INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS EDUCATIVAS Mestrado em Supervisão Pedagógica e Formação de Formadores
INCLUSÃO EDUCATIVA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE RUA EM LUANDA Estudo de Caso no Centro de Acolhimento de Crianças “ARNALDO JANSSEN”
ANTÓNIO GERALDO DOMINGOS
Novembro de 2013
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS EDUCATIVAS
Mestrado em Supervisão Pedagógica e Formação de Formadores
INCLUSÃO EDUCATIVA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE RUA EM LUANDA Estudo de Caso no Centro de Acolhimento de Crianças “ARNALDO JANSSEN”
AUTOR: ANTÓNIO GERALDO DOMINGOS
ORIENTADOR: MESTRE PEDRO FLORES
Novembro de 2013
II
AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a Deus pela força espiritual e capacidade intelectual que me concebeu; Aos meus pais pelo acompanhamento nos momentos da minha vida; Aos meus professores do ISCE, de modo especial ao Mestre Pedro Flores pelo carinho, compreensão e solidariedade que teve para conclusão deste trabalho de projeto; Ao Eng.º José Maria Botelho de Vasconcelos, pela abertura e dedicação que sempre teve pela CEUNAM; Ao João Fortunato Escarivo Facatino, Diretor do Cacaj pela forma paciente e dedicada que sempre prestou em mim; Aos meus colegas do ISCE turma Luanda em destaque o Vicentino Manuel Gingongo, Ananias Gomes, Andrade Gomes, Jutema Quitumba, Jusselino, Manuel Júlio António pelo companheirismo; Aos membros da CEUNAM em especial o Eng.º António de Rosário Mário (in memoria), Xavier Japão, João Morais Fila, os membros de direção nacional e coordenadores de províncias pela ajuda, paciência e confiança depositada em mim; Aos membros da (ANAMUCARI) Associação dos Naturais e Amigos de Mucari, AAS – Angola) Associação dos Assistentes Sociais de Angola, (AMVD) Associação Amigos do Verbo Divino, pela amizade fraternal; Aos meus colegas do Cacaj, Dom Bosco Escola nº 4027 do Sambizanga pela ajuda e sentido de carinho que sempre mostraram em mim; Aos funcionários da Child Fund Angola, MINARS, INAC, Centro do Cabíri pelo apoio nas informações prestadas, A todas as crianças do Cacaj pela coragem e firmeza; Aos alunos do Dom Bosco pela força e inspiração que dão a todos nós professores; A minha querida esposa Ana Bernardo Fernando pela dedicação e que sempre esteve ao meu lado nas grandes dificuldades da nossa vida; Aos meus filhos e todos os meus parentes que sempre aceitaram a minha caminhada de vida.
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RESUMO A educação constitui um dos principais meios para o apoio ao desenvolvimento psicossocial dos indivíduos na sociedade, pois ela visa criar competências sociais aos indivíduos, grupos e comunidades para a inclusão social, isto é, eliminar as desigualdades de acesso aos serviços públicos. A fim de contribuir para quebrar o ciclo de pobreza das crianças e adolescentes em situação de risco, como estratégia de intervenção é concentrar o foco no processo de inclusão desse grupo social no processo de integração educativa para uma inserção social melhor. Assim, neste sentido, o objetivo do projeto, pretendeu analisar a situação de inclusão educativa de crianças e adolescentes de rua em Luanda, num estudo de caso sobre a realidade social do Centro de Acolhimento de Crianças “Arnaldo Janssen” no sentido de melhorar a qualidade de atendimento das crianças e adolescentes na área de educação com o programa de enquadramento no processo de ensino e aprendizagem, reforço académico, cultural e de formação profissional para os adolescentes e jovens no sentido de encontrarem e serem bem-sucedidos nos empregos do setor formal, criarem as suas próprias capacidades de sobrevivência sustentáveis no mercado informal, no sentido de melhorar as condições de trabalho. Os instrumentos utilizados foram o questionário e a entrevista elaborados por nós. Assim, no projeto apresentamos um plano estratégico para resolução do problema identificado através do questionário feito aos beneficiários do projeto. Entendemos que, a criação de espaços adequados para aulas de reforço académico, realização de atividades socioculturais, bem como melhoramento das competências pedagógicas para os educadores/professores, vai contribuir, de forma progressiva, para aumentar a autoestima das crianças e de suas famílias, diminuir a incidência das crianças na rua, reduzir os comportamentos desviantes e consequentemente integrar as crianças e adolescentes de rua no processo educativo, para melhor inserção social.
Palavras-chave: Inclusão Educativa, Processo de Ensino e Aprendizagem e Integração Social
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ABSTRACT Education is a key means to support the psychosocial development of individuals in society, as it aims to create social skills to individuals, groups and communities for social inclusion, that is, to eliminate inequalities in access to public services. In order to help break the cycle of poverty for children and adolescents at risk, the intervention strategy is to concentrate the focus on the process of social inclusion of the group in the process of educational inclusion for a better social integration. The objetive project, intended to analyze the situation of educational inclusion of children and adolescents street in Luanda, a state case about the social reality of the Center of Children "Arnaldo Janssen" to improve the quality of care of children and adolescents in education with the program framework in the process of teaching and learning, strengthening academic, cultural and vocational training for adolescents and young people to meet and succeed in formal setor jobs, create their own capabilities sustainable survival in the informal market, to improve working conditions. Thus, the project presented a strategic plan for resolving the problem identified through the questionnaire from the beneficiaries of the project and interviews with some employees from different areas of the center of other institutions working on the issue of children at risk. We understand that the creation of appropriate spaces for academic tutoring, conducting cultural activities, as well as improvement of teaching skills for educators / teachers, will contribute to progressively increase the self-esteem of children and their families, reduce the incidence of street children, reduce deviant behavior and consequently integrate street children and adolescents in the educational process to better social integration.
Keywords: Educational Inclusion, the Process of Teaching and Learning, Social Integration
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ÍNDICE GERAL
AGRADECIMENTOS…………………………………………………………………III RESUMO………………………………………………...………………………….…IV ABSTRACT……………………………………………………………………….……V ÍNDICE GERAL………………………………………………………………………VI ÍNDICE DE TABELAS………………………………………………………………..IX ÍNDICE DE APÊNDICES E ANEXOS……………………………………………….XI ÍNDICE DE ABREVIATURAS………………………………………………………..X
1. INTRODUÇÃO ……………………………………………………………………..1 2. PROBLEMÁTICA ………………………………………………………………….3 2.1. Descrição do Contexto ……………………………………………………………...3 2.1.2. Breve historial e caracterização da instituição …………………………………...3 2.1.2. Contexto Humano ………………………………………………………………..4 2.1.3. Contexto Material ………………………………………………………………...5 2.1.4. Área Educativa de atuação do CACAJ …………………………………………..5 2.1.4.1. Situação do ensino e da educação na área de intervenção …………………. …6 2.1.5. Contexto Situacional ……………………………………………………………..7 2.2. Definição do Problema ……………………………………………………………..9 2.2.1 Identificação e Delimitação do Problema …………………………………………9 2.2.2 Avaliação do Diagnóstico do Problema …………………………………………10 3. OBJETIVOS DO PROJETO.……………………………….…………….………11 3.1 Objetivo Geral ……………………………………………………………………..11 3.2 Objetivos Específicos ……………………………………………………………...11 VI
4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ………………………………………………...12 4.1. Pobreza e Exclusão social………………………………………………….………12 4.2. Integração Social vs Educacional …………………………………………………17 4.3. Crianças e a Educação Multicultural .......................................................................18 4.4. O Papel da Escola para a Educação Multicultural .....................................................19 4.5. A Escola como Instituição Educacional ..................................................................21 4.6. A realidade da Educação e o Enquadramento Jurídico ...........................................21 5. METODOLOGIA ……………………………………………………………….…23 5.1. Tipo de Estudo ……………………………………………………………….……23 5.2. Participantes no Projeto ……………………………………………………….…..23 5.3. Instrumento Utilizado ……………………………………………………….…….24 5.4. Procedimentos Metodológicos ……………………………………………………24 6. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ……………………..25 6.1. 1º Enfoque: Identidade. ……………………………………………...……………26 6.2. 2º Enfoque: Província de Origem …………………………………………………26 6.3. 3º Enfoque: Nível de Escolaridade………………………………………………...27 6.4. 4º Enfoque: Mudança de Moradia…………………………………………………28 6.5. 5º Enfoque: Relação Familiar……………………………………………………...29 6.6. 6º Enfoque: Espaço de acolhimento……………………………………………….29 6.7. 7º Enfoque: Preferência de Moradia……………………………………………….30 6.8. 8º Enfoque: Motivos da ida para a Rua……………………………………………31 6.9. 9º Enfoque: Convivência na Rua…………………………………………………..34 6.10. 10º Enfoque: Saída da Rua……………………………………………………….36 6.11. 11º Enfoque: Escolha Profissional…………………………………………….….39
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7. PLANO DE INTERVENÇÃO E ESTRATEGIAS FUTURAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO NA TENTATIVA DE MINIMIZAR O PROBLEMA ………………………………………………………………………….42 7.1 Estrategia Futuras do Projeto ………………………………………………………42 7.2 Atividades futuras do projeto………………………………………………………43 7.2.1 Atividade 1: Contacto com a direção do CACAJ…………………………….….43 7.2.2 Atividade 2: Organização das turmas por classes……………………..…………43 7.2.3 Atividade 3: Organizar a capacitação psicopedagógica dos professores/ educadores……………………………………………………………………………...44 7.2.4 Atividade 4: Confirmação de matrículas dos alunos…………………………..…44 7.2.5 Atividade 5: Realização de palestras com temas educativos para crianças/alunos ………………………………………………………………………………………….45 7.2.6 Atividade 6: Acompanhamento das crianças em atividades recreativas, culturais e desportivas……………………………………………………………………………...45 7.2.7 Atividade 7: Acompanhamento personalizado de alunos em várias escolas e contacto com os respetivos professores (Serviço Social Escolar) ……………………..45 7.2.8 Atividade 8: Acompanhamento psicossocial das crianças………………….……45 7.2.9 Atividade 9: Inserção dos adolescentes na formação profissional………….……46 7.2.10 Atividade 10: Monitorização e Avaliação do projeto…………………………...46 7.3 Beneficiários do projeto…………………………………………………………….47 7.4 Recursos humanos que serão envolvidos no projeto……………………………….47 7.5 Orçamento do projeto………………………………………………………………47 7.6 Fases de implementação………………………………………………………….. .48 7.7 Sustentabilidade…………………………………………………………………….48 7.8 Principais parceiros ………………………………………………………………...48 8. PLANO DE MONITORIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DE IMPACTO DA MEDIDA.....................................................................................................................49 8.1 Cronograma de atividades do projeto………………………………………………50 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………………52 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................54
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ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Enfoque: Identidade. ………………………………………...……………26 Tabela 2 - Enfoque: Província de Origem ……………………………………………26 Tabela 3 - Enfoque: Nível de Escolaridade…..……………..………………………....27 Tabela 4 - Enfoque: Mudança de Moradia……………………..…..……………….…28 Tabela 5 - Enfoque: Relação Familiar………..…………..…………………………....29 Tabela 6 - Enfoque: Espaço de acolhimento..……………..……………………….….29 Tabela 7 - Enfoque: Preferência de Moradia…….……………………………………30 Tabela 8 - Enfoque: Motivos da ida para a Rua…………..…..………………………31 Tabela 9 - Enfoque: Convivência na Rua……………………..……..……………….34 Tabela 10 - Enfoque: Saída da Rua……...…………..……………………………….36 Tabela 11 - Enfoque: Escolha Profissional……………………………….…………..39
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ÍNDICE DE APÊNDICES E ANEXOS
APÊNDICES Apêndice 1 – Questões que orientaram a nossa entrevista…………………………… 58 Apêndice 2 – Pedido de Autorização para pesquisa …………………………………..60 Apêndice 3 – Formulário de Monitoria dos Serviços Educativos……………………..61 Apêndice 4 – Mapa de acompanhamento das Crianças na Explicação………………..63 Apêndice 5 – Imagens Ilustrativas das Actividades do CACAJ ……………………....64
ANEXOS Anexo 1 – Diário da República, III Série – nº 229 de 29 de Novembro de 2011 …….65
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ÍNDICE DE ABREVIATURAS
AASA – Associação dos Assistentes Sociais de Angola AMVD – Associação Amigos do Verbo Divino ANAMUCARI – Associação dos Naturais e Amigos de Mucari CACAJ – Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen CCF – Christian Children's Fund CEUNAM – Comunidade de Estudantes Universitários Naturais e Amigos de Malanje DPAAS - Direção Provincial da Assistência e Ação Social IBEP - Inquérito Integrado sobre Bem-estar da População INAC – Instituto Nacional da Criança INE – Instituto Nacional de Estatística INEA – Instituto Nacional de Estrada de Angola ISCE – Instituto Superior de Ciências Educativas MINARS – Ministério da Assistência e Reinserção Social SVD – Sociedade Verbo Divino Unicef - Organização das Nações Unidas para Infância
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1. INTRODUÇÃO
A pobreza é um fenómeno multidimensional que atinge tanto os clássicos pobres (indigentes, subnutridos, analfabetos), quanto outro segmento da população, os pauperizados pela precária inserção no mercado de trabalho. Com isso, a pobreza não é apenas resultado da ausência de renda, mas inclui outros fatores, como o precário acesso aos serviços públicos. Como consequência da situação socioeconómica do país, grande parte das famílias angolanas passam por muitas dificuldades de várias ordens, principalmente as de âmbito económico e social. Assim, neste contexto, o surgimento de inúmeras crianças de rua nos diversos pontos da cidade de Luanda
Neste projeto, procuramos trabalhar o conceito de crianças de rua, aquelas que em princípio passam a maior parte do seu tempo, fazendo da rua o seu lar, espaço de lazer e de trabalho. Normalmente estas crianças vivem em grupos e trabalham para o seu próprio sustento e, muitas vezes, para ajudarem as suas famílias pobres. Estas crianças vão parar a rua porque a família e a sociedade não satisfaz as suas necessidades básicas. São totalmente desamparadas da proteção da família e da sociedade. São vulneráveis à exploração infantil e passam por vários perigos físicos e morais. Não têm acesso aos serviços básicos tais como saúde, educação a alimentação. No centro em que estamos a implementar este projeto, Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen (CACAJ), é possível identificar a preocupação dos técnicos sociais quanto ao processo de inclusão educativa das crianças e adolescentes que são acolhidos na instituição. Para o centro, a educação de crianças e adolescentes em situação de risco, constitui um dos principais meios para o apoio ao desenvolvimento psicossocial no sentido de criar competências sociais nos indivíduos, facilitando a sua inclusão social através a eliminação das desigualdades que ainda se registam no acesso aos serviços sociais básicos em Angola.
Este projeto procurou identificar e analisar a problemática das crianças e adolescentes de rua através da pesquisa empírica fundamentada numa abordagem quantitativa e qualitativa, aplicando os instrumentos técnicos para a recolha dos resultados como, a observação participante, entrevistas com aplicação do questionário com perguntas semiestruturadas. 1
O Projeto teve lugar no CACAJ, localizado no distrito urbano do Kilamba-Kiaxi. Teve início em janeiro de 2013 e será implementado em 15 meses. O centro alberga crianças e adolescentes de rua com idades compreendidas entre 7 e 18 anos. O presente projeto está dividido em pontos. Assim, após a introdução apresentamos a descrição do contexto, onde se destaca um breve historial e a caracterização da instituição, onde efectuamos a pesquisa, identificamos e delimitamos o problema. Seguidamente, no terceiro ponto, definimos os objectivos, o geral, que define a contribuição do projeto na formação académica de crianças e adolescentes em situação de risco para uma inserção social, e, também definimos os objetivos operacionais como pontos estratégicos na resolução do problema em estudo. No quarto ponto descrevemos a fundamentações teóricas dos conceitos e termos da pesquisa com destaque na revisão bibliográfica que facilitou a nossa incursão na procura de resultados da problemática em questão. No ponto seguinte apresentamos os procedimentos técnicos e metodológicos que permitiram a realização de tarefas inerentes ao projeto e outras ações sugeridas no plano de atividades. Apresentamos ainda o plano de intervenção e estratégias do projeto para a resolução do problema, onde destacamos as atividades e as suas descrições, orçamento e cronograma de atividades para 15 meses da implementação do projeto.
No sexto ponto fizemos a apresentação os resultados da pesquisa onde descrevemos as situações socio económicas dos utentes do centro e a sua discussão de cada situação. Finalmente apresentamos as considerações finais do projecto, as respectivas referências bibliográficas, anexos e apêndices.
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2. PROBLEMÁTICA 2.1. Descrição do Contexto 2.1.2. Breve historial e caracterização da instituição O centro de acolhimento de crianças Arnaldo Janssen é uma instituição que presta serviços de assistência às crianças em situação de risco. Foi fundado em 1993 sob gerência dos Missionários do Verbo Divino (SVD), uma congregação fundada pelo padre Arnaldo Janssen na Alemanha, também com o apoio incondicional do Governo da Província de Luanda, Instituto Nacional da Criança, Arquidiocese de Luanda, Missionarias Servas do Espírito Santo, Hoje1 localizado na província de Luanda, distrito urbano do Kilamba-Kiaxi, bairro Palanca, Rua Pedro de Castro Van-Dunem. O Centro está geograficamente limitado a Sul pela comunidade do Palanca; a Norte pelas Instalações do Instituto Nacional de Estrada (INEA); a Este pela Universidade Católica e a Oeste pelo Supermercado SHOPRITE e a estrada de Catete. O referido Centro foi inaugurado em 5 de novembro de 2003 (Relatório anual Cacaj, 2011). Atualmente o Centro de Acolhimento de Criança Arnaldo Janssen (CACAJ) é uma Organização não-governamental Angolana, de caráter filantrópico. Foi publicado no Diário da República, III Série nº 229, de 29 de novembro de 2011 e registada no Ministério da Justiça sob fls. 35, do livro B nº 972 de 07 do mês de outubro de 2011. Com a denominação de Associação Centro de Acolhimento de Crianças “Arnaldo Janssen” tem como finalidade apoiar as famílias vulnerais e a Defesa dos Direitos da Criança, com vista à sua autonomia e reintegração social. Possui como ponto central da sua ação a Educação formal e não formal, Formação Profissional e Ética que consiste no acolhimento, recuperação integral de crianças e adolescentes, com idade compreendida entre os 7 aos 18 anos nas condições de vulnerabilidade. O Centro está registado para acomodação transitória para cerca 200 crianças. Até ao momento o centro já apoiou cerca 7.000 mil utentes, entre os quais, 2.800 adolescentes e jovens no regime de internos e da comunidade, receberam a formação
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O centro acolhimento iniciou as suas atividades na ilha de Luanda, onde as crianças eram agrupadas por falta de um espaço que mais tarde foi cedido pela igreja católica.
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vocacional em eletricidade, carpintaria, estofo e serralharia civil, informática, hardware, redes e computadores, curso elementar e por fim preparatório. Os serviços de ajuda aos jovens incluem: estágios, reabilitação do centro para melhorar a aprendizagem, capacitação sobre gestão de micro empresas, apoio na procura de emprego junto dos centros integrados e formação profissional. Os adolescentes e jovens, a todos os níveis de educação, têm necessitado de apoio para aceder a programas de formação para encontrarem e serem bem-sucedidos nos empregos do setor formal, criarem as suas próprias capacidades de sobrevivência sustentáveis no mercado informal, no sentido de melhorar as condições de vida. Ao longo dos 20 anos de existência o CACAJ tem trabalhado com crianças e jovens vulneráveis, na área de educação, saúde, formação profissional, Reintegração social, gestão de conflitos, advocacia (criança, sociedade, registo, conflito com a lei) para permitir uma maior e melhor recuperação das crianças e adolescentes que residem no centro. A instituição estruturou o seu programa de vida forma a permitir que as crianças vindas da rua e de outros contextos sociais com traumas, estilo de vida livre, sem obediência a regras, incumprimentos de horários, etc. tenham a possibilidade de irem moldando a sua personalidade de maneira positiva e socialmente aceite e possam, no mais curto espaço de tempo, recuperar o equilíbrio físico e psicológico, participando em diversas atividades educativas, recreativas, culturais, preservação do ambiente, etc. que são geridas pelos diferentes setores existentes no centro, nomeadamente setor social, setor de educação, setor de saúde, setor de assistência interna e proteção física (Domingos, 2008).
2.1.2. Contexto Humano O Centro atualmente assiste, a nível interno, 135 crianças com as idades entre os 7 e os 18 anos de idade. Existe no centro 4 jovens maiores de idade tendo em conta os problemas de reintegração social e familiar. O centro atende 220 adolescentes e jovens da comunidade através da integração nos cursos profissionais que administra. É de salientar que o número de crianças acolhidas pode alterar em função de trabalho social que se faz diariamente em alguns focos nas ruas da cidade de Luanda. Conta com 34 funcionários, quatro funcionários da direção 4
administrativa, quatro técnicos da área social, sete técnicos na área de educação, cinco na assistência interna, três seguranças, cinco técnicos de saúde, quatro técnicos da equipa móvel de ajuda, três vigilantes, um auxiliar da logística e um técnico de horticultura. 2.1.3. Contexto Material Com vista a cumprir os seus objetivos, o centro dispõe de uma estrutura física e administrativa. A estrutura física comporta:
Um primeiro bloco com cinco salas que albergam a direção, a área social, a área de educação, a sala de reuniões e o posto de saúde;
Um segundo bloco que constitui a cozinha e o refeitório;
Um bloco paralelo ao refeitório que engloba oito (8) salas: a do coordenador, as salas de formação profissional de inglês e informática, uma sala de preparatório e outras cinco (5) salas que servem de reforço académico, existentes entre os contentores;
Os três blocos restantes destinam-se aos dormitórios também designados camaratas (1,2 e 3). Anexas, existe também uma sala de artes plásticas e as oficinas de marcenaria e estofo. Uma lavandaria, um bloco com balneários;
Por fim um quintal com um espaço reservado ao projeto de agricultura e ainda um espaço para a prática de atividades lúdicas e também estacionamento de viaturas.
2.1.4. Área educativa de atuação do CACAJ A realidade das instituições de Acolhimento de Crianças é procurar dar respostas de readaptação e reintegração dos utentes ao convívio sócio – familiar. O CACAJ tem vindo a desenvolver atividades que visam o cumprimento dos seus objetivos. Com diversas áreas de ação, onde focalizamos a área da educação por ser a área em que estamos a desenvolver o nosso projeto. A área da educação visa o acompanhamento de todo o processo pedagógico na instituição, desde a capacitação e distribuição dos professores para cada turma, a aquisição de material escolar e didático, bem como a lecionação das aulas. O Seu impacto é notório nas verificações feitas ao longo da nossa pesquisa, onde percebe-se que a maior parte das crianças encontram-se inseridas no sistema de educação 5
formal em escolas estatais situadas no arredor, devido ao facto de a estrutura do centro não comportar salas de aulas suficientes. Sendo que as demais frequentam as aulas de superação mesmo no centro. Algumas crianças frequentam as aulas fora do centro. Do período da manhã vão à escola, à tarde frequentam os cursos de formação profissional. Os mais pequenos vão à escola, depois regressam ao centro para o reforço académico e atividades extra curriculares. Não existe escola para aulas formais no centro, as crianças são matriculadas nas escolas da comunidade, quer no Palanca quer no Cazenga. E como constatamos, no âmbito da observação não participante por nós realizada, a maior parte das crianças regozijam-se por fazerem parte das atividades educativas e preocupamse em cumprir com os deveres da escola, e em caso de dúvidas, recorrem aos educadores/professores no Centro.
2.1.4.1. Situação do ensino e da educação na área de intervenção A situação na área de intervenção é precária e pode sintetizar-se no seguinte: 1. Embora as estatísticas existentes não sejam muito fiáveis, estima-se haver uma
população em idade escolar de aproximadamente 15.708 crianças (5-14 anos). 2. Segundo os dados do Programa Municipal Integrado de Desenvolvimento Rural e
Combate à Pobreza da Província de Luanda (Julho, 2010), a nível do Distrito urbano do Kilamba-Kiaxi, em termos de infraestruturas escolares, existem 57 escolas públicas (35 primárias e I ciclos, 6 escolas do I ciclo do ensino secundário, 5 do II ciclo do ensino secundário/ensino médio; 2 politécnicos; 1 escola de administração. Existem 78 colégios privados: 20 primários e do I ciclo do ensino secundário; 29, I e II ciclo do ensino secundário/médio; 24, I e II ciclo do ensino secundário; 1, II ciclo do ensino secundário; 2, universidades privadas; 160 escolas comparticipadas, das quais 12 com docentes pagos pelo estado. Recursos humanos: número de professores das escolas públicas 1.955; escolas privadas (colégios) 2061; escolas comparticipadas 1.215.
3. Existem no município cerca de 9.431 crianças fora do sistema nacional de ensino,
havendo necessidade de construção de cerca de 250 salas de aula. Sendo assim o município necessita de 15 escolas do ensino primário com cerca de 180 salas de aula, 15 escolas para o I ciclo aproximadamente 225 salas de aula, para o II Ciclo
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5 escolas (100 salas de aula) e para o ensino médio 3 escolas totalizando 60 salas de aula.
4. Muitas crianças ao atingirem a adolescência (13/17 anos), por se encontrarem em
classes baixas da sua idade, não podem continuar no ensino regular para dar lugar às mais novas;
5. Alternativas encontradas por algumas famílias com algumas posses são as escolas
fora da área, mas as crianças têm de caminhar 5 a 10 km diariamente e correndo o risco de serem violadas.
No centro não existem condições de salas para uma educação formal, isso leva a criação de turmas específicas a que chamamos de salas de reforço académicos que servem como alternativa.
2.1.5. Contexto Situacional A presente abordagem do projeto teve lugar no CACAJ, localizado no distrito urbano do Kilamba-Kiaxi a norte, no bairro Palanca. O centro alberga crianças e adolescentes (com idades compreendidas entre 7 e 18 anos) expulsas, abandonadas ou que fugiram de suas casas e algumas encaminhadas pelo Julgado de Menores, Minars, Inac, sendo na sua maioria crianças de famílias que vivem em Luanda2, embora a maioria destas famílias sejam oriundas das províncias do Uíge, Zaire e da República Democrática do Congo. Estas crianças chegam ao Centro devido a situação de abandono, mendicidade, acusação de feitiçaria, maus-tratos, doenças etc. O centro não possui escola, as salas de aulas são espaços entre contentores, onde os educadores/professores organizam aulas de reforço académico. O centro tem uma parceria com o Ministério da Educação através das repartições da educação dos distritos do Kilamba-Kiaxi e do Cazenga, que, em cada ano letivo, facilitam algumas vagas para as crianças que são acolhidas no centro. Assim tem sido possível enquadrar no sistema de ensino e aprendizagem, algumas crianças em idade escolar. As crianças chegam ao centro com um nível académico baixo, esse fator, tem trazido certas dificuldades na integração 2
Nos últimos anos o centro introduziu o critério de ser residente de Luanda como um dos critérios para a aceitação no centro por considerarem ser difícil o processo de localização familiar fora de Luanda.
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educativa das crianças e adolescentes no processo de ensino e aprendizagem devido às idades avançadas em relação aos níveis de escolaridades. O centro tem a educação como um dos pilares na integração do indivíduo na sociedade, por isso favorece, estimula e incentiva as crianças a participarem nas atividades educativas. O setor de educação dirigido por um responsável coadjuvado por mais 6 educadores/professores é responsável por:
Facilitar o enquadramento de todas as crianças no sistema formal de ensino;
Fazer o acompanhamento do nível de evolução e assiduidade das crianças nas escolas;
Distribuir e controlar o material didático aos educadores/professores;
Criar as turmas de reforço escolar no centro, para o período contrário as aulas;
Controlar as atividades pedagógicas ministradas no centro;
Promover seminários de capacitação pedagógica para os educadores do centro;
Elaborar os mapas de aproveitamento escolar;
Trabalhar em estreita colaboração com os demais setores do centro.
O trabalho social feito no centro permite promover a educação para que cada criança tenha um perfil de saída melhor. Pensa-se reforçar parcerias com o ministério de tutela para facilitar o enquadramento no processo de ensino, as crianças que estão acolhidas no centro. As que chegarem foram do tempo, criar um plano de reforço de competências pedagógicas aos educadores/professores, para que no ano letivo seguinte possam ser enquadradas no processo com uma habilitação adequada. O presente projeto teve o seu início em novembro de 2012 e terá o seu fim em 2015.
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2.2. Definição do Problema 2.2.1 Identificação e Delimitação do Problema A problemática de crianças e adolescentes em situação de rua em Angola é causada pelas relações desiguais de produção, e sua consequente divisão social do trabalho.
Alguma realidade, mostra que 70% das crianças e adolescentes com as idades entre 7 a 16 anos, nunca frequentaram em condições o ensino de base. Observamos baixa escolaridade entre as crianças e adolescentes em situação de rua. Sabemos que a educação formal de qualidade pode dar às crianças e aos adolescentes de rua oportunidade de melhorar o seu futuro. Por outro lado, sabe-se que o problema de evasão escolar é decorrente da dificuldade que essas crianças e adolescentes têm para se adaptar às regras rígidas da escola e ao sistema de educação. Quando fogem da escola acabam por preferir ficar na rua. Muitas vezes, também deixam de ir à escola porque têm de cuidar dos irmãos mais novos e da casa, ou dedicam-se a atividades comercias, sejam elas licitas ou ilícitas, morais ou imorais (venda de mercadorias, trabalho doméstico, prostituição, roubo), para aumentar o rendimento do seu agregado familiar. Segundo Samba (2005), Há um número insuficiente de escolas e, existe de igual modo pouco investimento na área da educação por parte do Governo. O governo canaliza uma grande parte do Orçamento Geral do Estado para outros setores, deste modo, isso contribuiu não apenas para o aumento dos índices de analfabetismo entre os angolanos, como também no crescente número de crianças e adolescentes fora do sistema normal de ensino a cada ano que passa. Segundo, Justo (2003), pouco adianta para o desenvolvimento humano a liberdade de capitais e a abertura da economia para o país se adaptar às regras da sociedade global, se as desigualdades sociais continuam absurdas com um contingente expressivo de crianças e jovens vitimizados pela exclusão escolar e pelo analfabetismo. O Centro recebe frequentemente crianças provenientes da rua, estas crianças necessitam de facto de algum processo que facilite a sua inclusão educativa. Diante do exposto anteriormente, e tendo em conta as observações feitas da realidade do quotidiano, pelo contacto direto sobre o funcionamento do CACAJ, com quase duas décadas de experiencias de trabalho social com crianças e adolescentes em situação de rua, sempre identificou como questão social: o baixo nível de escolaridade, abandono e 9
insucesso escolar, a baixa autoestima das crianças e de suas famílias, o aumento da incidência das crianças e adolescentes na rua, o elevado nível de comportamentos desviantes, a pobreza, a perceção dos pais ou parentes sobre os benefícios da educação, a falta de um documento de identificação nacional, como por exemplo certidão de nascimento, cédula pessoal e bilhete de identidade, a desestruturação familiar, a insuficiência de serviços comunitários de educação, lazer, desporto e a fraca participação dos pais e encarregados de educação no acompanhamento escolar. Nesta instância, podemos levantar os seguintes problemas:
De que forma poderá o CACAJ fazer a inclusão das crianças e adolescentes de rua no processo educativo?
Neste sentido será importante fazer uma avaliação da situação em estudo para permitir a definição ou elaboração de planos concretos que possam ser implementados para melhorar o enquadramento de crianças e adolescentes acolhidos no centro. Procuraremos a participação da família e da comunidade no processo socioeducativo.
2.2.2 Avaliação do Diagnóstico do Problema
Segundo os depoimentos dos técnicos sociais na área social do CACAJ, disseram-nos que algumas crianças e adolescentes encontrados nos focos, mesmo sem necessidades de serem acolhidos no centro, são diretamente reunificados a partir da rua e ao mesmo tempo, são enquadradas no sistema normal do ensino nas escolas do estado. Efetua-se igualmente o acompanhamento até um determinado tempo.
Como resultado das nossas visitas de campo, verificou-se que, no quadro do processo de reunificação familiar em 2011 a 2012, tiveram o reencontro com as suas famílias cerca de 73 crianças e adolescentes, destas, 89% encontram-se no seio familiar e apenas 11 % regressaram à rua pelo facto de serem de famílias muito pobres, desempregadas, desestruturadas. Outras fogem de casa por dificuldades na adaptação e mau relacionamento com a família. Para as crianças que continuam no seio familiar, os técnicos sociais, fazem visitas de acompanhamento e apoio, assim como a facilitação no enquadramento escolar, material escolar, registo civil, formação profissional e em questões de saúde quando necessário. 10
O nosso diagnóstico participativo foi realizado a partir de aplicação dos instrumentos que facilitaram a coleta de dados, para melhor compreendermos a realidade. O estudo foi realizado em na Província de Luanda. Para o enriquecimento do projeto, tivemos também contactos com organizações e instituições que trabalham na defesa e proteção da criança, nomeadamente a Organização das Nações Unidas para Infância (Unicef), a Organização Não-Governamental Child Fund Angola, na pessoa do seu diretor de programas, Sr. Augusto Santos, o Instituto Nacional da Criança (INAC), mais concretamente com o Departamento de Proteção a criança na pessoa do Dr. Paulo Kalesse, e a Direção Provincial da Assistência e Ação Social (MINARS), Cidadela Jovem de Sucesso em Kabiri e Centro Social do Bairro Mota dos Salesianos de Dom Bosco no Sambizanga.
3. OBJETIVOS DO PROJETO
3.1. Objetivo Geral
Contribuir na formação académica das crianças em situação de risco para melhor inclusão social.
4.2 Objetivos Específicos
Melhorar a qualidade de atendimento das crianças na área de educação;
Facilitar o enquadramento de todas as crianças no sistema formal de ensino;
Apoiar na criação das turmas de reforço escolar no centro para o período contrário as aulas;
Promover seminários de capacitação pedagógica para os professores/educadores do centro;
Elaborar os mapas de aproveitamento escolar;
Envolver as famílias no processo de inserção escolar e social.
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4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 4.1. Pobreza e Exclusão social Para Bobbio (apud Schons, 1999, p.65), a pobreza é decorrente em grande parte da “... revolução Industrial, que trouxe aos trabalhadores condições de maior pobreza e os relegou em vastos aglomerados urbanos”.
O resultado disso foi o aumento populacional nas grandes cidades, a expansão dos centros urbanos, o surgimento e crescimento do número de desempregados, que Marx denominou “exército industrial de reserva3”. Posteriormente, surgiu a terminologia “nova pobreza” para designar os desempregados de longa duração, que foram sendo expulsos do mercado produtivo e os jovens que não conseguiam acesso ao “primeiro emprego”. Por outro lado, as inovações tecnológicas fizeram com que “o homem se transforma em mão de obra e a natureza em matéria-prima, modificando a própria sociedade, considerada a partir de então como um mero “acessório do sistema econômico" (Schons, 1999, p.99).
Diante desta afirmação, fica claro que o capitalismo está sendo conduzido de uma maneira desumana, permitindo que prevaleça a acumulação de capital, a desumanização das relações, o individualismo, entre outros, resultando no aumento cada vez mais rápido da população que se encontra à margem da linha da pobreza. “Considera-se que a linha da pobreza demarca aqueles que não dispõem dos meios para atender às necessidades de alimentação, dados os custos de requerimentos nutricionais associados a estrutura de consumo alimentar, nem as demais necessidades de vestuário, educação, despesas pessoais, habitação, etc.” (Escorel, 1999, p.28).
Como se isto não bastasse, além da condição de pobreza em que se encontra, a maior parte da população, é também excluída dos vários benefícios da sociedade e carrega ainda o estigma e a discriminação, como afirma Schons: Observamos que o desemprego, os baixos salários, etc, que geram e intensificam a pobreza, causam juntamente a exclusão social, pois os indivíduos “pobres” são vistos como estranhos e pessoas que incomodam a sociedade em geral, sendo diariamente rotulados, criminalizados, estigmatizados e discriminados. 3
Comentário obtido em sala de aula, pelo professor José Eduardo Roselino, na disciplina de Economia Política no dia 23/05/2002.
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(Schons, 1999 apud Vitale, 2002, p. 14-15)
Na verdade, a pobreza é um fenómeno multidimensional que atinge tanto os clássicos pobres (indigentes, subnutridos, analfabetos), quanto outro segmento da população, os pauperizados pela precária inserção no mercado de trabalho. Com isso, a pobreza não é apenas resultado da ausência de renda, mas inclui outros fatores, como o precário acesso aos serviços públicos.
Para Sposati (1996), existem dois tipos de pobreza: a pobreza absoluta, que define as mais baixas condições de vida das pessoas de uma sociedade, ou seja, estabelece o limiar inferior de uma sociedade e a pobreza relativa que olha a distância entre as melhores e as piores condições de vida. A pobreza relativa permite-nos entender os padrões mínimos sociais como parâmetros de distribuição da riqueza social numa sociedade. Sposati (1996) também afirma que há um processo de diferenças que leva a uma apartação social, isto é, à naturalização da distância entre as pessoas e à expansão do processo de exclusão Social.
Segundo Telles (apud Pochmann, 2003), hoje há um esgaçamento do tecido social, marcadamente devido à pobreza, e alguns desconfiam de que já se ultrapassou as fronteiras da vida civilizada. Estima-se que mais de 30 milhões de pessoas no mundo morrem todos os anos devido à má distribuição de mantimentos, e seis milhões delas são crianças menores de cinco anos. Segundo o relatório público da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o absurdo disso é que as forças produtivas agrícolas poderiam normalmente suprir as necessidades do dobro dos habitantes do planeta; também afirma que o desinteresse político e económico dos governantes é responsável por tal situação4.
De acordo com os últimos resultados fornecidos pelo Inquérito ao Agregado Familiar sobre Despesas e Receitas, realizado em 2000-2001, a incidência da pobreza em Angola é de 68% da população, ou seja, 68% dos cidadãos angolanos têm em média um nível de consumo mensal inferior a 392 kwanzas5 por mês, o que corresponde aproximadamente a 1,7 dólares americanos diários. 4
Cf. Jornal da Amencar, 2003 Moeda Oficial de Angola, uma referência a um dos principais rios do país. Em agosto de 2005, 1 dólar equivalia a 90 kwanzas. 5
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Lembrando que a fome, quando não mata milhares de pessoas no mundo inteiro, acaba com as suas esperanças de conquistar dignidade ao deixar sequelas, muitas vezes irreversíveis, em suas vidas, como bem afirma Lija (2003) ao referir-se à desnutrição crónica em crianças: “A mais grave, pode causar danos irreversíveis à saúde se ocorrer principalmente durante os três primeiros anos de vida. Neste período, a falta de proteínas e carboidratos faz com que o organismo queime muitas células do corpo para se alimentar, sendo muitas delas as que compõem a massa cerebral do bebe. Em circunstancias assim, a criança pode apresentar elevado grau de distração e lindeza de raciocínio no futuro”. (Lija, 2003, Apud Jornal da Amencar, 2003, p. 4).
Uma outra problemática do mundo contemporâneo, e que tem sido o tema da atualidade, é a exclusão social, discutido nas diferentes áreas do conhecimento, inclusive no campo tecnológico. No campo económico e social, ela é abordada como sinónimo de pobreza, discriminação e injustiça social. Mas é na década de 1980 que o tema “exclusão social” obteve notoriedade, definindo esses excluídos como deserdados temporários do progresso, simples personagens residuais.
Para Sawaia (1999), a nova noção de exclusão começa precisamente nos anos de 1990 protagonizada nos debates intelectuais e políticos, permitiu que esses perdessem a conotação de residuais e temporários e passassem as serem vistos como contingentes populacionais crescentes que não encontravam espaço no mercado, vagueavam pela cidade e pelo campo, sem emprego e, muitos, sem teto. As causas assentam-se no avanço da informática e das novas tecnologias que levaram diversas empresas a realizarem trabalhos com maior eficiência e qualidade, com número reduzido de trabalhadores, tornando possível a dispensa de milhões deles. Por outro lado, com o processo de globalização, novas relações entre economia, política e sociedade estão sendo estabelecidas. De acordo com Lukamba (2001), o conceito de exclusão nasceu na Europa nos anos de 1990, mas as dimensões da exclusão são diversas: económica, social, política. Entretanto dois termos ilustram bem as dimensões da exclusão: a marginalização e a segregação de vastas zonas de convivência humana.
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Lukamba (2001, p.34) afirma que “a exploração existente em todos os campos, com mínima redistribuição, é uma outra chave deste desvio da globalização, particularmente pela redução da necessidade que os ricos têm do trabalho dos pobres”.
Segundo o relatório da UNICEF Angola 2010, a pobreza sustenta a maioria dos problemas que afetam as crianças, seja diretamente (pela falta de rendimento disponível) ou indiretamente (devido aos seus efeitos intergeracionais no desenvolvimento do capital humano, ou devido ao aumento das vulnerabilidades á violência, negligencia e abuso) (UNICEF, 2010: 10).
Dados do Inquérito integrado sobre Bem-estar da população (IBEP), revelam que em Angola 36,6% da população em geral e 58% da população rural vive abaixo do limiar da pobreza nacional, com o coeficiente de medição de disparidade entre os mais altos do mundo com 0,55, o que significa que os 20% dos angolanos mais ricos fruem de 59% da riqueza disponível enquanto os 20% dos pobres têm acesso a apenas 3%. Os resultados do IBEP confirmam que poder-se-ia alcançar melhores resultados nos indicadores sociais se o acesso aos serviços sociais e meios de rendimento fosse mais equitativo. Os problemas estão estreitamente relacionados com o acesso e a capacidade de poder de compra dos serviços e produtos (IBEP 2010: 12).
Outro dos indicadores que denotam as condições de vida das crianças angolanas esta ligada a questão da proteção da criança. O relatório do UNICEF (2010: 14) revela que todas as crianças são potenciais vítimas de exploração e abuso, e apesar de alguns progressos no sentido de crescimento das crianças livres de violência, para que usufruam dos seus direitos de forma a evitar a vulnerabilidade infantil, os referidos estudos mostram que apenas 32% das crianças são registadas aos 5 anos. A exploração, o trabalho infantil (20,4 %) e o abuso constituem ainda riscos substanciais para os mais vulneráveis. Cerca de 10% dos jovens angolanos são órfãos de guerra ou devido ao HIV. 28% de todas as crianças são entregues a alguém que não sejam os seus pais biológicos (UNICEF 2010: 14). Uma das frequentes formas de abuso das crianças tem sido a acusação de feitiçaria contra as crianças.
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A exclusão social é, segundo Costa (1998), um termo empregue para denominar o afastamento da rede de relações a que estão sujeitos alguns grupos sociais, ou à fase extrema do processo de marginalização6, entendido este como um percurso descendente ao longo do qual se verificam sucessivas ruturas na relação do indivíduo com a sociedade (Apud Carvalho 2008). O seu estudo vai enquadrar – se no estudo mais amplo das desigualdades sociais a que estão sujeitos indivíduos e grupos sociais, e estando inserido no grupo das desigualdades que não obtêm aceitação, tanto do ponto de vista moral quanto do ponto de vista do bem-estar social (Carvalho 2008).
A exclusão pode, de igual modo, apresentar-se nas múltiplas dimensões (física, geográfica, material, natural e simbólica). Devemos salienta a existente convergência entre os autores no que toca ao aspeto multi- dimensional do conceito de exclusão. Menção á Garry Rogers que define e apresenta níveis de exclusão e Isabel Léonetti que considera três dimensões de exclusão: a económica, social e simbólica (Apud Carvalho, 2008). Todavia baseamo-nos em Costa (1998), pois não só definiu como enumerou cinco dimensões de exclusão: 1. Exclusão do tipo económica: Que é caracterizada por uma situação de privação múltipla, por falta de recursos (pobreza); 2. Exclusão do tipo Social: caracterizada pelo isolamento ou pela ausência de laços sociais; 3. Exclusão do tipo cultural: que tem a ver com dificuldades de integração, em consequência de fenómenos como a xenofobia; 4. Exclusão política: que se relaciona com o não exercício de direitos políticos, incluindo cidadania; 5. Exclusão de origem patológica: designadamente de natureza psicológica ou mental. Carvalho (2008) acrescenta uma dimensão: 6. Exclusão por comportamentos auto destrutivo: como sejam os casos de alcoolismo, toxicodependência ou prostituição.
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Segundo Carvalho [2008: 35] o processo de marginalização a que está sujeito o indivíduo socialmente excluído relaciona-se com a privação de direitos de cidadão (como por exemplo, o direito de à livre escolha de governantes, à privacidade e a uma identidade coletiva) com dificuldade no estabelecimento de laços sociais e com dificuldades de acesso a bens socialmente desejados – instrução, assistência sanitária, emprego, rendimento recreio entre outros.
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Os grupos socialmente excluídos são pessoas marginalizados pela sociedade. Os quais Serge Paugan (apud Carvalho, 2008: 38) considera como indivíduos socialmente desqualificados sujeitos ao processo de marginalização. Sendo o referido processo distinguido pelo autor em três fases: 1ª Fase - de fragilidade: corresponde à entrada no processo de exclusão e ocorre na sequência de uma desqualificação ou de uma sucessão de tentativas falhadas de inserção (por exemplo o profissional – nesta etapa o excluído não admite sequer a possibilidade de viver de assistência; 2ª Fase - da assistência ou dependência: Em que o excluído necessita de assistência para sobreviver ou garantir o acesso à instrução e assistência sanitária para si e para os seus…. (Aqui o excluído não tem outro recurso senão aceitar a dependência de outrem); 3ª Fase - da rutura: na qual o excluído acumula uma série de desvantagens, perdendo normalmente os laços sociais considerados fundamentais …. Esta fase surge na sequência do descrédito em relação aos excluídos.
Quanto às fases do processo evolutivo da marginalização, Carvalho (2008: 42), esclarece que “em sociedades sem estado providencia, como é o caso de Angola, pode haver pessoas que passam diretamente da primeira fase á terceira do processo, sem nunca terem dependido de assistência social”.
A abordagem do fenómeno da exclusão se revê no grupo das desigualdades que não obtêm aceitação, tanto do ponto de vista moral, quanto do ponto de vista do bem-estar social (Carvalho, 2008). 4.2. Integração Social vs Educacional Segundo Capucha (1998), a integração social é o processo que caracteriza a passagem das pessoas, famílias ou grupos, das situações de exclusão para as de participação social e de cidadania.
Entretanto, Xiberras (1993) ao referir-se à integração social, salienta não só a escolha e participação dos novos membros da comunidade nacional, bem como a intenção de arranjar um espaço entre os outros, mas em coerência com o lugar dos outros. O conceito de integração é de igual modo abordado por Fernando Machado que nos apresenta duas visões na análise do conceito de integração: 17
1ª É a visão funcionalista que considera a integração como um estado de interdependência harmoniosa dos indivíduos num todo social, normativamente regulado, onde se aborda a diferença do binómio integração na sociedade – integração da sociedade; 2ª Dirige-se à integração social, que surge em oposição ao conceito de exclusão e pressupõe o acolhimento do excluído com direitos, oportunidades e estatutos semelhantes aqueles que possuem os não excluídos (apud Carvalho 2008: 44). Interessa – nos abordar esta última corrente por ser, como salienta o autor, aquela que diz respeito ao continuum integração - exclusão (Carvalho 2008). Embora se destine aos excluídos, Xiberras (1993), salienta que o fenómeno de inserção, enquanto facto social não diz somente respeito aos excluídos, mas constitui segundo Belorgey um percurso duplo – o percurso do excluído que utiliza os meios que se mobilizou novamente para ele e o percurso da sociedade – que deve arranjar lugar, continuar a permeabilidade do emprego e habitação, tornar-se uma verdadeira sociedade de acolhimento para estes públicos (apud Xiberras, 1993).
Relaciona-se deste modo o processo integrativo à mobilidade, assim Pires, (apud Carvalho 2008) enquadra-a aos modos de incorporação dos atores individuais em novos quadros de interação, em consequência de episódios de mudança social e de deslocamento intra – sistema de ordem (ciclos geracionais ou mobilidade social), ou inter – sistemas de ordem (migração).
Carvalho (2008) considera que a integração social pode ser obtida de duas formas, uma através do gerar de oportunidades (integração no sistema), outra, a partir do desenvolvimento das capacidades dos indivíduos (promoção da participação).
4.3. Crianças e a Educação Multicultural Considerando que muitas crianças, chegam a escola com graves problemas de adaptação e integração, é necessário que a sociedade mobilize recursos capazes de transformarem essas dificuldades, pondo em prática programas de educação multicultural, de forma a dar voz às culturas minoritárias e a aproximar o currículo das vivências, práticas culturais e experiências das crianças pertencentes a minorias étnicas e culturais. 18
Para Morgado (2001), o sucesso e a eficácia dos professores de ensino e aprendizagem estão obviamente relacionados com as atividades de suporte a esses processos. Considerando as diferenças extremamente significativas verificadas nos vários contextos educativos, as atividades de aprendizagem devem refletir, tanto quanto possível, as especificidades individuais e contextuais. Todavia, concordamos com Pereira (2004), ao afirma que a existência de alunos com diversas heranças culturais obriga a escola a adaptar o seu currículo às diferentes culturas de base. Assim sendo é necessário adaptar metodologias às diferenças e assegurar apoios sociais e cognitivos aos alunos que deles precisem. O currículo multicultural não significa ausência de referências à língua e à cultura da maioria. A nossa noção de currículo multicultural implica o reconhecimento da necessidade de alunos se tornarem bilingues e biculturais, ou seja, fluentes quer na sua língua e cultura materna, quer na língua e cultura da maioria. Quando se coloca a ênfase na criação de currículo multiculturais, está-se a afirmar a crença de que todas as crianças são educadas e deste modo, contribuirá para o respeito, valorização e promoção das identidades que as diferentes culturas apresentam, criando um ambiente de igualdade social. Neste sentido, “levar em conta a pluralidade cultural no âmbito da educação implica pensar formas de reconhecer, valorizar em incorporar as políticas e práticas curriculares” (Silva, s/d, p. 56), todavia, é importante que a escola e os professores ao selecionarem os conteúdos e trabalhá-los seja de forma a garantir a aprendizagem e a estabilidade tanto no ambiente escolar como no social. Estes devem considerar, não só a realidade em que os alunos se encontram, mas também, em conhecer o tipo de alunos que têm, bem como o padrão de vida a que seguem, para que a aula seja entendida por todos e incentivando a curiosidade, fazendo com que se interessam e participem. 4.4. O Papel da Escola para a Educação Multicultural A educação, face à diversidade cultural, sustenta a importância de que o contacto entre grupos se faça num contexto igualitário e propõe, para isso, a existência de projetos comuns que façam com que se ultrapassem as rotinas individuais e que permitam realçar aquilo que é comum entre esses grupos. A escolarização comum de grupos, com origens 19
diversas, pode promover a aprendizagem do viver com os outros mas, para isso, é necessário que a escola amplie o contacto entre as culturas a processos de comunicação intercultural. Assim sendo a educação escolar respeita e desenvolve todas as cultura existentes, no qual se torna urgente a educação para a tolerância, para o respeito pela diferença, para a aprendizagem da convivência com o diferente, para o encarar do diálogo entre todos como enriquecimento mútuo.
Com a educação multicultural os alunos entenderão os aspetos que são idênticos e que diferenciam as culturas presentes na escola, na sala de aula e na sociedade e agirem para o melhor clima escolar e social, “É necessário adaptar as metodologias as diferenças e assegurar apoios sociais e cognitivos aos alunos que deles precisem” (Pereira, 2004, p. 8).
A educação multicultural contribuirá também para o reconhecimento e valorização e promoção da própria cultura, como elemento fundamental que identifica uma cultura da outra. Deste modo, a “organização do sistema educacional, além de representar uma questão desafiadora para o novo país, no qual se pretende edificar uma nova cultura de paz e liberdade, a educação também deveria ser fundamentada nos valores culturais da sociedade angolana” (Nguluve, 2010, p. 66).
Contudo, a escola tem um papel crucial na promoção de uma maior igualdade de oportunidade. Para que o possa desempenhar, todos os seus atores têm de estar conscientes dessa sua importância em não deixar que se instale o efeito de externalidade. À escola cabe, assim, uma parte importante, e fundamental em todo o processo de educação intercultural. Neste caso cabe a ela: Respeitar a diferença; Saber acolhe-la; Saber promover a autoimagem; Lutar contra o preconceito e a discriminação; Tornar realidade frequente à igualdade de oportunidades dos discursos e dos documentos oficiais, sem esquecer que essa igualdade não se pode reduzir a uma igualdade no direito de acesso ao sistema educativo.
Neste sentido, consideramos que a escola despenha um papel fundamental para a valorização e preservação das culturas existentes, educando os indivíduos para que todos tenham as mesmas possibilidades de formação e que sejam vistos e atendidos de forma semelhante, considerando que somos seres com dignidade e que a cultura é um elemento 20
que nos identifica e nos diferencia dos outros. Assim sendo, a nossa atitude deve ser em vista a considerar o outro na sua individualidade e dignidade, contribuindo para a boa convivência social.
4.5. A Escola como Instituição Educacional Ao reconhecermos que a escola é uma instituição educacional e uma micro sociedade, é também entendida, como “estrutura viva e profundamente inscrita nas sociedades espelhará sempre as circunstâncias sociais, económicas, científicas e culturais próprias a cada momento da evolução dessas sociedades” (Morgado, 2001, p. 13). Assim sendo a escola deve oferecer a todos os alunos condições que o possibilite a melhor se enquadrar na sociedade, respeitando as desigualdades individuais e sociais, assim sendo, como nos lembra Coudangeon apud Zantem (2011), a experiência escolar articula processos de aprendizagem e mecanismos de socialização que mais particularmente coloca em cena a influência do grupo de iguais na formação das normas culturais das crianças, dos adolescentes e dos jovens adultos. Os hábitos culturais dependem enormemente das características sociais e culturais do corpo docente e da população escolarizada. Portanto, a escola deve compreender as desigualdades culturais, isto é, entendê-las e assumi-las como uma forma de reconhecimento, de identidade de diferença cultural e de direitos que todos estão envolvidos, no sentido de termos uma visão ética do processo educativo. Daí a necessidade de nos preocuparmos também com a programação dos currículos escolares, como também com a seleção dos conteúdos. Sendo assim, Pereira afirma que a existência de alunos com diversas heranças culturais, obriga a escola a adaptar o seu currículo às diferentes culturas de base. Numa sociedade cada vez mais heterogénea, tanto em termos étnicos como culturais, a imersão num currículo multicultural é também vantajosa para os alunos oriundo da maioria, porque ganham conhecimento sobre outras culturas e desenvolvem atitudes de tolerância e respeito para com as diferenças.
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4.6. A realidade da Educação e o Enquadramento Juridico A educação constitui um processo que visa preparar o indivíduo para as exigências da vida política, económica e social do país e que se desenvolve na convivência humana, no círculo familiar, nas relações de trabalho, nas instituições de ensino e de investigação científico-técnico, nos órgãos de comunicação social, nas organizações filantrópicas e religiosas e através de manifestações culturais gimno-desportivas ( Lei 13/01 Artigo 1.º, Ponto 1). Esta ao dar requisitos ao homem, por meio das suas instruções, contribui para que adquiram comportamentos que primem para o seu desenvolvimento integral e, assim, levá-lo a agir segundo os princípios estabelecidos socialmente, isto é, “respeitar os direitos, as liberdades e a propriedade de outrem, a moral, os bons costumes e o bem comum” (Constituição, Artigo22.º ponto a). Como instituição organizacional e para educar para a multiculturalidade é importante que as escolas se preocupem em seguir alguns objetivos propostos na Lei 13/01, do Artigo 3.º ao afirmar que a educação deve:
Formar um indivíduo capaz de compreender os problemas nacionais, regionais e internacionais de forma crítica e construtiva para a sua participação ativa na vida social, à luz dos princípios democráticos (Ponto b);
Promover o desenvolvimento da consciência pessoal e social dos indivíduos em geral e da jovem geração em particular, o respeito pelos valores e símbolos nacionais, pela dignidade humana, pela tolerância e cultura de paz, a unidade nacional, a preservação do ambiente e a consequente melhoria da qualidade de vida (Ponto c);
Desenvolver o espírito de solidariedade entre os povos em atitude de respeito pela diferença de outrem, permitindo uma saudável integração no mundo (Ponto e).
Com estes objetivos a escola deve procurar formar integralmente o indivíduo e prepará-lo para saber, saber ser, saber fazer e saber estar, adquirindo comportamentos e atitudes que o ajude a valorizar a dignidade da pessoa, agindo de forma justa e positiva face à sua realidade cultural assim como também à diversidade cultural permitindo a boa integração e convivência social. 22
Assim sendo, cabe à escola, favorecer um ambiente agradável, onde todos indivíduos se sintam membros integrantes do processo de ensino-aprendizagem e sejam responsáveis em criar e em preservar a escola, para o bem-estar de todos. Contudo, o uso de metodologias, tendo em conta a formação de professores, a estrutura dos currículos e o uso de atividades programadas, tanto pela direção, como pelos professores em sala de aula, contribuem para o reconhecimento e promoção das culturas, em vista à unidade das diversidades culturais, identificando os aspetos construtivos presentes na mesma possibilitando um ambiente mais agradável. Segundo o Artigo 59.º da Lei 13/ 01, ponto 3, a escola e as demais instituições de educação, organizam-se de forma que, com a vida interna, as relações, o conteúdo, a forma e os métodos de trabalho contribuam para a realização dos objetivos da educação; agindo de tal forma com certeza os resultados alcançados serão aqueles que contribuirão para um ambiente escolar agradável e um ensino aprendizagem de sucesso.
5. METODOLOGIA
5.1. Tipo de Estudo Procurou-se identificar e analisar a problemática das crianças e adolescentes de rua através da pesquisa empírica fundamentada numa abordagem quantitativa e qualitativa (misto). Usamos o método quantitativo para descrever e comparar dados dos utentes, relativos à sua situação socio económica e o qualitativo para descrever as suas razões/opiniões sobre a situação que estavam a viver, ou seja, a sua realidade atual e perspetivas futuras. Chizzotti (1991), afirma que, a pesquisa qualitativa reconhece todas as pessoas que participaram da pesquisa como sendo sujeitos que elaboraram conhecimentos e produziram as práticas adequadas para intervir nos problemas que identificaram, pois possuem um conhecimento prático de senso comum e representações relativamente elaboradas que formam uma conceção de vida e orientaram as suas ações.
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5.2. Participantes no Projeto Esta pesquisa de campo foi realizada no CACAJ, localizado na província de Luanda, município do Kilamba-Kiaxi, bairro Palanca, Rua Pedro de Castro Van-Dunem. Foram inquiridos 50 utentes, com idades entre 09 e 17 anos, todos do sexo masculino. Não descrevemos neste ponto pormenorizadamente os utentes do centro (amostra) pois esta discrição será feita na apresentação e discussão dos resultados, uma vez que consideramos que estas descrições necessitariam de uma discussão para contextualizar o problema dos utentes.
5.3. Instrumento Utilizado A pesquisa de campo necessita da aplicação de instrumentos técnicos para a recolha dos resultados. Assim, efetuamos, primeiramente, a observação participante que possibilitou o registo detalhado de tudo e ocorreu durante o contacto com crianças e adolescentes, principalmente as observações realizadas nas conversas, depoimentos, comportamentos e suas atitudes. As entrevistas semiestruturadas foram orientadas por um questionário (roteiro) previamente elaborado com questões abertas e fechadas, devidamente ordenadas, num total de 11 perguntas, tendo por enfoques: a Identidade dos sujeitos; o Relacionamento Familiar; a Vida na Rua e as Perspetivas de Futuro. O objetivo principal deste instrumento foi de facilitar o conhecimento do quotidiano vivido pelas crianças e adolescentes, suas estratégias de sobrevivência, bem como as perspetivas que têm do futuro. O instrumento segue em apêndice (apêndice 1). 5.4. Procedimentos Metodológicos Realizamos um pré-teste no dia 18 de outubro de 2012, entrevistando um dos sujeitos, isso permitiu avaliar o instrumental e rever as questões. Antes de realizarmos as entrevistas, foi explicado o caráter de anonimato da conversa, ou seja, as crianças e adolescentes não foram identificados pelo nome, mas por um pseudónimo ou apelido escolhido por eles. As entrevistas foram realizadas tendo em conta os princípios éticos que orientam a pesquisa com seres humanos e a conduta do assistente social em particular, usamos uma 24
linguagem simples e concreta compatível com a fase do desenvolvimento das crianças e adolescentes, evitando o uso de conceitos que estão além da compreensão delas. Quanto aos locais onde foram realizadas as entrevistas, tivemos a preocupação de pedir primeiramente a autorização para realizar as entrevistas, explicar o procedimento das mesmas e esclarecer devidamente sobre a utilização da sua informação. Explicamos também os objetivos e o caráter sigiloso da pesquisa, no intuito de conseguir a manifestação do consentimento por parte de todos os integrantes. A interpretação dos dados foram discutidos e fundamentados por referências teóricas de autores, numa perspetiva humanista e histórica. As entrevistas, observações, passeios e atividades foram realizadas com as crianças e adolescentes no período de junho a dezembro de 2012.
6. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Optamos por apresentar e discutir de imediato os resultados por considerarmos mais pertinentes. Como o projeto descreve resultados de situações socio económicas dos utentes do centro, a sua discussão de cada situação parece-nos que fica mais esclarecedora e sequencialmente mais estruturada utilizando esta metodologia, ou seja, apresentação e discussão dos resultados.
Considerando a educação como um elemento fundamental para a formação integral do indivíduo o homem produz conhecimentos, informações, valores, ciência arte, tecnologia, crenças etc., tudo o que não existe naturalmente e a que chamamos de cultura. Portanto se a educação é destinada ao homem e a educação é a apropriação da cultura, é pela cultura que nos fazemos humanos (Paro, 2010).
A educação face à diversidade cultural constitui um motivo de preocupação para as sociedades atuais, visto que o humano é um ser aberto, dinâmico e como tal precisa dos outros para melhor se aperfeiçoar, para o desenvolvimento de uma consciencialização dos aspetos referentes as diversas situações.
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Apresentamos, a seguir, os dados quantitativos e qualitativos, sob a forma de tabelas e gráficos organizados nos seguintes enfoques: identidade, relacionamento familiar, vida na rua e perspetivas.
6.1. 1º Enfoque: Identidade Podemos observar pela tabela 1 que a maior parte dos entrevistados (28), estão na faixa etária de 09 a 11 anos, e a menor (9), entre os 15 e os 17, sendo todos do sexo masculino. Tabela 1 - Faixa Etária das crianças e adolescente que participaram no projeto. Faixa etária
Quantidade
9 –11 anos
28
12 – 14 anos
13
15 – 17 anos
9 Total
50
Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
Nota-se que na sociedade angolana as meninas ainda são mais protegidas pela família. O que não quer dizer que não hajam meninas em situação de rua, elas existem, mas em pequena quantidade e na maior parte das vezes vivendo da prostituição. Segundo o Instituto Nacional da Criança (1998), o grande responsável pelo índice de exploração da criança é o alto nível de empobrecimento das famílias, provocado fundamentalmente pela guerra que, para garantir a sua sobrevivência, veem-se obrigadas a integrar no mercado gerador de recursos todos os elementos do agregado familiar, inclusive as crianças.
6.2. 2º Enfoque: Província de Origem Pela análise da tabela 2 dá para perceber que a província de Luanda lidera com 52% de crianças e adolescentes em situação de rua. São adolescentes, na sua maioria, filhos de pais separados. A seguir, está a província do Uíge com 14% pelas suas peculiaridades culturais. É importante ressaltar aqui, que as províncias como Malanje e Bié, apresentam respetivamente cada com 8% de crianças e adolescentes, provavelmente por terem sido as províncias que mais sofreram a devastação com a guerra civil há 11 anos.
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Tabela 2 - Província de Origem das crianças e adolescente que participaram no projeto. Província de origem
Quantidade 3 4 (8%) 3 1 26 (52%) 1 1 4 (8%) 7 (14%)
Benguela Bié Huambo Kwanza-Norte Luanda Lunda-Norte Lunda-Sul Malange Uíge Total Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
50
6.3. 3º Enfoque: Nível de Escolaridade .
Pela interpretação da tabela 3 podemos verificar neste gráfico, em 44% das crianças e adolescentes frequentam as 2ªs e 3ªs classes de ensino de base. Certificamos aqui o baixo nível de escolaridade entre as crianças e adolescentes em situação de rua. 26% dos observados afirmaram que nunca estudaram devido, essencialmente, à
falta de
documento de identificação nacional (certidão de nascimento, cédula pessoal ou bilhete de identidade), à desestruturação familiar e à insuficiência de serviços comunitários de educação. Tabela 3 - Nível de Escolaridade das crianças e adolescente que participaram no projeto. Escolaridade 2ª Classe 3ª Classe 4ª Classe 5ª Classe 6ª Classe Nunca estudaram
Quantidade 12 (24%) 10 (20%) 8 (16%) 3 (6%) 4 (8%) 13 (26%)
Total Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
50 (100%)
Sabemos que a educação formal de qualidade pode dar às crianças e aos adolescentes de rua oportunidade de melhorar de vida. Por outro lado, sabe-se que o problema de evasão escolar é decorrente da dificuldade que essas crianças e adolescentes têm para se adaptar às regras rígidas da escola e ao sistema autoritário, encontrado em quase todas as escolas públicas. Quando eles evadem da escola, acabam por preferir ficar na rua. Muitas vezes, 27
também deixam de ir à escola, roubando o tempo que têm para estudos, porque cuidam dos irmãos mais novos e de casa ou dedicam-se a atividades comercias, sejam elas licitas ou ilícitas, morais ou imorais (venda de mercadorias, trabalho doméstico, prostituição, roubo), para aumentar o rendimento do seu agregado familiar. Diante disso, é importante frisar que, se queremos realmente uma Angola desenvolvida, precisamos apostar no ser humano, promover uma educação centrada na visão crítica que propicie conhecimentos aprofundados sobre a realidade socioeconómica e política. Uma educação que promova a participação de todos. Deste modo, haverá enriquecimento do debate crítico e a busca de estratégias (alternativas) para um desenvolvimento sustentável que favoreça o bem-estar de todos. Concordamos com Lopes (2000) quando afirma que o futuro de um país que acredita em si próprio constrói-se com escolas e com livros. Visão semelhante é de Justo (2003), que afirma não haver dúvidas de que o desenvolvimento de um país é diretamente proporcional aos índices de escolaridade da população. Adam Smith, referindo-se aos trabalhos, afirmava que eles (os trabalhadores) não precisam nada além do que saber ler, escrever e calcular, mas até este tipo de visão falta aos nossos governantes. Acreditamos que, se o Estado e a sociedade proporcionarem educação às crianças e adolescentes, teremos futuramente uma realidade melhor para todos nós. As crianças e adolescentes pobres em Angola não estão apenas privados da educação, mas também de saúde, desporto e lazer. Sabemos que tudo isso são direitos universais, mas em Angola apenas os filhos da elite podem pagar estes serviços. A falta de meios financeiros está na base da não inserção de três das crianças no sistema normal de ensino: “ O padrasto não tinha condições para me meter na escola ”. “Não. Eles não tinham dinheiro”. “ Não, não tinha nada dinheiro”. 6.4. 4º Enfoque: Mudança de Moradia Pela análise da tabela 4 verificamos que a maior parte das crianças e adolescentes já mudou duas (20%) e três (30%) vezes de residência, como nos ilustra o gráfico. Tabela 4 - Mudança de Moradia7 das crianças e adolescente que participaram no projeto. Nº de Mudanças
Quantidade
Uma Duas 7
12 (24%) 10 (20%)
Moradia refere-se ao bairro, aldeia, cidade, província, instituição e município.
28
Três Quatro Cinco "Muitas"
15 (30%) 2 (4%) 3 (6%) 8 (16%)
Total Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
50 (100%)
Os motivos apresentados são variados, como a situação de guerra já antes mencionada, obrigou a deslocação em massa de aldeias inteiras, colocando crianças, adolescentes e suas respetivas famílias em outras zonas com maior segurança dentro do país ou em situação de refugiados em outros países vizinhos. Além deste, outros motivos são: a mudança e a venda da residência pelos pais (Pedrito, Zua, Paizinho e Kaquarta), separação dos pais (Paizinho, Inacio, Ngunza), maus-tratos do padrasto ou da madrasta (Mário, Beni, Nzokele, Taleno), brigas familiares (Bento) e, muitas vezes, o medo de apanhar dos pais por deixarem perder dinheiro ou mexerem 8 (Kabingano, Nzuzi, Filipe, Teka e Ngandu) em alguma coisa em casa. Para Rizzini (2003), as crianças e adolescentes, ao permanecer em movimento constante, serão prejudicados na sua socialização, assim como também a sua escolaridade será constantemente interrompida. No caso das zonas rurais, a mudança de moradia deve-se principalmente a questão da pobreza causada pela guerra civil, como afirma Freitas (2005, p. 10), “a acentuada pobreza rural é tida como consequência direta da guerra, que limitou o acesso às áreas de cultivo e aos mercados, devido à insegurança e à distância dos recursos (instrumentos de trabalho, sementes) aos camponeses”.
6.5. 5º Enfoque: Relação Familiar Analisando a tabela 5, verificamos que dentre os entrevistados, 52% (26) consideraram que a convivência em casa era boa. Apesar deles considerarem a convivência boa, eles optaram em viver afastados da família, em procura da liberdade e da satisfação das suas necessidades que, muitas vezes, os pais não tinham condições de oferecer, como roupas e calçados da moda. Um dado importante é que eles são provenientes de famílias desestruturadas e que possuem vínculos familiares mesmo que não estabeleçam contactos frequentes. Tabela 5 - Relação Familiar das crianças e adolescente que participaram no projeto.
8
Termo usado pelos adolescentes para se referirem ao furto em casa.
29
Relação Familiar Boa Mau Regular Total Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
Quantidade 26 (52%) 16 (32%) 8 (16%) 50 (100%)
6.6. 6º Enfoque: Espaço de acolhimento Pela interpretação da tabela 6, os dados da pesquisa mostram que as crianças ainda têm a família ( pais ou parentes) como referência e como lugar privilegiado para viver e espaço de acolhimento (34% e 40% respetivamente). Este resultado mostra claramente uma posição até contraditória. Mas isso acontece porque, quando as crianças estavam com os pais ou parentes sofriam de maus-tratos. Tabela 6 - Espaço de Acolhimento das crianças e adolescente que participaram no projeto. Espaço de Convivência
Quantidade
Pais Parentes Pessoas conhecidas ou amigos
17 (34%) 20 (40%) 13 (16%)
Total Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
50 (100%)
No entender deles, a rua seria um melhor ambiente, ou seja, a melhor solução, só que postos neste ambiente descobriram que os riscos aí encontrados são piores em relação à casa que saíram, ou seja, ao ambiente familiar. Muitos dos sujeitos deixam claro que realmente o relacionamento em casa, tirando os maus-tratos, era bom. Na verdade, quando os sujeitos falam do melhor espaço de acolhimento, estão se referindo à família ideal, em contraposto aquela em que viviam anteriormente. Lembrando que a família não é apenas o pai, mãe ou irmãos, mas congrega outros elementos, como os tios, avos, primos etc, pois a família africana, a angolana em particular, entende-se apenas no aspeto de família alargada. 6.7. 7º Enfoque: Preferência de Moradia De seguida procuramos saber qual a preferência de moradia que as crianças e adolescentes gostariam de ter (tabela 7). Destaca-se que dos 50 entrevistados afirmaram que o melhor espaço para se viver é junto da família, seja com os pais (38%) ou com os parentes mais próximos (18%). Dos 50 entrevistados, 34% prefere ficar numa instituição. Eles justificam a sua posição pelo fato de encontrarem neste lugar condições que, muitas vezes, não têm em casa. 30
Tabela 7 - Preferência de Moradia das crianças e adolescente que participaram no projeto. Preferência de Moradia
Quantidade
Pais Parentes Rua Instituição Adoção Amigos
19 (38%) 9 (18%) 0 17 (34%) 2 (4%) 3 (6%)
Total Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
50 (100%)
Segundo eles, aí encontram atenção, carinho e de um modo geral são muito mais bem tratados do que em casa. Aqui temos um outro elemento importante para compreendermos a ida de muitos deles às ruas, ou seja, não são apenas condições económicas que os levam a sair de casa, mas também a falta de afetividade e de proteção familiar, das pessoas que vivem e convivem com eles. “eu prefiro ficar na instituição, pelo menos lá eu aprendo a fazer alguma coisa para o meu futuro”. (ZANGADO, 14 anos); “porque quero estudar e ter uma instrução” (TANAICE, 15 anos)’;
“prefiro ficar numa instituição porque lá me sentiria mais feliz”. (KABOQUITO, 16 anos); preferia ficar numa instituição “porque a família não trata bem”. (LUPEMBA, 15 anos);
Nesse contexto, talvez, nos perguntemos por que optam pela rua ou, então, por que é que não retornam à convivência familiar? Quanto ao primeiro questionamento podemos dizer “porque a rua representa, num determinando momento, tudo o que nunca tiveram, não só a liberdade, mas também o acesso quase que direto aos benefícios da cidade” (medeiros apud Ribeiro, 2003, p.628). Já na segunda questão, a resposta nos vem de Rizzini (2003, p.167), quando afirma que: “existem diversos fatores, gerados inclusive, no ambiente da rua, que impedem esse retorno. Muitos deles estão ligados a uma autonomia financeira, pois na rua se consegue o acesso ao dinheiro e a certos bens que são impossíveis de se obter em casa. Por outro lado, a rua os liberta de tarefas, limites e horários que são exigidos em casa”.
31
6.8. 8º Enfoque: Motivos da ida para a Rua A partir da tabela 8 procuramos identificar os principais motivos que levaram as crianças e os adolescentes a irem para a rua. Observando a tabela percebe-se que 40%, ou seja, a parte mais significativa, optaram pela rua devido a situação de pobreza que as famílias vivem. Tabela 8 - Motivos da Ida para Rua das crianças e adolescentes do projeto. Motivos da ida para rua
Quantidade
Abandono dos Pais
5
Ficava Sozinho em casa
1
Furto Doméstico
4
Influência de Amigos
1
Liberdade
1
Orfandade
2
Perda de Contacto com os pais e familiares
3
Problemas de Relacionamento Familiar (Brigas e Maus Tratos)
13 (26%)
Situação de Pobreza
20 (40%)
Uso de drogas
0
Total Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
50
Um inquérito realizado em 1995 mostrava que 61% da população urbana estava a viver abaixo da linha de pobreza e 12% abaixo da linha de pobreza extrema. Nesse mesmo ano, 44,8% dos agregados familiares chefiadas por mulheres viviam acima da linha da pobreza, comparados aos 37,2% dos agregados familiares chefiados por homens9.
Muitos desses problemas nos grandes centros urbanos foram agravados com o êxodo rural, devido à insegurança causada pela guerra civil que assolou o país. Parte dos trabalhadores rurais, não tendo condições para trabalhar na lavoura, por tantos prejuízos e falta de incentivo da política agrícola e agrária, bem como pelos campos minados, foram obrigados a procurar empregos nos grandes centros urbanos, causando um aumento na população e gerando vários problemas sociais.
No campo social, Angola apresenta uma desigualdade gritante entre as classes sociais, segundo dados do INE10 (1998), 20% das famílias mais ricas recebem 61% da riqueza. As 20% mais pobres recebem apenas 3,2%. Os mais pobres gastam em alimentação 77% 9
Cf. UNICEF, 1998, p.838 Dados do Instituto Nacional de Estatística de Angola de 1998 (Apud CANIÇO, 2001).
10
32
dos seus rendimentos, 7% em energia e água, enquanto os mais ricos apenas 51% e 6% respetivamente. Como se pode observar, os mais pobres vivem ao nível da sobrevivência. A alimentação e a água são os bens mais consumidos, a maioria da população nem energia elétrica possui e com a alimentação elas esgotam quase totalmente os recursos finaceiros.
Também por outro lado, 26 % (13) das crianças e adolescentes estão na rua motivados pela dificuldade de relacionamento e maus-tratos na família. Estes dados vêm confirmar os estudos feitos anteriormente, segundo os quais a violência física sofrida pelas crianças e adolescentes no seio familiar tem motivado os mesmos a irem para as ruas, como afirma: Sousa, (2003, p.2) As causas que levam essas crianças às ruas são variáveis e grande parte das vezes o motivo está na violência doméstica e nas condições económicas e sociais em que vive o que leva essas crianças a buscar na rua dinheiro para ela própria e para sua família. O mesmo afirma Beaunaux, (1996, p.2). A maioria das crianças de rua não é abandonada por suas famílias. Pelo contrário, elas saem de casa fugindo de maus-tratos, pobreza ou da simples autoridade dos pais. A falta de estabilidade na vida familiar é a razão principal para levar uma criança às ruas. A mesma visão é compartilhada por Abramovay (2002, p.51), que não apenas apresenta os motivos da saída das crianças e adolescentes como mostra as pessoas que praticam esta violência: os meninos que estão na rua sempre têm uma história que vem da família. É um padrasto que espanca, uma mãe que espanca, é um abuso, um irmão, um padrasto que tenta abusar, é uma morte. Às vezes, no interior a família se desmancha mesmo. Cada um vai para um lado, a criança fica só, fica abandonada”. De acordo com Guerra (2001, p.41), reiterando o que já foi discutido, o conceito de violência física refere-se ao “emprego de força física contra a criança, de forma não acidental, causando-lhe diversos tipos de ferimento e perpetrada pelo pai, mãe, padrasto ou madrasta”. Isso foi confirmado nos relatos dos sujeitos da pesquisa que apresentaram o padrasto ou a madrasta como o autor principal dos maus-tratos sofrido por eles na família. O que acontece é que a prática da violência doméstica favorece a ida de crianças e adolescentes para as ruas, “mas isto os expõe a outros tipos de violência como, por 33
exemplo: a exploração do trabalho infantil, o abuso e exploração sexual, uso e tráfico de drogas, envolvimento com atos inflacionais, dentre outras”. (Sousa, 2003).
A outra causa apontada pelas crianças e adolescentes que favorece a sua ida para as ruas é a situação de pobreza11 em que a família se encontra. Eles vêm de famílias muito pobres que vivem com renda mínima. Nos depoimentos, alguns adolescentes disseram que saíram de casa porque “estavam a mexer”: “Não estava no plano sair, saí de casa com medo que os meus pais me batessem, porque andei a mexer em casa, para comprar algumas coisas que eu queria (DACK, 13 anos)”. “Eu sai porque mexia nas coisas em casa e vendia para comprar algumas coisas que os meus amigos tinham e não voltei com medo da minha mãe me bater (TANAICE, 15 anos)”. “Sai porque quando a minha mãe saia e não tinha mais ninguém em casa eu mexia, vendia e comprava algumas coisas, às vezes usava o dinheiro para ver filme num lugar que havia lá no bairro e tinha medo de voltara casa, porque o pai podia bater (NELO, 14 anos)”.
Os estudos anteriores já tinham indicado também que a pobreza leva os adolescentes a realizarem alguns furtos domésticos no intuito de conseguirem dinheiro para comprar alguma coisa desejada, uma vez que a família (os pais) não tem condições financeiras para poder comprar. Lembrando que estudos feitos anteriormente apontam a pobreza como a causa principal da ida de um número considerável de crianças e adolescentes para as ruas em Angola.
Diante disso, urge afirmar que houve mudanças nas causas relacionadas ao surgimento da problemática de crianças e adolescentes de rua. Se antes a causa era decorrente da guerra, hoje o quadro é diferente. As causas que levam as crianças e adolescentes às ruas são: a violência doméstica, a desestrutura familiar e a situação de pobreza. Com isso, a família, que deveria ser o agente protetor, socializador e responsável pelo desenvolvimento da criança, está abrindo mão das suas responsabilidades sociais ou deixando de assumir este compromisso como sempre assumiu na história social de Angola.
11
A pobreza aqui é apresentada pelas crianças e adolescentes como a falta de condições para o consumo de bens como, por exemplo, um televisor, aparelho de som etc.
34
6.9. 9º Enfoque: Convivência na Rua De seguida procuramos saber o seu tipo de convivência na Rua (tabela 9). Assim, a maioria das crianças e adolescentes, num total de 68%, afirma preferir andar sozinhas, mas também sabem das consequências que isso pode trazer, principalmente, quando se trata de sua sobrevivência nas ruas. Tabela 9 - Convivência na Rua das crianças e adolescentes do projeto. Preferência pelo grupo
Quantidade
Sim
16 (32%)
Não
34 (68%)
Total Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
50 (100%)
Essa opção deve-se ao fato de acharem que alguns são más companhias e que podem levá-los ao mau caminho, ou seja, ao caminho dos vícios de drogas, roubos, brigas. Esta opção evita também de alguém “mexer” nas coisas dos outros, porque algumas pessoas são ambiciosas. Outros ainda acham que sozinhos são mais livres e que, quando se anda em grupos, as outras pessoas desconfiam: “Prefiro andar sozinho, porque alguns gostam de mexer nas coisas dos outros e porque também assim evita confusão (JORGE, 16 anos)”. “É melhor mesmo andar sozinho, porque em grupo as pessoas desconfiam, ficam a pesar que somos bandidos ou então gatunos12, é que também não gosto de andar com pessoas que não confio e que são ambiciosos porque quando pegam o dinheiro gastam sozinhos, e querem que só eu dê o meu dinheiro para eles (INOSCI, 13 anos)”. “Andar sozinho é melhor, tem muita gente que se droga e eu não gosto, porque também vão te exigir a drogar. Porque os outros que se drogam não aceitam andar com quem não se droga (AREIA, 16 anos)”. “Sozinho é melhor, porque me sinto mais livre, agora em grupo não faz nada, pega o dinheiro e gastas (ÂNGELO, 15 anos)”.
Porém, algumas crianças e adolescentes preferem andar em grupo, pela própria segurança nas aventuras da rua. Segundo (Oliveira, 2004, p.36-37). o grupo é essencial para a formação continuada da identidade e para a sobrevivência e tem um papel crucial em superar as dificuldades do dia a dia, inclusive as emocionais: “... o grupo provê suporte, apoio, escape e proteção, inclusive contra outros grupos de rua ... é uma esperança viva
12
Expressão utilizada em Angola para significar ladrão.
35
de atmosfera afetiva, continência e provisão ... espaço de carinho, da ajuda, da solidariedade. Ajuda a manter o clima de motivação mesmo em meio ao desespero e conforta em meio à existência extremamente stressante do viver ao desabrigo”. Os nossos entrevistados justificam a importância do grupo da seguinte forma: “Prefiro andar em grupo porque se acontecer alguma coisa ou alguém querer me bater, abusar13 ou discutir comigo os outros me ajudam a defender” (ZANGADO, 14 anos)”. “Melhor em grupo porque sozinho não me sinto bem, é mais confiável com os amigos” (DACK, 13 anos). “Em grupo é melhor e me sinto mais seguro, um ajuda o outro” (NELO, 14 anos).
É importante salientar que, mesmo as crianças e adolescentes que afirmaram preferir andar sozinhos, têm consciência da importância do grupo. A preferência de andar sozinha se deve ao fato de encontrar no grupo pessoas que muitas vezes pretendem aproveitar-se dos outros e até às vezes é uma forma de defesa para não adquirirem o que eles consideram vícios da rua. Isso ficou claro nas observações durante os vários passeios que realizamos no período da pesquisa. Realmente são solidários uns com os outros, e um cuidava do outro com muito carinho como se fossem irmãos consanguíneos. Ninguém deixava o outro ser agredido por alguém fora do grupo e, se caso acontecesse, o restante entrava na briga. Os relatos de Souza e Vitor mostram claramente isso: “Em grupo é bom, porque te defendem quando aparecer alguém para te bater, mas prefiro andar sozinho por causa da ambição dos outros (SOUZA, 11 anos)”
“Em grupo me sinto seguro, mas prefiro andar sozinho, porque me sinto mais livre (VITOR, 12 anos)”.
13
Expressão utilizada em Angola para dizer “faltar ao respeito”, “gozar”, “fazer troça”.
36
6.10. 10º Enfoque: Saída da Rua Posteriormente questionamos as crianças e adolescentes se tinham interesse em sairem da rua (tabela 10). Tabela 10 - Saída da Rua das crianças e adolescentes do projeto
Interesse de sair da rua
Quantidade 42 (84%) 8 (16%) 50 (100%)
Sim Não Total Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
A tabela 10 indica que crianças e adolescentes que se encontram em situação de rua sabem que a rua é um espaço com vantagens, mas que também apresenta muitas desvantagens e perigos, por isso 84% deles afirmaram que gostariam de deixá-la e provavelmente regressar a um contexto familiar conscientes de que mesmo com os problemas encontrados, a família continua a ser o melhor lugar para se viver e crescer com dignidade.
O que temos observado nos últimos anos é que faltam políticas significativas que defendam e promovam, ao mesmo tempo, a instituição familiar, uma vez que a família é a pedra angular da estrutura social e cultural, lugar onde se constrói a cultura e se afirmam as crenças e os valores.
A família também é considerada a primeira e a maior agência de socialização, devido à profundidade e à duração da sua influência e pela participação e integração do sujeito na comunidade de parentes, ou seja, a partir da família, a criança constrói a realidade social e se organiza emocionalmente.
A família gera e transmite a estrutura básica dos valores éticos, principalmente, a maneira de vinculação social que sustenta o comunitário e os imaginários, enquanto sistema de representação da cultura composta de crenças, valores e sentimentos.
Muitos dos mesmos disseram que querem sair da rua porque pretendem ficar ao lado da família, outros afirmam que a rua não é lugar seguro, houve quem ainda dissesse que não está a ver o que faz na rua e que o sofrimento é muito, como podemos detetar dos depoimentos a seguir: 37
“Sim quero sair da rua, porque não estou a ver o que estou a fazer e também não aguento mais ficar na rua (ÂNGELO, 15 anos)”.
“Quero voltar na minha casa, porque aqui na rua não há vida melhor, não é lugar seguro para se viver, me sinto aflito e porque também sinto falta do carinho dos meus pais (VITOR, 12 anos)”. “Quero sair sim, porque quero estar ao lado da minha família”. (BENTO, 14 anos). “Quero sair da rua porque já não me sinto bem, estou cansado desta vida, ah! A rua também não é bom lugar para uma criança ficar. O lugar da criança é na família ao lado dos pais (DACK, 13 anos)”. “sim quero sair da rua e voltar na minha casa, porque acho que lá é o melhor lugar para mim. O melhor lugar e ao lado do pai e da mãe (AZARADO, 15 anos)”.
Mas, para que esta reintegração familiar das crianças e adolescentes em situação de rua seja frutífera, não basta trabalhar apenas a criança. É preciso fazer-se um trabalho integrado com a família, ajudando-a nas suas necessidades, pois muitas vezes não tem condições de abrigar a criança e o adolescente, ou seja, não é só a criança que precisa de ajuda, a família também. Como podemos perceber, o problema é mais profundo do que se imagina. Os depoimentos são a prova concreta segundo Rizzini, (2003, p.169), existe a tentativa e o desejo por parte da criança e do adolescente de reatar os laços familiares, mas os motivos expressos acima nomeadamente a autonomia financeira na rua que lhes permite o acesso ao dinheiro e aos demais bens impossíveis de serem obtidos no seio familiar, parecem dificultar essa aproximação. Mas isso não implica dizer que o aspeto financeiro seja o único fato de atracão para as ruas, entretanto não podemos menosprezá-lo”. Por isso, concordamos com a Rizzini, (2003, p.169), quando afirma que enquanto não se priorizar na agenda política nacional o desenvolvimento económico, social e humano que universalize possibilidades de vida digna para estas famílias, a situação destas e outras crianças dificilmente será modificada.
Ribeiro (2003) partilha da mesma visão ao afirmar que a solução do problema da criança e adolescente de rua depende, principalmente, da implementação de políticas públicas
38
que têm como foco a reestruturação das correlações de vida das famílias em situação de risco14. Aqui talvez esteja a chave da questão, o dado fundamental que pode servir de subsídio para as políticas e práticas destinadas a este segmento, uma vez que se demonstra que, apesar das múltiplas adversidades que essas crianças e suas famílias enfrentam, existem iniciativas que podem ser implementadas para garantir que os laços não sejam rompidos.
Para Rizzini (apud Samba, 2005, p, 196), capacitar as famílias e a comunidade no intuito destes poderem cuidar e proteger suas crianças e adolescentes, pois uma gama de apoios comunitários às famílias conduz à criação de vínculos de confiança mais sólidos nos espaços de moradia, possibilitando que as crianças permaneçam num ambiente em que se sintam seguras e protegidas. Ainda segundo a autora, é fundamental conceber o espaço da família como estratégico. Um espaço que precisa ser compreendido e fortalecido quando se busca uma ação efetiva dos direitos da criança e do adolescente. As crianças e adolescentes, a vida na rua são acompanhadas também de sonhos, ou seja, de olhos fixos para o futuro. Todos eles apontaram o estudo como um objetivo da sua vida, pois foram unânimes em afirmar que têm interesse em continuar a estudar, “mas a realidade de Angola provavelmente não vai permitir que a maioria destas crianças estude e tenha o futuro que sonham” Carlinda (apud Samba, 2005, p. 197 ), E as crianças também sabem e têm consciência de que não será fácil conseguir uma vaga devido à insuficiência de escolas, como bem afirmam. Muitos deles esperam no futuro saber ler, escrever por ser condição primordial para conseguirem um bom emprego.
6.11. 11º Enfoque: Escolha Profissional Neste contexto procuramos saber que profissões gostariam de ter estas crianças e adolescentes (tabela 11). Tabela 11 - Escolha Profissional das crianças e adolescentes do projeto. Profissões Desejadas
Quantidade
Mecânico
12
Médico/Enfermeiro
10
Engenheiro
6
14
A situação de risco significa que a criança integra uma parcela da população que é carente das condições básicas para se desenvolver como: educação, saúde, moradia e alimentação.
39
Jornalista
3
Pedreiro/desenhador
2
Professor
2
Alfaiate
1
Pintor
1
Marceneiro
2
Motorista
1
Serralheiro
1
Jogador
5
Balconista
1
Piloto
3
Total Fonte: Pesquisa feita pelo autor de 2012.
50
Quando questionados sobre o que gostariam de ser quando forem adultos, os pesquisados apontaram várias profissões que expressam a atracão por dinheiro. Isto mostra claramente que o fator financeiro representa um peso na ida deles para as ruas, tanto que, na justificativa das suas escolhas, quase todos afirmaram que com essa ou aquela profissão se ganha mais dinheiro. Mas as escolhas também, às vezes, estão fundamentadas por valores como a solidariedade, pois talvez queiram prevenir que outras pessoas não passem por situações vivenciadas por eles. Na sua maioria, sonham com um futuro promissor, em que poderão estudar, fazer algum curso e trabalhar. Analisando as escolhas das crianças e dos adolescentes, observamos que alguns deles optaram por profissões relacionadas com o lidar, curar, salvar pessoas (enfermeiros, médicos), talvez porque muitos deles têm visto pessoas a morrer por falta de assistência, como podemos constatar nas entrevistas. Curiosamente é a mesma conclusão que chegou a Organização Não-governamental Child Fund Angola (2008), num estudo realizado com as crianças e os adolescentes15. A escolha dessas profissões por parte das crianças que fizeram parte do estudo da organização talvez esteja relacionada ao fato de muitas terem observado ou visto, durante a guerra, pessoas (às vezes familiares diretos) a morrerem também por falta de assistência.
15
O estudo concluiu que estas crianças e adolescentes viveram diretamente o conflito, a guerra e estiveram expostas à morte, à violência, passaram por experiências dramáticas e viveram acontecimentos trágicos como a morte de seus pais ou outros familiares, testemunharam a destruição de casas ou aldeias, foram forçadas a deslocarem-se e viverem em condições muito difíceis (às vezes até desumanas), viveram realidades sociais anormais onde as normas e os princípios de conduta social eram completamente alterados.
40
Quanto aos nossos entrevistados, a maioria, escolheu duas profissões: mecânico e médico/enfermeiro. Mas outras também foram citadas e justificadas, confirmando a presença ambígua de valores capitalistas (o primeiro) e de solidariedade. Por outro lado, percebemos que as escolhas das profissões por parte das crianças e adolescentes estão relacionadas às questões de valorização da família, de vocação por um determinado trabalho ou atividade, de perceção do pai e da família como modelos a serem seguidos, bem como da consciência de que, mesmo a polícia sendo “inimigo”, em alguns casos, é uma profissão que combate os bandidos, conforme os depoimentos abaixo. “Quando for adulto quero ser mecânico para aprender muitas coisas, ganhar muito dinheiro e ajudar a minha família (TANAICE, 15 anos)”. “Eu quero ser médico para ajudar as pessoas que estão a sofrer no hospital (GEKELOI, 16 anos)”. “Quero ser jornalista para trabalhar na televisão (PAIZINHO, 14anos)”. “Quando for adulto quero ser pedreiro e alfaiate como o meu pai (GUNGA, 16 anos)”. “Quando for adulto quero ser polícia de intervenção rápida para levar os bandidos na DNIC (BENTO, 14 anos)”. “Eu quero ser motorista e mecânico para ganhar bom dinheiro (GUERRA, 11 anos)”. “Quero ser doutor ou enfermeiro para ajudar a minha mãe” (PAIZINHO, 14 anos) “Quero ser balconista para trabalhar no banco porque ganha-se muito dinheiro (NELO, 14 anos)”. “Eu quero ser mecânico e serralheiro ou trabalhar no gabinete porque consigo ter mais coisas e ganhar mais dinheiro (KABOQUITO, 16 anos)”. “Quero ser piloto e diretor do aeroporto para ganhar muito dinheiro (INOSCI, 13 anos)”. “Quero trabalhar no porto porque gosto de trabalhar no barco (AZARADO, 15 anos)”. “Gostaria de ser enfermeiro e professor para ajudar outras pessoas que estão no sofrimento (ZANGADO, 16 anos)”. “Quero ser jogador e mecânico porque são as coisas que gosto (AVOZINHO, 13 anos)”.
41
“Quero ser futebolista e pedreiro porque o meu pai é futebolista, gostava dele e me dava muitos conselhos (DACK, 13 anos)”.
7. PLANO DE INTERVENÇÃO E ESTRATÉGIAS FUTURAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO NA TENTATIVA DE MINIMIZAR O PROBLEMA
7.1 Estrategia futuras do Projeto A fim de contribuir para quebrar o ciclo de pobreza das crianças desfavorecidas e vulneráveis, a estratégia de intervenção será concentrar o foco no processo de inclusão de crianças no mercado de trabalho para uma melhor inserção social. Neste caso, considerando-se a formação como um meio para facilitar o processo e não um fim, deverá ser feito um forte investimento na criação de condições (meios e equipamentos) mais adequados para o centro, levando em conta que este deve gerar empregos, gerar renda e proporcionar oportunidades de estágio. A estratégia é estabelecer um centro de referência.
Sendo a Educação o órgão de tutela para as atividades relacionadas com as escolas, pretende-se estabelecer parceria com a Direção Provincial e as repartições da Educação, não só para a questão da cedência dos programas, mas também no apoio e acompanhamento didático-pedagógico dos professores.
Por outro lado, o projeto pretende, no quadro da Rede Provincial de Proteção à Criança, realizar trabalho de advocacia junto do Governo, no sentido de facilitar o registo das crianças não registadas das comunidades, como forma de melhorar o seu acesso à escolaridade.
A capacitação dos professores, a introdução das atividades de desenho e pintura durante o processo docente educativo, bem como o envolvimento das comissões de pais vão contribuir para melhorar e reforçar o processo de comunicação Criança-Padrinho.
Por último, para melhorar a qualidade de atendimento das crianças e adolescentes na área de educação, o presente projeto prevê a criação de 05 salas de aulas para cerca de 135 alunos repartidas em turmas com cerca de 27 Crianças/alunos de acordo com os níveis 42
académicos. Prevê ainda que, das 05 turmas, uma (01) será de alfabetização para os adolescentes/jovens que não tiveram oportunidade de aprender a ler e a escrever.
7.2 Atividades futuras do projeto 7.2.1 Atividade 1: Contacto com a direção do CACAJ Os encontros mantidos com diferentes áreas do CACAJ serviram para organizar os aspetos ligados com a autorização para trabalhar com as áreas que compõem o Centro e facilitar a recolha de informações sobre o tema em estudo. Trabalhamos com as áreas de coordenação pedagógica e social e realizamos entrevistas individuais com a administradora e com três professores/educadores do CACAJ. Usamos também a reportagem feita pelo Diretor do CACAJ no vídeo postado no Youtube. 7.2.2 Atividade 2: Organização das turmas por classes Aulas de ensino e aprendizagem educativas serão organizadas para crianças e jovens mais vulneráveis, seja as do centro como aquelas que são provenientes da rua e que chegam ao centro já quase na metade do ano. Essas aulas serão diárias e vão beneficiar uma média de 135 alunos. Juntaremos a 5ª e 6ª classe como uma turma, 7ª e 8ª outra turma, 1ª e 2ª faremos uma turma, bem como, 3ª e 4ª será outra turma. Por fim 1 turma para os alunos que nunca tiveram alternativas de estudar.
As turmas serão organizadas da seguinte forma:
As 5ª, 6ª, 7ª e 8ª classes, no período de manhã, porque os do período da tarde vão para escolas públicas;
As 1ª, 2ª, 3ª e 4ª classes, no período de tarde, porque estes têm aulas de manhã.
Turma da alfabetização.
O presente projeto propõe-se firmar parcerias com a repartição do distrito do KilambaKiaxi para garantir o ajuste dos programas à luz de novas metodologias experimentadas por organizações/associações cujos resultados da aprendizagem da leitura e escrita sejam mais eficazes. Para isso preveem-se também capacitações aos 2 alfabetizadores para se atualizarem em relação aos métodos. 43
As atividades serão ministradas num mínimo de quatro horas por dia, sendo: Duas horas para as aulas de reforço académico: as aulas serão de disciplinas complementares como matemática, língua portuguesa, geografia, estudo do meio e educação moral e cívica etc. Duas horas para atividades extra escolares, com reforço cultural, baseado em jogos, desenhos, futebol, teatro, dança e atividades internais (limpeza dos espaços, organização das camaratas, higiene pessoal e coletiva, etc.).
Essas aulas permitirão que todas as crianças, matriculadas ou não, tenham acesso a um reforço académico e a atividades extraescolares, que vão permitir-lhes desenvolver os seus conhecimentos e a sua criatividade, para reforçar a sua autoestima. 7.2.3 Atividade 3: Organizar a capacitação psicopedagógica dos professores/ educadores O projeto de reforço escolar vai começar com a capacitação psicopedagógica dos professores / educadores. Esta capacitação vai permitir ter um conhecimento sobre a elaboração de plano de aulas, aprendizagem sobre modelos de planificação e avaliação dos alunos, especificidades dos meninos e relação com o tipo de acompanhamento psicossocial. Essa formação vai durar 10 dias e será feita pelo técnico em pedagogia da educação e a psicóloga clínica.
As crianças e os adolescentes acolhidos no Centro têm histórias de vida complexas, sofreram regularmente traumas diversos e precisam de um apoio psicossocial adaptado a fim de poder gerir a sua história feita geralmente de período de vida na rua, de negligências, de violência intrafamiliar, de acusações de feiticeira, etc. 7.2.4 Atividade 4: Confirmação de matrículas dos alunos O centro não possui uma escola para o enquadramento das crianças no sistema de ensino, mas com o apoio do Ministério da Educação através das suas repartições municipais serão feitas solicitações de vagas para as matrículas dos alunos residentes no centro.
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7.2.5 Atividade 5: Realização de palestras com temas educativos para crianças/alunos As palestras servem como ferramentas para o acompanhamento psicopedagógico dos utentes do centro e todos irão participar em sessões planificadas que serão ministradas pelos educadores sociais, estagiários ou pessoas convidadas para o efeito. Os temas das palestras estão selecionados, tendo em conta as várias realidades sociais das crianças e adolescentes. Consideramos que são sempre importantes para a formação humana porque traduzem em parte algumas experiencias e que deverão permitir uma abertura de consciência e uma atitude positiva das crianças e adolescentes.
7.2.6 Atividade 6: Acompanhamento das crianças em atividades recreativas, culturais e desportivas. São atividades extra curriculares, que servem como elementos para a ocupação dos tempos livres e de reforço cultural das crianças a nível do centro. Estas atividades são realizadas tendo em conta um plano de ações com o acompanhamento dos educadores/professores. As crianças serão organizadas em grupos de alunos por turmas e de acordo com o tipo de atividade a ser realizada.
7.2.7 Atividade 7: Acompanhamento personalizado de alunos em várias escolas e contacto com os respetivos professores (Serviço Social Escolar). As crianças e jovens em situações de rua, por causa da rutura familiar, e devido os diversos traumas vividos antes ou na rua, da situação precária e da estigmatização, apresentam distúrbios de comportamento ligados ao processo de socialização. Esta atividade será feita pelos educadores e técnicos sociais, com o fim de interligar a ação da escola, família e centro para permitir a avaliação do empenho e aprendizagem da criança enquanto centro de todo nosso processo de inserção social.
7.2.8 Atividade 8: Acompanhamento psicossocial das crianças. Parte do trabalho da psicóloga clínica será dedicada ao projeto de reforço escolar. Assim, a psicóloga vai poder apoiar os professores/ educadores para a definição de atividades específicas e adaptadas ao perfil dos meninos, e para a compreensão das especificidades dos meninos e relação com o tipo de acompanhamento psicossocial necessário. Assim, a psicóloga vai acompanhar o dia a dia das equipas sociais que podem viver situações profissionais complexas, face a crianças e jovens com histórias de vida dolorosas e 45
traumatizantes. Ela irá participar na organização da formação desses professores/ educadores.
De forma paradoxal, as crianças precisam adaptar-se ao seu meio de vida. Eles geralmente recusam-se a deixar a rua, o seu território, o seu grupo, que são pontos de referência para enquanto segurança e identidade. As crianças e adolescentes em situação de rua precisam de ser apoiados, em primeiro lugar nos seus locais de vida, para retomar a autoconfiança em suas capacidades de sair da rua, e ser acompanhados, se for caso, para estruturas de apoio existentes. Confrontados com situações extremamente traumáticas, eles necessitam de apoio psicossocial adaptado.
7.2.9 Atividade 9: Inserção dos adolescentes na formação profissional. A formação profissional é um dos meios que garante a inserção social dos indivíduos através do trabalho, porque permite a sua autonomia financeira e consequentemente a capacidade de suprir as suas próprias necessidades. As atividades formativas ministradas nesta área incluem três etapas:
Nivelamento académico com as disciplinas de Língua portuguesa, Matemática, e Educação Moral e Cívica,
Formação teórica e prática simulada com obras feitas em miniatura,
Aptidão profissional (estágio), onde o formando testa as suas capacidades dos conteúdos teóricos e práticos que aprendeu durante o período de aprendizagem.
Os adolescentes com idades para aprenderem ofícios, são inseridos nos cursos básicos de eletricidade de baixa tensão, estofo de móveis e automóveis, marcenaria e carpintaria, informática, inglês, hardware e redes de computadores e, por último, preparatório para ingressos nas universidades.
O objetivo neste processo é de facilitar o processo de inclusão no mercado de trabalho (formal e informal) de 54% (66) do total de 122 beneficiários de idades entre 14-18 anos, a fim de ajudar a quebrar o ciclo da pobreza.
7.2.10 Atividade 10: Monitorização e Avaliação do projeto. A monitorização do Projeto será feita mensalmente através de um relatório que retrate o grau de cumprimento das atividades, tendo em conta os resultados definidos para cada
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fase. A execução do mesmo será da responsabilidade do Diretor do CACAJ e Coordenador do Projeto, com o apoio e supervisão do autor do projeto.
7.3 Beneficiários do projeto O projeto visa beneficiar diretamente cerca de: □ 135 Criança e adolescentes da área de intervenção; □ 6 Professores abrangidos pelo projeto; □ 27 Adolescentes a participarem nas aulas de alfabetização; □ 37 Internos inscritos na formação profissional; □ 122 Externos provenientes da comunidade e inscritos nos diferentes cursos.
Embora, de uma forma geral, se pretenda que as crianças e adolescentes beneficiem dos serviços escolares, especial atenção será dada às crianças deficientes, que nem sempre são encorajadas a estudar devido à distância que têm de percorrer e à falta de vagas. 7.4 Recursos humanos que serão envolvidos no projeto Nº 1. 2. 3.
Designação Coordenador do projeto Educadores/Professores Formadores
Nº de beneficiários 1 6 2
7.5 Orçamento do projeto Designação Formação Psicopedagogica
Quant 3 5 1 1
Material didático Material escolar Material de escritório Computador Impressora Total:
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P. Unit 300,00 600,00 7.000,00 3.400,00 800,00 300,00
Total em Usd 600,00 3.000,00 7.000,00 3.400,00 800,00 300,00 15.000,00
7.6 Fases de implementação O Projeto terá uma duração de 15 meses devendo ser definidas ações e resultados concretos para cada semestre, a partir de janeiro de 2013 a abril de 2014. As atividades estão distribuídas nos 15 meses de vigência do Projeto.
7.7 Sustentabilidade A sustentabilidade do projeto será alcançada através do envolvimento de todos os atores intervenientes no processo, desde os membros e dirigentes da comunidade, órgãos do Governo afetos e parceiros em geral, com os níveis de responsabilização bem definidos. O envolvimento de instituições do Estado e locais da área de intervenção permitirá assegurar a plena implementação do projeto em todos os períodos propostos.
O ponto forte do projeto será a criação de condições aceitáveis de ensino aprendizagem para as crianças e adolescentes de rua, capacitação de Educadores/professores e estabelecimento de acordos a vários níveis a fim de contribuir para uma melhoria das condições e acesso das crianças ao ensino.
Com o investimento feito nas infraestruturas, o acesso de mais crianças adolescentes e adultos ao ensino será a garantia de que, no futuro, o índice de analfabetismo será minimizado, uma vez que as famílias através das comissões de pais e líderes familiares serão incentivadas a investir cada vez mais na educação dos seus filhos.
7.8 Principais parceiros Em termos gerais o projeto prevê contar com os seguintes parceiros:
Administrações locais,
Comunidades locais
Igrejas locais.
Em termos específicos o projeto prevê contar com os seguintes parceiros: a) Direção Provincial da Educação: A Educação é o órgão de tutela para as atividades relacionadas com as escolas. Vão ser envolvidos em todas as fases do projeto na questão
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das construções, na cedência dos programas, apoio e acompanhamento didático pedagógico dos professores. b) Repartições distritais da Educação: São uma referência na capacitação de professores. Já existe uma relação de trabalho do passado que vai permitir um estabelecimento de parceria.
8. PLANO DE MONITORIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DE IMPACTO DA MEDIDA
Resultados
Indicadores
Meios de verificação
122 (90%) das 135 crianças/alunos matriculados nas escolas públicas e a frequentarem aulas de reforço academicos no centro
122 Crianças matriculadas nas escolas das comunidades do Palanca e Cazenga.
Crianças mais preparadas e melhor acompanhadas
10% de crianças fora do sistema escolar, beneficiários de ocupação escolar no centro
90% De aproveitamento escolar dos alunos
Hipóteses e Riscos
Fichas de matrícula escolar Registo interno das crianças Pauta do fim do ano escolar
Mapa de controlo de
Parcerias com as escolas Falta de RH qualificados na área da educação Falta de vagas nas escolas
frequências diárias Melhorada a qualidade de atendimento na educação
23% (37) dos adolescentes de 14-20 anos, residentes no Cacaj formados
90%º de crianças que conseguiram enquadramento no sistema normal de ensino nas escolas públicas
37 Número de inscrições feitas durante os dois ciclos de formação profissional no Cacaj
Escolas distantes do centro Formulário de acompanhamento dos serviços educativos
Listas Fotografias
98% (120) do total de 122 adolescentes e Jovens de 14-20 anos, residentes nos bairros do Palanca, Golfe e Grafanil, Cazenga, formados profissionalmente
122 Formandos adolescentes e jovens a frequentarem os diferentes cursos básicos no Cacaj
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Certificados dos aprovados Mapas e grelhas de avaliações
Encaminhamento das listas nos centros de emprego Falta de oportunidade de emprego Falta de empréstimo (crédito) bancário para criação de auto emprego
8.1 Cronograma de atividades do projeto
Contacto com a direção do Cacaj Organização de turmas por classes Confirmação de matrículas dos alunos Organização de seminários de refrescamento psicopedagógico para os educadores/professores Realização de palestras com temas educativos para crianças/alunos Acompanhamento das crianças em atividades recreativas, culturais e desportivas Acompanhamento personalizado de alunos em varias escolas e contacto com os respetivos professores (Serviço Social Escolar) Mediação de pequenos conflitos entre as crianças por via do diálogo Acompanhamento psicossocial das crianças com a psicóloga
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Março
Fevereiro
Janeiro
Dezembro
Novembro
Outubro
Setembro
Ano de 2014
Agosto
Julho
Junho
Maio
Abril
Março
Fevereiro
Ano de 2013
Janeiro
Atividades
Inserção dos adolescentes na formação profissional
Monitoria e avaliação do projeto
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9. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista refletir sobre as perspetivas de vida das crianças e adolescentes do CACAJ finalizamos apontando as principais causas identificadas nesta pesquisa, bem como a capacidade das crianças e adolescentes em enfrentar as dificuldades mostrando o seu potencial de resiliência. É importante ressaltar que apesar da pesquisa mostrar os maus-tratos sofridos no ambiente familiar, como fator que leva as crianças e adolescentes para o mundo da rua, não ignoramos que a causa é estrutural e assenta, fundamentalmente, na guerra civil que, entre várias consequências, empobreceu e desestruturou a maioria das famílias colocando-as em situação de vulnerabilidade, sem as mínimas condições de subsistência para enfrentar os conflitos perversos da globalização e do neoliberalismo.
Entre os vários aspetos que ajudam as crianças a proteger-se das adversidades, estão a maternagem16 competente, que corresponde às necessidades únicas da criança, oferecendo modelos de comportamento e dando oportunidades para desenvolver a criatividade e a expressividade mantendo assim bons relacionamentos sociais formais e informais.
Contudo, escola, família e comunidade são consideradas núcleos fundamentais na promoção de indivíduos resilientes, promovendo a autoestima, a criatividade, a alegria, a iniciativa para a resolução de problemas, a afetividade, o atendimento das necessidades básicas, bem como estabelecimento de redes informais de apoio. Por isso, nas famílias deve-se tomar cuidado em não tornar comuns certos hábitos como repressões exageradas para com as crianças como, por exemplo, as agressões físicas e verbais, pois crianças vitimizadas tendem a se tornar vitimizadoras. Porém, sendo esta criança resiliente ela tenderá a não reproduzir o ciclo de violência e na sua vida adulta não será vitimizadora.
Na atualidade o estudo da resiliência surge como uma das temáticas com maior importância na relação social. Contudo, é necessário criar um clima saudável em todos os segmentos relevantes, como a escola, família e comunidade para que se promova uma melhor qualidade de vida para todos. 16
Segundo o Dicionário Aurélio trata-se da relação calorosa e amiga da criança com a mãe ou com aquela que a substitui.
52
Na educação, a resiliência, como capacidade de resistir e crescer na adversidade, é vista não como um dom inato, uma característica rara de pessoas especiais, mas como alguma coisa que pode ser ensinada e aprendida. A resiliência, mais que um dom especial, uma característica única e intransferível de certas pessoas é um somatório de um conjunto de qualidades não-excecionais da estrutura interna de cada pessoa.
Com a criação de espaços adequados para aulas de reforço académico e apetrechamento da biblioteca interna, aquisição de equipamento e material escolar, realização de atividades socioculturais, bem como melhoramento das competências pedagógicas para os educadores/professores, pensamos que, vai contribuir, de forma progressiva, para baixar os níveis de abandono e insucesso escolar, aumentar a autoestima das crianças e das suas famílias, diminuir a incidência das crianças na rua, reduzir os comportamentos desviantes e consequentemente integrar estas crianças e adolescentes no processo educativo, para a uma inclusão social.
Consideramos também que no CACAJ se devem criar mecanismos que facilitem a readaptação das crianças em todo processo educativo. Por outro lado, estimular as iniciativas das famílias no reforço das competências. Reforçar a parceria com o governo através das políticas sociais viradas para a formação, no reforço das competências institucionais, capacitação técnicas dos quadros sociais competentes para supervisionar o serviço social desenvolvido pelos centros sociais.
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10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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55
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11. APÊNDICES
Apêndice 1 – Questões que orientaram a nossa entrevista
QUESTÕES DA ENTREVISTA IDENTIDADE Pseudónimo: __________________________________________________ Sexo:
( )M
( )F
1. Idade: ________________________________________________________ 2. Escolaridade:__________________________________________________ Para ti é importante estudar: sim ( ) não ( ) Porque?____________________ Bairro________________________________________________________ 3. Naturalidade/Local de origem:_____________________________________ 4. Quantas vezes mudou de lugar de morar ________ Porque?____________ _______________________________________________________________ Seu estado de saúde: bom ( ) ruim ( ) regular ( ) Que doenças tem ou já teve: _________________________________________________________
RELACIONAMENTO FAMILIAR 5. Com quem mora ou morava antes de viver na rua: pais ( ) Pai ( ) mãe ( ) avós ( ) tios ( ) irmãos ( ) primos ( ) parentes ( ) outros_____________ 6. Onde se sente “bem”: ( ) na casa dos pais ( ) de outros familiares? ( ) de pessoas conhecidas ou pais de amigos? 7. Onde prefere ficar: com seus pais ( ) com a família ( ) na rua ( ) numa instituição ( ) ser adotado ( ) morar com amigos ( ) Outros________ Porque?________________________________________________________
VIDA NA RUA 8. Quais os motivos que o levaram a ir na rua: órfão ( ) uso de drogas ( ) Problemas de relacionamento familiar ( ) maus tratos ( ) abandono dos pais ( ) situação de pobreza ( ) outros_____________________________________ 58
9. Há quanto tempo está na rua:____________________________________ _______________________________________________________________ Você gosta de ficar em grupo ou prefere ficar sozinho? ( ) sim
( ) não
10. Gostaria de sair da rua? sim ( ) não( ) em termo ( ) O que é preciso? _______________________________________________________________
PERSPETIVAS 11. Que trabalho gostaria de ter quando adulto?_________________________ _______________________________________________________________
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Apêndice 2 – Pedido de Autorização para pesquisa
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Apêndice 3 – Formulário de Monitoria dos Serviços Educativos
Formulário de Acompanhamento dos Serviços Educativos 1. Código: ____________ (A ser preenchido pelo Sector Social)
2. Nome da Criança: ______________________________________________ 3. Nº de Camarata: _______________ Lado A_____ B_____ 4. Nome do Educador _____________________________________________ 5. Classe de Explicação_________________ Sala nº_____________________ 6. Pontos de Referência no Refeitório: _______Fila nº _________Mesa________ 7. Nome do Grupo ou Família ________________________________________
8. Quais os serviços do Cacaj a que a criança tem acesso? (Marcar com X)
Cozinha Refeitório Limpeza do Pátio Lavandaria Zona de Contentores Loiça Informática Inglês Estofo Elementar Pintura e Arte Cyber Café FAO
□ □ □ □ □ □ □ □ □ □ □ □ □
9. Dados da Escola em que a criança Frequenta: Nome da Escola
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Nome do Director da Turma___________________________________ Nº de Telemóvel__________________________________ 10. Quais foram as notas da criança em: (Registar a nota alcançada pela criança na coluna de Notas) Avaliação Trimestral na Escola
Matéria Língua Portuguesa Matemática Estudo do Meio Geografia História Ciências da Natureza: Educação Visual e Plástica Educação Moral e Cívica Educação Física Outra
Nota
11. Tendo em conta, a assiduidade, a pontualidade e a participação e resolução de tarefas solicitadas aos alunos, classifique a prestação do aluno em: (Marque com x)
1. Boa 2. Regular 3. Má
□ □ □
12. Pergunta dirigida ao Educador ou responsável do Sector: 1. Durante o mês pensas que a criança fez: (Marque com x)
a. Mais trabalho b. Manteve o volume de trabalho c. Baixou o volume de trabalho d. Não Trabalhou
□ □ □ □
2. Como obteve está informação? (Marque com x)
a.
Entrevistei a criança
b.
Observei nos seus locais habituais
c.
Entrevistei outra criança
d. Entrevistei o Chefe do Grupo
□ □ □ □
Preenchido por: ______________________________________________; Função: _________________________, Local: ___________________________, Aos _____ de ________________________ de 20_____
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Apêndice 4 – Mapa de acompanhamento das Crianças na Explicação MAPA DE ACOMPANHAMENTO DA CRIANÇA NA SALA DE AULA Nome do Educador. N.º por NOME COMPLETO Ordem
CONTROLO DE FREQUENCIA SEMANAL 2ª F 3ªF 4ªF 5ªF 6ªF Escola S T Q Q S
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 OBSERVAÇÃO:
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Apendice 5 – Imagens Ilustrativas das Actividades do CACAJ
Crianças e adolescentes em actividade cultural no Cacaj
Educadores/Professores do Cacaj
Sala de Informática no Cacaj
Adolescentes em Palestra no Cacaj
Crianças na Sala de reforço académico no Cacaj
Adolescentes no Curso de Electricidade no Cacaj 64
12. ANEXOS Anexo 1 – Diário da República, III Série – nº 229 de 29 de Novembro de 2011
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