Direito Ambiental e sua atual problemática

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Direito ambiental e sua atual problemรกtica


Universidade Federal Fluminense REITOR Sidney Luiz de Matos Mello VICE-REITOR Antonio Claudio Lucas da Nóbrega

Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense CONSELHO EDITORIAL Aníbal Francisco Alves Bragança (presidente) Antônio Amaral Serra Carlos Walter Porto-Gonçalves Charles Freitas Pessanha Guilherme Pereira das Neves João Luiz Vieira Laura Cavalcante Padilha Luiz de Gonzaga Gawryszewski Marlice Nazareth Soares de Azevedo Nanci Gonçalves da Nóbrega Roberto Kant de Lima Túlio Batista Franco DIRETOR Aníbal Francisco Alves Bragança



Copyright © 2016 David Augusto Fernandes Copyright © 2016 Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense

Série Nova Biblioteca, 28

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Sumário A efetivação dos direitos ambientais, 7 A ética através dos tempos, 7 Cidadania, 9 Origens do direito ambiental no Brasil, 12

O direito ambiental, a Amazônia Azul e a Convenção de Montego Bay, 19 Amazônia Azul, 21 Convenção de Montego Bay e o direito ambiental, 25

O crime ambiental e o efeito do necrochorume, 31 Histórico, 32 Cemitérios e seus contaminantes, 34 Estudos em outros países, 38 O que é um cemitério sustentável, 39 Legislação específica sobre o tema, 40 Licenciamento ambiental, 41 Crime ambiental, 43

Ouro Azul: aquíferos e a poluição ambiental, 49 Preâmbulo, 50 Aquíferos, 52 Funções dos aquíferos, 54 Principais aquíferos no Brasil, 55 Aquífero Guarani, 55 Aquífero Alter do Chão, 56 Aquífero Hamza, 57 Aquífero Karst, 57 Contaminação dos aquíferos, 58 Titularidade sobre as águas, 60 A penalização por poluir o ambiente aquoso, 67 Crimes ambientais, 72


Resíduos sólidos: a logística reversa e o crime ambiental, 77 Preâmbulo histórico, 78 Estatística interna, 84 Política pública no tratamento de resíduos sólidos: Alemanha, União Europeia, Estados Unidos e Japão, 89 Alemanha, 91 União Europeia, 95 Estados Unidos, 105 Japão, 108 Lei de Resíduos Sólidos, 110 Análise da política nacional de resíduos sólidos, instituída pela Lei n. 12.305/2010, 110 Crimes ambientais, 118

Considerações finais, 125 Referências, 129


A efetivação dos direitos ambientais

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ste capítulo apresenta os fatores que caracterizam o desencadeamento do estado social do indivíduo, mediante os quais se focalizam preliminarmente os aspectos éticos no ambiente social, evoluindo, a seguir, para a formatação do conceito de cidadão e de cidadania, para, então, estender o entendimento para o enfoque do meio ambiente que o circunda. No primeiro momento são discutidos os conceitos que proporcionam o entendimento da ética, sua evolução no transcurso dos anos e sua aplicação nas diversas sociedades. Em seguida, a abordagem se ocupa da formação do conceito de cidadania, desde os primórdios do Estado grego e romano até os dias atuais. Por derradeiro, enfoca-se o conceito de meio ambiente, para despertar no cidadão o entendimento de que sua conscientização é primordial para firmar posição na proteção do planeta.

A ética através dos tempos São vários os conceitos pelos quais os pensadores têm procurado explicar a ética, especialmente quando esta se refere à sua abordagem genérica tradicional, ao tratar dos costumes ou dos atos humanos. Nesse caso, seu objeto é a moralidade, entendendo-se por moralidade a caracterização desses atos como bem ou mal, conforme salientado por Vázquez (1986, p. 186). Já para Buss (2014), “a ética representa um conjunto de decisões sobre os valores chamados a orientar e a guiar as relações individuais e, sobretudo, as relações sociais [...] frente a um leque de possibilidades e de fenômenos reais”. Portanto, a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens, porém, ela não se confunde com a moral, pois a moral nada mais é do que a regulação dos valores, por meio de normas aplicadas e consideradas legítimas por determinada sociedade, um povo, uma religião, costumes, certa tradição cultural, durante certo período de tempo. Vázquez, com propriedade, afirma que as doutrinas éticas surgem e sofrem transformações no decorrer dos tempos, influenciadas pela sociedade, em função de seu desenvolvimento. Nessa linha, verifica-se que 7


a ética social se regula pelo desenvolvimento social, sendo considerada como uma história natural dos costumes, pois, em cada período da História, a visão dos critérios morais vai se transformando. Percebe-se que a consciência social se modifica para se adequar à nova realidade, podendo migrar do bem para o mal (Vásquez, 1986, p. 186). Ao se fazer um recorte histórico, são observadas pelo menos três grandes escolas abordando a ética. A primeira teoria ética mais expressiva refere-se aos escritos do filósofo Aristóteles (384-322 a.C.) que definiu sua teoria como “ciência das virtudes”. O ideal de Aristóteles é o do homem virtuoso, significando a virtude uma força, um vigor, uma excelência relacionada aos valores práticos e intelectuais da existência. O mais virtuoso seria o mais capaz de se realizar como homem, atingindo, assim, a felicidade (Morris, 2002, p. 6). A segunda teoria ética da tradição é a corrente anglo-saxônica denominada por utilitarismo. Seu idealizador foi o filósofo Jeremy Bentham (1748-1832), autor do Princípio da moral e da legislação, que formulou a regra que caracteriza a corrente: “A máxima felicidade possível ao maior número possível de pessoas”. Sua ética é baseada no fugir à dor e buscar o prazer: a felicidade está no prazer, um bem a ser buscado, devendo-se evitar a dor, ou seja, o mal. Representa certo retorno às teses epicuristas, principalmente à do hedonismo. Tal formulação ética é útil e prática, tem a vantagem de não perder tempo em especulações que acabam atrapalhando o agir humano (Morris, 2002, p. 261). A terceira teoria ética é a kantiana, centrada na noção de “dever”. Partindo das ideias da vontade e do dever, reflete sobre a felicidade e a virtude. Para Kant, o imperativo categórico é: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. Com tal assertiva, Kant legou um critério para o agir moral, remontando o segredo de sua ética a agir de maneira universal, ou seja, com critério (Morris, 2002, p. 235). No mundo romano, as relações entre os homens eram conceituadas como viver honestamente, não lesar o outro, enfim, dar a cada indivíduo o que é seu. Critérios éticos que justificavam suas ações. Logo, observa-se que o valor ético permeia o desenvolvimento social desde os tempos remotos, a partir de quando toda abordagem social é considerada circunstancial à ética, sendo esta tratada, por vezes, para fundamentar decisões ou se proteger por trás dela.

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A partir do século XVII, verifica-se que a ética ganha ainda maior relevância, quando, eclodem diversas revoluções que mudam sistemas de governo e recriam a noção de Estado, ao provocar uma modificação dos valores éticos para fundamentar as decisões sociopolíticas. Essas novas conceituações acabam por afetar a nova visão de cidadania e do Direito. Os valores éticos então cultivados eram os da liberdade, fundamentadora dos atos executados, tanto na Independência americana como na Revolução Francesa, buscando-se o direito à propriedade, à segurança, à igualdade, alicerçado no fato de serem todos os indivíduos possuidores de razão e vontade livre, direito que deve ser aplicado de forma ética e equitativa. Tais pensamentos foram o foco da burguesia, àquela época, que buscava um Estado laico, como o consagrado pela Revolução Francesa, com predomínio até hoje nas sociedades mais avançadas (Buss, 2014). Não deve ser deixada de lado a observação sobre o fato de que os critérios éticos não podem fundamentar atitudes e decisões criminosas, como ocorreu durante o governo de Hitler, quando todos os atos, inclusive os de extermínio, estavam ancorados em leis criadas pelo Estado alemão, mas nem por isso eram éticas.

Cidadania A palavra cidadania é oriunda do latim civitas, cujo significado é cidade. Tal palavra foi utilizada na Roma Antiga para indicar um contexto político e os direitos que uma pessoa possuía ou tinha a faculdade de exercê-los. Dallari afirma o seguinte: A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social. (Dallari, 1998, p. 14)

Constata-se que a cidadania, no mundo grego e romano, era permitida a poucos, sendo que os demais estavam alijados da convivência social, não tendo qualquer influência nas decisões e participações do dia a dia daquele momento político, pois os direitos políticos davam apenas aos cidadãos de elite a possibilidade de intervir nos negócios da Grécia Antiga ou na Roma Antiga. 9


No século XIV, o Código de Magnus Erikson, celebrado na Suécia, em 1350, estabelecia que o governante deveria jurar o seguinte: Ser leal e justo com seus cidadãos, de modo que não proíba nenhum, pobre ou rico, de sua vida ou de sua integridade corporal sem processo judicial em devida forma, como o regido no direito e a justiça do país, e que tampouco ninguém proíba de seus bens senão em acordo com o direito e mediante processo legal (Fernandes, 2006, p. 10).

Esse relato revela que a evolução dos direitos individuais assegurados ao cidadão foi lentamente forjada no transcurso dos séculos até alcançar um patamar visível e mínimo que eclodiu em 26 de agosto de 1789 com a Revolução Francesa. O dispositivo passou a ser estendido a todos, com a conhecida Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento que deu ênfase à valoração do ser humano individual, portador de vontade livre, forjando também a noção de cidadão e dos direitos a estes assegurados que, posteriormente, vieram figurar em várias constituições, inclusive a brasileira. Com o término da Segunda Guerra Mundial, as preocupações com os direitos humanos ficaram latentes, levando à elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948. Nesse documento foram introduzidos vários e novos valores éticos, traduzidos pelos direitos de reunião e associação, de governar, eleger e ser eleito, de previdência social, de trabalho, de condições justas e favoráveis de trabalho, de proteção contra o desemprego, de remuneração justa e satisfatória, de organização de sindicatos, de repouso, lazer, férias remuneradas e limite razoável das horas de trabalho, além dos direitos à saúde, instrução, bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e aos benefícios do progresso científico, entre outros. Tais valores se encontram consignados no corpo da Constituição de 1988, em seu artigo 5º (Buss, 2014). Mediante a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Assembleia-Geral das Nações Unidas tem o objetivo de apresentar o homem como um ser livre, liberto de constrangimentos e temores, capacitado a cumprir uma visão social sem as peias de interferências alheias abusivas que tolhem o pensamento e subjugam vontades. A Declaração dá realce aos direitos fundamentais, na demonstração da dignidade dos direitos do homem e da mulher, com o fim de criar um clima de paz, harmonia e colaboração não só nos lares como em todos os ambientes da interação humana, ficando patente e materializado no artigo primeiro o dogma de 10


que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos (Fernandes, 2006, p. 11). Com o passar dos anos, o homem abstrato e individual das primeiras declarações de direitos é substituído pelo homem concreto, imerso nas contradições sociais. A liberdade sai da dimensão de essência ou dádiva, para ser conquista diuturna. A cidadania é estendida a todos, e a democracia, muito mais que um jogo de pesos e contrapesos formais, passa a ser um direito inalienável do ser humano, que a cria e inventa, a cada passo da História. O ser humano, pela nova Declaração, passa a ser sujeito da História (Aguiar, 2014). Rawls afirma [...] que a natureza social da espécie humana é demonstrada da melhor forma quando a contrapomos com a concepção da sociedade privada. Com efeito, os seres humanos partilham os seus objetivos finais e consideram as suas instituições comuns e atividades como sendo um bem em si mesmas. Precisamos uns dos outros como associados que se empenham em formas de vida que possuem um valor próprio, e os sucessos e alegrias dos outros são necessários para o nosso próprio bem, sendo dele complementares. (Rawls, 2002, p. 396)

E o mesmo autor complementa seu pensamento com a seguinte afirmação: Podendo ser afirmado que, com base na comunidade social, baseado nas necessidades e potencialidades dos seus membros, que cada pessoa pode se beneficiar da realização da totalidade das qualidades naturais dos outros. Chegamos assim à ideia de que a espécie humana forma uma comunidade cujos membros gozam de qualidades e da personalidade uns dos outros, de acordo com o que é tornado possível por instituições livres, e reconhece o bem de cada um como elemento de uma atividade, cujo sistema de conjunto merece o consentimento e dá prazer a todos. Esta comunidade pode também ser imaginada como duradoura, pelo que, na história de uma sociedade, as contribuições conjuntas das sucessivas gerações podem ser concebidas de forma semelhante. (Rawls, 2002, p. 396)

Com essa consciência, o indivíduo se integra na comunidade como um cidadão participante do desenvolvimento social, de forma proativa, de maneira que o crescimento pessoal leva ao crescimento social. O autor continua, afirmando

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[...] que, do ponto de vista da justiça como equidade, um dever natural fundamental é o dever da justiça. Esse dever exige nosso apoio e obediência às instituições que existem e nos concernem. Ele também nos obriga a promover organizações justas ainda não estabelecidas, pelo menos quando isso pode ser feito sem nos sacrificar demais. Assim, se a estrutura básica da sociedade é justa, ou justa como é razoável esperar que seja natural de fazer a sua parte no esquema existente (Rawls, 2002, p. 123).

Na atualidade, o exercício da cidadania é fundamental para ser alcançada a justiça almejada pela comunidade social, funcionando a ética como alicerce para os demais objetivos a serem alcançados. Conforme salientado por Ackerman, o interesse social válido não se restringe ao interesse individual, mas é, sim, delineado pelo conceito de cidadania, pois mais tarde se precisará proteger a própria intimidade, apelando para que outros indivíduos olhem para o bem de todos (Ackerman, 2006, p. 433). Outro ponto a ser observado é que esse exercício da cidadania está vinculado a uma ideia política e à sua aplicabilidade, quando as prioridades de um governo podem alavancar determinados aspectos em detrimento de outros. Conforme salientado por Benevides: [...] os direitos de cidadania não são direitos universais, são direitos específicos dos membros de um determinado Estado, de uma determinada ordem jurídico-política. No entanto, em muitos casos, os direitos do cidadão coincidem com os direitos humanos, que são os mais amplos e abrangentes. Em sociedades democráticas é, geralmente, o que ocorre e, em nenhuma hipótese, direitos ou deveres do cidadão podem ser invocados para justificar violação de direitos humanos fundamentais (Benevides, 2004).

O encontro da consciência social pelo cidadão faz refletir o que se passa ao seu redor, descobrindo, assim, o meio ambiente, sua importância e a necessidade de preservá-lo. Mas isto demanda tempo, e ainda demandará mais alguns anos para que a consciência social esteja amadurecida, fato que será abordado em seguida.

Origens do direito ambiental no Brasil Segundo Juraci Perez Magalhães, a preocupação com o meio ambiente já existia desde o Brasil Colônia, quando a instituição do governo geral, em 1548, aplicava a legislação do reino, mediante as Ordenações 12


manuelinas, cujo livro V, no título LXXXIII, proibia a caça de perdizes, lebres e coelhos e, no título “C”, tipificava o corte de árvores frutíferas como crime. Após 1548, o governo geral passou a expedir regimentos, ordenações, alvarás e outros instrumentos legais, o que marcaria o nascimento do atual direito ambiental. Com o domínio espanhol, foram aprovadas as Ordenações filipinas, em 11 de janeiro de 1603, que disciplinaram a matéria ambiental no livro I, título LVIII; livro II, título LIX; livro IV, título XXXIII; livro V, títulos LXXV e LXXVIII (Magalhães, 1998, p. 26 e 27). O autor prossegue, afirmando que a primeira lei de proteção florestal teria sido o Regimento do Pau-Brasil, em 1605, quando era exigida autorização real para o corte dessa árvore. Uma Carta Régia, de 13 de março de 1797, preocupava-se com a defesa da fauna, das águas e dos solos. Em 1799, surgiu o primeiro Regimento de Cortes de Madeiras, que estabelecia rigorosas regras para a derrubada de árvores (Magalhães, 1998, p. 26 e 27). Já no início do século XIX, em 1802, por recomendação de José Bonifácio, foram baixadas as primeiras instruções para reflorestar a costa brasileira. Em 1808, foi criado o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, como uma área de preservação ambiental, considerada a primeira unidade de conservação destinada a preservar espécies e estimular estudos científicos. D. João VI expediu a Ordem de 9 de abril de 1809, que prometia liberdade aos escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil, e o Decreto de 3 de agosto de 1817, que proibia o corte de árvores nas áreas circundantes do rio Carioca, no Rio de Janeiro. José Bonifácio, ao ser nomeado Intendente-Geral das Minas e Metais do Reino, solicitou à Corte o reflorestamento das costas brasileiras, sendo prontamente atendido (Magalhães, 1998, p. 26 e 27). Por atuação de José Bonifácio, em 17 de julho de 1822, o imperador extinguiu o sistema de sesmarias, deixando de prevalecer o prestígio dos títulos de propriedade em favor da posse e ocupação das terras. A vantagem do sistema, ao democratizar o acesso da terra para quantos pretendiam explorá-la, foi diminuída pela desvantagem: o posseiro se utilizava do fogo para limpar a área e preparar a terra, destruindo os recursos naturais. A situação permaneceu até 1850, com o advento da Lei n. 601, de 18 de setembro, a primeira Lei de Terras do Brasil, que considerava crime punível com prisão, de dois a seis meses, e multa, a derrubada de matos ou a colocação de fogo. Além disso, também estabeleceu a responsabi-

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lidade por dano ambiental fora do âmbito da legislação civil. O infrator submetia-se, além das sanções penais, a sanções civis e administrativas. Para a legitimação da posse, exigia-se “princípio de cultura”, não se considerando que os simples roçados eram derrubados ou queimas de matos ou campos (Magalhães, 1998, p. 30). Conforme José de Castro Meira (2008), no início do Brasil República, em 1895, o Brasil subscreveu o Convênio das Egretes, em Paris, responsável pela preservação de milhares de garças que povoavam rios e lagos da Amazônia. Pelo Decreto n. 8.843, de 26 de junho de 1911, foi criada a primeira reserva florestal do Brasil, no antigo território do Acre. Em 28 de dezembro de 1921, foi criado o Serviço Florestal do Brasil, sucedido pelo Departamento de Recursos Naturais Renováveis, este pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e, atualmente, pelo Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No que toca à defesa ambiental, surgiram os primeiros códigos de proteção dos recursos naturais – florestal, de mineração, de águas, de pesca, de proteção à fauna. O Código Florestal, de 1934, impôs limites ao exercício do direito de propriedade. Até então os únicos limites eram os constantes no Código Civil, quanto ao direito de vizinhança. A elaboração do I Plano Nacional de Desenvolvimento, aprovado pela Lei n. 5.727, de 4 de novembro de 1971, incluiu entre as suas inovações o Programa de Integração Nacional (PIN) e o Programa de Redistribuição de Terras e Estímulos à Agropecuária do Norte e do Nordeste (Proterra), experiências que se mostraram negativas do ponto de vista preservacionista. A má repercussão levou o governo a uma revisão de conceitos na elaboração do II Plano Nacional de Desenvolvimento, aprovado pela Lei n. 6.151, de 4 de dezembro de 1974, adotando medidas de proteção do meio ambiente (Planalto, 2014). Seguiram-se, então, diversas leis e medidas: combate à erosão, o Plano Nacional de Conservação do Solo, a criação das estações ecológicas e áreas de proteção ambiental, o estabelecimento de diretrizes para o zoneamento industrial, a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente. Veio, em seguida, o III Plano Nacional de Desenvolvimento, aprovado pela Resolução nº 1, de 5 de dezembro de 1979, do Congresso Nacional, que trouxe avanços ainda maiores para o direito ambiental, entre os quais, a criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) (Magalhães, 1998, p. 30).

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As iniciativas que levaram à elaboração dos diversos dispositivos mencionados foram dos dirigentes do Brasil, no decorrer dos séculos. Mas já na segunda metade do século XX, constata-se a conscientização da população, havendo a formação de um conceito de cidadania, na qual o ser humano passa a ter novas posições a respeito do ambiente, da relação entre os seres vivos e com a natureza. Portanto, o direito ambiental surge diretamente relacionado com novos paradigmas, de cidadania plena, do direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, à ampliação dos direitos humanos, levando a um aumento na qualidade de vida. A ciência jurídica passa a ser um instrumento indispensável para a adequação dessa nova proposta que tem por objeto a construção de um ambiente ecologicamente equilibrado. Difere-se das proteções jurídicas esparsas, contempladas em legislações anteriores, como resposta à ampliação dos direitos humanos: Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, essa proteção legal é fruto das pressões externas, feitas por outros países ou entidades internacionais obedecendo ao seguinte percurso: inicialmente imposição dos países desenvolvidos ou modismos de alguns setores sociais; em seguida como uma das vertentes da crítica mais geral ao “Direito Tradicional”, e finalmente, como necessidade real, reconhecida nos meios acadêmicos, sociais e jurídicos vigentes (Varela, 1998, p. 52).

A consolidação do direito ambiental (Albergaria, 2010, p. 16; Figueiredo, 2011, p. 142)1 carece de uma permanente compreensão da necessidade de entendimento da cidadania como um conjunto amplo de 1

Conforme Albergaria (2010), o direito ambiental é um ramo do direito, constituindo um conjunto de princípios jurídicos e de normas jurídicas, voltado à proteção jurídica da qualidade do meio ambiente. Para alguns, porém, trata-se de um direito “transversal” ou “horizontal”, que tem por base as teorias geopolíticas ou de política ambiental transpostas em leis específicas, pois abrange todos os ramos do Direito, estando intimamente relacionado com o Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Penal, Direito Processual e Direito do Trabalho. Albergaria afirma que o direito ambiental é considerado como ramo do Direito que visa à proteção não somente dos bens vistos de uma forma unitária, como se fosse microbens isolados, como rios, ar, fauna, flora (ambiente natural), paisagem, urbanismo, edificações (culturais) etc., mas como um macrobem, incorpóreo, que englobaria todos os microbens em conjunto, bem como as suas relações e interações. Conforme assinala Figueiredo: talvez o primeiro e mais notável ecologista tenha inclusivamente sido São Francisco de Assis que, na sua inserção cosmológica do homem na natureza como parte da criação divina, sente a necessidade de chamar o lobo de “irmão lobo”, a andorinha de “irmã andorinha”. Figueiredo, em estudo pioneiro sobre o tema no Brasil, afirmava que o Direito Ecológico é “o conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos organicamente estruturados, para assegurar um comportamento que não atente contra a sanidade mínima do meio-ambiente”.

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direitos. Inclusive para haver o ambiente equilibrado, é preciso que haja envolvimento nos movimentos de defesa ambiental: Os melhores exemplos no Brasil de se associarem conhecimento, instituições e propostas científicas sólidas são as Reservas Extrativistas, criadas após longas batalhas políticas pelos seringueiros. Nesse exemplo, são contempladas a conservação do capital natural, a do capital cultural (conhecimento local e científico), a do capital produzido pelo homem (inclui a economia e o comércio). As Reservas Extrativistas são também um exemplo de estreita cooperação entre pesquisadores e populações locais (Cavalcanti , 1997, p. 64).

Observa Moura que: As populações tradicionais de extrativistas e pequenos produtores, que vivem nas regiões da fronteira de expansão das atividades capitalistas, sofrem as pressões do deslocamento compulsório de suas áreas de moradia e trabalho, perdendo o acesso à terra, às matas e aos rios, sendo expulsas por grandes projetos hidrelétricos, viários ou de exploração mineral, madeireira e agropecuária. Ou então têm as suas atividades de sobrevivência ameaçadas pela definição pouco democrática e pouco participativa dos limites e das condições de uso de unidades de conservação. Todas estas situações refletem um mesmo processo: a enorme concentração de poder na apropriação dos recursos ambientais que caracteriza a história do país. Uma concentração de poder que tem se revelado a principal responsável pelo que os movimentos sociais vêm chamando de injustiça ambiental. Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. Assim, podemos afirmar que o ambientalismo brasileiro tem um ensejo de renovação e pode expandir seu alcance social ao se solidarizar com populações marginalizadas que se mobilizam em favor dos seus direitos. Os movimentos sindicais, sociais e populares, entre outros, também podem renovar e ampliar o alcance de sua luta se incorporarem a dimensão da justiça ambiental, pois o direito a uma vida digna e um ambiente saudável, deve ser o objetivo, e, portanto, a luta de todos (Moura, 2010).

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Afirma Mirra que: [...] a participação pública na defesa do meio ambiente pressupõe ampla e permanente informação da sociedade e exige para ser tida como completa, o acesso à justiça, seja para assegurar a tutela da qualidade ambiental em si mesma, seja para garantir a obtenção de informações pela coletividade, seja para viabilizar a própria participação (Mirra, 2011, p. 75).

Complementando, Moura expõe que: [...] a Justiça Ambiental, em todos os países que a adotam, prevê um conjunto de princípios e práticas que assegurem: a) que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b) o acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país; c) o amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito; d) o favorecimento da constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso (Moura, 2010).

*** No desenvolvimento da sociedade, com o transcurso dos séculos, houve o forjamento de conceitos que levaram ao desenvolvimento da humanidade, no qual a ética teve papel importantíssimo. A visão grega e romana de ética foi a base de outros conceitos utilizados pelas civilizações que as sucederam. Entre esses conceitos, se alinham os de cidadão e de cidadania, que, nos primórdios do Império Grego e Romano, se restringiam a poucos que atendessem a determinadas premissas, mas que no decorrer dos séculos foram ampliados a todos os indivíduos. 17


Conforme observado no transcurso do artigo, visualiza-se que o desenvolvimento do homem e do seu ambiente social foi estruturado primeiro pela criação de conceitos de cunho ético que se desenvolveram a ponto de criar uma segunda instância, com a formatação da noção de cidadão e de cidadania. Já consolidado esse segundo conceito, o homem passou a construir outros e a se preocupar com o meio ambiente, dedicando-se a criar métodos para sua proteção, tendo por base a ética e a condição de cidadão. No Brasil, ainda é debatida no Congresso uma lei que visa à preservação dos rios e lagos da sanha dos ruralistas que teimam em querer explorar a terra mediante agricultura e pecuária de maneira agressiva, sem nenhuma preocupação em preservar nada. A Amazônia está perdendo imensas fatias da mata nativa, com a exploração desmesurada dos madeireiros e dos caçadores de riquezas minerais que ficam ludibriando os índios e tomando-lhes as terras. Os seringueiros e os povos da selva são exterminados para não obstaculizar a ação dos exploradores. No Mato Grosso, extensas áreas são transformadas em pasto para boi e vaca. Ainda assim, considero que grande parte da população está hoje consciente de seus direitos e os exerce de forma a contribuir para a melhoria do meio ambiente, tornando-o mais satisfatório para si e para seus filhos, valendo-se, conforme salientado anteriormente, da sua condição de indivíduo a exercer sua cidadania para o bem comum, protegendo o seu habitat, sabedor de sua importância e responsabilidade na preservação do ecossistema em que vive.

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