Subjetividade, Clínica e Política

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Subjetividade, clínica e política


Universidade Federal Fluminense REITOR Sidney Luiz de Matos Mello VICE-REITOR Antonio Claudio Lucas da Nóbrega

Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense CONSELHO EDITORIAL Aníbal Francisco Alves Bragança (presidente) Antônio Amaral Serra Carlos Walter Porto-Gonçalves Charles Freitas Pessanha Guilherme Pereira das Neves João Luiz Vieira Laura Cavalcante Padilha Luiz de Gonzaga Gawryszewski Marlice Nazareth Soares de Azevedo Nanci Gonçalves da Nóbrega Roberto Kant de Lima Túlio Batista Franco DIRETOR Aníbal Francisco Alves Bragança


Rogerio Quintella Leonardo Almeida Crisóstomo Nascimento (Organizadores)

Subjetividade, clínica e política


Copyright© 2016 Rogerio Quintella, Leonardo Almeida e Crisóstomo Nascimento Copyright © 2016 Eduff – Editora da Universidade Federal Fluminense

Série Nova Biblioteca, 20

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Sumário APRESENTAÇÃO – Um desvelo à subjetividade | 9 Rogerio Quintella

Eixo I – Subjetividade e cultura

Psicanálise e mundo atonal | 19 Pedro Laureano O ideal identitário da mulher na literatura de autoajuda | 39 Haya Del Bel (Gisele Mocci) e Guilherme Augusto Souza Prado A experiência sonora e a subjetividade: possíveis correlações | 65 Rogéria Guimarães Alves Bernardes e Leonardo Pinto de Almeida Afeto e subjetivação na obra de Daniel Stern | 85 Carlos Augusto Peixoto Junior A crise do comportamento teórico em geral e a falência do modelo explicativo próprio às ciências naturais como abertura de possibilidade para o existir contemporâneo | 105 Jadir Machado Lessa

Eixo II – Subjetividade e clínica

A fenomenologia como via de desconstrução da subjetividade no campo das práticas clínicas | 121 Alessandro de Magalhães Gemino e Crisóstomo Lima do Nascimento Acerca dos conceitos de repetição e transferência | 145 Paulo Eduardo Viana Vidal Nietzsche, Ferenczi e o hábito | 157 Pedro Cattapan

Eixo III – Clínica e política

O ato freudiano no auge da modernidade | 175 Rogerio Quintella Diagnóstico diferencial: a aposta na singularidade em tempos de ‘medicalização do sofrimento’ | 191 Bruna Pinto Martins Brito A clínica dos grupos reflexivos: o atendimento aos homens em situação de violência doméstica | 209 Raul Atallah


A construção do caso como metodologia de avaliação e pesquisa clínica em psicanálise aplicada ao campo da saúde mental | 235 Daniela Costa Bursztyn

‘Postscriptum’ – O sujeito buromaquinado | 255 Rogerio Quintella

SOBRE OS AUTORES | 258


Apresentação

Um desvelo à subjetividade Rogerio Quintella

E

ste livro é o resultado de um encontro com a diferença. É a constituição de uma rede possível de diálogos e pesquisas sobre a subjetividade, como pensada hoje na interface entre a psicologia e outros campos do saber. Trata-se de uma obra que mapeia a forma como discursos diversos atravessam o pensamento contemporâneo sobre a relação do humano com a vida e os percalços de sua experiência singular diante daquilo que não lhe é determinado. Um mergulho sobre o atravessamento da ciência com a arte, do sofrimento com a invenção, da repetição com o novo ante a ausência de sentido, absenso. Esse caminho nos possibilita um novo recorte epistêmico, muito próprio do pensamento ocidental desenvolvido no século XX, com respeito às indagações humanas em torno da subjetividade. Trata-se então de fazer valer a reflexão teórica, crítica, metodológica, clínica e política em torno da experiência da subjetividade, mas não de fora dela, como se pudéssemos ainda hoje empreender o famigerado positivismo que no século XXI perde cada vez mais lugar na sustentação da suposta neutralidade científica e da pureza do sujeito na relação com o objeto do conhecimento. Não é neste caminho, “extrínseco” ao oceano da experiência subjetiva humana, que a perquirição acerca da subjetividade se empreende - guardadas as especificidades de cada abordagem. Tal perquirição é realizada de dentro da lógica em que a subjetividade cria o humano, possibilitando-se a emergência de discursos e abordagens que, não obstante diversas, do ponto de vista teórico-prático ou mesmo político, possibilitam a discussão rigorosa sobre a subjetividade humana, sem os estigmas e preconceitos da suposta neutralidade científica. Em tal universo, no qual as garantias evanescem em nome do inesperado, a subjetividade faz enredo com o problema do existir, seja ele concebido como mergulho na linguagem, na história, no socius, na pólis, 9


nos grupos, ou nas redes institucionais, seja ainda no “ser-para-a-morte”, ou mesmo aquilatado pelo enigma do desejo. O existir humano e seus destinos, no tocante à invenção ou ao sintoma, à criação ou à armadilha, à determinação ou à liberdade, é o foco aqui ensejado, não sem rigor e metodologia, mas alinhavado num campo que cresce cada vez mais atualmente com respeito às investigações sobre a subjetividade humana. É nesse prisma que a obra Subjetividade, clínica e política, mediante a apresentação de 12 textos e um Post-scriptum, busca discutir e expor algumas das diferentes formas de se conceber a relação entre a pesquisa sobre subjetividade e os avanços do pensamento moderno e contemporâneo em Psicologia, Filosofia, Psicanálise e Política. Sob o aporte do encontro com a diversidade nesse vasto campo de reflexão, esta obra se subdivide em três eixos: subjetividade e cultura; subjetividade e clínica; clínica e política. É importante salientar que a organização deste livro contou, não apenas com o trabalho e o auxílio dos seus organizadores e autores (todos os artigos são de professores universitários), mas também com o rico modus operandi acadêmico da Universidade Federal Fluminense e seus membros, docentes e discentes, que em suas pesquisas propiciam o farto universo da indagação, da discussão, da reflexão e da produção, sem as quais nenhum pensamento avança. Agradecemos a todos aqueles que, imbuídos da produção do conhecimento, na esteira de sua transmissão na Academia, pensam verdadeiramente a importância de se estabelecer o vínculo, cada vez mais indiscernível, entre a pesquisa e o ensino no Brasil. Este livro, Subjetividade, clínica e política, é o resultado desse modo de pensar a transmissão do conhecimento, de forma ativa, mediante sua produção. A obra se inicia com uma rica discussão sobre a psicanálise e seus impasses na contemporaneidade, em torno da questão da autoridade e de sua crise hoje. Longe de apresentar uma concepção solipsista do sujeito, o texto Psicanálise e mundo atonal, de Pedro Laureano, utilizando-se de uma rica diversidade de referências psicanalíticas, filosóficas e artísticas, levanta a questão: “Será a psicanálise necessariamente presa à alternativa entre a nostalgia da autoridade simbólica e a pura afirmação pós-moderna dos fluxos, da contingência, do ‘devir’”? Para encaminhar a questão, o autor referencia-se fundamentalmente em Alain Badiou, defendendo que não se trata de sustentar a oposição entre a nostalgia da ordem e a emergência do novo, mas valorizar a possibilidade de que a

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fragilidade das representações e a inconsistência do simbólico – produção do real – abra caminho para o acontecimento, que toca o próprio real. Num mundo sem significantes mestres, como defende Badiou, analisa o autor, a paixão do real seria aquilo que o individualismo possessivo do capitalismo contemporâneo, em seu liberalismo cínico, mais temeria. Na esteira da discussão sobre subjetividade e cultura, e tocando a dimensão política da experiência subjetiva, o texto “O ideal identitário da mulher na literatura de autoajuda”, de Haya Del Bel e Guilherme Prado, opera uma inversão lógica da concepção essencializante que circula na literatura de autoajuda acerca dos papéis predeterminados da diferença entre os sexos – em destaque, aqui, o papel da mulher. O texto parte da concepção de que “não há essência ou verdade fundamental do sujeito, de forma que este atravessa a vida em processos de identificação e construção de si mesmo segundo os diversos sistemas significantes dados ou construídos na dinâmica de semiotização do mundo”. Situando seu estudo numa base filosófica e política da construção da subjetividade, e tomando como objeto de análise as obras de autoajuda desenvolvidas por Pease e Tiba, o texto faz uma crítica combativa à ideia de identidade feminina, estabelecendo a necessidade de sustentação política da indeterminação de seu papel, de maneira a permitir a emergência de modos singulares de subjetivação sem que eles sejam tomados como um a priori na lógica massificadora do capitalismo neoliberal, bem como serializadora do individualismo moderno. Com uma entrada bastante interessante e inovadora nas pesquisas sobre subjetividade, o texto “A experiência sonora e a subjetividade: possíveis correlações”, de Rogéria Bernardes e Leonardo Almeida, busca demonstrar que a experiência subjetiva faz enlace com as diversas formas de composição sonora, em sua face de silêncio e som, não apenas em sua constituição psicofísica, mas também, e principalmente, em seu contexto sociocultural. Partindo da psicologia sócio-histórica, pela via teórica e metodológica, os autores entendem a noção de subjetividade como essencialmente social, construída a partir de determinações coletivas de diferentes origens. Para pensar a relação subjetividade/sonoridade, abordam os aspectos sonoros de diferentes construções da realidade, seja por meio dos mitos, da física, da música ou da psicologia, buscando, de tal modo, estabelecer possíveis correlações entre a experiência sonora e os processos de subjetivação.

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Em “Afeto e subjetivação na obra de Daniel Stern”, de Carlos Augusto Peixoto Júnior, é a problemática do afeto o ponto de ebulição que o leva a pensar um modo de se abordar a subjetividade, desde a obra de Daniel Stern até os aportes teóricos da psicanálise contemporânea. Enriquecendo a diversidade das concepções psicanalíticas em torno da subjetividade, Carlos Peixoto empreende um interessante traçado sobre a questão do afeto como desenvolvido no pensamento de Stern. O autor iconiza a apreensão sobre o afeto, defendendo a importância de seu estudo no campo da subjetividade do ponto de vista psicanalítico. O texto seguinte, “A crise do comportamento teórico em geral e a falência do modelo explicativo próprio às ciências naturais como abertura de possibilidade para o existir contemporâneo”, mergulha na abordagem fenomenológica acerca da experiência subjetiva. Ali, Jadir Lessa discute sobre a crise do conhecimento e da concepção de sujeito transcendental mapeadas pelo idealismo e pelo psicologismo na modernidade, defendendo a importância da crítica ao modelo explicativo para uma concepção não essencializante do existir. Baseado na fenomenologia de Husserl e no existencialismo de Heidegger, bem como em outras referências do pensamento filosófico do século XIX e XX, o texto discute sobre a abertura de um espaço crítico às ciências naturais na abordagem sobre o existir humano. Para Lessa, tal espaço crítico deflagra a necessidade de emergência, no século XX, de uma metodologia que se baseia nos aportes da fenomenologia hermenêutica para fazer frente às concepções, tanto transcendentalistas, como naturalistas e positivistas, da pesquisa sobre a subjetividade. No segundo eixo - Subjetividade e clínica — o texto “A fenomenologia como via de desconstrução da subjetividade no campo das práticas clínicas”, de Alessandro Gemino e Crisóstomo Lima do Nascimento, apresenta a perspectiva fenomenológica como via de sustentação de uma clínica que permita a desconstrução dos modos de existência e sofrimento na experiência subjetiva, pela via da psicoterapia. Realizando um mapeamento sobre o lugar da clínica fenomenológico-existencial na História, doravante a defesa husserliana pela contingência do fenômeno no lugar de uma concepção metafísica da experiência humana no mundo, os autores abordam o viés psicoterápico como metodologia hermenêutica para tal desconstrução, baseando-se em Heidegger e outros pensadores caros a essa corrente de pensamento. A clínica deve abrir possibilidade,

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para esses autores, de novas possibilidades de sentido, temporalmente vividas, para a experiência dada, doravante o método fenomenológico aplicado à clínica psicoterápica, em detrimento de “perspectivas subjetivistas que proclamam uma interioridade psíquica regida por leis” universalmente determinadas. Num viés diferenciado de proposição clínica, a psicanálise é abordada por Paulo Vidal em “Acerca dos conceitos de repetição e transferência”. Pensando fundamentalmente a partir da perspectiva do real que não cessa de não se inscrever no fenomenicamente dado, Vidal aposta na perspectiva do ato clínico via transferência, em sua vertente intrínseca ao conceito repetição. Vidal destaca a interpolação de Lacan sobre o conceito de repetição em Freud, no Seminário 11, para demonstrar que não se trata – na clínica psicanalítica – de uma posição interpretativa que não leve em consideração a pulsação temporal do inconsciente – abertura e fechamento – que toca o real. Sob essa perspectiva, o manejo da transferência não se dá pela via interpretativa, mas pela via do ato que, sob a lógica da tiquê de Aristóteles, é repetição como encontro com o real – encontro sempre falho, que propicia a desmontagem das identificações e a emergência de uma nova forma de gozo. Vidal aposta na psicanálise como dispositivo que promove, via transferência e repetição, a possibilidade de o sujeito fazer algo singular com a causa de seu próprio desejo – tarefa nada fácil de sustentar – até então protegida pela fantasia, mas desmontada em ato pelo encontro faltoso com a presença real do analista via transferência. O texto de Pedro Cattapan, “Nietzsche, Ferenczi e o hábito”, é uma empreitada psicanalítica convidativa, que nos leva a terrenos fronteiriços às teses freudianas. Buscando avançar na acepção psicanalítica do inconsciente, Pedro Cattapan revisita Freud, mediante dois grandes pensadores, ambos muito caros à perspectiva psicanalítica sobre a subjetividade. Cattapan aproxima Ferenczi de Nietzsche por intermédio de Freud ao defender a importância da concepção de hábito para a psicanálise. Questionando a concepção de sujeito desde a metafísica cartesiana, apoiado em Nietzsche, e ao mesmo tempo realizando uma crítica ao objetivismo cientificista na abordagem da subjetividade, Cattapan encontra no corpo o campo em que se entrecruzam as forças, e no hábito, a formação dos sintomas como apreendidos pela psicanálise. Para Nietzsche, trata-se de superar a moral kantiana pela aquisição de um novo hábito: o hábito de

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mudar de hábitos; em Ferenczi, o processo analítico implica um combate aos hábitos. Cattapan desenvolve uma análise desse conceito, de forma inovadora, desde a desconstrução nietzschiana até o tratamento psicanalítico, encontrando em Freud, derradeiramente, um elo entre Nietzsche e Ferenczi para pensar a clínica psicanalítica como constituição do hábito de mudar de hábitos, na via da transformação de si. O terceiro e último eixo — Clínica e política — se inicia com o texto “O ato freudiano no auge da modernidade”. Nele, debato sobre o ato de fundação da psicanálise em meio à lógica empirista e objetivista do primado do olhar que elevou a medicina a uma posição de autoridade e mestria, marca vigente da medicalização da vida na modernidade. A imago Deus-médico, tomando lugar da lógica do Deus-pai do antigo regime, passa a regimentar a vida humana na sociedade liberal pós-revolução, assumindo ali o status de uma autoridade política e subjetiva. Nesse cenário, é a autoridade médica o próprio alvo do discurso histérico que, com seu sintoma corporal, lança enigma, contestando a mestria do médico anátomo-clínico e denunciando a impotência do seu saber sobre o corpo. Ao inaugurar um novo universo epistêmico que se sustenta por um primado que não é do olhar empirista, mas da escuta psicanalítica, Freud abstém-se da posição de saber, implicando o enigma do sintoma corporal histérico à regra da fala. Hoje, o discurso médico tenta resgatar sua soberania sobre o corpo mediante o que denominamos buromáquina, neologismo introduzido neste livro para caracterizar o modo como se retoma a medicalização da vida no sistema contemporâneo, sob uma lógica que tenta delinear os caminhos para a felicidade substituindo a imago de uma autoridade antropomórfica (Deus-médico-pai) por um sistema burocrático e maquinal, sem nome nem imagem, que avalia o corpo e prescreve o remédio. Situar o papel da psicanálise nesse contexto, pautando-se na lógica fundante e transformadora do ato freudiano, tal é o principal objetivo desse capítulo. A questão da medicalização e da especificidade do discurso analítico em relação a isso é problema também abordado, de maneira distinta, no texto “Diagnóstico diferencial: a aposta na singularidade em tempos de medicalização do sofrimento”. Bruna Brito delineia a necessidade de se pensar a função diagnóstica em psicanálise de forma a valorizar a subjetividade, bem como a singularidade do sujeito, de um modo que escape da perspectiva diagnóstica medicalizante. Brito questiona a medicalização

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do sofrimento por premissas supostamente científicas, baseando-se na afirmação de Miller de que “não é porque há cálculo que há ciência”. O campo psi tem se preocupado mais com as medidas e questionários que pretendem reduzir tudo a uma forma objetiva, em busca de uma pretensa cientificidade. Demonstra-se que a verdadeira ciência que produz um conhecimento que reconhece os limites de seu alcance é aquela que considera que algo escapa. É isso que escapa, deflagrado nos tropeços da ciência, e interessa à psicanálise desde os seus primórdios. Subvertendo a lógica medicalizante, a clínica psicanalítica, em sua política, sustenta uma ruptura com os discursos que balizam o sofrimento mediante o que Brito denomina empuxo à universalização. Em psicanálise, se trata de uma “política do caso”, da “arte do um por um, entendida como princípio da psicanálise, na qual se privilegia o incomparável e não o um por um da enumeração”, como aponta Brito, com base em Miller. Assim, “considerar a singularidade é, ainda, lançar mão do diagnóstico para orientar o tratamento, sob a condição de que sujeito não seja apagado em prol de um nome qualquer, presente no anonimato contemporâneo”. Na sequência, a clínica é pensada, também pelo viés político da subjetividade, na abordagem empreendida por Raul Atallah sobre o problema da violência doméstica. Em “A clínica dos grupos reflexivos: o atendimento aos homens em situação de violência doméstica”, Atallah propõe pensar o grupo como dispositivo clínico em torno da forma como se enfrenta esse problema na sociedade contemporânea. Ao discutir sobre a Lei Maria da Penha, o texto desenvolve uma importante intervenção no pensamento sobre a questão da punição do homem agressor. Mediante a prática denominada “grupo reflexivo” para homens, calcada numa vertente transdisciplinar da clínica, Atallah sustenta que a punição pode ser branda ou severa, pois “ela nunca vai ser determinante para a mudança do comportamento, de atitudes e valores, que são algo muito arraigado e de difícil dissolução”. Por isso, é necessário um trabalho longo com enfoque nas particularidades de cada caso de violência doméstica e sempre levando em consideração os aspectos subjetivos da questão. Deve-se ter como destaque em toda intervenção o trabalho clínico e político baseado em grupos. Fomenta-se a retirada ou o desmantelamento do caráter estritamente punitivo, relativo aos homens que cometem violência doméstica. Este livro não poderia se construir sem tocar diretamente na questão da metodologia, quando o que está em foco é a pesquisa sobre a sub-

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jetividade, bem como sua relação com a clínica e a política na acepção contemporânea sobre a diversidade humana. O texto “A construção do caso como metodologia de avaliação e pesquisa clínica em psicanálise aplicada ao campo da saúde mental”, de Daniela Burszyntin, encerra a presente obra, discutindo de maneira enriquecedora a metodologia de pesquisa clínica. Ensejando a expressão política do sintoma, Burszyntin sustenta o rigor metodológico em torno daquilo que não permite neutralidade. Nesses termos, o pesquisador, com seu método de construção do caso clínico, é aquele mesmo que produz circunscrição em torno de um buraco encontrado no saber, para que emerja a possibilidade da inferência, na qual está implicada a própria práxis clínica como um método de investigação no campo da subjetividade. Trata-se da transmissibilidade do real em jogo na experiência psicanalítica mediante a construção do caso clínico, como é discutido nesse texto. É no movimento de produção deveras “inacabada”, que apresentamos os textos deste livro, marcando a não fecundidade da conclusão totalizadora que enclausura. É a partir da produção intelectual que o questionamento se abre e se potencializa, na direção de novas investigações teóricas e práticas. Creio que os trabalhos aqui publicados servem como pontos de enlace para novas reflexões e investigações, além de proporcionarem o avanço do conhecimento e do pensamento na contemporaneidade. Com efeito, a subjetividade é valorizada aqui como causa de nossa condição de pesquisadores em psicologia. É um mote que nos inclina ao exercício investigativo com respeito ao termo desvelo, cuja significação alude a afeto, estima, polidez e também cuidado, deferência, vontade. A respeito disso, inspiro-me na atitude angustiada e, ao mesmo tempo, investida de todo zelo pelo amor ao saber do filósofo, em sua perquirição sobre a existência, o ser, a vida, partindo de seu próprio espanto: thaumázein. Podemos pensar que nosso desejo, na via do movimento investigativo em psicologia sobre a diversidade subjetiva humana, implica certo valor similar, um desvelo à subjetividade.

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