUE MUDOU DE LÁ PARA CÁ?

SILEIRO ANUNCIOU UMA SÉRIE DE MEDIDAS DE SE-

No momento, estou envolvido na criação

GURANÇA, COMO UM SISTEMA DE E-MAILS PRÓPRIO,

de outro marco, que é o Plano Nacional

QUE FORAM DEIXADAS DE LADO QUANDO A CRISE

de Internet das Coisas. A ideia é desen-

CHEGOU. ESTAMOS SEGUROS COMO ESTAMOS?

volver uma série de políticas públicas ca-

Não estamos seguros. Ao contrário,

pazes de fomentar a chamada Internet

o Brasil não tem uma política ampla de

das Coisas — que consiste em conectar

cibersegurança para a administração pú-

objetos à rede, tanto utensílios domésti-

blica. Recentemente houve o escândalo

cos, como geladeira ou televisão, quanto

em que se divulgou acidentalmente to-

plantas industriais, sistemas de transpor-

das as senhas de sites diretamente liga-

te urbano e assim por diante. Além dis-

dos ao governo federal. Não só isso é

so, no Brasil ainda não temos uma lei

patético em si como as senhas divulga-

de proteção de dados pessoais. Isso traz

das eram ridículas do ponto de vista de

MUDA TUDO

segurança. Havia até uma instrução que

“Não tenho dúvidas

tegidos os usuários. Eu viajo bastante, e

dizia “não mudar nunca” sobre uma das

de que o acesso

vejo o que está acontecendo em vários

senhas divulgadas. Isso vai contra prin-

à informação por

lugares do mundo. Tenho convicção de

cípios elementares de segurança da in-

meio da tecnologia

que nosso país pode ser grande em tec-

formação. Precisamos de uma política

pode mudar a vida

nologia e inovação, melhorando a vida

geral de segurança para a administração

das pessoas. Meu

de todos. Entretanto, para isso precisa-

pública. Estamos totalmente desprepara-

caso é um exemplo

mos pensar grande e ter coragem

dos e expostos nessa área.

muito claro disso.”

e disposição para fazer acontecer.

grande incerteza jurídica e deixa despro-

51


As mulheres lideram a comunidade Mumbuca, no estado do Tocantins, há nove gerações


MULHERES DE OURO UMA DAS POUCAS REFERÊNCIAS DE SOCIEDADE MATRIARCAL DO BRASIL, COMUNIDADE QUILOMBOLA CONHECIDA PELO CULTIVO DE CAPIM DOURADO TEM AS TERRAS INVADIDAS PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA REPORTAGEM E FOTOS FELLIPE ABREU, ISMAEL DOS ANJOS E LUIZ FELIPE SILVA

MA

PR

PI TO

MT

PALMAS

BA

VOCÊ ESTÁ AQUI A comunidade quilombola Mumbuca fica na região do Jalapão, no Tocantins

53


1

Com a valorização do capim, utilizado para produção de artesanato vendido em todo o mundo, têm ocorrido cada vez mais saques e ataques aos campos de colheita, e Mumbuca é a maior prejudicada. Além de suas plantações serem roubadas, os moradores da região ainda foram vítimas de um incêndio criminoso na ponte que dá acesso ao núcleo da comunidade — para chegar até lá, tivemos de cruzar o rio guiando o carro pela parte mais rasa. Quando começam as chuvas de verão, o acesso só é possível de balsa. “O capim dourado é um legado tradicional de nossos antepassados e a principal fonte de renda de nossa comunidade”, afirma Ana Cláudia Matos, que em 2012 tornou-se a primeira quilombola de Mumbuca a ingressar em uma universidade. Ela se formou assistente social e, em sua segunda incursão acadêmica, está no quinto ano de Direito. “Temos que saber o que os homens de fora sabem de igual para igual, pelo menos para dizer que não queremos favores, mas que conhecemos e exigimos nossos direitos”, justifica. Matos é, tal-

A

vez, a maior representante da nova geração de uma longa linhagem de lideranças femininas da comunidade quilombola. O papel das mulheres em Mumbuca não está restrito a cerimônias religiosas e culturais: elas são as principais líderes desde a fundação do povoado, em meados do século 19. A comunidade foi criada a partir

1. CAPIM DOURADO

Acessórios feitos com a planta são a principal fonte de renda da comunidade 2. EM ALTA

A colheita é feita de forma artesanal 3. SÓ DÁ ELAS

As mulheres lideram o trabalho nos campos de colheita; à esquerda, de roupa azul, Ana Cláudia Matos

54

do encontro entre negros escravos fugidos Às 4 horas da manhã do dia 20 de se-

de uma forte seca na Bahia e indígenas da

tembro de 2016, todos os moradores da

etnia xerente sediados no Jalapão — onde

comunidade Mumbuca já estavam acor-

ela se mantém até hoje. Os índios foram

dados e a postos. Era o dia da colheita

todos expulsos, com uma exceção: Jacinta,

do capim dourado, o momento mais im-

com quem um dos negros se casou e come-

portante do ano para os cerca de 220 qui-

çou a linhagem que está na nona geração.

lombolas que vivem entre os rios Novo e Sono, no coração do Jalapão, no estado

AS FILHAS DE JACINTA

do Tocantins. Antes de o sol nascer, um

“Jacinta, minha tataravó, era uma mulher

grupo de aproximadamente 15 jovens par-

muito forte e guerreira”, conta Doutora, a

tiu para o reconhecimento do campo de

atual líder do povoado. Batizada Noêmia

colheita, localizado a aproximadamente

Ribeiro da Silva, ela recebeu o apelido do

45 quilômetros do vilarejo. O ritual seria

pai aos nove anos após encontrar no mato

o mesmo de sempre: quando encontras-

uma planta chamada alfavaca e usá-la para

sem um lugar com boa oferta do material,

curar um problema que ele tinha no olho.

eles montariam acampamento e volta-

“Ele me disse que eu tinha um sinal de in-

riam para buscar as pessoas mais velhas.

teligência muito grande, e que ia me pôr

Dessa vez, contudo, onde esperavam en-

para estudar para ser doutora de verdade”,

contrar um campo repleto de capim, o

relembra. Doutora não estudou Medicina,

que eles viram foi só mato queimado.

mas dominou o artesanato do capim como

Pela primeira vez na história, os quilom-

poucos — é especialista em chapéus — e,

bolas ficaram sem o capim dourado.

com o tempo, assumiu a posição de lide-


rança tradicional máxima em Mumbuca, que tem esse nome por conta de uma espécie de abelha característica da região. Desde a índia Jacinta, é para as mulheres que os quilombolas olham em busca de liderança, organização e dos elos com a história e tradição. Guardina, Laurina (a descobridora do capim dourado), Laurentina e Guilhermina, mãe de Doutora e conhecida como Dona Miúda, são as mulheres que já comandaram o povoado. Além delas, houve um único homem, que foi o governante entre os períodos de Laurina e Laurentina. “É uma comunidade matriarcal desde o início. A decisão final parte das mulheres, como Doutora e Santinha [mãe do presidente da associação de artesãos e outra importante liderança]. Quem cuida da economia são as mulheres, assim como da criação dos filhos”, explica Ana Cláudia Matos. Depois dela, outros 11 jovens de Mumbuca, na maioria mulheres, chegaram ao ensino superior. São estudantes de Pedagogia, Engenharia Ambiental e Educação do Campo: “Todos os cursos têm significado para nós. Aqui, ninguém

3

2


1

1. BRILHA MUITO Mulher mostra como é feita a costura do capim 2. PANORAMA

A comunidade tem apenas ruas de terra, uma associação de moradores e uma escola 3. VENDE-SE

Na loja da associação há produtos como colares, bolsas e cestos

estuda Agronegócio porque é algo que não faz sentido, pode nos destruir. Tudo é pensado para o bem coletivo.” Irmã de Matos, Núbia Ribeiro, 16 anos, pensa em estudar Medicina para poder atender os conterrâneos que sofrem com a falta de hospital e até mesmo de posto de saúde. O atendimento médico mais

pim dourado, eles agora terão de comprar

próximo fica em Mateiros, a mais de uma

o produto. “Cada quilo de capim custa uns

hora de distância. “A gente cresce com o

R$ 30, mas agora que sabem que estamos

exemplo dessas mulheres guerreiras que

sem, o preço pode até dobrar”, preocupa-se

lutaram pelo nosso povo”, conta. O espírito

Matos. As queimadas e os saques não fo-

de pertencimento à comunidade e ao terri-

ram as primeiras ameaças aos quilombolas.

tório permeia toda a história de Mumbuca.

Os moradores de Mumbuca nunca abando-

“Eu ensino tudo que posso ensinar aqui,

naram o lugar em que cresceram, mas por

como aprendi com minha mãe, que apren-

muito pouco a comunidade não perdeu o

deu com minha avó. As mulheres ensina-

direito a seu território tradicional. A criação

ram tudo e são agarradas a este povoado,

do Parque Estadual do Jalapão, em 2001,

nunca largaram isto aqui”, afirma Doutora.

colocou sob estatuto de proteção ambiental

EXPULSÃO DO PARQUE

56

uma enorme área do estado de Tocantins que compreende a terra dos quilombolas.

O primeiro impacto da perda da colhei-

A medida pegou de surpresa os mum-

ta é econômico. O artesanato gera quase

buquenses, que até aquele momento nem

todo o rendimento dos quilombolas e, para

sequer tinham acesso à energia elétrica —

continuar vendendo utensílios, acessórios,

a luz chegou somente em 2001. “O parque

bijuterias e outros produtos à base de ca-

veio sem considerar a comunidade. Foi


uma traição da lei. Jogaram por cima da

2

gente e chegaram dizendo que aqui era parque e que ninguém poderia ficar na comunidade. Oh horror!”, relembra Doutora. Foi depois disso que o povoado passou a buscar o reconhecimento como quilombola. “Um professor veio aqui e viu nossas feições. Quando contamos nossa história, nos alertou que éramos quilombolas e que o Estado tinha uma dívida histórica conosco”, explica Matos. O reconhecimento garantiu a permanência de Mumbuca, mas a demarcação legal do território ainda não ocorreu. Antes do boom do capim dourado e da chegada da energia elétrica, a população se sustentava por meio de produção de subsistência e escambo do artesanato. As plantações em roça, o cultivo de gado e o desmatamento para uso da madeira em construções de casas e barcos foram proibidos pela lei de proteção ambiental. “Chegamos a receber multas de mais de R$ 10 mil por causa de um alqueire de roça. O povo precisa disso para sobreviver. Se eu não posso plantar onde meu avô plantou, onde vou plantar?”, pergunta Matos. “Não usamos trator, é tudo no machado e enxada. É sustentável, não é como essas empresas que devastam tudo.” Durante a festa da colheita do capim dourado — realizada dias antes da descoberta do saque —, o procurador da República Álvaro Manzano levou à Mumbuca um termo de compromisso entre a comunidade e o Parque Estadual. Uma tentativa de regulamentar a relação. “O documento busca compatibilizar, porque existe um direito constitucional do povo quilombola a seu território e a presença da unidade de conservação. Esperamos estabelecer um equilíbrio entre essas normas em conflito”, diz o representante do Ministério Público. O direito à demarcação territorial e à tradição é a principal luta dos quilombo-

3

las. E os próximos desafios já estão postos: enfrentar a chegada do agronegócio ao Jalapão (capitaneado pelo projeto de expan-

aos latifundiários, que podem impedir

são agrícola com investimento estrangeiro

nossas atividades tradicionais, como co-

na região do Matopiba, acrônimo das ini-

lher o capim, ou até mesmo nos fazer de

ciais dos estados do Maranhão, Tocantins,

serviçais deles”, diz Matos, que já traçou

Piauí e Bahia) e a falta do capim dourado

sua estratégia para os próximos meses.

(sem território demarcado, a comunida-

“Desde o fim do século 18, o poder pú-

de não tem direito oficial sobre nenhum

blico não faz nada aqui. O que temos

campo de colheita, podendo, assim, ficar à

aqui é construído com nossa força, pela

mercê de saques aos campos que tradicio-

associação de moradores. Neste ano, te-

nalmente cultivavam ou de verem essas ter-

mos que nos manter de pé, ir todo dia

ras exploradas por grandes latifundiários).

monitorar os campos de capim e cobrar

“O desafio é impedir que abram as terras

do poder público os seus deveres.”

57


58


PROJETOS QUE DÃO MESADA A TODA A POPULAÇÃO SEM COBRAR NADA EM TROCA GANHAM APOIO DE BILIONÁRIOS DO VALE DO SILÍCIO. ESSE DINHEIRO, APOSTAM ELES, PODE SALVAR A ECONOMIA QUANDO ROBÔS TOMAREM EMPREGOS DE HUMANOS POR YURI GONZAGA, DE OAKLAND (EUA) FOTOS DULLA

EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO

DESIGN FERNANDA FERRARI

não ler livros, até me acostumar. Foi

da-feira, ao acordar,

doloroso”, disse à revista Vice. Em pou-

Michael Bohmeyer

co tempo, a dor deixou o ócio e tomou

vai preparar o café

seu lugar uma motivação inédita. “Tive

da manhã para ele, a

1 milhão de ideias de negócios, passei a

namorada e a filha, a

tomar conta da minha filha e a trabalhar

quem logo em seguida levará para a es-

em uma rádio comunitária. Compro me-

cola. O alemão de 32 anos dedicará a

nos porcaria, sou mais saudável, um na-

maior parte das demais horas do dia a

morado melhor e um pai melhor.”

∏ Co

m

nh

m

N

ida g av a

a v i d a ga

Na próxima segun-

a nh

a ∏ Co

um trabalho pelo qual não recebe um

Agora, de segunda a segunda,

tostão. Mesmo assim, suas contas do

Bohmeyer cuida de uma ONG que criou

mês poderão ser pagas confortavelmen-

para tentar compartilhar essa trans-

te. Ele, então, pode dormir tranquilo.

formação, a Mein Grundeinkommen

Isso porque, em 2014, o programador

(“Minha Renda Básica”). Os escolhi-

vendeu parte de uma empresa de tec-

dos pelo programa recebem 12 mil eu-

nologia que havia fundado em Berlim.

ros ao longo de um ano — equivalente

Desde então, recebe dividendos men-

a quase R$ 3.400 por mês. Até agora,

sais de cerca de R$ 3.400. Essa renda

74 pessoas foram contempladas, com

garantida causou confusão no começo.

histórias que envolvem projetos artís-

“Tive de me forçar a não fazer nada,

ticos, incapacidades físicas e relações

olhar as nuvens, não olhar o celular,

familiares. Um dos sorteados disse ter


se curado de um distúrbio de ansie-

da por alguns economistas e políticos,

Em janeiro, a empresa de que é pre-

dade. “Algo que todos dizem é que

da direita à esquerda, como o melhor

sidente, a Y Combinator, deu início a

passam a dormir melhor. As pessoas

caminho de uma sociedade utópica.

um experimento com mil famílias da

se sentem libertadas e mais saudá-

Ou só amenamente distópica.

cidade de Oakland, na Califórnia (a 20

veis”, ressalta Bohmeyer.

quilômetros de San Francisco), que receberão US$ 2 mil (cerca de R$ 6.300)

Os recursos vêm de milhares de dos ∏ Moc

õe

mada renda básica universal, conceito

O

os ou vi l

que prega a distribuição de dinheiro em

de estender o estudo por pelo menos

s ∏ Mo c i

cente multidão de entusiastas da cha-

mensais até o fim do ano. Ele preten-

hos ou vil

õe

até hoje — que são parte de uma cres-

in

outros quatro anos. “Apesar de parecer financeiramente complicado hoje,

nh

adores individuais — cerca de 48 mil

melhorias tecnológicas poderão gerar

parcelas iguais a todos. Não há con-

uma abundância de recursos, e o custo

dições ou restrições ao uso, e a ideia

Outro apoiador da ideia, Sam Altman,

de vida deverá cair dramaticamente”,

é que o benefício seja perene.

norte-americano de 31 anos, vai acordar

escreveu Altman ao anunciar o proje-

Os efeitos da renda básica, um con-

cedo na próxima segunda. Com inves-

to. “Todos deveriam ter dinheiro para

ceito antigo — Thomas Paine, ideólo-

timentos no Airbnb, Pinterest, Reddit,

suas necessidades básicas.”

go da Independência dos EUA, era um

Stripe e em outras companhias, o execu-

A localidade foi escolhida por cau-

defensor já no século 18 —, não foram

tivo recebe 400 solicitações de reuniões

sa da “diversidade econômica e social”.

bem estudados, mas ela é considera-

de potenciais parceiros toda semana.

Os beneficiários, mantidos anônimos,

DINHEIRO GRÁTIS Veja quais são os principais locais do mundo que têm projetos de renda básica

FINLÂNDIA

HOLANDA

Dauphin

Alasca

UTRECHT Participam desse projeto 250 pessoas. Solteiros ganham por mês cerca de 970 euros. Casais, 1.390.

CANADÁ Ontário

Oakland

ESTADOS UNIDOS

ESCÓCIA Fife Glasgow

Prince Edward Island

FINLÂNDIA

Desde janeiro, 2 mil desempregados do país, com idades entre 25 e 58 anos, ganham por mês 560 euros.

HOLANDA Utrecht

FRANÇA Livorno

ITÁLIA LIVORNO Na cidade costeira, 200 famílias pobres recebem 500 euros mensais. O projeto começou em 2016.

ESTADOS UNIDOS ALASCA O estado divide entre os habitantes a renda obtida com recursos naturais. Rende, em média, de US$ 800 a US$ 2 mil por ano para cada morador. OAKLAND O experimento dá a mil famílias da cidade US$ 2 mil mensais sem contrapartida.

UGANDA

BRASIL

BRASIL Maricá Mogi das Cruzes

MARICÁ (RJ) Na cidade, 14 mil famílias de baixa renda recebem dez mumbucas (nome da moeda social criada) por mês, o equivalente a R$ 10. MOGI DAS CRUZES (SP) Projeto da ONG ReCivitas dá R$ 40 mensais a 14 famílias.

Fort Portal

NAMÍBIA Omitara

QUÊNIA


foram selecionados sob o critério de ob-

da”, diz Altman, que tem uma fortuna

“Uma renda básica projetada pelos

ter um panorama heterogêneo em con-

estimada em mais de US$ 1 bilhão.

capitalistas do Vale do Silício só pode-

dições de trabalho, etnia, idade. Não há

Um de seus alegados receios é de que

rá amplificar o poder deles, em vez de

envolvimento da prefeitura, que, con-

a tecnologia possa canibalizar a eco-

fortalecer o dos mais pobres”, também

tudo, diz ver a ideia com bons olhos.

nomia, substituindo pessoas por ro-

escreve o jornalista e pesquisador nor-

“Cerca de 57% dos nossos residentes

bôs e ressecando o consumo.

te-americano Nathan Schneider. “Se

são o que chamamos de ‘pobres de ati-

Segundo uma análise de 2 mil pro-

queremos achar uma solução para o

vos’ — o que significa que eles não têm

fissões feita pela empresa de pesqui-

apocalipse robótico, é melhor não re-

pelo menos três meses de poupança em

sa McKinsey, 45% dos empregos nos

corrermos aos que o causam.”

caso de acontecimentos drásticos em

EUA, de faxineiro a CEO, podem ser

suas vidas”, revela Jose Corona, diretor

substituídas pela tecnologia já exis-

de equidade e parcerias estratégicas da

tente. Que dirá pela que vem por aí.

Prefeitura de Oakland.

Anteriormente, estudo da Universidade

em m

N

∏ De

ão

ão

m

tariado, trabalhar, não trabalhar, mu-

ximo: 47%. Análise posterior do Centro

dar para outro país — o que queiram.

Europeu para Pesquisa Econômica, por

Esperamos que a renda básica pro-

outro lado, indicou que só 9% dos em-

mova liberdade, e queremos obser-

pregos atuais estão em risco — cenário

Na segunda-feira, Mara Simião vai

var como tal liberdade é experiencia-

mesmo assim preocupante.

acordar na zona rural de Mogi das

Projetos previstos Já tiveram projetos

ÍNDIA Madhya Pradesh

UGANDA FORT PORTAL Em experimento de ONG, 50 moradores adultos da região recebem US$ 18,25 e crianças, US$ 9,13.

ão em m

Projetos em andamento

m

Programas similares

ão

de Oxford havia concluído número pró-

De

“As pessoas poderão fazer volun-

No setor tecnológi-

Cruzes, região metropolitana de São

co, outros peixes gran-

Paulo, e preparar o café para ela, os fi-

des sugeriram apoio

lhos e o marido. Suas contas a preocu-

à ideia da renda bá-

pam. O marido ganha um salário míni-

sica universal: Elon

mo como caseiro e, mesmo que ela não

Musk, da Tesla; Chris

exerça atividade remunerada, eles não

Hughes, cofundador

são elegíveis para o Bolsa Família. Há

do Facebook; e o me-

alguns anos, contudo, uma ajuda men-

ga i nve s t i d o r M a rc

sal de R$ 30 permitiu que comprasse

Andreessen, entre ou-

óculos para os filhos — ao que atribui

tros. Uma das ONGs

o melhor desempenho escolar da me-

preferidas para doa-

nina de 14 anos e do menino de 12.

ções é a GiveDirectly,

O d i n h e i ro ve i o d o p ro j e to

que quer implantar no

ReCivitas, realizado desde 2008 na co-

Quênia o maior e mais

munidade Quatinga Velho com o finan-

longo projeto do tipo já

ciamento de doadores do mundo todo.

feito. Pelos planos, mi-

Foi a primeira iniciativa de renda bá-

lhares de famílias rurais

sica global a promover transferências

receberão US$ 1 mil por

de indivíduo para indivíduo, segun-

ano. Faltam US$ 6,3 mi-

do os pesquisadores Bruna Augusto

lhões para o início da

e Marcus Brancaglione. No ápice, dis-

operação, que já obteve

tribuía o benefício a 127 moradores,

US$ 23,7 milhões.

de porta em porta, em espécie. Hoje,

Já críticos como o

14 famílias recebem R$ 40 mensais.

pesquisador bielorrus-

A ideia é expandir o valor até que ele

so Evgeny Morozov di-

cubra de fato todos os gastos essen-

zem que a propensão

ciais. “Mesmo com uma quantia ex-

dos gigantes do Vale

tremamente baixa, fazia diferença.

do Silício pelo conceito

Renda básica não abre os mares, mas

não é remorso, mas sim

alguns problemas, os mais absurdos,

uma blindagem. Assim,

de crianças passando fome, podem

escreveu, “a precarieda-

ser mitigados”, diz Brancaglione.

de dos subempregos na

A outra iniciativa que testa renda bá-

‘gig economy’ [econo-

sica no Brasil tem valor ainda menor:

mia compartilhada] não

a Prefeitura de Maricá (RJ) dá R$ 10

soaria tão terrível, e os

a algumas famílias pobres. O projeto

executivos seriam vistos

começou no fim de 2015, na ges-

como benfeitores”.

tão de Washington Quaquá (PT).

61


Participação Continuada], salário-família.” Já para Lena Lavinas, professora da UFRJ e pesquisadora no Instituto de Berlim pelo Estudo Avançado (Alemanha), a chance da implementação

pa

ís é es

∏ Qu e

J

? ∏ Que

e?

tende a zero. “O desenho da lei permite a

ís é es

se

pa

condicionalidade da renda básica, o que é o oposto da ideia. Somos o único país que tem isso na lei, mas nunca tentamos fazê-la sair do papel.” Além disso, diz,

s

a conjuntura engessa a possibilidade.

62

Já imaginou um país que tenha uma lei

“O governo, sem compromisso algum

para determinar que todo cidadão rece-

com o bem-estar da população, passou

ba dinheiro suficiente para cobrir des-

uma lei no Congresso que restringe

pesas mensais com alimentação, edu-

o gasto público por 20 anos.”

cação e saúde? Ele existe, e é o Brasil.

Atualmente vereador em São Paulo,

A lei nº 10.835/2004, que entrou em vi-

o autor do projeto que originou a lei,

gor durante o governo Lula e resultou

Eduardo Suplicy (PT), diz ter a con-

na implementação do Bolsa Família,

vicção de que a renda básica universal,

prevê exatamente essas determinações.

“mais cedo ou mais tarde, vai acontecer”.

Mas uma das ressalvas é que, para isso

Persistência não lhe falta: após três anos

dar certo, devem ser consideradas “as

de cancelamentos das reuniões, conse-

possibilidades orçamentárias.”

guiu finalmente 50 minutos para expor

Qual é, então, a chance de a renda

seus planos à presidente Dilma em ju-

básica vingar? “Sempre é possível, só

nho passado. A saga, narrada pelo polí-

depende do tamanho da transferência”,

tico nas redes sociais, virou até meme.

diz Pedro Olinto, economista do Banco

“Quem sabe possamos começar em

Mundial que estuda o impacto de po-

janeiro de 2018, com um presidente

líticas públicas sobre a pobreza. Num

democraticamente eleito”, diz Suplicy

exemplo em que todos os brasileiros re-

à GALILEU. “Poderíamos começar

cebessem R$ 200 por mês, diz, “isso

com um valor um pouco melhor do

representaria cerca de 10% do PIB, o

que o garantido pelo Bolsa Família,

que poderia ser mais ou menos alcança-

talvez R$ 100 por pessoa, que um dia

do com a substituição do Bolsa Família,

serão R$ 200, depois R$ 500, depois

seguro-desemprego, BPC [Benefício de

R$ 1.000.” Uma das maiores diferenças


da renda básica é a incondicionalidade

“O que me preo-

e a universalidade. Por isso, diz Suplicy,

cupa não é a econo-

a burocracia seria reduzida. “Os mais ri-

mia do ‘Uber-now’,

cos já recebem dinheiro passivamente,

mas a do ‘Uber-

e não têm de provar que o salário é bai-

later’”, afirma Stern,

xo ou que levam os filhos à escola [con-

referindo-se à possi-

dições do Bolsa Família]”, afirma, refe-

bilidade de que mes-

rindo-se a rendimentos de negócios,

mo ocupações pouco

propriedades e capital financeiro.

estáveis sejam extintas — a companhia já testa carros autôno-

m

R

o ∏ De ci

o ∏ D e ci ix

a para ba ix

m

mos, sem motorista. “A renda básica é gestão de risco para pessoas abastadas. Como manter esta-

a para ba

bilidade econômica Rendimentos financeiros, aliás, são

quando não houver

vistos por alguns como a única fonte

mais empregos?”

de financiamento para uma iniciativa

Para liberais eco-

de renda universal. De acordo com es-

nômicos, a beleza

tudo do economista francês Thomas

da renda básica es-

Piketty, ganhos de capital (juros, di-

taria justamente na redução da má-

na Suíça propôs a implementação de

videndos, ações, aluguéis e outros)

quina pública por meio da eliminação

um pagamento de 2.500 francos suíços

representam por volta de 30% dos

de programas sociais. Ou seja, mesmo

(R$ 7.900) por mês a todos os adul-

rendimentos da economia norte--ame-

que os governos tivessem de pagar,

tos. Vale notar que, em consequência

ricana. Desses, um terço foi destinado

seria menos do que desembolsam hoje

do custo de vida no país, o montante

só à faixa socioeconômica do topo, o

e, teoricamente, de uma forma mais

equivaleria a R$ 2.900 no Brasil, se-

famigerado 1% da população. A ideia,

eficiente. Mas quais seriam os efeitos

gundo o índice de paridade de poder

então, seria taxar esse rendimento e

no mercado de trabalho? Não se sabe

aquisitivo do Banco Mundial.

distribuir entre o restante.

ao certo, mas as evidências de estu-

A proposta recebeu 77% de votos

Piketty, por sua vez, expressa prefe-

dos e programas semelhantes realiza-

contra e 23% a favor. “Nossa ideia era

rência por salários maiores a uma even-

dos no Canadá, nos Estados Unidos,

apresentar o conceito, e não nos enga-

tual renda básica — esta, carro-chefe

na Índia e em outros lugares sugerem

jar numa batalha retórica para ganhar

da campanha de Benoît Hamon, can-

que a resposta seja “quase todos”.

a maioria a todo custo”, diz o diretor da

didato do Partido Socialista na corrida

“Como economista do trabalho, me

campanha, Enno Schmidt. “Por isso, foi

presidencial francesa. Hamon promete

interessa saber se o benefício estimu-

missão cumprida.” Sua estratégia é, em

750 euros (aproximadamente R$ 2.500)

la o emprego”, conta Ioana Marinescu,

aproximadamente oito anos (“depen-

mensais para todo cidadão acima de

professora da Universidade de

dendo do clima político”), finalmente

18 anos. Uma das maneiras de pagar

Chicago. “E a evidência empírica

implementar o plano — que substituiria

por isso seria taxar mais pesadamente

mostra que há praticamente nenhum

todo o sistema de segurança social.

as empresas que substituem trabalha-

efeito.” A análise da mudança de vida

Um dos argumentos contrários à

dores por robôs ou softwares.

de pessoas que ganharam na loteria,

campanha é a possibilidade do aumen-

“Não posso falar pelo Brasil, mas

diz ela, pode servir como parâmetro

to da inflação. Evidências do estado

nos Estados Unidos é plenamente fi-

para prever a disposição ao trabalho

do Alasca (EUA), que paga anualmen-

nanciável”, diz Andy Stern, economis-

diante de uma renda incondicional.

te royalties do petróleo à população,

ta que dirigiu uma das maiores uniões

“Há efeito negativo [pessoas largan-

sugerem que esse problema inexiste.

sindicalistas dos EUA e do Canadá

do o emprego], mas, surpreendente-

“Da maneira que é hoje, não temos sen-

por 14 anos e autor de um livro sobre

mente, é muito pequeno.”

so de humanidade, de sociedade. Não

o tema, Raising the Floor (Elevando o

Para encontrar uma resposta, a

há direito à vida. Tudo depende de seu

Piso, sem edição no Brasil). “Se der-

Finlândia deu início, em janeiro, a um

desempenho, produtividade. Antes de

mos US$ 10 mil [por ano] a todos, exis-

estudo com 2 mil pessoas entre 25 e 58

sermos uma sociedade de trabalhado-

tem muitas maneiras de pegar esses

anos sem atividade remunerada, que re-

res, seres econômicos, somos uma so-

US$ 10 mil de volta dos enormemente

ceberão 560 euros (R$ 1.900) por mês

ciedade humana e civil”, diz Schmidt.

ricos por meio do sistema tributário.”

durante dois anos, independentemen-

“É um tópico mundial e que se torna

Além de impostos novos, ele propõe

te de sua condição. Também recente-

cada vez mais importante. No próximo

enxugar gastos no sistema de saúde.

mente, no ano passado, um referendo

referendo, vamos lutar e ganhar.”


O Q U E F A Z NOVA TEORIA DA GRAVIDADE

elimina o conceito de matéria escura e desbanca as ideias de Einstein e Newton. Ela já passou em um teste importante — resta saber se tem futuro

T U D O C A I


DRÉ REPORTAGEM AN

OLIVEIRA JORGE DE

EDIÇÃO NATHAN FERN ANDES

O O BRIT PEDR O Ã O DESIGN J

FOTOS DULL A

65


E

ra verão no sul da França em 2009 quando um ladrão roubou todos os pertences do quarto em que o físico teórico Erik Verlinde passava férias. Sem passaporte, o holandês, então com 47 anos,

teve de ficar uma semana a mais. Mas em vez de aproveitar para comprar um passeio de ônibus com guia turístico, ele achou que a folga inesperada era uma boa chance para refletir sobre o que estaria por trás da gravidade. “Tive a euforia de um ‘momento Eureka’ que permaneceu comigo por dias”, diz o respeitado teórico das cordas da Universidade de Amsterdã. Verlinde concluiu que Newton e Einstein talvez estivessem errados (e tivessem levado todo o resto da comunidade científica junto com eles). Em português claro: ele começou a achar que a gravidade não existia — ou, pelo menos, não do jeito que aprendemos na escola. Hoje, quase todos os cientistas concordam que a natureza funciona graças a quatro forças fundamentais: o eletromagnetismo, as forças nucleares forte e fraca e a gravidade. Verlinde, contudo, defende que a gravidade entrou de penetra no grupo — e que deve se retirar o quanto antes. Em uma analogia feita logo depois que o holandês publicou seu primeiro artigo a respeito do tema, o The New York Times chamou a hipótese de Verlinde de “teoria do cabelo em dia úmido”. “Funcionaria mais ou menos assim: seu cabelo fica cheio de frizz no calor e na umidade porque há mais possibilidades de ele estar ondulado do que liso, e a natureza gosta de opções. Então, deixar o cabelo liso exige o emprego de uma força que elimina as opções da natureza. A força que nós chamamos de gravidade seria simplesmente um produto da tendência da natureza de maximizar a desordem.”


TESTES DA GRAVIDADE As avaliações feitas para saber se uma teoria gravitacional funciona

O trabalho de Verlinde alcançou um

mas é incapaz de ser aplicada em nível

novo estágio em novembro do ano passa-

atômico. O que a teoria das cordas pro-

do, com a publicação do artigo Emergent

põe é uma resposta que une as duas ver-

Gravity and the Dark Universe (“Gravidade

tentes. É que, se o universo inteiro fosse

Emergente e o Universo Escuro”), em que

feito de cordinhas microscópicas vibran-

ele explica os aspectos formais de sua teo-

tes, como acreditam os teóricos das cor-

ria. Para chegar lá, o holandês contou com

das, a explicação para os movimentos de

a preciosa ajuda de Herman Verlinde, seu

estrelas e átomos seria a mesma. Mas

gêmeo idêntico, que também é físico teó-

tem um detalhe: ninguém consegue pro-

rico, mas na Universidade de Princeton

var essa teoria em laboratório.

(EUA). Como o irmão, Herman investiga a teoria das cordas, que tem potencial de se tornar uma teoria de tudo. Muitos pesquisadores estudam esse conceito por acre-

É das profundezas do hipotético e fascinante mundo

ditarem que ele pode unificar a física. Isso

das cordas que os

porque hoje ela é partida em duas: a rela-

Verlinde (e outros antes deles) acreditam

tividade geral de Einstein, que explica os

que surja a gravidade. Não da atração entre

movimentos de corpos gigantescos como

dois corpos, como descreveu Newton, nem

as estrelas; e a mecânica quântica, que re-

da distorção que objetos enormes provo-

gula o universo microscópico de partículas

cam no tecido do espaço-tempo, como de-

menores do que um átomo. “A relativida-

fendia Einstein. “É preciso pensar o es-

de geral não é compatível com a mecânica

paço como sendo feito de unidades de

quântica, os cálculos não se combinam”,

informação”, afirma Erik Verlinde.

diz Rogério Rosenfeld, diretor do Instituto de Física Teórica da Unesp. 1. Galáxias Teorias gravitacionais precisam explicar dados de velocidade de rotação e distribuição de massa em galáxias e aglomerados de formatos variados

DESORDEM E PROGRESSO

As ideias do holandês são escandalosas para alguns cientistas porque

As duas teorias funcionam muito bem

dispensam o uso da matéria escura —

quando aplicadas no contexto em que

que, na verdade, é um coringa criado

foram criadas, mas falham ao serem

para fazer o conceito de gravidade de

empregadas uma no campo da outra.

Einstein funcionar. Para entender a teo-

É como se existissem duas físicas “ri-

ria do físico alemão, imagine uma cama

vais” que tentam explicar o mesmo uni-

elástica com bolinhas de gude espalha-

verso. E um dos grandes empecilhos é

das pela superfície. Elas vão ficar pa-

justamente a gravidade, que descreve

radas porque todas têm basicamente o

tão bem o rumo dos corpos celestes,

mesmo peso. Agora, coloque uma bola

LADO A E LADO B DA GRAVIDADE Há décadas físicos teóricos tentam aplicar modificações nos conceitos da gravitação de Newton e de Einstein para resolver seus problemas TENTATIVA 1

TENTATIVA 2

TENTATIVA 3

TENTATIVA 4

Por mais de dois

Então veio a

Em 1981, Mordehai

Surge de estudos

séculos, a lei

relatividade geral,

Milgrom criou

sobre buracos

da gravitação

no início do século

a dinâmica

negros: aponta

universal de

passado. Einstein

newtoniana

conexão entre

Newton reinou.

explicou o espaço-

modificada (MOND),

gravidade e

Segundo ela,

-tempo como

que muda leis de

termodinâmica.

partículas se

sendo um tecido

Newton e explica

Diz que a gravitação

atraem por uma

que pode ser

rotação de galáxias

não é fundamental.

força proporcional

distorcido e gerar

sem adicionar

Verlinde inclui

à massa.

a gravidade.

matéria escura.

outros conceitos.


de boliche no meio. Isso vai causar uma deformação na superfície do tecido, fazendo com que as bolinhas de gude “orbitem” a bola de boliche. É exatamente assim que o Sistema Solar funciona, segundo a teoria proposta por Einstein, que é a mais aceita até hoje. Quanto mais pesado o objeto, maior a distorção

FUNDAMENTAL OU EMERGENTE?

EINSTEIN

Entenda as diferenças entre as gravidades propostas por Einstein e por Verlinde

se propaga pelo espaço-tempo: ela

no tecido da cama elástica (ou do espa-

A relatividade geral define gravidade como uma força fundamental que é criada pela distorção que corpos massivos provocam nesse tecido. Buracos negros são exemplos tão extremos do fenômeno que “quebram” as equações de Einstein.

ço-tempo) que ele causa — e é por ser um “objeto” extremamente pesado, ou

Horizonte de eventos

supermassivo, que o buraco negro atrai tudo para si (veja quadro ao lado). O problema é que existem distorções no espaço-tempo que os cientis-

seria a distorção do espaço-tempo, e sim a

tas não entendem. Eles conseguem

tendência que as coisas têm de se espalhar

detectá-las, conseguem ver que algu-

de forma desordenada até encontrarem um

ma coisa “puxa” outros corpos para si,

equilíbrio. Para os mais íntimos, essa ten-

mas são incapazes de explicar exata-

dência é conhecida como entropia.

mente por quê. Para piorar, essas bolas de boliche invisíveis representam 27% do Universo. A elas damos o nome de matéria escura, um conceito que foi ve-

CAFEZINHO QUÂNTICO

Usando a mesma

Buraco negro

ideia do cabelo em dia úmido, Margot

rificado pelo astrônomo Fritz Zwicky

B ro u we r, a s t rô -

na década de 1930 e confirmado pela

noma do Observatório de Leiden, na

astrônoma Vera Rubin nos anos 1970.

Holanda, compara o conceito de gravi-

Combina perfeitamente com a ideia de

dade de Verlinde com uma xícara de café.

Einstein, no entanto, ninguém nunca

“O calor não é propriedade fundamental

viu, nunca comeu, só se ouve falar por

do café, mas uma propriedade emergen-

meio de observações indiretas.

te causada pela forma como as molécu-

Menor do que a cabeça de uma

O que Verlinde diz é que não existem

las ali dentro se movem”, diz ela. Se o

agulha, é o ponto que concentra toda

bolas de boliche invisíveis coisa nenhu-

Universo fosse uma canecona de café, a

ma. Se os cientistas só as criaram para

gravidade seria o calor que emerge da in-

validar uma teoria, o problema pode estar

teração entre as partículas boiando. Mas

na teoria — no caso, a teoria de ninguém

isso ainda é abstrato. “Ninguém sabe o

menos que Einstein. Além disso, se a gra-

que são essas partículas.” Se for assim, a

vidade também é incompatível com a me-

gravidade e as equações de Einstein po-

cânica quântica, por que aposta-se tan-

dem ser derivadas da velha termodinâ-

to nessa ideia? Ela funciona muito bem

mica — aquelas fórmulas que vimos no

em vários casos, mas, para Verlinde, o

colégio para explicar como calor e gases

papel dos cientistas é justamente fazer

se comportam. Foi o que demonstrou um

esse tipo de pergunta. Segundo o físico

artigo de 1995 do físico Ted Jacobson,

holandês, o que faria os corpos se mo-

da Universidade de Maryland (EUA).

verem e “orbitarem” uns aos outros não

Pistas da conexão entre gravidade e termodinâmica surgiram ainda na década de 1970, a partir do estudo dos buracos negros feito pelos físicos Stephen Hawking (ele mesmo) e Jacob Bekenstein. Há indícios de que essa ligação tem a ver com a entropia (lembra do cabelo ondulado? Pois então). Em termos científicos, a entropia é o

68

processo pelo qual uma sala com átomos de oxigênio amontoados em um canto acabará com eles espalhados por toda parte, até que um equilíbrio seja atingido, como em um ônibus lotado no qual todos saem correndo loucamente para conseguir um espaço.

Singularidade

a massa do buraco negro

VERLINDE A teoria de Verlinde mistura vários conceitos para explicar que a gravidade surgiria a partir da interação microscópica entre supostas “partículas do espaço-tempo”.


Radiação

Distorção do espaço-tempo

As partículas

2. Radiação cósmica de fundo Outro meio de testar ideias sobre a gravidade é analisar flutuações nos raios cósmicos que permeiam o Universo, herança direta do Big Bang

do espaço-tempo seriam uma espécie de unidade de informação da realidade, como os bits da computação.

Verlinde sugere que esses “bits” quânticos estão entrelaçados, o que formaria o tecido do espaço-tempo. E a gravidade emergiria da entropia dessas partículas, o princípio que desordena o Universo.

3. Estrutura em grande escala Para ser aceita, uma teoria da gravidade deve explicar como se formaram os superaglomerados e filamentos de galáxias do cosmo


“Não existe uma força que espalha os átomos; o princípio que faz isso é a maximização de entropia”, explica Nathan Berkovits, diretor da divisão sul-americana do Centro Internacional de Física Teórica. “A ideia de Verlinde é usar o princípio de maximização de entropia para substituir a força fundamental de Newton e Einstein”, diz o especialista em teoria de supercordas, vertente da teoria das cordas.

EINSTEIN PIRA

É dos buracos negros que veio uma outra ideia mirabolante que está no cerne

blicou uma pesquisa que foi o primeiro teste

da gravidade de Verlinde:

sério das ideias de Verlinde. E eles se saíram

o princípio holográfico, proposto pelo Nobel

bem: explicaram a distribuição da massa de

da Física holandês Gerard ‘t Hooft, que não

mais de 30 mil galáxias. Mas nem tudo é motivo para comemorar:

por acaso orientou o mestrado de Verlinde. O princípio holográfico sugere que as coi-

em um outro estudo feito pela Universidade da

sas tridimensionais são feitas de informação,

Califórnia em Los Angeles, este com as órbi-

e que essa informação fica codificada em uma

tas dos planetas do Sistema Solar, a teoria de

“superfície” bidimensional. Seria como som-

Verlinde falhou miseravelmente: a discrepân-

bras projetadas em uma parede. O mesmo

cia dos dados foi enorme. Foi como se um po-

ocorreria nos buracos negros: a informação

lítico dissesse que tem R$ 1 em uma conta na

que cai lá dentro fica guardada nas duas di-

Suíça quando, na verdade, tem R$ 10 milhões.

mensões do horizonte de eventos, o limite que

“A teoria de Verlinde precisa ser abandonada

separa o que está dentro do que está fora.

como descrição da natureza ou modificada”, diz o físico Aurélien Hees, coautor do estudo.

Verlinde usa essa ideia como base para sugerir que o tecido do espaço-tempo não passa

Há décadas, físicos tentam modificar concei-

de um emaranhado de partículas de informa-

tos clássicos da gravitação (veja na página 67),

ção (como as imagens projetadas na parede)

mas nenhuma proposta funciona tão bem em

entrelaçadas. O entrelaçamento quântico faria

todas as escalas como o paradigma da matéria

as partículas trocarem influências de forma

escura descartado por Verlinde. “Acredito nesse

instantânea, como uma irmã gêmea que sabe o que a outra sente mesmo estando longe. O problema é que, por acontecer exatamente no mesmo instante, essa troca de informações vai contra uma das ideias mais elementares de Einstein, a de que nada pode ser mais rápido do que a velocidade da luz. Para Verlinde, a gravidade surgiria de interações microscópicas pouco compreendidas entre essas partículas de informação e da entropia.

4. Órbitas do Sistema Solar Pela proximidade do Sol, a órbita de Mercúrio é um pouco distorcida: fenômeno chamado de precessão do periélio. Calculá-lo permite testar teorias da gravidade

tipo de solução porque é a que melhor resolve o problema”, diz o astrofísico italiano Fabio Iocco, pesquisador da Unesp. Ele valoriza os esforços do colega holandês, mas mantém o pé atrás: “Um trabalho teórico muito bom não significa que seja fisicamente correto”. Um dos poucos brasileiros que trabalharam com a gravidade de Verlinde, o físico Fábio dos Anjos problematizou no mestrado a questão da matéria escura. “Pensar fora da caixa gera re-

Em dezembro de 2016, uma equipe lide-

sistência daqueles que acham que não vai dar

rada pela astrônoma Margot Brouwer pu-

em nada”, pondera. Ele diz ficar aflito com o fato de que experimentos ultracaros tentam há anos detectar partículas de matéria escura e não conseguem. Nem o LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, encontrou nada.

70

5. Ondas gravitacionais São o mais novo teste. Explosões violentas e objetos enormes emitem ondas no espaço-tempo, que contam coisas sobre a gravidade

De qualquer jeito, se Verlinde quiser mesmo derrubar Newton e Einstein de seus pedestais, terá de ajustar sua teoria para que explique desde o Sistema Solar até as galáxias distantes e as flutuações na radiação cósmica que preenche o Universo. Há um longo caminho pela frente, e só uma certeza: nossas coisas vão continuar caindo.


TUBO DE ENSAIOS POR DR. DANIEL BARROS*

OS POMBOS DE SKINNER VÃO A SPRINGFIELD Talvez você não se lembre, mas uma das personagens mais notórias da cultura pop é uma viciada em jogos de azar. Ela pode passar horas, dias, semanas esperando um prêmio diante de um caça-níqueis TODO MUNDO ADORA FOFOCAR sobre a vida das celebridades. Falar sobre os casamentos, viagens e salários dos famosos sempre rende boa audiência. Expor os problemas, então, faz ainda mais sucesso — brigas, divórcios e internações em clínicas são fonte inesgotável de assunto. Há um seriado, por exemplo, que expõe o drama de sua protagonista sem o menor pudor. Ela é viciada em jogo. Trata-se de uma das séries mais longevas da história. O nome da jogadora patológica? Marge Simpson. Com o brilhantismo que lhe é peculiar, Os Simpsons abordaram o tema da dependência de jogo no início dos anos 1990, no décimo episódio da quinta temporada da série. E a forma como o fizeram mostra um pouco por que o jogo pode se tornar um vício tão grave como o de qualquer droga. Tudo começou depois que um cassino foi construído em Springfield com a justificativa de movimentar sua combalida economia. Marge vai até lá para buscar Homer, que arranja um emprego de crupiê, e encontra uma moeda no chão. Por brincadeira, resolve colocá-la num caça-níqueis e tem a sorte — ou o azar — de ser premiada com uns trocados. É o que basta para despertar nela a vontade de jogar novamente. É claro que não

ganha nada logo em seguida, e por isso tenta novamente. E de novo, de novo, passando horas, dias, semanas diante da máquina. No fim das contas, Homer a incita a admitir que tem um problema com jogo. “Está certo, talvez eu devesse procurar ajuda profissional”, diz ela. “Não, é muito caro”, reage Homer. “Apenas não faça mais isso”, conclui com sua inteligência de sempre. Essa sequência resume um dos aspectos mais viciantes do jogo — elevado em todo seu poder nos caça-níqueis —, o reforço intermitente. Em 1948, o psicólogo norte-americano B. F. Skinner, um dos psicólogos mais influentes da história, publicou um artigo chamado Superstição nos Pombos, no qual mostrava a força desse tipo de reforço parcial. No experimento, ele colocava pombos em caixas programadas para dispensar uma pelota de ração a cada 15 segundos, independentemente do que os bichos fizessem. Durante vários dias seguidos, oito pombos foram colocados nessa caixa, um por vez, durante alguns minutos. Depois de muitos dias, cada pombo tinha desenvolvido uma mania diferente: uns se balançavam, outro dava três voltas a cada 15 segundos, um dava saltinhos. Eles adquiriam

Se o prêmio às vezes vem, outras não, a tendência é persistir mais tempo no jogo, esperando que,emalgum momento, ele renda frutos

essa espécie de superstição porque tendiam a continuar fazendo o que quer que estivessem fazendo — por mero acaso — na primeira vez que surgia a ração. O aparecimento da comida reforçava aquele comportamento, que era repetido. E cada vez que o alimento vinha, mais forte se tornava a associação enganosa que as aves faziam com seus rituais. Não satisfeito, Skinner aumentou o intervalo entre as rações para um minuto em algumas das caixas. Com isso os comportamentos supersticiosos se tornaram ainda mais intensos. E quando a ração foi suspensa, eles demoraram muito mais para cessar — um dos pombos pulou por mais de 10 mil vezes antes de desistir. Faz sentido. Se algo traz sempre uma recompensa, quando esta acaba não se demora a notar que a festa terminou. Mas quando o prêmio às vezes vem, outras não, a tendência é persistir mais tempo no comportamento, esperando que, em algum momento, ele ainda renda frutos. Dá para notar o paralelo perfeito com os caça-níqueis, não? A pobre Marge Simpson, sentada diante da máquina, nada mais é do que a versão com pele amarela e cabelo azul de um pombo de Skinner. Cada vez que põe uma moeda e puxa a alavanca, acredita que está fazendo algo que lhe renderá uns trocados. Eventualmente ela acerta. O que só lhe dá mais convicção de continuar tentando até a próxima — sem perceber que esse intervalo lhe custa mais do que ela jamais ganhará.

*DANIEL BARROS é psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do HC–FMUSP, doutor em Ciências e bacharel em Filosofia. Atua com divulgação científica em vários meios. É consultor do programa Bem Estar (TV Globo).

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PANORÂMICA

Tensão asiática: mísseis de longa distância são disparados pelas Forças Armadas da Coreia do Norte, em local e data não divulgados. Após a chegada de Donald Trump à

72


presidência dos Estados Unidos, o governo norte-coreano afirmou que continuará com a realização de testes nucleares e ameaçou atacar alvos militares norte-americanos.

Imagem: STR/AFP/Getty Images. Pesquisa: Franklin Barcelos

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ULTIMATO

PARA FAZER A DIFERENÇA AGORA QUE VOCÊ LEU A REVISTA, SAIA DO SOFÁ

AS FRAGILIDADES DA SAÚDE O INSPIRARAM A APOIAR MÉDICOS VOLUNTÁRIOS?

TEM VONTADE DE CONTRIBUIR PARA UM PROJETO BRASILEIRO DE RENDA BÁSICA?

FICOU CURIOSO PARA CONHECER MAIS A FUNDO A DEPENDÊNCIA POR JOGOS DE AZAR?

GOSTARIA DE PARTICIPAR DE UM PROTESTO PELA CIÊNCIA NO BRASIL?

QUER ENTENDER MELHOR COMO A TECNOLOGIA MUDARÁ A DEMOCRACIA?

Saúde pública no Brasil deve perder R$ 430 bilhões nas próximas décadas.

INSTITUTO RECIVITAS

A ONG promove iniciativa que distribui renda a moradores do distrito de Quatinga Velho, em Mogi das Cruzes (SP). São aceitas doações em reais e em bitcoins. recivitas.org

SÓ + 1 MIN. Aconteceu em março, mas não coube na revista

PRO-AMJO

O Programa Ambulatorial do Jogo foi criado pelo Departamento de Psiquiatria da USP. Presta atividades assistenciais a jogadores patológicos, além de atuar em ensino e pesquisa. ipqhc.org.br

PARECE QUE O JOGO ESTÁ VIRANDO Apesar dos impropérios que ainda ouvem em 2017, as brasileiras são destaque em... produção científica: 49% dos artigos publicados são de mulheres. O índice daqui é melhor que o dos EUA e o da União Europeia.

HORAS DA VIDA

O projeto reúne profissionais da saúde que atendem de graça pacientes nos consultórios, preenchendo lacunas do sistema público. Aceita doações a partir de R$ 1 por dia. horasdavida.org.br

Quem faz sexo é mais produtivo durante o trabalho, concluiu pesquisa feita nos Estados Unidos.

ITS RIO

Além de estudar o impacto e o futuro da tecnologia no Brasil e no mundo, o Instituto de Tecnologia e Sociedade promove uma série de eventos abertos ao público. itsrio.org

NÃO FOMOS CONVIDADOS Para os pobres mortais que não sabiam até então, foi revelado que o aplicativo de paquera Tinder tem uma versão secreta, chamada Select, só para pessoas excepcionalmente bonitas e celebridades.

MARCHA PELA CIÊNCIA

Ocorre na mesma data em que acontece o protesto nos EUA. Anote na agenda: dia 22 de abril, às 14 horas, no Largo da Batata, em São Paulo. facebook.com/ marchapelacienciasp/

NOBREZA NA FAVELA Arqueólogos acharam partes de uma estátua do faraó Ramsés II, o Grande, submersa ao lodo em uma favela nos arredores do Cairo. A peça gigantesca foi encontrada onde ficava a antiga cidade de Heliópolis, morada do Deus Sol.

QUE FÍSICO! A estreia da série Genius, que contará a vida de Albert Einstein desde jovem, está marcada para 23 de abril, às 22 horas, pelo canal National Geographic. O gênio adulto é interpretado por Geoffrey Rush, de O Discurso do Rei.


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