Blocos regionais e desenvolvimento: União Europeia e Mercado Comum do Sul

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Blocos regionais e desenvolvimento: UniĂŁo Europeia e Mercado Comum do Sul


REITOR Sílvio Luiz Oliveira Soglia VICE-REITORA Georgina Gonçalves dos Santos

SUPERINTENDENTE Sérgio Augusto Soares Mattos CONSELHO EDITORIAL Alexandre Américo Almassy Júnior Celso Luiz Borges de Oliveira Geovana da Paz Monteiro Jeane Saskya Campos Tavares Josival Santos Souza Rubens da Cunha Sérgio Augusto Soares Mattos (presidente) Silvana Lúcia da Silva Lima Wilson Rogério Penteado Júnior SUPLENTES Carlos Alfredo Lopes de Carvalho Robério Marcelo Ribeiro Rosineide Pereira Mubarack Garcia EDITORA FILIADA À


ANTONIO EDUARDO ALVES DE OLIVEIRA

Blocos regionais e desenvolvimento: União Europeia e Mercado Comum do Sul

Cruz das Almas/BA - 2018


Copyright©2018 by Antonio Eduardo Alves de Oliveira Direitos para esta edição cedidos à EDUFRB. Projeto gráfico, capa e editoração eletrônica: Antonio Vagno Santana Cardoso Revisão, normatização técnica: Antonio Eduardo Alves de Oliveira Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907. A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98. O585b

Oliveira, Antonio Eduardo Alves de Blocos regionais e desenvolvimento: União Europeia e mercado comum do Sul / Antonio Eduardo Alves de Oliveira. -- Cruz das Almas/BA : UFRB, 2018. 342 p. Modo de acesso: < www.ufrb.edu.br/editora/titulospublicados > ISBN 978-85-5971-084-7 (e-book) 1. Mercosul 2. Unasul I. Título. CDD 337.18

Ficha Catalográfica elaborado por: Ivete Castro CRB/1073 Este livro é referente ao Edital EDUFRB nº001/2018 de apoio à publicação de livros eletrônicos.

Rua Rui Barbosa, 710 – Centro 44380-000 Cruz das Almas/BA Tel.: (75) 3621-7672 editora@reitoria.ufrb.edu.br www.ufrb.edu.br/editora www.facebook.com/editoraufrb


In Memoriam a JoĂŁo Pedro de Oliveira, meu pai a Julieta Silva dos Santos, minha avĂł e Mme. Patricia Gervais-Vogel.


Agradecimentos Este livro foi produto da tese defendida no curso de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA (PPGCS). Aos colegas e professores do PPGCS, em especial à minha orientadora, Profa. Ruthy Nadia Laniado. Ressalto a importância da bolsa-sanduiche (setembro 2008 a junho 2009) cooperação CAPES-COFECUB coordenado pelo Prof. Carlos Milani, realizado no Institut d’Etudes Politiques (SciencesPo) em Paris, agradeço os professores Bertrand Badie , Guillaume Devin e a professora Marie-Françoise Durand. Registro menção a Maison Du Brésil, Paris. Por fim, os agradecimentos para os meus familiares; à minha mãe, Elieta A.de Oliveira, e à minha companheira, Rita Fontoura, meus filhos João Pedro e Carlos Eduardo, meus irmãos João Pedro e Carlos José.


SUMÁRIO PREFÁCIO Ruthy Nadia Laniado............................................................................ 11

INTRODUÇÃO.................................................................................. 25 A MUNDIALIZAÇÃO, TERRITÓRIO E REGIONALISMO.............................................................................. 33 A mundialização e as transformações no espaço mundial ............................ 34 O território e a soberania nacional na mundialização............................ 45 A realidade histórica do quadro nacional ............................................. 49 Região (infranacional) e regionalismo (transnacional)........................... 58 O que está em jogo nas regiões ........................................................... 60 A emergência das zonas regionais e a política....................................... 81

A CONSTRUÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA....................................... 97 A emergência da integração Europeia................................................... 99 Um roteiro para a união Europeia .......................................................118

A GEOMETRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS REGIONAIS DA UNIÃO EUROPEIA .........................................................................135 Os primórdios da política regional da União Europeia..........................127 Os fundos estruturais .........................................................................151 Retratos da política regional Europeia.................................................167 A europa das regiões, o comitê de regiões e os programas transregionais..................................................................................................175


A EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO REGIONAL NA AMÉRICA DO SUL.............................................................................................199 Integração regional na América Latina.................................................202 Integração regional na América do sul.................................................215 Mercosul............................................................................................233

AS ASSIMETRIAS REGIONAIS E A POLÍTICADE COESÃO NA INTEGRAÇÃOSUL-AMERICANA: A IIRSA E O FOCEM........................................................................247 O protagonismo do brasil....................................................................250 Do Mercosul ......................................................................................268 A criação do focem – Mercosul............................................................283

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................295 REFERÊNCIAS..................................................................................313 SOBRE O AUTOR.............................................................................343


PREFÁCIO Ruthy Nadia Laniado1 A formação de blocos regionais para a integração e o desenvolvimento, uma contraface do processo de globalização das últimas décadas, é um tema de muita relevância para se entender a geopolítica atual e as novas exigências dos países e das organizações supranacionais. Diz respeito, diretamente, às questões que influenciam hoje a ordem política mundial, o multilateralismo e as tensões entre o nacional e o transnacional em relação a princípios, normas, atores, organizações, sistemas de poder e disputas hegemônicas. As mudanças políticas trazidas pelo fim do confronto entre o leste europeu comunista e o bloco de países capitalistas, que se formou com o fim da Segunda Guerra Mundial, apontam para outra direção. É sobre essas mudanças que o estudo do presente tema toma corpo e relevância: a importância da formação dos blocos regionais para fortalecer países e mercados e para estabelecer novos parâmetros sobre os territórios e escalas do poder e da política no âmbito internacional. O regionalismo, em âmbito mundial, não tem sido suficientemente estudado na academia brasileira, o que faz com que a contribuição do livro de Antônio Eduardo Alves de Oliveira seja importante para ampliar um debate nesse domínio das Relações Internacionais (RI). O trabalho traz inúmeras contribuições por seu caráter multidisciplinar e por permitir um forte entrosamento entre as contribuições teóricas do campo das RI, a pesquisa histórica e a política contemporânea dos atores envolvidos, em particular os países e seus sistemas nacionais. 1-Professora Titular da Universidade Federal da Bahia. Ph.D. em Ciência Política pela University of Essex.


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A formação de blocos regionais para fomentar um desenvolvimento requer inovações nos programas socioeconômicos e ambientais; os blocos se destacam pela organização tanto em áreas geográficas contínuas como entre países que não compartilham vizinhança de fronteira. Assim se vê na África, Ásia, Europa e nas Américas. E, a despeito das rápidas mudanças que essa nova geografia apresenta, nos acordos e no peso dos blocos no cenário internacional, faz-se urgente compreender esse fenômeno que se fortalece após os anos setenta e acompanhar continuamente a atuação de países e governos. Focar na União Europeia (UE) e no Mercado Comum do Sul (Mercosul) é uma decisão do autor que muito contribui para o conhecimento do tema no âmbito da produção acadêmica brasileira, ainda que esses dois blocos regionais tenham sofrido mudanças ao longo dos anos, tanto em seu papel e sua função como em sua capacidade de estreita associação com os governos nacionais, aqueles mais ou menos favoráveis a programas de integração regional. O presente caso do Brexit na UE e as oscilações sobre a inclusão de países- membros no Mercosul, à luz dos diferentes governos dos países, não dilui a relevância do estudo. Isso porque tais fatores cobrem não somente questões econômicas e de mercado, mas também de desenvolvimento humano e sustentabilidade ambiental em longo prazo. A minuciosa e criteriosa pesquisa apresentada neste trabalho enriquece sobremaneira o conhecimento dos objetos do estudo e permite acompanhar, pari passu, as explicações e os argumentos que ele sustenta. A UE é um bloco regional para a integração e o desenvolvimento. Conforme afirma o autor, “Um dos desafios mais importantes do processo de unificação do continente Europeu é a promoção da coesão econômica e social no espaço comum construído ao longo dos anos. [...] sobretudo após a constituição do mercado comum nos anos 1990 e os sucessivos alargamentos, primeiramente ao sul e depois a leste do continente”. Ao introduzir desse modo seu trabalho, ele expressa uma visão positiva da experiência histórica europeia, uma experiência de caráter dinâmico e contínuo em sua formatação e estruturação, tornando-se, desse modo, uma experiência histórica única. A UE tornou-se um marco das mudanças geopolíticas e territoriais – constituídas ao longo da formação do mundo


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moderno desde os séculos XVII e XVIII – dos países e suas fronteiras, das nações, dos povos e suas trajetórias históricas. Esse movimento contínuo das mudanças ocorridas no continente Europeu, nas últimas décadas, expandiu a UE – com 27 países quando da elaboração do presente texto e, hoje, já com 28 –, e a pesquisa realizada procurou esmiuçar esse fato em seus mais diversos aspectos. São traçadas, passo a passo, as etapas históricas de formação e estruturação do bloco, os termos das negociações contínuas, nas diferentes conjunturas do pós-guerra, que permitiram acordos e cooperação de forma consistente e persistente. O texto descreve e explica, de forma clara e articulada, a construção das entidades e instituições que deram à UE seu presente formato e sua capacidade de lidar com as questões que seus objetivos iniciais e aqueles aggionados demandaram. A dinâmica do bloco é central, e o livro de Antônio Eduardo Alves de Oliveira, cuja obra original, uma tese de doutoramento, é de 2010, vem para publicação após a decisão do Reino Unido de sair dessa associação regional, por força do resultado de um plebiscito nacional em 2016, que ficou conhecido como Brexit, além da confrontação de países como Hungria e Polônia a respeito de exigências políticas do bloco sobre condições de funcionamento das regras democráticas em cada país-membro. Consequências ainda a conferir conforme o desenrolar dos acontecimentos. São inúmeras as referências conceituais que conferem ao tema deste livro uma fluidez explicativa. Elas enquadram com pertinência e precisão o estudo da UE no campo das Relações Internacionais e da política contemporânea sobre estado, nação, soberania e territórios. Apoiam ainda as explicações para as soluções normativas, legais e institucionais que têm permitido a essa organização uma unidade regional para existir em âmbito internacional e ter peso na geopolítica de hoje. A integração regional demandou a articulação, em diferentes níveis, dos espaços territoriais infra-nacionais: comunitário, local, nacional e regional. O objetivo de formar um mercado comum, que transcendesse as demandas econômicas, foi determinante. A integração incorporou a própria ideia de desenvolvimento integrado e compreensivo, incluindo


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o desenvolvimento institucional, social, cultural e tecnológico, o enfrentamento das desigualdades entre os países e entre regiões que entrecruzam fronteiras nacionais. Ademais, o objetivo de colocar a UE como um ator forte e competitivo no presente estágio das relações capitalistas, em um mundo altamente globalizado, se confirmou. A experiência de formação da UE contribuiu para uma percepção do desenvolvimento como um padrão sustentável de mudanças e transformações, com um traçado mais contínuo entre os territórios, isto é, o espaço urbano, rural e de reservas ambientais nos países e entre os países. A finalidade última sempre foi a criação de um espaço integrado e interdependente em suas funções para prover a mobilidade humana e do trabalho, os direitos de cidadania, os objetivos materiais e tecnológicos do desenvolvimento econômico, a infraestrutura compartilhada, a focalização dos investimentos de caráter setorial ou de caráter de nivelamento do desenvolvimento de sub-regiões, entre tantas possibilidades postas por um duplo pertencimento dos indivíduos nesse bloco: nacional e regional. Para alcançar as várias etapas das políticas regionais compartilhadas, elas se moveram em duas direções opostas, mas não antagônicas: descentralização administrativa no interior dos Estados nacionais, por um lado, e centralização dos princípios e acordos que regem decisões de caráter regional por meio das inúmeras instituições e organizações estabelecidas e distribuídas por vários países do bloco, por outro lado. Das muitas instituições, podem ser citadas o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, o Tribunal de Justiça da União Europeia, entre outras, para definir as prioridades e a gestão, garantir a representação cidadã dos indivíduos dos diferentes países, defender os interesses do bloco no cenário internacional e nos órgãos internacionais ou transnacionais sobre diversas questões da política internacional. Os próprios interesses nacionais de cada país também encontram espaço de representação no Conselho da União Europeia, num esforço de conjugar interesses do bloco com interesses mais localizados, que levem em conta o ritmo e as condições de integração de cada país-membro.


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Nos planos de recuperação econômica da Europa do pós-guerra, a regionalização adquire importância para aperfeiçoar a gestão territorial e enfrentar o desequilíbrio regional, compondo os parâmetros de definição de políticas macroeconômicas para a retomada do crescimento econômico e do próprio desenvolvimento. A implantação de políticas setoriais em escala local e regional extrapola as políticas públicas para o desenvolvimento dentro dos países e ocupa o espaço público de caráter mais europeu. Para isso, foram introduzidos mecanismos e redes de interações intergovernamentais que cuidam da definição das políticas, da gestão e da distribuição espacial dos recursos comunitários. Princípios como solidariedade regional, coesão e integração passam a influenciar as próprias concepções dos programas idealizados para o desenvolvimento e para enfrentar as desigualdades em termos de rendimentos e riquezas entre as várias sub-regiões. Ademais, no que diz respeito a uma economia mundial e finanças globalizadas, o bloco surge como uma entidade que fortalece os países-membros para enfrentar os problemas da liberalização do comércio internacional e do Investimento Estrangeiro Direto (IED) nas economias locais. A isso se deve acrescentar, é claro, a implantação, por etapas, do euro como moeda comum. No detalhamento dessas questões que dão sustentação à formação da UE, são analisadas, no livro, políticas agrícolas comuns e a criação de fundos de financiamentos setoriais para fortalecer os aspectos estruturais da formação do bloco, tais como o Fundo social Europeu (FSE, de 1958), o Fundo de Desenvolvimento Regional (FEDER, de 1975) e o Fundo de Coesão (de 1994). A função desses fundos é criar as condições para combater defasagens do desenvolvimento desigual dos Estados e representa uma alta proporção dos orçamentos totais da comunidade regional. Na atualização do papel desses fundos, introduziram-se quatro princípios – programação, cooperação, adicionalidade e subsidiariedade –, como apoio a intervenções em objetivos de desenvolvimento prioritários. Para pôr em execução tantas políticas complexas por meio de recursos normativos e institucionais de apoio, os países são observados como sistemas


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de administração regional infra-nacional, considerando-se as divisões neles existentes, como comunidades, sub-regiões, regiões metropolitanas e ultramarinas, províncias autônomas, comunidades autônomas, entre outras. São considerações que denotam os esforços da integração para minimizar o caráter impositivo que políticas regionais da UE possam ter. Ao longo dos anos, muitas iniciativas foram introduzidas para abarcar a ampliação do número de países participantes, como, por exemplo, o ingresso de Grécia, Espanha e Portugal. Eram países com disparidades regionais não somente no plano econômico, mas também na organização administrativa e política. A Comissão Delors, de 1988, introduziu novos critérios de repartição dos fundos regionais e estruturais para compatibilizar, minimamente, a integração dos novos países em relação aos mais estabelecidos no bloco e que eram também os mais desenvolvidos, como França, Alemanha e Inglaterra. Esse processo de ajustes contínuos para o ingresso de novos participantes se estendeu ao longo do novo milênio, abarcando inclusive novos setores, como transportes e meio ambiente, bem como desemprego, e ajustando os critérios de elegibilidade dos países para receber recursos dos diversos fundos e programas. Por exemplo, o princípio da subsidiariedade, já mencionado, introduzido pelo Tratado de Maastrich (1992), que suscitou muitas resistências em alguns países, rege as relações entre a Comunidade e os Estados-membros (as autoridades superiores devem atuar quando um objetivo não for cumprido em instância menos elevada). Em 2004, dez novos Estados ingressaram na UE, quando, então, o Fundo de Coesão passou a ter mais importância, já que os novos ingressantes, países do leste que se tornaram elegíveis depois do fim da União Soviética, passaram a receber ajuda. Ademais, eles precisaram de forte apoio, por meio de planos e programas, para a reconversão de suas economias estatais para economias capitalistas. A UE se tornava, então, mais heterogênea, exigindo um melhor compartilhamento de competências voltadas para projetos considerados cruciais ao crescimento econômico e o emprego. A necessidade de integração administrativa exigiu uma maior padronização de critérios e classificações para controle da produção e


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divulgação das estatísticas de diversos setores regionais e processamento das informações. As regiões do bloco foram agrupadas por critérios geográficos ou socioeconômicos, de caráter homogêneo e complementar. Investimentos em inovação e tecnologia para um desenvolvimento sustentável e para atrair novos investimentos externos se tornaram importantes no enfrentamento das disparidades inter-regionais do bloco, que se destacaram mais com a inclusão de novos países. Isso demandou criar uma logística de gestão para programas focados em políticas de enfrentamento das desigualdades internas e de aperfeiçoamento das potencialidades locais e sub-regionais. A logística de gestão exigiu também a padronização de regras de controle em diversos domínios: movimentos de capitais, regras de prestação de serviços, formação de mão de obra, quebra das barreiras alfandegárias, entre outros. Além, é claro, de alterações nas regras vigentes nas legislações nacionais e nas administrações locais e regionais. A expansão do bloco acentua a mobilidade de produtos, pessoas e capitais, exigindo maiores investimentos em transporte, infraestrutura e comunicações. A gestão também implantou um sistema de controle por meio de autoridades designadas pelo Estado-membro – autoridade de gestão, autoridade de certificação, uma autoridade de auditoria –, uma verdadeira máquina de organização burocrático-administrativa por meio de normas de controle e transparência acessíveis a todos os níveis da integração. Para uma Política Regional da UE para o período 2007-2013, estabeleceram-se três objetivos: o principal é a Convergência, seguido da Competitividade Regional e do Emprego e, finalmente, o objetivo da Cooperação Territorial Europeia. O objetivo Convergência, que abarca mais recursos, visa às condições para o crescimento dos estados e regiões menos desenvolvidos do bloco, o qual, com 27 Estados-membros (em 2010), abrange oitenta e quatro regiões, situadas em dezessete Estados-membros, totalizando acima de cem milhões de habitantes. Como em outras experiências históricas recentes, há uma ambivalência entre o nacional e o regional. No âmbito nacional, apontase para um enfraquecimento da soberania estatal e do papel das especificidades regionais dentro do bloco em relação à UE, submetendo-


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se os interesses mais locais a autoridades exteriores. Mas, ao mesmo tempo, a união dos países tem fortalecido inúmeras negociações no plano internacional e nas ações concertadas nos organismos multilaterais que hoje abundam e competem com os países e suas expressões unitárias. O último aspecto a considerar sobre a formação do bloco europeu é a condição de cidadania dos indivíduos dos países membros. As decisões sobre critérios, políticas e programas são frequentemente consideradas como um sistema que gera déficit democrático, por dificultar a capacidade de o cidadão influenciar nas esferas de decisão e nas políticas comuns. No geral, os indivíduos consideram que a UE funciona como um sistema de cooperação intergovernamental, em que o cidadão se encontra mais distanciado, mesmo com o Parlamento Europeu, o qual não permite perceber a existência de uma verdadeira repartição de poder entre as diferentes escalas e instituições. Seria mais um processo de desnacionalização? Há controvérsias sobre isso. A criação de um direito comunitário, de uma governança territorial e de cooperação entre as escalas locais, regionais, nacionais e comunitárias pode contribuir para construir legitimidade e transparência do sistema e permitir que o poder local tenha mais eco nas questões comunitárias do bloco Certamente, voltar-se para a América do Sul é girar a geografia do tema quase 180 graus a fim de discutir o bloco regional para a integração e o desenvolvimento desse subcontinente. Sem precisar evocar a distinta formação histórica dos países do hemisfério sul das Américas, há, sem dúvida, de se apontar que as razões da formação do bloco Mercosul são bem distintas, ainda que coetâneas aos determinantes da globalização econômica, tecnológica e da reestruturação da ordem política internacional após o fim da União Soviética. A história da integração regional na América do Sul apresenta um processo de formação de vários blocos regionais distribuídos por sub-regiões geográficas do continente, que supõe a convergência de interesses comuns entre países que compartilham fronteiras afins. Não somente foram muitos os blocos que se formaram, mas também se registra a considerável oscilação da estabilidade e da eficácia de sua função original ao longo dos anos.


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A desigualdade entre países e sub-regiões na América do Sul é bem mais acentuada do que as do continente europeu ao longo da formação da UE, mesmo após os impactos destrutivos da Segunda Guerra ou após a inclusão dos países do leste do continente a partir dos anos noventa. É consenso, em todos os tipos de análises e abordagens, o destaque atribuído ao peso da dívida externa dos países latino-americanos, à concentração da riqueza, à pobreza e à desigualdade estrutural nessa região como empecilhos para mudanças profundas de caráter mais permanente. A partir de 1959 a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) elaborou análises estruturais sobre a economia e a dependência da região em relação ao mercado internacional e formulou um projeto de integração regional baseado em um mercado comum. Portanto, a preocupação com uma dimensão regional de integração e desenvolvimento encontra raízes nas décadas de maior urbanização e industrialização do continente. E a questão do regionalismo e do desenvolvimento persistiu nas décadas seguintes. As experiências do Pacto Andino (1969), da Comunidade Andina das Nações (CAN, 1996), da formação da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA, 2004), do Mercosul (1991 e 1994) e, mais recentemente, da União de Nações Sul-americanas (2008, Unasul) caracterizam um processo de regionalismo subcontinental de interesses fragmentados e baixo grau de institucionalização. São acordos que visam não somente a aspectos de produção e comercio, mas à construção de uma infraestrutura regional por blocos geográficos que possam se conectar fisicamente para fomentar mais a integração. A Unasul tem o caráter de manter convergências políticas para a região. Mas, no geral, esses blocos têm demonstrado poucos resultados em relação aos objetivos originais, dentro do período estudado por este livro. Muito se atribui tais resultados à heterogeneidade e às diferenças geográficas e populacionais e de desenvolvimento desigual na região. Ademais, a América do Sul está hoje bastante integrada aos fluxos de investimentos e ao comércio internacional, embora continue uma região de produção mais dependente de commodities, com fortes oscilações de valor no mercado, além de baixo grau de investimento e renovação tecnológica. Geograficamente, comporta países de tamanhos diferentes, com o Brasil, que se destaca pelo tamanho do seu território e de sua economia.


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A política tem marcado fortemente o andamento da força dos blocos na região, em particular no Mercosul, foco do estudo deste livro. Isto é, a região tem sido profundamente impactada pelas condições políticas das diferentes conjunturas, como a crise do petróleo de 1973, à qual se seguiram altos empréstimos aos países periféricos, que depois se tornaram devedores e fizeram parte das crises das dívidas externas, nos anos 1980. Ainda mais, o Consenso de Washington (1989), o fim das ditaduras militares nos anos oitenta e a ascensão de governos de centro ou direita (Carlos Menem, na Argentina, Alberto Fujimori, no Peru, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, no Brasil, Andrés Pedrotti, no Paraguai ou Julio María Sanguinetti, no Uruguai) foram fatores de mudanças e instabilidades na região. Pode-se dizer que, no geral, o retorno à democracia nos diferentes países, com eleições livres e plurais, se conjugou com a intensificação do ingresso da América Latina no projeto de neoliberalismo econômico e da globalização em vários domínios. As experiências dos anos noventa, que se seguiram ao Consenso de Washington, foram pautadas em três diretrizes das políticas neoliberais propugnadas pelos organismos internacionais que, bem ou mal sucedidas, se centraram em (i) estabilização macroeconômica com superávit fiscal primário, (ii) reformas estruturais e liberalização financeira e comercial e, por fim, (iii) privatizações. Porém, o mais paradoxal da situação é que o próprio Estado se tornou o ator da liberalização econômica, da reforma do Estado e da introdução de medidas normativas e legais para reduzir seu próprio papel na economia, assim como para redirecionar as políticas sociais para ações mais focadas e menos distributivas. Isso tem gerado, ao longo dos anos, um conflito entre os interesses nacionais e a inserção nos mercados globais. Percebe-se, então, que são razões bem diferentes as que impulsionaram as motivações para a criação desses blocos regionais daquelas que impulsionaram a formação da UE como bloco unitário. As mudanças, no entanto, têm tido menos efeito do que o desejado sobre os processos de adensamento de cadeias produtivas e ganhos de escala de produção na região, o que vem movendo os países para acordos de integração, maior diversificação das economias e obtenção de


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economias de escala e ganhos tecnológicos de forma mais complementar e programada. Na busca por formação de blocos, a América Latina tem sido também influenciada pelo contínuo enfraquecimento do interesse norte-americano na região, à luz da liberalização econômica e de acordos bilaterais com outras partes do mercado global. Por exemplo, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta), de 1994, não criou instituições governamentais supranacionais: apenas eliminou as barreiras alfandegárias e facilitou o movimento de produtos e serviços entre os países participantes. Ademais, os Estados Unidos têm privilegiado acordos bilaterais com o Chile, a Colômbia e o Peru, criando certa ambivalência nos esforços dos países do Sul para projetos de integração. O processo de formação dos blocos, na América Latina, não tem se restringido aos aspectos dos ganhos econômicos almejados, ou na disputa de aspectos tecnológicos e de patentes. Ele tem sido fortemente influenciado por diretrizes políticas voltadas para propostas que se apresentam como contra-hegemônicas, numa perspectiva Sul–Sul de alianças e construção de afinidades e convergências. O chavismo e o bolivarianismo, como ideários socialistas do Sul, constituem a expressão mais marcante dessa guinada política até então. Procura-se uma visão supranacional de reagrupamento para reestruturar as relações internacionais e a influência dos blocos de poder, dando um maior protagonismo à periferia para a formação de uma nova ordem mundial, ou, como diz o autor, de uma nova configuração do sistema-mundo. Pode-se dizer que a formação dos blocos regionais no Cone Sul mostra uma experiência própria de idas e vindas que, por um lado, reforça o papel do Estado nacional e, por outro, cria esforços afins, direcionados para a integração entre os países. Diferentemente da experiência europeia, há forte resistência a um projeto que implique uma maior renúncia ao fator nacional e à forma específica interna de cada país encaminhar a integração. Não foram produzidas convenções e legislação de caráter mais impositivo e eficiente para unificar padrões de ação na economia, na política, na mobilidade humana, nos direitos, e em relação a ações comuns no cenário internacional, com raras exceções. Há, hoje, uma centralidade


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sobre “o retorno do Estado”, em contraposição às iniciativas neoliberais dos anos noventa e um discurso dirigido, de forma mais genérica e não programática, às questões sociais de pobreza, desigualdade e assimetrias de níveis de desenvolvimento ou de planejamento estatal. É uma visão do regional com forte discurso de autonomia em contraposição às concessões feitas pelas políticas neoliberais no período estudado neste livro. Na visão do autor, enquanto, na Europa, a disputa hegemônica interblocos ocorre entre países que têm o mesmo poder de voto e de deliberação garantido pelos complexos institutos da formalização das ações, na América Latina, os prós e os contra que fazem parte das negociações nos diversos blocos e as justificativas para a existência de cada um deles têm como forte contraponto atenuar a hegemonia norteamericana no subcontinente e reintroduzir a intervenção estatal na economia, em diferentes formas de desenvolvimentismo para cada país. O Mercosul é talvez o bloco mais bem sucedido na região, tendo evoluído lentamente, com altos e baixos em termos de realizações, exceto em relação aos acordos comerciais, à união aduaneira e aos acordos tarifários. Para Antônio Eduardo Alves de Oliveira “podemos afirmar que o Mercosul é, de certa forma, um projeto original”. Nas etapas mais importantes de sua estruturação – Declaração de Iguaçu (1985), Tratado de Assunção (1991), Protocolo de Ouro Preto (1994) e Protocolo de Ushuaia (1998) – o Mercosul determinou: “1) um programa de liberalização comercial linear, progressiva e automática, com livre circulação de bens, serviços e fatores; 2) a coordenação das políticas macroeconômicas; 3) o estabelecimento de uma tarifa externa comum; 4) a adoção de acordos setoriais; e 5) a regulação de um regime geral de origem, cláusulas de salvaguarda e solução de controvérsias”. Trata-se de um conjunto de princípios que teve dificuldades de implantação. Mas políticas economicas no bloco vingaram, tal como a cooperação econômica por meio dos acordos bilaterais do Consenso de Buenos Aires (2003) e da Ata de Copacabana (2004). Como instância política, não criou instituições supranacionais que, de fato, funcionassem. Sua estrutura básica inicial teve os seguintes órgãos decisórios: o Conselho do Mercado Comum (CMC), o Grupo Mercado Comum


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(GMC) e a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), além do Parlamento do Sul (PARLASUL, em 2006-7), de caráter consultivo e com representação paritária, integrado por 18 parlamentares de cada estado-membro, designados pelos congressos nacionais de cada pais. Porém esse último órgão não vingou ainda como espaço público coletivo de representação da cidadania no bloco. As ações coletivas da sociedade civil organizada têm sido pontuais e insuficientes para integrar, de fato, regiões administrativas e políticas e para influenciar o bloco, ainda que haja o Foro Consultivo de Municípios do Mercosul. Algumas poucas medidas comuns no âmbito de políticas de saúde e sanitárias têm sido implementadas de forma mais restrita. Configuram-se, então, o que autores chamam de regionalismo mais centrado no papel do Estado, com tendência mais federalista, e o regionalismo mais aberto, em sintonia com a globalização e integração econômica mundial, buscando absorver os princípios da competitividade de uma economia exportadora e de uma liberalização comercial. Sua estrutura institucional foi ampliada e, em 2003, foi criada a Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul (CRPM), com sede em Montevidéu. Em 2004, formou-se o Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito e o Grupo de Alto Nível para a criação de uma Estratégia Mercosul de Crescimento do Emprego. São órgãos que buscam ampliar a integração, com a inclusão de cláusulas sobre democracia, direitos humanos e questões sociais. Porém não há organismos supranacionais de política comunitária atuantes. Com a adesão da Venezuela à União Aduaneira, o Mercosul se tornou um bloco de mais de 250 milhões de habitantes, com uma área de 12,7 milhões de km2. Há também os Estados Associados do Mercosul, que são Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Houve esforços para estruturar institucionalmente o bloco e melhorar seu funcionamento, porem ele continua funcionando com base em tomada de decisão consensual, obrigatória, e que deve ser aceita e validada conforme procedimentos de cada Estado-membro, não tendo aplicação direta. Portanto, para o autor, “podemos caracterizar o Mercosul como uma união aduaneira imperfeita, em escala sub-regional”.


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No geral, houve alguns avanços de concertação econômica com a criação do Plano de Ação para a Integração da Infraestrutura Regional SulAmericana (IIRSA) e do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) para superar desigualdades e baixos investimentos. E, mesmo com as instabilidades e as fases de paralisia, principalmente nas questões sociais e políticas, ou pela fraca atuação dos fundos compensatórios citados, o Mercosul aumentou a inserção internacional dos paísesmembros, conforme as fases de expansão ou retração das economias nacionais e seu próprio poder de envolvimento em nível global. A existência do Mercosul levanta questões centrais sobre o papel do Estado nesses países, como realmente viabilizar sua integração física e a visão de cada membro em relação à inserção do bloco nos novos arranjos da geopolítica mundial. Isso porque a interdependência produzida pela formação de um bloco não gera, por si só, integração e cooperação. Ela demanda políticas comunitárias de toda ordem e de forma contínua, voltadas para a coesão territorial e as disparidades regionais. A rica pesquisa realizada por Antônio Eduardo Alves de Oliveira permite formular questões sobre o papel dos blocos regionais ontem e hoje, à luz das grandes mudanças ocorridas nos anos mais recentes, em que países Europeus questionam as limitações impostas pelo bloco da UE aos interesses nacionais. No âmbito do Mercosul, as lentas soluções do bloco, em termos da produção de acordos econômicos internacionais e a ainda fraca integração da infraestrutura, além da pouca expressão do bloco no campo social e dos direitos, também levantam argumentos sobre os interesses nacionais e os limites de fazer parte do bloco. Os blocos regionais têm sido questionados ou reformulados. No entanto ainda se encontram no centro das estratégias políticas e econômicas da maioria dos países, em uma ordem internacional em constante mudança.

Salvador, dezembro de 2018.


INTRODUÇÃO A emergência de fluxos, mobilizações econômicas, sociais e políticas têm provocado o surgimento de novas formas de organizações territoriais, o que tem suscitado novas discussões sobre conceitos já clássicos, quais sejam, regional, nacional e mundial. É desse cenário que surgem as indagações e reflexões acerca de uma temática cujos desdobramentos têm repercussões, imediatas e a longo prazo, qual seja, a dos processos de integração regional, que serão investigados nessa tese com foco na Europa e na América do Sul. O desafio do presente trabalho é, portanto, compreender as transformações da dimensão regional na ordem política contemporânea, a partir do debate sobre o novo papel das regiões no contexto de crise do Estado nacional e da nova ordem mundial, incluindo a formação de blocos econômicos. Isso porque as mudanças da cena internacional na globalização impactam em diferentes escalas (regional, nacional e mundial), e em especial no regionalismo supranacional que lida com as clivagens regionais no interior dos Estados-membros dos acordos de integração regional. Este trabalho propõe, como objetivo central, compreender, como em um processo acelerado de globalização, são tecidas relações entre países, dando origem a novas regionalidades supranacionais que são capazes de promover o desenvolvimento capitalista utilizando–se de estratégias que combinam as regiões e/ou países mais avançados com outros que apresentam déficits sociais e econômicos; sobretudo entender quais os mecanismos que são empregados no apoio econômico a estes últimos (regiões ou países). Para tanto, se faz mister uma compreensão do que seja a regionalidade, conceito que será recorrentemente associado às abordagens do presente estudo.


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O termo regional pode designar variadas realidades, sendo-lhe atribuído, portanto, semânticas diferentes. Pode ser empregado como regionalismo ou neo-regionalismo – incorporando neste caso um sentido internacional, envolvendo a formação de blocos econômicos, comunidades e mesmo uniões entre Estados nacionais, ou mesmo conjuntos que possam abranger um conjunto pós-nacional. Mas pode, também, semanticamente, referir-se a um espaço no interior do Estado nacional, neste caso, sendo utilizadas variadas expressões, de acordo com a realidade histórica de cada formação nacional. Trazer o regionalismo à luz do debate acadêmico – retomando a investigação sobre a sua pertinência na época atual –, é relevante por se tratar de um tema ligado ao entendimento das raízes sociais e da história da sociedade, por outro lado, por ele ser reposto nesse período de mundialização. O papel da questão regional nos processos de integração em contextos específicos diz respeito não somente ao entendimento da política de desenvolvimento (regional) na atualidade, mas também mostra oposições e paradoxos contínuos nas formas de singularização ou de homogeneização das escalas nacional, regional (infranacional) e macrorregional (transnacional). Nesse sentido, é necessário (re) discutir a região em vários planos: (a) sua sobrevivência em um mundo de fronteiras não-políticas móveis; (b) sua capacidade de aproximar ou distanciar indivíduos, políticas públicas e poderes; e (c) sua situação em um mundo de reagrupamentos macrorregionais (por exemplo, MERCOSUL e União Europeia). A discussão acerca do regionalismo é, seguramente, bastante ampla; este o tema foi eleito como ponto de partida para a discussão do papel das políticas regionais enquanto um mecanismo de conexão supranacional nos processos de integração entre países. Os estudos têm demonstrado que a nação, o regional, a comunidade supranacional e o mundial formam processos complementares, mas também conflitantes entre si. A escala regional sempre apareceu como intermediária entre o nacional e o local, mas agora, sobretudo


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com a experiência Europeia, aparece como uma esfera de ligação entre diferentes espaços nacionais, ou seja, como um instrumento de ligação supranacional. A motivação para pesquisar a região, a partir da análise de políticas públicas regionais e de caráter transnacional em experiências contemporâneas como a da União Europeia e do MERCOSUL, advêm da importância cada vez maior dessas políticas na atualidade. E também em razão de, apesar da extensa literatura sobre a integração regional e o regionalismo, não existirem ainda suficientes trabalhos em sociologia política no Brasil que abordem a política de combate às disparidades regionais e às assimetrias em processos de integração entre países. O significado das políticas públicas e dos instrumentos estatais com vistas ao desenvolvimento regional torna-se consistente em face dos desafios impostos pela mundialização, tanto na União Europeia quanto no MERCOSUL. A constituição de instituições, regionais de caráter supranacional, sobretudo no caso da União Europeia, representa um impulso a flexibilização dos controles exercidos pelo Estado nacional. O estudo das características das políticas regionais que foram adotadas pelas duas experiências concretas de integração regional, permitiu traçar um perfil das políticas, ao mesmo tempo em que se pode avaliar e discutir o seu papel no que concerne aos seus impactos no âmbito regional e transnacional, com ênfase nos problemas do combate às desigualdades (regionais) e no significado desse combate para a integração regional na globalização. No percurso investigativo, adotou-se como detalhamento empírico de pesquisa as políticas contidas nos fundos estruturais e de coesão na União Europeia, bem como o papel da Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e o Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM) na América do Sul.


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Para investigar a política de desenvolvimento regional na Europa e na América do Sul foram adotados os seguintes procedimentos metodológicos nesta pesquisa: extensa revisão bibliográfica nacional e internacional e um estudo aprofundado das diversas categorias de análises privilegiadas no presente estudo; pesquisa documental, eletrônica e de arquivos, na imprensa, universidades, órgãos governamentais, entidades civis e privadas; e pesquisa de dados secundários estatísticos sobre a União Europeia e suas regiões e sobre o MERCOSUL e a América do Sul, com relação à economia, aos indicadores sociais de desenvolvimento, ao comportamento político e à participação. Um importante instrumento utilizado foi o material cartográfico (mapas), o qual serviu para ilustrar as temáticas abordadas – por exemplo, as diferentes etapas de ampliação da União Europeia (cap.II) e as diversas iniciativas de integração regional no hemisfério americano (cap. IV) –, e trazer informações preciosas para a compreensão dos problemas abordados. O livro está estruturado da seguinte forma: esta apresentação, cinco capítulos, conclusão e referências bibliográficas. O capitulo I é uma introdução teórica da tese; os capítulos II e III abordam a União Europeia; e os capítulos IV e V tratam das experiências regionais na América do Sul, em especial do MERCOSUL; e por fim são apresentadas as considerações finais e as referencias bibliográficas e sites consultados. Inicialmente, o texto detém-se na discussão sobre como a mundialização e as mudanças na cena internacional têm proporcionado questionamentos ao território enquanto expressão da soberania nacional. Nessa linha de investigação, no Capítulo I – Mundialização, território e regionalismo – problematiza-se a permanência e as mudança a ideia de região no contexto de crise do Estado nacional, em decorrência dos desencaixes do globalismo transnacional e da constituição de blocos regionais. A ideia do que seja região vincula-se, também, à percepção


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da necessidade de uma nova discussão conceitual sobre as categorias analíticas que têm lhe dado fundamento na literatura internacional e brasileira. Busca-se compreender de que modo tais categorias estão relacionadas com o debate sobre a pertinência ou não da noção de desenvolvimento desigual, e como a problemática das disparidades entre as regiões no interior de um espaço nacional se inserem em contextos de articulações supranacionais, instaurando-se um debate sobre o papel do Estado e as formas de atuação política em estruturas para além do Estado nacional. No Capítulo II – A construção da União Europeia – discute-se a construção Europeia nas últimas seis décadas, sendo abordadas, primeiramente, a origem e a evolução histórica e institucional da União Europeia e ressaltados os momentos mais importantes e a sua significação política, em particular os impactos dos recentes alargamentos do bloco europeu. Em seguida, o debate restringese às diferentes formulações acerca da experiência Europeia recente, identificando-se quais os ensinamentos ou mesmo qual o tipo de problemas que essa experiência proporciona no campo da sociologia política. É importante ressaltar que a União Europeia, enquanto realidade, apresenta-se em constante movimento, alterando sua própria perspectiva, marcada por idas e vindas, relacionandose com as complexidades e as transformações globalizantes do espaço mundial. Um primeiro aspecto relevante que os estudiosos da União Europeia pontuam é o próprio fato de seu processo de integração apresentar questões como a formação de uma entidade institucional supranacional e a participação cidadã em uma esfera transnacional, cujos temas são inéditos para o campo de estudo da sociologia, da política e das relações internacionais. O Capítulo III – A geometria das políticas públicas regionais da União Europeia – aborda, inicialmente, a diversidade da questão regional (enquanto espaço infranacional) nos países europeus. Na


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seqüência, são trazidos os primórdios da política regional Europeia e o papel crucial dos fundos estruturais de desenvolvimento para a constituição de uma política regional. São analisados, ainda, os dados empíricos da política regional da União Europeia para os períodos de 2000-2006 e 2007-2013. Por fim, são apontados outros aspectos da política regional Europeia, como o incremento das articulações transfronteiriças e a atuação do comitê das regiões. No Capítulo IV – A experiência de integração regional na América do Sul – são analisadas as contradições e os dilemas das diferentes experiências de integração regional no continente americano. Preliminarmente, são discutidas as bases de desenvolvimento da América Latina, evidenciando-se a relação entre as etapas de desenvolvimento – o longo período primário exportador, o momento da intensificação da industrialização sob o comando do Estado desenvolvimentista, a fase da crise econômica aguda (anos 1980) e o apogeu e queda da política neoliberal. Nesse contexto, é abordado o papel da Comissão Econômica para a América Latina - CEPAL na articulação de um enfoque estruturalista sobre o desenvolvimento latino-americano e nos experimentos regionais de primeira geração (anos 1950-60) na América Latina. Apresentam-se, em seguida, as principais experiências atuais de integração regional. Finalmente, o capítulo discute a formação e desenvolvimento do MERCOSUL, considerando-se ser esta a experiência mais acabada e com um processo mais constituído entre as diferentes experiências existentes nas últimas décadas. O Capítulo V – As assimetrias regionais e a política de coesão na integração sul-americana: a IIRSA e o FOCEM – traz uma discussão inicial sobre a importância da liderança do Brasil na atualidade. (Ressalta-se, entretanto, que o eixo central do capítulo é a análise de duas experiências de política regional de integração na América do Sul, a saber: a) IIRSA, uma iniciativa para a integração da infraestrutura regional sul-americana, a qual tem como perspectiva a aproximação entre a Comunidade Andina


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de Nações e o MERCOSUL no projeto da UNASUL no plano regional. b) FOCEM, um fundo criado pelo MERCOSUL visando o combate as assimetrias entre os países- membros. Na conclusão é feita uma análise dos instrumentos e da significação das chamadas políticas de integração regional no contexto da União Europeia, e das políticas públicas formuladas e executadas no MERCOSUL e na UNASUL, buscando observar o papel das políticas regionais em experiências de integração regional para uma nova ordem mundial. O presente trabalho é fruto da tese de doutorado apresentado na UFBA, em janeiro de 2010, sob orientação da professora Ruthy Nadia Laniado. A presente edição não realizou nenhum tipo de atualização de conteúdo, certamente uma nova redação do texto implicaria uma modificação substancial, em especial das conclusões dos capítulos,uma vez que a União Europeia passou por importantes turbulências, como a crise grega e recentemente o Bretix Inglês. Da mesmo forma, as experiências de governos de centro-esquerda na América do Sul foram contestadas, o que repercutiu negativamente no desenvolvimento do Mercosul. A opção adotada foi publicar a tese tal como foi escrita na época da defesa, realizando tão somente uma adequação do formato e de ortografia.



A MUNDIALIZAÇÃO, TERRITÓRIO E REGIONALISMO O processo de mundialização veio à tona, a partir do incremento dos fluxos globais de comércio, capital, mercadorias, conhecimento e informações. Pode-se afirmar que esse processo envolve o ingresso de novos padrões tecnológicos ou o incremento da concorrência de mercado em escala planetária como também a elevação dos investimentos, devido ao aumento da liberalização do comércio internacional e à desregulamentação financeira, tendo profundos impactos em variadas esferas da vida social na atualidade. O objetivo central da pesquisa é estudar as mudanças da cena internacional no contexto da mundialização, na tentativa de entender como estas impactam nas diferentes escalas. Em especial compreender como o regionalismo supranacional lida com as clivagens regionais no interior das nações, as quais participam do acordo de integração regional. Este capítulo centra-se nas categorias teóricas do referido tema, para permitir localizar a discussão sobre as mudanças no espaço mundial, e também apresenta uma contextualização e uma caracterização dos fenômenos da mundialização e da regionalização na atualidade. Inicialmente, debatem-se as características mais significativas (sobretudo do ponto de vista dos atores políticos) do processo atual de mundialização, em particular as repercussões teóricas no campo da sociologia das relações internacionais, discutindo a emergência de novas abordagens. Em seguida, analisa-se os impactos no espaço territorial, especialmente em relação ao papel do Estado nacional e, por fim, o significado do regionalismo e do neo-regionalismo hoje.


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A MUNDIALIZAÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO MUNDIAL A partir da crise econômica da década de 1970, e com o fim dos chamados trinta anos gloriosos1, a economia capitalista passou por um processo de crise e reestruturação, acelerandose o processo de divisão internacional do trabalho, a constituição de novos padrões de localização das atividades econômicas e, por conseguinte, alterando-se as territorialidades existentes. Para Plihon (2007), a fase contemporânea da mundialização2 é apresentada pela ideologia neoliberal como o triunfo do mercado mundial e da economia capitalista. A vitória da política conservadora de Margaret Thatcher e Ronald Regan, no início dos anos 1980, representou uma virada política importante que preconizava a adoção de uma política liberal e monetarista no interior dos Estados e no comércio mundial. Entretanto, a predominância das grandes corporações e dos detentores do capital financeiro evidência que não existe um mero retorno a um liberalismo econômico tal qual havia na primeira metade do século XIX. O que se vivencia é a proliferação de uma globalização financeira com o fomento de um mercado internacional de capital. A constituição da globalização financeira pode ser definida como um processo de interconexão dos mercados de capitais em níveis nacional e internacional, conduzindo a emergência de um tráfico financeiro unificado em escala planetária. Entretanto, é importante assinalar que a globalização financeira se insere num 1- Os Trinta anos gloriosos é o período de crescimento do capitalismo na segunda metada do século XX, compreendendo o ciclo iniciado no fim da II Guerra Mundial (1945) até a crise dos anos 70.ADDA, (2008) ; HARVEY,(1993); HOBSBAWM(1995) 2- O termo mundialização é utilizado por autores de tradição francesa. CHAVAGNEUX C., PLIHON (2007), CHESNAIS(1996), DIECKHOFF(2004), DOLLFUS(2007), ADDA(2008), GRAZ(2008), MUCCHIELLI(1998), SENARCLENS(2000, 1998), MICHALET(2002), LAROCHE(2002), LÉVY(2008), WAGNER, (2007)


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processo longo e complexo de globalização da economia, não sendo um processo novo, mas que tem suas origens com a expansão capitalista ainda no século XIV. Em relação à esfera econômica, Dupas (2001) ressaltou que, a partir da década de 1980, houve um aumento da internacionalização da economia capitalista, provocando o que se convencionou denominar globalização. Esse processo caracterizou-se por uma intensa integração dos mercados financeiros mundiais e pelo crescimento do comércio internacional, viabilizado pela inclinação à derrubada das barreiras protecionistas e pelo aumento da importância das empresas transnacionais no mercado mundial. Do mesmo modo, o fracionamento das cadeias produtivas incorporou parte dos bolsões de mão-de-obra barata em escala global sem necessariamente elevar-lhe a renda. Um das características da globalização é o seu caráter paradoxal e, em alguns casos, até mesmo contraditório. Dupas (2001) assinala que hoje se vivencia um aumento da defasagem entre riqueza/ pobreza, conhecimento/analfabetismo, etc., seja na concentração, seja na fragmentação. Por um lado, a concentração caracteriza-se pela necessidade de uma escala cada vez mais ampla de investimentos para manter ou adquirir liderança tecnológica, provocando a redução da quantidade de agentes que decidem o quê, como, quando e onde produzir os bens e serviços. Por outro lado, a fragmentação apresentase de diferentes modos, tal como o partilha da produção mundial nas parcerias e nas subcontratações, entre outros. Nesse processo, um fator igualmente relevante é o movimento internacional do capital, notadamente pelos Investimentos Diretos no Exterior (IDE), realizados pelas empresas transnacionais. Enfim, existe a acentuação de um processo de interpenetração crescente das economias nacionais no mercado mundial, enfraquecendo progressivamente as fronteiras e as regulações nacionais, provocando assim a desterritorialização das atividades econômicas.


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As cifras são eloqüentes da magnitude do sistema financeiro internacional, uma progressão explosiva das interconexões. Para Chesnais (1996), as contradições são consubstanciadas pela valorização excessiva do dinheiro, que coloca a necessidade de uma teoria do capital mundializado e dos sistemas de relações políticas da globalização, compreendidos como “elementos de uma totalidade, de diferenciados no interior de uma unidade”. Um dos marcos da mundialização é a presença cada vez mais relevante das empresas multinacionais, que realizam negociações diretamente com os governos, buscando incentivos e vantagens locais para sua implantação (benefícios fiscais, infraestrutura, etc.), afetando os grupos econômicos nacionais e a força de negociação dos sindicatos. É importante destacar, ainda, o papel das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC), as quais contribuíram para a aceleração da circulação das informações em escala planetária e também para a implementação de redes de empresas no mundo, com o desenvolvimento da economia virtual e imaterial. Toda essa dinâmica acarreta uma maior dificuldade para o controle do movimento financeiro, com a criação de paraísos fiscais, e de outros mecanismos, como na recente crise financeira. Para Mucchielli (2006), uma expressão marcante da importância das empresas multinacionais no cenário atual da mundialização é o processo de deslocalização industrial, que tem provocado dificuldades financeiras nos países de industrialização avançada, com um forte aumento nas taxas de desemprego. Tomando o exemplo francês, o autor chama atenção para o processo de abertura de novas empresas estrangeiras na França, bem como para o deslocamento de empresas francesas em direção ao exterior, além do aumento da participação do capital estrangeiro em empresas francesas e vice- versa. De uma maneira geral, desenvolve-se um processo de multinacionalização das empresas como um fenômeno internacional.


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Therborn (2000) afirma que, para uma conceituação do termo globalização, é preciso desenvolver uma análise multidimensional e histórica, pois são distintos os impactos em esferas da sociedade global e dentro de cada sociedade particular. Apesar do movimento – aparentemente homogeneizador – de integração dos mercados e fluxos, a globalização não eliminou, de forma nenhuma, as desigualdades entre os países e mesmo dentro das fronteiras dos Estados que organizam o mapa das nações. Existe hoje tanta desigualdade econômica dentro dos Estados quanto existe entre nações e regiões no mundo. Na sua análise sobre as várias dimensões da globalização, Therborn (2000) assinala os diferentes discursos sobre o tema. O principal deles é o econômico, que se refere aos novos padrões de comércio, investimento, produção, empreendimento e consumo. Um segundo tipo, que tem uma derivação do econômico, é o sociopolítico, que aborda questões relativas ao Estado, à nação e à governança global. Em terceiro lugar, e paradoxalmente, a globalização fomentou um discurso de protesto sociocrítico contra a própria realidade que produz por meio do surgimento de movimentos sociais transnacionais contestadores. Existem ainda outros discursos: o cultural, que apresenta a globalização “como fluxos, encontros e hibridismo culturais” e, por fim, o ambiental, o qual salienta que diversos problemas ecológicos são de responsabilidade de todos os habitantes do planeta. Para Bartelson (2000), o termo globalização é dúbio. Em alguns casos, o conceito não apresenta uma contribuição teórica relevante para se analisarem as transformações da atualidade, gerando imprecisão nos debates sobre o que ele inclui ou o que exclui. O conceito de globalização acaba por induzir a uma aceitação, muitas vezes acrítica e factual, dos acontecimentos ou fenômenos que procura descrever ou analisar. Desse modo, a globalização descreveria três dimensões dinâmicas: passagens e fluxos constantes (intensificação das


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trocas), modificação (mudanças nos sistemas e nas identidades de suas unidades constitutivas) e transcendência (seriam dissolvidas as fronteiras de inclusão ou exclusão). A mundialização nos obriga a tratar de maneira relativa a relação entre o endógeno e o exógeno, pois a ação humana atua em todo o planeta e promove, ao mesmo tempo, uma diversificação e homogeneização do mundo. Dollfus (2007) e Lévy (2008) ressaltam que a mundialização multiplica as métricas, sendo possível dizer que tal fenômeno relativize as distâncias via o incremento da tecnologia das comunicações, ao mesmo tempo em que são produzidas realidades instantâneas. Nesse sentido, a mundialização não tem uma definição precisa, sendo caracterizada como um fenômeno contraditório de natureza multidimensional, com uma predominância inicialmente no terreno econômico, mas que se manifesta em diferentes domínios. Há uma vaga de liberação de capital e de mercados, a partir dos anos 1980, com expansão mais abrangente nos anos 1990. Essa manifesta-se, sobretudo, em uma intensificação das trocas internacionais, em especial entre os grandes polos econômicos. Além disso, observa-se a agregação, de maneira diferenciada, de países emergentes, a exemplo da China, da Índia e do Brasil, no comércio internacional. Para Baumam (1999), entender as novas polarizações na globalização é discutir como o novo pode ser também o verniz para que antagonismos entre ricos e pobres sejam naturalizados. Em relação às identidades espaciais, o autor analisa o impacto da mutação do espaço e do tempo que modifica o significado da vizinhança nas mega-metrópoles contemporâneas. O espaço comum vincula-se ao problema da soberania política, abrangendo um mundo de informações; e a economia modifica a participação política e a capacidade decisória das comunidades. Essa proliferação de atores na cena internacional tem suscitado o debate em torno da possibilidade de criação de uma


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“sociedade civil internacional”, como destaca Pouligny (2001), para quem a própria sociedade civil internacional apresenta-se como um campo de poder fortemente assimétrico no seio dos efeitos da competição, da hierarquização, da exclusão e da institucionalização, em relação a uma exigência democrática de um espaço público mundial. Neste contexto, a sociedade civil internacional tende a refletir ela mesma as contradições da sociedade atual, em particular a questão da preponderância do poder econômico e de sua influência nas instituições nacionais e internacionais. Do ponto de vista conceitual, os usos do termo sociedade civil não têm uma uniformidade e adquirem novas complexidades a partir do debate contemporâneo, em particular quando abrange a esfera global. A sociedade civil pode denominar projetos díspares de agrupamentos sociais, atuação de movimentos sociais, um conjunto de capacidades dos atores não estatais, articulações em rede de caráter permanente ou de maneira conjuntural. As diferentes abordagens clássicas (Locke, Hegel e Gramsci) sobre o conceito de sociedade civil consideram, sobretudo, como uma categoria de espaço político interior, privilegiando largamente as interações sociais no interior de uma sociedade, mesmo que relacionada com os fatores exteriores, num quadro de interações internacionais. Além do mais, as assimetrias da globalização econômica atual, com o aumento das desigualdades sociais e um cenário internacional de expressivo déficit democrático, têm sido um combustível para o aparecimento de movimentos sociais contestatórios. Conforme explicam Milani e Laniado (2006), uma das características do novo cenário é a sua natureza anti-sistêmica e anti-hegemônica, pois os efeitos e resultados da globalização, contraditoriamente, favorecem o surgimento de um campo político e social contestatório. (...) quase paradoxalmente, a globalização em si mesma favorece a expressão da contestação transnacional, criando estruturas da contestação transnacional, criando estruturas de


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oportunidade e também circunstâncias políticas para a ação de movimentos antiglobalizacao e dos alternativos à globalização. (TARROW apud MILANI, 2006. p.378).

Do ponto de vista adotado no presente estudo, entendese que, para uma análise da globalização, é necessário incorporar às dimensões já assinaladas as relações de poder e os conflitos aí envolvidos. A globalização não pode ser dissociada dos dilemas do poder presentes em diferentes realidades nacionais, tampouco pode ser afastada dos conflitos existentes entre estados e classes sociais, ou entre ganhadores e perdedores. Poder e conflito são dimensões que permitem, constantemente, reavaliar os aspectos qualitativos e extensivos da globalização e relacioná-los aos homens e não somente aos processos ou dinâmicas e sistemas. Relacionam-se, portanto, também aos padrões de desigualdades sociais (emprego, distribuição da riqueza, educação e saúde, migração). Os efeitos dessas modificações vão reconfigurar o cenário mundial. A constituição de redes e a capacitação de novos atores – ONGs, coletividades locais, associações internacionais, firmas transnacionais, etc., – acentuam a incapacidade crescente do Estado em produzir mudanças face aos novos déficits internacionais. O problema do espaço e do tempo dentro das novas visões do mundo, com o aparecimento das novas geografias, apresenta uma tendência à relativização da oposição muito rígida entre território e interações, envolvendo uma dinâmica que vai do local ao transnacional. O desenvolvimento de um grande número de variáveis na cena internacional, com novas configurações de atores, tem aberto diferentes possibilidades no mundo contemporâneo, o que tem disseminado novas temáticas para a ciência política e para sociologia das relações internacionais. Assim, antes de abordarmos o significado da imbricação das escalas nacional, global e regional no contexto atual, a qual reconfigura o regional na globalização, será


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feita uma breve discussão acerca da evolução temática e dos debates nas diferentes abordagens teóricas das relações internacionais. Nos últimos anos tem ocorrido um questionamento e, ao mesmo tempo, uma renovação no campo teórico das Relações Internacionais. As grandes modificações da cena internacional têm suscitado problemas que desafiam as diferentes abordagens. Uma das questões mais deploradas na atualidade é o atraso da teoria das Relações Internacionais em relação aos acontecimentos mais recentes. Como exemplo mais marcante a autora cita a incapacidade em prever o fim da Guerra Fria. O desenvolvimento do campo teórico das Relações Internacionais sempre esteve intimamente ligado ao desenrolar da própria cena internacional. Dessa forma, as preocupações, as temáticas e as questões suscitadas pelas diferentes abordagens têm relação com o desenrolar do próprio contexto histórico e da estruturação do cenário nacional/internacional. Além disso, as relações de poder estão presentes no cenário internacional que se expressam, ainda que de maneira indireta nas diferentes teorias. Badie e Smouts (1998) destacam que os termos mais utilizados nos últimos anos têm sido: caos, turbulência e dialética da ordem e da desordem. O debate contemporâneo sobre as relações internacionais no mundo depara-se com o processo de estruturação do espaço mundial a partir não somente dos atores estatais, mas também da participação das redes de interações sociais, bem como de atores não estatais. Os autores chamam atenção de que o Estado nacional foi apresentado como uma unidade base do sistema internacional e que a sociedade internacional tem sido caracterizada como uma sociedade interestatal. As teorias da ação e da ordem internacional se expressam no papel marcante da diplomacia estatal enquanto função reguladora por excelência das relações internacionais, ou seja, prolongamento direto de cada ator estatal. Entretanto, na


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atualidade é cada vez mais difícil fazer do Estado um componente exclusivo e soberano do sistema internacional. Dessa forma, em uma época em que as relações internacionais escapam do exclusivismo estatal, as igrejas, as empresas transnacionais, os grupos de pressão transnacionais e os imigrantes clandestinos, entre outros atores, tendem a mudar as normas, gerando conflitos. Um grande debate que marcou a discussão sobre os fundamentos da cena internacional foi o significado do poder nas relações internacionais e, em particular, do papel do Estado nacional enquanto ator das relações internacionais. Para os teóricos da abordagem realista, o Estado aparece como o poder estruturante do sistema mundial, que explica as relações de força no terreno internacional. Por sua vez, os idealistas apresentam como uma das suas temáticas preferenciais a possibilidade de os atores coletivos poderem cooperar para além das fronteiras, ou seja, a possibilidade de utilização de instrumentos cooperativos acima dos poderes das potências estatais. Badie (2000) salienta que os teóricos do realismo consideram que o Estado é a unidade base, o principal elemento constitutivo das relações internacionais, que busca de maneira incessante a satisfação da segurança e do exercício do poder, havendo uma clara distinção entre domínio externo e domínio interno. Por conseguinte, os juristas vinculados a essa abordagem salientaram que somente os Estados soberanos, por essência, são produtores de direito. A paz de Westphalia (1648)3 apresenta-se como o marco histórico, que oficializou os princípios de território e soberania. Nesse sentido, território é concebido como um espaço estruturante de uma comunidade política, um meio de controlar uma população, de impor uma autoridade e afetar e influenciar seu comportamento. 3- A paz de Westphalia (1648) foi uma série de tratados que terminou a Guerra dos Trinta Anos na Europa em 1648. Nestes tratados foram estabelecidos o moderno Sistema Internacional, com oficialização dos princípios de soberania de estado e o de Estado nação. (BADIE, 1999; MILANI, C. R. S. e LANIADO, 2006) Para consulta do tratado http://www.pax-westphalica.de/


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O território oferece ao governo a competência e os meios de se definirem, ao lado de critérios culturais e particularistas, as condições para governar a população. Para Morgenthau (1999), é no território que o poder centralizado exerce sua autoridade. Além disso, através da ligação entre soberania e poder, a designação de um modo de representação permite aos governantes o direito de agir em nome dos outros e pelos outros, indicando a capacidade de agir e de exprimir o domínio econômico e político. Do ponto de vista internacional, para a abordagem realista, o Estado tem a capacidade de agir em relação a outros Estados, quando consegue antes de tudo desenvolver a capacidade de garantir a integridade do seu território e defender a segurança da sua população. A ingerência de um Estado nos negócios dos outros é a ultrapassagem da demarcação entre interno e externo, e, portanto, a quebra da soberania. Para a teoria realista, a inteligibilidade do mundo, separa o interno e o externo, sendo a soberania um marco fundamental da capacidade de atuação dos diferentes Estados. Devin (2007) destaca que, na época presente, as relações de interação (modificação do comportamento do ator que age para modificar o conjunto das relações) e interdependência (produção de efeitos de agregação), enquanto elemento importante nas definições na política mundial, impõem-se como problemáticas da sociologia das relações internacionais. A questão da interdependência entre os atores transnacionais não estatais e os atores estatais, aparece com aspecto relevante nos debates das novas configurações do espaço mundial. Para Keohane e Nye (1989), autores da perspectiva interdependente, as multiplicações de ligações e intercâmbios operados pelo Estado e as ligações entre os atores, Estados e outros atores internacionais têm um aspecto crucial na atualidade. Partindo da teoria da dependência, Cox (1996) aponta para a desigualdade entre Estados o que se reflete na distribuição de recursos


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e capacidades; assim, o intercâmbio internacional é visto como uma tradução do imperialismo. Essa abordagem inovadora introduz o pensamento gramsciano nas Relações Internacionais, construindo a partir dele a noção de estrutura hegemônica, que renova o estudo sobre multilateralismo, incluindo grupos sociais e diversos componentes da sociedade civil. Essa perspectiva trabalha com a longa duração e diferentes fases da ordem mundial, como as estruturas sociais em relação ao capital e ao trabalho na economia mundial. Do ponto de vista conceitual, Cox (1996) critica as abordagens tradicionais por tomarem o mundo como algo preestabelecido, em que as relações de poder existentes, e as instituições nas quais estas se concretizam, são apresentadas como funcionais. Essas abordagens teriam excessiva preocupação com o melhor funcionamento das instituições, organizações, regimes, e sistemas, abstendo-se de questionar essas instituições e a sua significação concreta no contexto histórico. Por sua vez, uma abordagem Crítica, em contraste, baseia-se no questionamento das origens e dos mecanismos de construção da legitimidade das instituições, regimes ou sistemas. Uma afirmação de Cox (1996) a esse respeito é significativa: “a teoria é sempre para alguém e para algum propósito”, ou seja, não existe um posicionamento neutro das diferentes abordagens teóricas no campo das Relações Internacionais. Um ponto importante na abordagem de Cox é a relação entre as forças materiais de produção, as instituições políticas e as ideias. A capacidade do exercício do poder envolve a interação entre as relações sociais, as relações econômicas e as instituições políticas em que a economia e a política estão interligadas. A economia interfere na política, mas também o poder tem a capacidade de interferir na forma pela qual a produção é feita e como é realizada a distribuição da riqueza.


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Em relação à ordem mundial, o autor utiliza a noção de hegemonia para explicar a forma pela qual as ideias dominantes cumprem um papel importante nos padrões existentes nas relações internacionais. Assim, o poder na ordem mundial e a luta pela hegemonia não se reduzem à disputa do domínio militar ou material, mas envolve também elementos ideológicos entre diferentes grupos dominantes e dominados4. O TERRITÓRIO E A SOBERANIA NACIONAL NA MUNDIALIZAÇÃO No seu estudo sobre mundialização, Carroué (2007) ressalta a importância da interconexão complexa de territórios diversificados, envolvendo em sua dinâmica o meio natural, a sociedade e a economia, sendo produto de uma herança histórica e das interações das diferentes escalas espaciais. A época contemporânea é caracterizada pelo emaranhado de transformações, o que nos obriga a uma reflexão acerca das continuidades e rupturas introduzidas pelas mutações atuais, em especial o papel estratégico das inovações, como o melhoramento dos meios de transporte, a circulação de informações e a atuação de atores privados. Nesse contexto, a crise na relação local/global problematiza a pertinência das noções geográficas tradicionais como nação, região e território. As grandes transformações dentro da divisão internacional do trabalho e do aumento das transações econômicas transnacionais, por fora do controle dos governos, levaram ao enfraquecimento dos controles estatais dos territórios, formando uma economia mundial com uma redução substancial da capacidade de intervenção do 4- Alexander Wendt apresenta uma abordagem conhecida como construtivismo social,na qual também discute o processo de construção social das relações internacionais. Ele busca,, ao mesmo tempo, abordar elementos estruturais e processos sociais de formação social, a partir de um relativismo do papel das instituições e de variadas temáticas nas relações internacionais.( BATTISTELLA, 2003).


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Estado. Assim, até mesmo a cena internacional que, por longo tempo, teve uma atuação exclusivamente interestatal, tem na atualidade a presença de outros numerosos atores que escapam largamente do controle da soberania do Estado e das suas funções reguladoras. Por exemplo, a deslocação das unidades de produção ou a mobilidade do capital tem gerado dificuldade para o Estado em estabelecer políticas de controle em seu próprio território. Para Harvey (2004), o Estado realmente vem perdendo a capacidade de regular os mecanismos de distribuição e de concorrência, uma vez que a mundialização dos fluxos de capital permitiu ultrapassar os limites de regulação que estava antes basicamente restrito ao quadro nacional. Uma das principais teses defendidas pelo autor é a de um capitalismo de acumulação flexível, depois da tormenta dos anos 1970, não tanto pela flexibilização generalizada do mercado de trabalho, mas, sobretudo, pela autonomia sem precedentes do capital financeiro, em relação aos circuitos de produção material. Em outros termos, desenvolve-se o aumento da fluidez das representações, inclusive dos territórios, a partir da compressão do tempo-espaço, gerado pela inovação tecnológica e pelo aumento dos fluxos. A constituição de uma economia mundial como um sistema de produção e de finanças relativamente recente e que escapa largamente à regulamentação nacional. Com efeito, a economia mundial produz a fragmentação territorial do sistema de Estados, sobretudo em diversas etapas do processo de produção e nos procedimentos fiscais. Há, portanto, ao mesmo tempo, uma distinção entre economia real e economia financeira ou simbólica. Assim, assistimos, simultaneamente, a uma interdependência e a um maior reajustamento dos espaços na economia, que tem provocado uma erosão da independência do Estado. A consequência disso é o desaparecimento da proteção social, o crescimento do desemprego e o aumento das migrações internacionais. Consequentemente,


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a mundialização econômica tem gerado cada vez mais uma interdependência, com o reforço da pluralidade territorial do regime econômico mundial. Para Badie (1999), o território não é um dado estabelecido, mas uma construção, usado como instrumento de ação política e corresponde a uma história e a um conjunto de invenções. Para o autor, seu papel social é indissociável da sua função, ou seja, a sua capacidade reguladora de objetos e pessoas dentro de um espaço convencionado e controlado pelo Estado. Como explicação do mundo, a noção de território na sociedade moderna, vem desde o renascimento, passando pela revolução produzida pela mecânica de Galileu e pelo emprego no mundo ocidental da geometria e da cartografia na construção espacial da própria realidade. A dialética da identidade e da territorialidade está em todos os lugares. Na cena política, mais que o surgimento de novos cenários e repertórios, temos processos inacabados, espaços intermediários, e soluções provisórias. A fragmentação, bem como a pluralidade de espaços criados através de novas inter-relações mais extensas e descontínuas, diferenciadas em uma mesma temporalidade, fora das relações imediatas de co-presença, que tendem ao aumento dos deslocamentos das formas tradicionais de territorialidade, têm provocado o surgimento do debate em torno da desterritorialização. No entanto, para Haesbaert (2006), a noção de desterritorialização não expressa uma compreensão adequada das modificações em curso e mais confunde do que explica as novas configurações. Para o autor, não é possível a não-existência de um território, e a desterritorialização apresenta-se como um mito edificado para contornar a complexidade do problema da multiterritorialidade, entendida como a formação de espaços fluidos de dessemelhantes modos de inserção, que têm relação direta com a intensa mobilidade dos indivíduos e dos bens, serviços e valores culturais.


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Pode-se afirmar que a noção de multiterritorialidade defendida por Haesbaert (2006) aparece como resposta à noção de “desterritorialização”: discutindo o enredamento dos processos de (re) territorialização, produzindo na ultra-modernidade, territórios muito mais múltiplos. Cabe destacar que o território tem uma dupla conotação, material e simbólica, sendo que a multiterritorialidade da modernidade avançada potencializa a atuação em escalas geográficas diferenciadas. Isso porque, além de incorporar uma dimensão política, diz respeito também às relações econômicas e culturais, ligando-se à maneira como os atores sociais utilizam as próprias escalas, sejam elas locais, regionais, nacionais e transnacionais, que se combinam ou se antagonizam, dando significado ao lugar de pertencimento ou exclusão. As articulações em diferentes escalas e a multiterritorialidade estão ligadas não somente às mudanças quantitativas, pela intensidade dos ritmos de tempo e espaço e pela maior diversidade de territórios que se colocam ao nosso dispor, mas também apresentam aspecto fundamentalmente qualitativo, na medida em que se podem combinar diferentes territórios. Dessa forma, é importante destacar, como afirma Lefebvre (1974), que os processos sociais acontecem no espaço e nos diferentes territórios. Há formas de distribuição espacial das atividades e das pessoas, sendo que o espaço é produto das relações sociais, e as relações sociais são especializadas. Além disso, as relações sociais não somente se estendem no espaço, mas os diferentes processos econômicos e políticos construídos a partir das relações sociais apresentam-se em distintas variáveis espaciais. Conforme destaca Masson (2006), a difusão dessa abrangência é o que caracteriza uma escala. Entretanto, observa a autora, as escalas não podem ser entendidas como compartimentos predeterminados, mas são organizadas ativamente pelos agentes sociais que concebem a ação e a definição das mesmas. Assim, por exemplo, a escala transnacional de atuação estrutura-se com base


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em atores que podem atuar nas mais diferentes localidades, através de uma diversidade de representações (materiais e simbólicas). As múltiplas escalas estão cada vez mais presentes como uma problemática relevante na contemporaneidade, sendo um ponto fundamental para a compreensão da diversidade regional em países como o Brasil, marcadamente heterogêneo e diversificado. Sob essa ótica, portanto, realizar-se-á neste capítulo uma discussão sobre as diferentes dimensões, por entender-se que elas estão imbricadas umas nas outras. As modificações na esfera econômica, em decorrência da globalização, tiveram um efeito devastador na esfera política, em particular na própria fundamentação do Estado-nação. Este se formou como ator central nas relações internacionais da modernidade e como gestor da soberania interna, sendo que uma das suas características mais marcantes é o controle do território através do exercício da soberania exclusiva, tanto em relação aos concorrentes internos quanto a outros estados nacionais soberanos. A REALIDADE HISTÓRICA DO QUADRO NACIONAL Em um mundo marcado por uma cultura política multifacetada, com a constituição de uma multiplicidade de subculturas, com novas formas de integração social e o persistente questionamento da antiga soberania nacional, pergunta-se: qual a perspectiva do Estado-nação? Para discutir essa questão, que se relaciona com a irrupção de novos atores no cenário transnacional, como as empresas transnacionais, as agências internacionais, as organizações não governamentais, bem como os movimentos alterglobalistas, é importante, ainda que de maneira sucinta, discutir o significado do Estado-nação enquanto entidade de sociabilidade e sujeito histórico chave na modernidade. Essa importância não pode ser explicada


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através de um discurso legitimador da própria noção de Estado nacional, que muitas vezes remonta a uma suposta ancestralidade ou a valores comunitários compartilhados. Para Gellner (2000), o advento do nacionalismo, enquanto uma cultura política, relaciona-se com a estruturação das unidades que ligam a soberania à cultura, fomentando não somente instituições, mas também valores para a própria socialização dos agentes. A história das nacionalidades pode ser vista como uma variante da criação de suas unidades como referências, as quais passaram por transformações sociais e econômicas substanciais. Assim, a modernização econômica provocou um processo de urbanização e a quebra de determinados valores tradicionais, o que produziu diferenças econômicas acentuadas e catalisadoras de antagonismos de grupos ou de classes. A cultura passa a demarcar a fronteira de uma unidade social ampla e internamente móvel, dentro da qual o indivíduo não tem uma posição fixa, movendo-se entre o rural e o urbano, em uma espécie de rotatividade baseada nos requisitos da produção. Os membros de uma mesma comunidade compartilham um mesmo código, a partir do qual o homem é identificado, cujos termos ele é capaz de operar e compartilhar. A construção do conceito de Estado-nação reporta-se a diferentes abordagens. Cabe relembrar que existe uma grande variedade de enfoques e polêmicas sobre a relação entre nação, Estado, modernidade e nacionalismo enquanto movimento político que reestrutura o mundo moderno no Ocidente. Para Bauer (2000), em seu estudo clássico sobre a nação, uma primeira dificuldade enfrentada por uma abordagem científica sobre o tema é que a ideia de nação provoca calorosas paixões e envolve toda sorte de visões tomadas como dados, que repercutiram não apenas na literatura, mas até mesmo nos costumes e na esfera jurídica. Ao falar de nação, Bauer (2000) analisa inicialmente as concepções mais comuns sobre o fenômeno. Considera que a nação pode ser entendida como uma comunidade de pessoas de uma mesma


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origem. Entretanto, como explicar, por exemplo, o fato de que a nação italiana foi formada por povos de origem diversificada? Da mesma maneira, tem-se a visão de que uma nação comporta uma língua comum que une as pessoas, mas há inúmeros exemplos na história das nacionalidades que relativizam essa tese. Os ingleses e irlandeses, assim como os sérvios e croatas, falam a mesma língua, mas não formam uma mesma nacionalidade; por outro lado, os judeus, na diáspora, falam línguas diferentes, mas formam uma nação. O discernimento de Bauer sobre o tema parte de sua crítica à concepção de comunidade natural, pois a tendência não é a permanência imutável da ancestralidade, mas a ocorrência de um processo de diferenciação social, fazendo com que condições diversas provoquem leituras e releituras do patrimônio comum. O autor questiona também a misteriosa explicação do Volksgeist - ou o espírito do povo - evocado pelos românticos. Após contestar as bases conceituais da nação, Bauer (2000) apresenta como explicação causal relativa, e de caráter provisório, o que ele chama de formação de um caráter nacional, compreendido por um complexo de características físicas e mentais que distinguem uma nação da outra. Esse caráter nacional é mutável, porque os membros das nacionalidades compartilham um sentimento de pertencimento que não é nem definitivo nem exclusivo, pois existem outros aspectos comuns que também interagem, a exemplo da clivagem de classe social. O capitalismo moderno introduz profundas modificações no caráter nacional, de modo que o capitalismo revolucionou a própria natureza das relações sociais, provocando uma significativa alteração na distribuição espacial e profissional das populações, modificando a vida dos camponeses, gerando a explosão da urbanidade e criando novas mentalidades.5 5- No Manifesto do Partido Comunista de 1848, MARX e ENGELS (1998) salientaram que uma das características mais marcantes do capitalismo é a modificação constante dos seus próprios pressupostos; referindo-se a esta ideia como: “tudo que é sólido se desmancha no ar”.


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A nação e a identidade nacional fazem parte das noções que são apresentadas como evidentes e que, aparentemente, sempre existiram, ao mesmo tempo envolvendo acentuadas polêmicas. Para Thiesse (2001), é preciso demonstrar como foram construídas as identidades nacionais, colocando em evidência sua historicidade. Nesse sentido, a autora destaca que a ideia de nação tem uma definição moderna, política, e que emerge nos meados do século XVIII. No processo de construção de um princípio de unidade social abstrata, a nação é linha fundamental para pensar a emanação do poder e os espaços exteriores e interiores. O processo de construção de identidades nacionais passa primeiro pela identificação dos ancestrais, que inclui a elaboração dos mitos fundadores, bem como a fabricação de uma língua nacional, do folclore e, posteriormente, pela formação da cultura de massa, que em cada época tem sua forma específica a qual se expressa, em seguida, na difusão da educação nacional, que passa também pelos difusores do chamado patrimônio nacional, como intelectuais, poetas, associações culturais, bem como a realização de exposições em museus, construção inclusive material desse patrimônio comum compartilhado. Para Hobsbawn (1990), o nacionalismo, e mesmo a nação, assim como as tradições não são naturais, mas constituem-se enquanto elaborações sociais construídas historicamente, e as instituições nacionais, por consequência, são formadas em um processo complexo. Não é possível separar os elementos que compõem a nação, nem tentar atribuir à nacionalidade uma grandeza única, seja política, cultural ou outra qualquer. Portanto, para o autor, a nação não é uma entidade social originária; ela precisa ser entendida como um fenômeno dual e formada por um processo histórico-social: envolvendo elites, intelectuais e poderosos em geral, podendo haver também uma participação das camadas populares. Anderson (2002), nas suas reflexões acerca da origem do imaginário nacional, assevera que a adesão a uma nacionalidade não


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é natural nem é uma invenção, mas uma construção singular que tem a ver com o desenvolvimento do mercado capitalista e com a difusão da imprensa escrita. Para Chivallon (2007), a significação da designação das nações, como a comunidade imaginada por Anderson, implica necessariamente abordar o imaginário a partir das relações de poder. Uma abordagem dita modernista, que define a nação como uma categoria prática em que a faculdade imaginativa na constituição das nações consiste em criar uma comunidade imaginária, ou mesmo imaginada, que só existe através dos seus membros. Anderson apresenta três aspectos da comunidade imaginária. Primeiro, a nação é imaginada como limitada, contendo fronteiras definidas e não pode ser extensiva para a humanidade como um todo. Segundo, é a noção de ser imaginada como uma soberania. Terceiro, a nação é imaginada como uma comunidade, a despeito das suas contradições e desigualdades. A construção da originalidade desse processo é complexa e tem variados fatores que permitiram a emergência e a expansão das sociedades nacionais. Uma das condições que possibilitam o desenvolvimento da comunidade imaginária é a difusão da imprensa escrita e do romance, uma vez que permite a superação do caráter sagrado das línguas religiosas, rompendo com a ordem divina e com a hierarquia e marcando a revolução das línguas vernáculas. Criam-se vastos públicos de línguas escritas, que formam as bases da consciência nacional, possibilitando o embrião de comunidades imaginadas. O romance ocupa um lugar singular dentro do processo de criação de unidades nacionais novas, pois através de seu modo narrativo cria uma simultaneidade dentro de um tempo conhecido como homogêneo. Há uma fusão entre passado e futuro dentro do tempo presente, como ponto de referência. O jornal tem um efeito similar dentro de um cotidiano que passa a existir em torno de acontecimentos para uma massa da população, a qual passa a acompanhar eventos, atividades, crises políticas e mesmo


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acontecimentos pitorescos em ritmo secular, estabelecendo-se, dessa forma, um compartilhamento de informações e sentimentos. Importa examinar mais de perto a visão de Touraine (1994) sobre o Estado nacional, para quem a questão da modernidade e da atividade política está imbricada com a constituição do Estado nacional que, por sua vez, está relacionada com a ideia da nação enquanto sujeito político, definindo-se ela própria como fundadora do Estado. Entretanto, salienta Touraine (1994), a nação nunca foi definida consensualmente, implicando diversas controvérsias, tanto políticas quanto culturais. De fato, a nação somente existe pela associação entre uma organização econômica e uma consciência de identidade cultural, uma associação que permite uma capacidade de decisão política, que se expressa no princípio de soberania. Para entender o Estado nacional como elemento de decisão política, estabeleceu-se, muitas vezes, a concepção do Estado como agente político de uma comunidade, ligado a valores culturais, étnicos e religiosos estabelecidos dentro de um território com fronteiras delimitadas. Com efeito, a segunda maneira mais visível da constituição do Estado, enquanto sujeito, foi o desenvolvimento da noção de povo, em especial de povo soberano. Devido à presença, cada vez mais efetiva, dos cidadãos nos problemas públicos, e em virtude do envolvimento mais abrangente das pessoas na política, a questão da soberania popular passou a se relacionar com a questão da cidadania e dos direitos humanos. Ademais, a noção de que a vida pública se dá em torno de cidadãos capazes de participar dos destinos do Estado nacional é generalizada. No entanto, sobre a crise do Estado nacional, no final do século XX, Touraine (1994) alerta para a tensão gerada pelo questionamento da possibilidade de se viver juntos, devido a dois aspectos paradoxais da atualidade: a uniformidade gerada na sociedade de massas e a pluralidade de pertencimentos, cujos aspectos dão origem às demandas comunitárias. Além disso, o marco das decisões políticas


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– que no Estado nacional democrático tem como lugar de mediação o espaço público – pode ser absorvido pela internacionalização, em que os sujeitos e os movimentos sociais podem não ter uma efetiva participação política. Por sua vez, Habermas (2004) salienta que hoje existe um alargamento do conflito entre nacionalismo e republicanismo, o que provoca um questionamento dos parâmetros do Estado moderno. Não somente isso, mas o limite do Estado nacional pode ser percebido pelo questionamento da soberania interna com a própria desnacionalização da economia e pelo aparecimento de novas modalidades de integração social em rede. O Estado nacional representou uma importante maneira de lidar com dois problemas: a questão do modo de legitimação e a possibilidade de uma integração social. Em consequência disso, o Estado nacional procura ser, de uma maneira ou de outra, uma resposta à demanda de mobilização política dos cidadãos. A consciência nacional, que se consolidou com a percepção de uma ascendência, língua e histórias comuns, além de promover a ideia de pertencimento a um povo, legitima a solidariedade dos cidadãos que buscam, de maneira reflexiva, a participação nos destinos do próprio Estado. Decorre daí a mudança da soberania do príncipe para a soberania do povo, com a constituição do estado constitucional democrático que visa aos direitos políticos e sociais dos cidadãos. O regionalismo, o localismo e outras escalas de configuração de solidariedades políticas comunitárias são absorvidos, ou pelo menos submetidos ao Estado nacional, com uma delimitação das fronteiras, de forma não apenas espacial, mas também do ponto de vista identitário (o desenvolvimento da noção de povo e depois o da soberania popular). A resposta ao questionamento da soberania não pode ser facilmente clarificada, pois, conforme Habermas (2004), o discurso sobre a superação do Estado nacional é ambíguo. Para uma concepção na modernidade avançada, o fim do Estado nacional é,


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ao mesmo tempo, o fim da possibilidade de projeto de autonomia para um Estado de cidadãos. A discussão sobre o futuro do Estado nacional não deve ser uma discussão marcada pelo tradicionalismo ou pela busca de uma sociedade sem política. A questão a ser enfrentada quanto a essa controvérsia é em que medida é possível a autocompreensão normativa do Estado democrático de direito e como esse assegura um universo significativo intersubjetivamente compartilhado. A problemática que põe diz respeito à cisão do processo de legitimação no Estado nacional e tem a ver com um movimento de pluralidade de pertencimento, que suscita um relativismo na construção da legitimidade na atualidade e na reformulação da própria ideia de soberania interna. A formação do Estado nacional liga-se, do ponto de vista político, ao exercício de uma autoridade que, nas palavras de Badie (2000), se fundamenta: Em parte na distância, porque ela dava um sentido ao território nacional – a justa medida da comunicação possível no interior de uma comunidade humana – e uma função mediadora do Estado, a partir do momento em que os indivíduos procurassem comunicar-se entre si (BADIE, 2000.p.3).

Na contemporaneidade, devido a uma formidável multiplicação das relações transnacionais em que movimentos, empresas e pessoas operam para além das fronteiras (mesmo que virtualmente), o controle tradicional baseado nas fronteiras delimitadas não tem a mesma eficácia. O alargamento das comunicações e o aparecimento de uma revolução tecnológica exercem influência decisiva na própria base da autonomia dos Estados nacionais, pois a flexibilização ou eliminação das distâncias pelos avanços da difusão das comunicações, assim como a crescente mobilidade (indivíduos, produtos, informações, padrões culturais,


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etc.) têm um forte efeito no nível político, visto que a distância não é mais argumento real para o Estado. A quebra dos obstáculos gerados pelo controle das distâncias pelo Estado aparece como um questionamento da autoridade do Estado-nação e de uma soberania nacional exclusiva. Essa nova configuração abre um leque de possibilidades analíticas que realçam o fim da noção de uma soberania nacional exclusiva, mas que não significa simplesmente o fim do Estado; ao contrário, abre-se a possibilidade de abordar o advento de novas comunidades políticas deliberativas que se intercalam (ou não) com o Estado. Desse modo, forma-se uma distinção entre a cidadania da proximidade e a formação mais recente de uma cidadania em escalas diferenciadas, cujos temas podem ser discutidos nos âmbitos local, nacional, regional e também transnacional. Uma ideia-chave, defendida por Badie, é a substituição progressiva da noção de soberania exclusiva por um Estado responsável, em que a interdependência entre diferentes povos de regiões distintas é cada vez mais evidenciada, como nas questões ambientais e de desenvolvimento sustentável e na conservação dos bens mundiais coletivos. Entretanto, como sublinhou Hassner (1996), longe de desaparecerem os nacionalismos ainda desempenham um papel efetivo na evolução das relações internacionais, sendo, portanto, necessário uma reflexão sobre a interação entre as dinâmicas nacionais e a evolução mundial, mesmo que se remeta à deslocação do Estado nacional dentro do quadro da globalização. Em todo caso, sobre as perceptivas do Estado nacional, enquanto formação histórica, este é questionado por baixo pelo culturalismo e pelo individualismo, e questionado por cima pelas forças supranacionais e pela constituição de uma comunidade política global. Então, quais as possibilidades de uma economia integrada através de mercados regionais subverter as fronteiras nacionais? De qualquer forma, a mundialização constitui um déficit para o Estado


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nacional, mas a formação de um espaço mundial e global não é tão simples como vem sendo abordado por determinadas vertentes teóricas. Não é suficientemente claro entender como um mundo pós-nacional, com uma unificação eletrônica, possa constituir uma comunidade de sentimento transnacional. A seguir trataremos de algumas questões a partir do desenvolvimento das novas formas de integração política e territorial como o regionalismo ou neo-regionalismo, em um contexto caracterizado pelo aumento da mobilidade de bens e indivíduos e do aumento da interdependência em relação às diferentes escalas nacionais, subnacionais e transnacionais. REGIÃO (INFRANACIONAL) E REGIONALISMO (TRANSNACIONAL)

Na contemporaneidade, as articulações entre as diferentes escalas na mundialização têm redimensionado o território e a política. Como vimos anteriormente, existe um questionamento do papel do Estado nacional na atual etapa de desenvolvimento capitalista. Entretanto, isso não significa que os territórios e mesmo a soberania nacional foram simplesmente abolidos, mas que tem havido uma relativização do papel tradicional da soberania nacional em paralelo à proliferação de multiterritórios. Por conseguinte, o território não deixou de existir, mas existem diferentes configurações do mesmo que questionam e também realçam outras possibilidades na atualidade. Anteriormente abordaram-se os marcos conceituais e históricos do Estado nacional, bem como o contexto e as diferentes interpretações do fenômeno globalização/mundialização. Do ponto de vista que aqui se pretende realçar, a análise envolve a questão da significação da região, do regional e do regionalismo em face das transformações exacerbadas pelo processo de mundialização.


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Nesta tese, o regional e o regionalismo são abordados nas duas semânticas possíveis, ou seja, procura-se analisar o regional/ região enquanto um espaço infranacional ou subnacional em suas interfaces com as outras escalas. Busca-se também compreender o significado do regionalismo no marco das articulações transnacionais/ interestatais dos blocos regionais da nova ordem mundial. O contexto histórico no final do século XX foi marcado pela crise do status quo estabelecido no pós-guerra, por uma constante ebulição. Apesar das tentativas de governança global, pela ação dos Estados Unidos como gendarme mundial, houve o aumento das crises e da instabilidade. O movimento de mundialização, longe de promover a reestruturação do sistema capitalista através de uma ordem neoliberal, tem aumentado de maneira exponencial os riscos políticos, sociais e econômicos. Nesse contexto, a crise dos Estados nacionais faz emergir novas construções espaciais, tais como os blocos econômicos, a exemplo da União Europeia. A perspectiva de uma comunidade supranacional é um elemento desafiador na atualidade, em especial por estar em constante mutação, em uma experiência ainda inacabada. Os processos de integração regional são estimulados pelos Estados e fazem parte da sua atuação estratégica; no entanto, existem outros atores que impulsionam a integração, como empresas multinacionais. À medida que evolui a cooperação inter-regional ou transnacional, gera-se uma cadeia de impactos em diferentes segmentos, influenciando o conjunto da sociedade e, notadamente, as unidades subnacionais, como as prefeituras/ poderes locais e os governos estaduais/regionais. Nesse sentido, dando continuidade à discussão sobre território, o presente tópico analisa inicialmente o significado do termo região e regional enquanto categoria espacial (física ou simbólica) presente na economia, na geografia e também na cultura, com ênfase para os contornos do regional enquanto


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espaço infranacional. Num segundo momento, analisa a relação do regionalismo (transnacional/interestatal) com as transformações no espaço mundial contemporâneo. O objetivo do exame das diferentes abordagens sobre o regional e o regionalismo, tendo a União Europeia e o MERCOSUL /Brasil como pano de fundo, é preparar a investigação e análise sobre a política regional nas experiências regionais transnacionais. O QUE ESTÁ EM JOGO NAS REGIÕES Em decorrência da mundialização vivenciamos um momento marcado por paradoxos e contradições, de modo que a própria noção de região suscita “novas interpretações, desafios e formas, considerando o período técnico-científico-informacional que vive em decorrência dos imperativos propostos pela globalização”. Como chama a atenção Haesbaert (1999), pensar nos dias atuais a questão regional em contexto de mundialização relaciona-se com a retomada de antigas questões e o aparecimento de outras demandas e configurações. Não apenas nas ciências sociais, em função de vários debates acadêmicos, como também pela proliferação de regionalismos, identidades regionais e de novas-velhas desigualdades tanto a nível global como no interior dos Estados nacionais. Apesar da propalada globalização homogeneizadora o que vemos, concomitantemente, é uma permanente reconstrução da heterogeneidade e da fragmentação via novas desigualdades e recriação da diferença em todos os cantos do planeta (HAESBAERT, 1999, p.16).

Os novos contornos que se apresentam à diversidade territorial, em que se insere a regionalização, assim como as novas


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escalas do aparecimento e desenvolvimento dessa diversidade, têm maior imbricação com os mercados e as comunicações, onde muitas vezes o regional é apontado como uma revalorização do particular e da diferença, isto é, um contraponto à mundialização. Mas é também apresentado como resultado da relativização da soberania do Estado nacional, que tem permitido uma interface mais direta entre o multinacional e outras escalas, como a local e o regional, sem precisar necessariamente passar em todas as ocasiões pela mediação, antes indispensável, da esfera nacional de poder, enquanto instância de representação e regulamentação econômica. Como exemplo, a formação de blocos econômicos, antigas regiões subsumidas no interior dos Estados nacionais passam a ser revalorizadas nas políticas do bloco supranacional. Dessa maneira, o significado da região hoje é uma questão em aberto, podendo estar relacionada com um processo de diferenciação e segmentação ou representar uma nova maneira de agrupar para além das fronteiras nacionais transnacionais, pois na mundialização as escalas não estão rigidamente delimitadas, assim como as fronteiras não estão claramente configuradas; havendo, na verdade, um grande amálgama espacial, social, econômico e cultural. O termo regionalismo, nas semânticas da geografia e da economia regional, está associado à escala infranacional, mas também designa as experiências transnacionais dos blocos regionais. Não obstante a imbricação entre as escalas e a aproximação entre o local e o global, a conceituação e a recorrência da escala transnacional expressa nos blocos regionais é distinta do significado da região enquanto construção intermediária (meso) em relação aos espaços nacionais. O termo região faz parte não apenas do linguajar das pessoas comuns, mas é um conceito tradicional da Geografia. Na linguagem cotidiana, a noção de região relaciona-se com a de localização e de extensão; já do ponto de vista do domínio legal-administrativo,


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região significa uma unidade administrativa e tem sua raiz histórica na formação dos grandes impérios antigos.6 As principais correntes teóricas da Geografia, como o determinismo ambiental, a Nova Geografia e a Geografia Crítica pautaram, de alguma forma, a discussão sobre a importância da região no âmbito da organização espacial e social. Entretanto, a utilização do conceito pelas correntes de pensamento geográfico – e mesmo entre os economistas e cientistas sociais – é bastante controversa, conforme se percebe na relação entre homem e meio e na apreensão da significação simbólica do território para a atuação e representação por um agente social. Um primeiro aspecto a ser discutido é que região é um conceito intelectualmente construído, podendo ser um instrumento de conhecimento de uma realidade espacial existente, mas não naturalmente delimitada como se pensava, pois está relacionada com dimensões sociais, culturais e de ocupação econômica e também com ações políticas específicas, como, por exemplo, no regionalismo. A noção de região natural, própria do determinismo ambiental, deve ser redimensionada nas escalas territoriais construídas social e culturalmente. Isso não quer dizer que fatores naturais como clima, vegetação, relevo, geologia e outros aspectos não tenham relevância, mas é que a noção de uniformidade regional não tem um sentido estritamente natural. A região tem uma longa tradição nos estudos geográficos da Europa. Na concepção de Vidal de La Blache (apud Andrade, 1987), a região importa enquanto um recorte específico, ou como uma “personalidade geográfica”, uma combinação única em um dado local e tempo. O estudo de uma região busca realizar uma síntese que permite apreender uma coesão/coerência interna à região. 6- A palavra região vem do latim régio, que, por sua vez, deriva do verbo regere, isto é, governar, reinar. (CORRÊA,1986, p.48).


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Para a Nova Geografia, a região deixou de ser um dado unitário, e relativamente isolado para ser parte de um sistema aberto, em constantes conexões que se alargam e se contraem, realizando constantes ajustes. Desse modo, as questões regionais estão fortemente conectadas ao planejamento territorial, em que o procedimento classificatório das diferentes regiões ocorre de acordo com a inclinação, a localização e a capacidade produtiva. A Nova Geografia classifica as regiões em homogêneas e funcionais. As primeiras são aquelas cuja identidade sempre se relacionará com características físicas, econômicas, sociais, políticas e culturais, entre outras, em uma determinada área. Por sua vez, a região funcional está relacionada às interpelações entre a esfera econômica e o espaço, envolvendo a problemática urbano-contemporânea. Milton Santos (1994) salienta que a designação regional precisa, nas condições atuais de economia transnacional, ser redefinida, pois a região não pode ser concebida como uma unidade com uma coerência interna que parte apenas do interior. De maneira geral, ao definir os significados do regional a partir do exterior, seus limites se modificam em função dos critérios que são estabelecidos. Por conseguinte, a região não existe em si mesma, pois o estudo de uma região passa pelo entendimento do funcionamento das interconexões ao nível mundial e seu impacto no território de um país. Essa definição de região, elaborada por Santos (1994), preconiza a análise de uma região a partir das formas e estruturas estabelecidas, bem como as interações com uma produção globalizada. É importante assinalar que é preciso apreender a região através dos arranjos específicos, sempre em movimento em relação às outras escalas. Todavia, a pesquisa regional deve procurar delinear a maneira como a região se organiza nas diferentes dimensões. Conseqüentemente, cada espaço guarda sua especialização que, no entanto, só se concretiza a partir da dinâmica mais abrangente do mercado capitalista.


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Dessa perspectiva é possível o surgimento de um subespaço do território nacional total, que se especialize em um determinado tipo de atividade. Cabe notar que, para Santos (1994), no processo de transformação do espaço, o antigo e o moderno são constantemente imbricados, gerando conflitos e constantemente organizando e desorganizando o espaço. À medida que aumenta o investimento em conhecimento e em tecnologia, com mais fluxos econômicos e tecnológicos regionalmente distribuídos, algumas regiões tem um maior desenvolvimento e outras acabam por se ressentirem do atraso. Como sugere Wallerstein (2006), o desenvolvimento do capitalismo é um abrangente sistema mundo, e as transformações partem do nível do sistema mundial moderno. Para essa perspectiva, a expansão da produção capitalista e das trocas provocam uma interligação entre as regiões, isto é, o espaço mundial é mais que a simples soma das partes. Embora tome como moldura geográfica a escala do sistema das relações interestatais, a análise de Wallerstein (2006) evidencia os efeitos da troca desigual nas relações interestatais e nas relações do espaço infra-estatal. Contudo, para a discussão sobre o impacto do desenvolvimento desigual e da relação entre sistema mundial e o recorte regional, é importante frisar que o conceito de região, e até mesmo a pertinência do seu uso como identificação de uma espacialidade diferencial, é questionável. O conceito de região tomado abstratamente apresenta-se como um obstáculo analítico para uma leitura da realidade social e sua configuração espacial. Lacoste (1988) afirma que a região não pode ser tomada como um conceito em si mesmo, como explicativo da realidade. Além do mais, no seu livro A geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, salienta que a geografia não é um estudo técnico imparcial, mas está vinculada a interesses hegemônicos que procuram operacionalizar e aplicar as categorias e instrumentos geográficos.


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Na verdade, a crítica de Lacoste (1988) aos conceitos tradicionais da Geografia, entre os quais o de região, é parte do movimento de renovação chamado de Geografia Ativa, promovido por Pierre George, Yves Lacoste, Bernard Kayser e Raymond Guglielmo. Estes autores tinham como proposta elaborar uma análise regional que discutisse as contradições do espaço na sociedade capitalista, evidenciando as contradições e as injustiças sociais expressas no espaço. Este movimento intelectual inaugura uma geografia de denúncias das realidades espaciais. Já a chamada Geografia Cultural Renovada apresenta a região como um espaço vivido, com um posicionamento geral calcado na valorização da identidade e da representação. Ela se apóia nas filosofias do significado e tem suas origens na discussão sobre a paisagem. Para essa abordagem, a região é uma apropriação simbólica de uma porção do espaço por um determinado grupo e torna-se um elemento marcante no discurso e na formação de uma identidade, pois carrega um conteúdo social significativo. Adotando a perspectiva cultural, Langaro (2009) preconiza a identidade cultural como um aspecto vital para a formação da região. Para os autores, é necessário verificar o que está por trás do que é valorizado e do que é omitido nas representações regionais. Dessa forma, abordar uma região pela vertente cultural é manejar um código de representações e significações de determinado grupo social. Na geografia cultural o espaço não é algo objetivo, mas deve ser pensado como uma construção social, necessário também para refletir a respeito de como os grupos sociais lidam com os referentes espaciais, com as escalas e os lugares. Apesar de neste estudo não se adotar como preocupação central a discussão sobre a identidade, ou mesmo sobre os aspectos culturais da região, é necessário compreender como a construção de uma identidade espacial impacta na realidade social. Além do mais, é relevante a critica da Geografia Cultural à visão tradicional da


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região como um fenômeno prévio, como um espacial naturalizado, a-histórico, uma identidade preestabelecida a qual é, em alguns momentos, constituída pela natureza, sendo outras vezes um recorte político-administrativo. No seu estudo sobre a formação da “identidade” nordestina, presente nos discursos sobre a região Nordeste, Albuquerque Júnior (1999) enfatiza que as regiões nascem das práticas de significação e de ordenamento do mundo feito pelos homens. Ao mesmo tempo em que a região é produto da realidade simbólica e imaginária, dos mitos, das invenções poéticas e estéticas dos homens, além disso, ela também conforma os corpos. A premissa básica inscrita nessas ideias é a de que a melhor forma de o pesquisador tratar a noção de região é trabalhar com o regional por meio do artifício da desconstrução. Ou seja, estudar uma região demanda o questionamento das próprias categorias que conformam o objeto de estudo. Essa abordagem foucaultiana de Albuquerque Júnior (1999) coloca em evidência os processos subjetivos. Porém, para esta tese, a exacerbação dos elementos de construção mental, como conceitos, visões e discursos que generalizam a experiência discursiva, têm o viés de acentuar de maneira idealista e abstrata a força do discurso. Em consequência, a crítica dos processos de naturalização da realidade transborda, transformando toda a realidade em um jogo simbólico, de tal modo que toda forma de dominação, inclusive dos corpos, advém do discurso. No que concerne à discussão do tema regional, os autores ligados à geografia crítica e ao materialismo histórico e geográfico oferecem uma contribuição importante: a noção de divisão territorial (ou espacial, na leitura de Massey, 1981) do trabalho e, depois, a partir do regionalismo político (Markusen, 1981), assim como o desenvolvimento desigual (Smith, 1988) e a compressão tempo-espaço (Harvey, 1999). A partir da análise de Marx, o processo de desenvolvimento capitalista é entendido como um alargamento e incremento


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desigual do capital e sua expressão no espaço. A Geografia Crítica de inspiração marxista chamou a atenção para as desigualdades setoriais e espaciais. A disparidade setorial envolve a expansão desigual das indústrias, com grau de intensidade e desenvolvimento diferencial, sobretudo devido à existência de diferenças tecnológicas em decorrência do grau de investimentos de capital. A desigualdade regional relaciona-se com uma visão mais ampla do desenvolvimento desigual, ou do processo de desenvolvimento desigual do capitalismo no espaço. A esse respeito é importante observar o estudo clássico de Lênin (1988) sobre a formação da produção capitalista na Rússia no século XIX, em que as diferenças regionais (econômicas e sociais) criam um processo de especialização das “regiões”, com algumas agrupando a produção (de meios de produção) e assimilando parte da renda de outras. A condição para isso é a tendência à concentração capitalista em determinadas áreas. Em algumas áreas existe um desenvolvimento do capitalismo em profundidade, enquanto em outras predomina uma produção anacrônica, sobretudo no campo, que acaba por entravar o desenvolvimento espacial de forma mais generalizada e igual. O desenvolvimento espacial desigual refere-se ao desenvolvimento diferenciado das relações sociais capitalistas e dos setores entre territórios geográficos. Tal noção tem sido utilizada para caracterizar as diferenças entre o urbano e o rural, já que historicamente as relações capitalistas são mais intensas no meio urbano, havendo a tendência ao desenvolvimento mais rápido de certas regiões em relação a outras. Num quadro mais amplo, a região é importante para perceber como o processo de regionalização de áreas e de formação de identidades culturais específicas ocorre de forma não uniforme, através de mecanismos contraditórios em que a desigualdade relaciona-se com a combinação de aspectos distintos, por vezes contraditórios. A essa dinâmica, Trotsky (1969) chamou de desenvolvimento desigual


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e combinado, ou seja, quando o processo histórico combina, de maneira híbrida, o passado e o presente, aproximando tendências e perspectivas diferenciadoras e uniformizadoras, ao mesmo tempo isso produz uma combinação sui generis dentro de um mesmo espaço social, provocando mudanças de forma desigual. O desenvolvimento desigual e combinado sintetiza, no presente, momentos distintos do capitalismo, incorrendo na diferenciação social e, no caso em debate, um amálgama de características sociais, culturais e econômicas entre as diferentes regiões. Assim, a teoria do desenvolvimento desigual e combinado, permite observar que, em países como o Brasil, há, ao mesmo tempo, o mais moderno na economia e na cultura convivendo com o tradicional e até mesmo o arcaico nas relações sociais e em formas econômicas não capitalistas que persistem. As regiões sofrem diferentes processos de acumulação, revelando formas de reprodução do capital e da luta de classes. Do ponto de vista metodológico, Harvey (2004; 1993) evidenciou o caráter “combinado, contraditório e complexo” do desenvolvimento geográfico, como resultado da dialética histórica e geográfica que se expressou nos últimos anos, sobretudo após a crise dos anos 1970, através da compressão espaço-temporal e da compactação dos lugares e territórios. Harvey (2004) se pergunta: como construir uma teoria do desenvolvimento desigual geográfico? Segundo o autor, para isso é necessário ser simples o suficiente para compreenderse e ser suficientemente complexo para abarcar as diferenças e particularidades que exigem interpretação. De uma maneira geral, é preciso uma concepção acerca da espacialidade, abarcando os arranjos sociais que envolvem os processos materiais da acumulação de capital em uma trama sócio-ecológica da vida. Envolve a relação entre força de trabalho, dinheiro e capacidade produtiva, como mercadorias e mecanismos que assegurem a circulação de capital.


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Theis (2009) observa que o enfoque do desenvolvimento geográfico desigual de Harvey tem o mérito de propiciar uma concepção de espaço como sendo relativo e relacional. A tecnologia, por sua vez, permite promover a diferenciação do espaço que se reflete nos processos de localização de certos setores da economia e certos gêneros da indústria, havendo uma divisão territorial do trabalho. O papel cada vez mais relevante das novas tecnologias e dos meios de comunicação e de transportes, na medida em que facultam que certos espaços surjam e neles prosperem determinados arranjos produtivos, inibem o desenvolvimento em outras localidades, gerando novas desigualdades geográficas. Nesse sentido, Theis (2009) salienta que é necessário pensar os processos de diferenciação como interações e relações tanto interescalares como intraescalares. A partir do conceito de desenvolvimento desigual e combinado, Smith (1988) afirma que o desenvolvimento capitalista é contraditório, pois proporciona tanto um processo de diferenciação quanto de equalização entre localidades, produto de suas inseparáveis contradições e de sua tendência à diferenciação espacial. A lógica do desenvolvimento desigual deriva nomeadamente das tendências contrárias, inseparáveis ao capital, para a diferenciação, mas também a equalização dos níveis e condições de trabalho. Um exemplo disso no estudo da Geografia urbana contemporânea são os processos de gentrificação7, presentes nos grandes centros urbanos. Na sua concepção de espaço, Smith (1988) coloca em relevo os aspectos contraditórios do desenvolvimento espacial capitalista. Existindo concomitantemente um movimento uniformizador e desigual, que busca, por exemplo, a universalização da mercadoria. O capital não somente transforma o espaço em geral, mas também produz as reais escalas espaciais que dão ao 7- Gentrificação é um processo de deslocamento de parcelas da população de áreas centrais das grandes metrópoles para a periferia, em decorrência da valorização imobiliária. SMITH (1988).


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desenvolvimento desigual a sua coerência, aperfeiçoando sua aptidão de ser transescalar em seu próprio benefício, isto é, o do rendimento constante e de maneira acelerada e sem acanhamentos para a sua realização. Além do mais, o autor destaca como aspecto importante no movimento do desenvolvimento desigual o processo de diferenciação do capital na divisão do trabalho. A dialética da diferenciação e da igualização geográfica produz, em última análise, um desenvolvimento desigual, mas o processo não é definido abstratamente. Não se trata de contradições estáticas, em que o espaço é pré-configurado, existe sim um desenvolvimento desigual dinâmico, em que as escalas operam essa dialética. De uma maneira geral, o capital herda um meio geográfico diferenciado em complexos padrões espaciais; entretanto, à medida que a paisagem fica sobre seu domínio, um mosaico de espaços é modificado para um desenvolvimento desigual através de escalas que impossibilitam cada vez mais um fixo espacial. Assim, as escalas espaciais são hierarquizadas e agrupadas, mas embora apresentadas como fixas, de acordo com Smith (1988), elas sofrem mudanças – determinação e diferenciação interna. Como destaca Brandão (2009), as escalas ganham novo sentido e importância nessa fase do capitalismo, devido à crescente internacionalização dos circuitos econômicos, financeiros e tecnológicos do capital mundializado, que tem aumentado as interfaces entre as diferentes escalas. Portanto, é um erro considerar uma divisão espacial como a região, como algo natural; é preciso observar as lutas sociais e políticas que construíram uma determinada realidade espacial. Para Smith (1988), as escalas não são resultado de uma visão imparcial, mas sim o resultado de uma tensão social. A mesma constatação aparece em Soja (1993), para quem a questão regional (subnacional) localizada no contexto do desenvolvimento geograficamente desigual liga-se a uma dinâmica bastante mutável das divisões espaciais do trabalho.


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As regiões subnacionais são fruto de uma regionalização em nível de Estado nacional, uma distinção geográfica que especializa, mas que não é definitiva, sendo ambivalente enquanto matriz espacial do desenvolvimento capitalista. Como aponta Massey (1981), o conceito de região precisa envolver os mecanismos de abrangência do desenvolvimento capitalista. Ademais, sua preocupação central é com as estratégias e mecanismos utilizados pelo capital no seu processo de acumulação/ produção/reprodução do desenvolvimento espacial desigual. Em face disso, a compressão espaço-tempo apresentada por Harvey (1999) está, na verdade, imersa em diferentes “geometrias de poder”. Além das diferenciações que variam conforme a classe social, o gênero a etnia etc., os espaços regionais distinguem-se em suas diferentes formas de intercâmbio num contexto mundializado. Ao invés de uma disposição que gera mais integração, as múltiplas interações entre as regiões e os interesses globalizados podem provocar, em determinadas situações, a exacerbação de um processo de exclusão, como se verificou em diversas localidades que sofreram um isolamento e uma disfuncionalidade. A constituição de uma problemática regional é um processo histórico, em que a região é resultante da produção desigual do espaço no qual ocorre à localização de diferentes condições de acumulação. Markusen (1981) sustenta que as regiões são um extraordinário espaço de luta social. Portanto, a significação de uma região encontra-se nas lutas que nela ocorrem, e não em uma identidade previamente estabelecida. De acordo com esta visão, a região pode ser definida como uma sociedade territorial contígua produzida historicamente, um meio físico, um ambiente socioeconômico, político e cultural caracterizado de maneira diferenciada de outras regiões, que estabelece interrelações com outras escalas territoriais. Por esse prisma, o conceito de região, como contigüidade e escala subnacional, precisa ser estudado a


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partir das relações sociais que as distinguem num determinado contexto histórico, logo, não se pode falar de regiões abstratamente. Apesar de não se poder estabelecer uma configuração normativa definitiva sobre o que vem a ser uma região, é possível observar a região como uma unidade espacial com algum tipo de status político. Dessa forma, a autora foca sua atenção para os movimentos regionalistas que têm desígnios abertamente políticos. Tais movimentos são geralmente erguidos pela percepção de que os mecanismos do Estado centralizador provocam diferentes tipos de opressão – cultural, econômica, política, entre outros. Em relação ao problema político e social da identidade regional e do regionalismo, é importante destacar um estudo clássico sobre o tema feito pelo marxista italiano Antonio Gramsci. Na análise da Questão Meridional italiana (1987), a intricada relação entre desenvolvimento local-nacional é feita a partir da crítica dos enfoques que tendem a naturalizar as diferenças regionais. Os problemas associados às contradições regionais da Itália são essenciais para explicar a especificidade da unidade nacional italiana em relação às formações nacionais do continente europeu. A questão meridional articula-se com conceitos-chave gramscianos, tais como sociedade civil, bloco histórico, revolução passiva, intelectual orgânico e hegemonia. A preocupação crescente com os antagonismos regionais – Norte industrializado e capitalista e Sul agrário e patrimonialista – revela a predominância de valores e da hegemonia que se realizam no interior do que Gramsci (1987, p. 225) chamou de sociedade civil, constituída por um “(...) conjunto dos organismos, comumente ditos privados, que correspondem à função de hegemonia que o grupo dominante exerce sobre toda a sociedade”. O processo de formação de hegemonia italiana, quando da unificação, deu-se através da constituição de um sólido bloco histórico entre os industriais do Norte e os latifundiários do Sul. Havia limitações para a ação dos camponeses do sul que tinham um


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enorme potencial revolucionário, os quais foram absorvidos pela nova hegemonia das classes produtoras, levando os operários do Norte a um isolamento. Uma questão fundamental que precisa ser respondida é: afinal, o que era a sociedade meridional? Do que era constituída e quais os parâmetros fundamentais para se ter uma visão de conjunto da formação social e econômica? Para Gramsci (1987), a sociedade meridional: É um grande bloco histórico constituído por três estratos sociais: a grande massa camponesa amorfa e desorganizada, os intelectuais da pequena e média burguesia rural, os grandes proprietários rurais e os grandes intelectuais (GRAMSCI, 1987.p.90).

Conforme Gramsci (1987), sem levar em conta a questão regional meridional seria impossível qualquer ação mais eficaz na política revolucionária italiana, pois era preciso mais do que reivindicações econômicas ou uma visão estreita de interesses exclusivos da classe trabalhadora; era preciso ter uma política de conjunto que englobasse a questão meridional como um aspecto central para a construção de um novo bloco histórico, quebrando a hegemonia do bloco histórico predominante. Era preciso desenvolver a capacidade de governar, vencendo o corporativismo e os preconceitos para com os setores mais atrasados socialmente. A formação social, econômica e cultural diferenciada do sul e do norte na Itália se expressa na composição das camadas intelectuais e também na função exercida pelos intelectuais enquanto grupo social. A discussão de espaços territorialmente contíguos inseridos em espaços nacionais, em que existem possibilidades concretas de interferência, foi discutida pela economia regional e pelas teorias do desenvolvimento. A teoria do desenvolvimento econômico tem uma variedade de abordagens, indo dos clássicos da economia


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política às diversas correntes do pensamento do desenvolvimento na segunda parte do Séc. XX, em especial os autores que discutiram o subdesenvolvimento e o retardamento econômico. A esse respeito, é importante fazer uma breve retomada das diferentes concepções econômicas sobre a questão regional. A mais conhecida de todas é a de desequilíbrio entre as partes, assentada pelo atraso, pelo desenvolvimento tardio de parte do território, caracterizando o subdesenvolvimento. Para os objetivos do presente trabalho, é suficiente referir-se aos marcos desses debates para a questão regional em diferentes contextos. Os desequilíbrios econômicos entre as regiões em espaços/territórios de uma economia nacional ou multinacional (por exemplo, a União Europeia ou o MERCOSUL) têm sido explicados em função da dotação de recursos naturais e pela divisão social do trabalho. Em torno disso é que extensas análises foram construídas no passado, no concernente à identidade do Nordeste brasileiro, envolvendo segmentos tradicionais e o papel das novas elites. A partir da década de 1950 surgiram teorias de desenvolvimento que colocaram em relevo os fatores de aglomeração de inspiração marshalliana e keynesiana, que enfatizaram, de alguma forma, o desenvolvimento de espaços subnacionais. É importante destacar autores como Hirschman, Myrdal e Perroux os quais colocaram em evidência o tema do desenvolvimento econômico e procuraram, de alguma maneira, discutir um receituário de desenvolvimento no marco das transformações do mundo do imediato pós-guerra. Conforme analisa Rodrigues (2009) tendo em vista as especificidades do desenvolvimento dos países “periféricos”, desponta o esforço teórico importante no terreno do estudo e na formulação de políticas do desenvolvimento da análise estruturalista dos pensadores da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL). A doutrina da CEPAL configurou-se como uma política de desenvolvimento regional para a América Latina, mas com repercussões em outros países


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do capitalismo periférico. À reflexão e ao programa de pesquisa, inaugurados por Prebisch em 19498, seguiram-se o diagnóstico da profunda transição que foi observada em economias subdesenvolvidas da América Latina, onde se desenvolveu o modelo de crescimento das exportações primárias "para fora”. A CEPAL almejava atingir um padrão específico de integração na economia global, produzindo mercadorias industrializadas e serviços; estimulando o mercado consumidor interno. Nos países capitalistas desenvolvidos, o sistema de produção é diversificado, tem um produto homogêneo em toda sua extensão e há mecanismos de difusão de tecnologia, criação e transmissão social de seus produtos, o que não existiria na “periferia”. Uma das ideias centrais da CEPAL, à época, era que a industrialização constituía uma via mais apropriada para sair do atraso e alcançar níveis de desenvolvimento. É importante destacar que a produção brasileira sobre a realidade regional é influenciada fortemente pelo pensamento da CEPAL, estando centrada nas mudanças para a (des)articulação das economias regionais com a preocupação corrente diante da perda de força da desconcentração econômica. A cadeia de dependência do sistema capitalista mundial e as disparidades regionais internas de sua economia constituíram-se em uma das preocupações centrais das formulações de Celso Furtado, autor que apresentou uma interpretação instigante do desenvolvimento nacional e, em particular, da questão regional (nordestina). Furtado (1964) sustenta que, para ocorrer uma mudança econômica/social no Nordeste brasileiro, era necessário a implementação de diretrizes fundamentadas em termos de inovações políticas e institucionais. E que tal mudança deveria ser regulada por 8- A CEPAL foi instaurada em 1948 por decisão tomada pela da Assembleia das Nações Unidas em 1947. Em 1949, Raul Prebisch escreveu O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas. (Prebisch, 1949).


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uma agência de desenvolvimento regional, nesse caso a SUDENE, que aplicaria no Nordeste, a política da CEPAL para a América Latina. Por sua vez, Aníbal Pinto (1970) investigou a heterogeneidade estrutural para explicar as características do desenvolvimento na região. Criou um programa de pesquisa fundado na preocupação com a construção nacional, visando a articulação das economias regionais provocadas pela industrialização brasileira. O autor destacou que os resultados do progresso técnico apresentavam uma tendência à concentração em determinados setores e classes no interior do país. Posteriormente, afirmou que o processo de desenvolvimento na América Latina reiterava a velha heterogeneidade estrutural. Como já assinalado no desenvolvimento desigual e combinado, a concepção da heterogeneidade estrutural também destaca que num mesmo país ou região convivem “polos modernos” compostos por atividades de exportação (produtos básicos) e industriais, com um bom desempenho de produtividade e setores e segmentos mais refratários a mudanças. Dessa forma, um dos elementos que dificultaria a maior integração entre os países latino-americanos era o fato de que uma parcela expressiva da população não teria acesso aos benefícios das dinâmicas capitalistas modernas. Para tanto, os estudos cepalinos demonstraram que o grau de vulnerabilidade das economias “periféricas” era ainda muito forte, tanto em termos de investimentos quanto em termos de capacidade de apropriação dos benefícios da inovação. De qualquer forma, essas propostas e análises sobre o desenvolvimento e a questão regional no mundo mudaram com a crise fiscal do Estado nacional a partir dos anos 1970 e, posteriormente, com a onda neoliberal dos anos 1980-1990. A partir da segunda metade da década de 1970, com a crise do padrão tecnológico baseado no fordismo, a crise do Estado keynesiano de bem-estar social e a crise urbana; às quais se acrescentou a emergência de um novo padrão tecnológico (microeletrônica, informática e telecomunicações), foi posto em


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questão o modelo de planejamento regional top-down, baseado nas políticas keynesianas de enfrentamento das disparidades regionais. Com a emergência da mundialização nos anos 1990, foi dado ênfase em uma atuação botton-up, ou seja, de caráter descentralizado, focado na competividade das economias regionais e locais. Dessa forma, a política neoliberal critica a atuação por parte do Estado, considerada excessiva, na economia e no planejamento regional. Do ponto de vista ideológico, esse pensamento neoliberal – também chamado de escola neoclássica –, defende que os mecanismos de mercado são capazes de garantir, de forma sustentada, o crescimento e propõe a flexibilização do mercado de trabalho, a redução dos encargos pagos pelas empresas e a busca da estabilidade monetária. A própria noção de competividade de uma região ou localidade é mensurada pela sua inserção internacional. Entretanto, esse modelo estimulado pela mundialização tem um caráter bastante seletivo e excludente, com o aumento das clivagens sociais. Para Francisco de Oliveira (2006), a financeirização, combinada com as estratégias de mundialização das empresas, provocou uma espécie de balcanização das regiões, no sentido de recortes não integradores, levando a uma divisão reiterada dos espaços numa progressão infinita. As novas questões acerca do desenvolvimento regional têm relação direta com os impasses provocados nos anos 1990 e com as modificações proporcionadas pela mundialização. São aspectos que envolvem desde problemas de ordem econômica (o papel da inovação, dos distritos industriais) a questões políticas, culturais e administrativas (governança, descentralização, políticas de coesão), com a valorização de temas que preconizam a participação de novos atores sociais não estatais. Por conta de todas essas modificações, com a formação dos distritos industriais desenvolve-se a noção de ambientes


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inovadores9, que têm o seu desenvolvimento conectado às externalidades de caráter tecnológico o qual deriva dos vínculos de cooperação e interdependência estabelecidos no processo de formação de redes de inovação. Ademais, é oportuno sublinhar que os flexíveis espaços regionais são estabelecidos enquanto aspectos ou pontos de várias redes especializadas e que estas se estruturam e são estruturadas em território mundializado. O empenho inovador é um elemento de interesse para os segmentos mais amplos da sociedade e não somente para os setores tecnologicamente avançados. Para Furtado (2002), uma ruptura dos entraves culturais visando a produção de melhor capacidade assimilativa dos elementos inovadores vincula-se à distribuição adequada da provisão de bens e serviços, alterando os padrões de consumo, gerando um modelo socialmente inclusivo. As políticas de desenvolvimento regional baseadas na inovação devem ter nas empresas e nos sistemas produtivos o ponto de partida e de chegada das ações, mas deve levar em consideração, também, as outras dimensões socioeconômicas que as circundam. A natureza das ações de apoio à inovação está relacionada ao nível de desenvolvimento das regiões. Apesar das oscilações acerca da maneira de atuação, os sistemas de inovação têm como meta a sua difusão e a promoção da sua interação entre todos os agentes envolvidos. O papel da região tem sido redimensionado nas estratégias espaciais e locacionais, pois possui uma flexibilidade para um melhor arranjo espaçotemporal para atender às demandas por mudanças institucionais e inovações produtivas. Vários pesquisadores entendem o desenvolvimento como um processo de difusão, porém é um processo seletivo, regido conforme o interesse dos países desenvolvidos e sujeito ao potencial dos países subdesenvolvidos. Vale lembrar que a difusão de inovações, 9- Groupe de Recherche Européen sur les Milieux Innovateurs (GREMI).


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a qual decorre dos polos do sistema, nunca se difunde em todo o espaço periférico. O reconhecimento da tecnologia como o motor do crescimento econômico tem provocado um interesse crescente na compreensão do processo de mudança tecnológica. Assim, com os processos de transformação marcados pelas rápidas mutações, um conceito clássico de região, que valoriza de maneira excessiva a estabilidade e continuidade (física), perde parte substancial de sua pertinência explicativa, na atualidade. Tal conteúdo explicativo do conceito de região deve abordar a fixidez e fluidez no espaço. Além disso, para defini-la, “Devemos considerar problemáticas como a das escalas e fenômenos sociais mais específicos (como os regionalismos políticos e as identidades regionais) entre aqueles que produzem a diversidade geográfica do mundo” (HAESBAERT 1999.p.35).

Como já foi ressaltado, a melhoria dos meios de comunicação e as transformações tecnológicas têm um forte impacto nas escalas e modificam continuamente o território. Desse modo, desenvolvese um processo de reconfiguração das regiões, que são feitas e refeitas constantemente, de modo que a coerência funcional da região como elemento definidor é cada vez mais transfigurada. Com isso, é importante destacar que a região continua a existir, mas, como acrescenta Haesbaert (1999), com um nível de complexidade muito maior do que anteriormente. Por outro lado, as características marcantes e definidoras das regiões não são abandonadas integralmente, podendo ocorrer exatamente o oposto, ou seja, a (re)valorização da contiguidade e a continuidade das regiões na “guerra dos lugares”, para atrair investimentos, em um aumento da competividade global entre as localidades e regiões. As regiões são coletividades de atividades interdependentes, cujos interesses econômicos são mais bem sucedidos quando as


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formas institucionais de gestão e de coordenação locais estão em funcionamento. Os espaços regionais estão, igualmente, cada vez mais vulneráveis na competição e na tensão mundiais. Para Benko e Lipietz (2000), os Estados não têm mais a faculdade de sempre proteger suas regiões (infranacionais) ou de negociar em nome delas, em um mundo cada vez mais aberto e concorrencial. Para Benko e Lipietz (2000), o desenvolvimento das regiões, em uma época marcada pelo aumento da competividade, tem propiciado a valorização de determinados atributos específicos de territórios. Assim sendo, tendo em vista as diferenças de adaptação ao novo ambiente de mundialização com a presença dos fluxos econômicos, apresentam-se processos complexos de crescimentos localizados, em que se projetam regiões ganhadoras e regiões perdedoras. As regiões produtivas especializadas, regiões inovadoras, ou regiões que mesmo não sendo inovadoras apresentam-se como regiões dinâmicas, apesar de não terem o controle das novas tecnologias (um bom exemplo é a Catalunha), são aquelas que conseguem prosperar. Por outro lado, as regiões perdedoras são aquelas que, no seu contexto local, não são inovadoras nem dinâmicas, de modo que, nesse aspecto, existe um conjunto variado de regiões e localidades em declínio. Estão englobadas desde localidades de industrialização pesada – em que o Estado nacional não investiu para superar o marasmo no meio industrial – até polos formados para o desenvolvimento regional baseado em um ramo da indústria, como as regiões da indústria automobilística, que se territorializam para controlar um mercado de trabalho, a exemplo das montadoras Fiat e Peugeot. Forma-se, portanto, segundo Benko e Lipietz (2000), um verdadeiro puzzle espacial das regiões e que ultrapassa as fronteiras nacionais, com a emergência de meio local mais diferenciado e, ao mesmo tempo, interligado aos fluxos mundializados. Contudo,


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esse processo não é descontextualizado, pois se relaciona com o aumento dos processos de internacionalização das empresas, com a relocalização das plataformas das grandes empresas e o aumento dos fluxos financeiros. As “regiões bem-sucedidas” são espaços nos quais a economia tende a crescer, e a sociedade a se tornar mais rica; as “regiões perdedoras”, por sua vez, constituem espaços nos quais o processo de acumulação parece estar travado e sua sociedade, em consequência, parece empobrecer além dos limites da pobreza. No cenário competitivo da mundialização, as regiões e as localidades encontram-se, de agora em diante, em situação de forte concorrência. O processo de acirramento da competição entre as regiões, localidades para atrair investimentos, bem como plantas das empresas transnacionais tem propiciado o que Scott classificou de “torneios e certames” entre regiões, na busca por investimento. Smith (1988) aponta que a meta de políticas regionais deveria ser a criação de padrões de diferenciação e de compensação, não sendo geridas pelos interesses do capital, mas pautadas por uma “escolha social genuína”. Entretanto, esse processo de intervenção no espaço (contraditório e desigual) relaciona-se com contextos históricos mais amplos, como aqueles que provocaram ciclos de produção e de negócios, intercâmbios desiguais e processos diferenciados de distribuição de renda. A EMERGÊNCIA DAS ZONAS REGIONAIS E A POLÍTICA A partir dos anos 1990, a assinatura do Tratado de Maastrich, em 1992, com o surgimento do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio-NAFTA (1994), do Mercado Comum do Sul-MERCOSUL (1991), e da reconfiguração da Associação De Nações Do Sudeste Asiático ASEAN(1967) contribuíram para a renovação do interesse


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no regionalismo. Esse ressurgimento do regionalismo na política mundial, revivendo antigas organizações e formando novas articulações, colocou em evidência a necessidade de uma discussão mais sistemática sobre a questão em geral e sobre as diferentes experiências de cooperação/ integração regional na atualidade. No centro dos debates acerca do tema está a discussão sobre a natureza do espaço mundial, marcado por importantes crises econômicas e políticas de experiências regionais. Um aspecto importante para o revival do interesse regionalista é a perspectiva global do fenômeno, uma vez que o novo regionalismo tem surgido em várias partes do globo, não podendo ser visto como algo isolado ou momentâneo. Após a Segunda Guerra Mundial, o debate consagrado aos princípios da integração regional dos Estados, em torno de uma federação Europeia, como uma construção de um conjunto regional funcional, tem uma diferença crucial com o novo regionalismo alicerçado no liberalismo econômico dos anos 90 do Século XX Os novos parâmetros para a arquitetura do sistema internacional e o processo de regionalização dentro da mundialização têm provocado diferentes interpretações, pois se trata de um objeto de análise intermediário e diverso. Porquanto, a formação de blocos regionais pode ser encarada como a criação de mecanismos de proteção diante da forte competividade da mundialização e também como um elemento de questionamento das barreiras nacionais e, consequentemente, como o processo de aceleração da própria mundialização. É interessante notar que a regionalização tem os dois fatores paradoxalmente imbricados. De um lado, a formação dos blocos econômicos provoca a intensificação dos intercâmbios comerciais e financeiros, inclusive entre os diferentes blocos econômicos, mas também tem criado mecanismos de proteção econômica, sobretudo no setor agrícola. Além disso, ao processo de criação de mecanismos para integração atribui-se um duplo significado. No


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âmbito econômico, relaciona-se com a supressão de barreiras, com o favorecimento de benefícios decorrentes da força de um mercado comum, bem como de estímulos para a atração de investimentos e tecnologia. No âmbito político, pressupõe uma cooperação mais intensa entre os países participantes. A formação de mercados comuns e os espaços de integração têm significações contraditórias, podendo ser vistas como medidas tomadas pelos Estados nacionais para procurar controlar, de alguma maneira, o impacto do fenômeno de mundialização nas economias nacionais. Entretanto, o fenômeno da integração regional vem acompanhado do questionamento as várias das prerrogativas dos Estados nacionais, muitas das quais são delegadas a organismos que têm um alcance para além de suas fronteiras, com forte tendência a uma progressiva defasagem entre o político e o econômico. As noções de mundialização e regionalização tornaram-se referência para os diferentes trabalhos empíricos sobre as experiências regionais, tanto para aqueles que interpretam a integração regional como resistência, tal qual ocorre nas concepções interestatais; quanto para aqueles que entendem o regionalismo como um subproduto da mundialização, em especial o novo regionalismo. E com ele, a discussão sobre qual o espaço pertinente para sua ação e sua relação com a crise do Estado nacional. MILANI. e LANIADO (2006) avaliam que a maior parte dos atores reconhecem a dimensão global do fenômeno, pois este desenvolve-se em diferentes pontos do planeta, apesar de evidentemente existir uma multiplicidade de dinâmicas, bem como diferentes graus de integração regional. A constituição dos polos regionais transnacionais e o processo de regionalização do mundo são muito variados quanto à consecução dos objetivos, dos ritmos, e das características das instituições com graus diferentes de integração. A integração regional, enquanto processo e constituição de acordos regionais pode variar desde a formação de zonas de livre comércio, com a supressão das


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barreiras comerciais entre os Estados do conjunto regional, até o desenvolvimento de modelos mais abrangentes de criação de uma comunidade supranacional, como no caso da União Europeia. Em virtude dessas evidências, Devin (1995) alerta que é preciso observar o processo e não apenas relacionar fatos desencarnados e avulsos. Esse autor, a partir do pensamento de Norbert Elias, desenvolve importantes observações sobre a evolução social em longa duração, estabelecendo, para tanto, uma discussão acerca das implicações para o desenvolvimento da cena internacional, dos processos de interdependências. Nesse contexto, os diferentes níveis de integração relacionam-se com os diferentes níveis de poder, que se reforçam mutuamente, e estão presentes nas dinâmicas do processo, porém a interdependência não significa necessariamente a integração. É importante ressaltar que os fatores como o aumento da interdependência entre os Estados e atores não estatais no cenário internacional e a ampliação dos fluxos transnacionais têm um forte impacto para tornar cada vez mais veementes os caminhos do regionalismo. São indicadas as possibilidades, mas também as vicissitudes de um espaço mundial, com forte tendência a uma maior fragmentação e, ao mesmo tempo, a maior interdependência entre os diferentes atores. Em novo ordenamento do espaço mundial, o papel desempenhado pelo novo regionalismo tem uma relevância marcante. Os agrupamentos regionais já mencionados como a ASEAN, MERCOSUL, NAFTA passam a ter cada vez mais importância no comércio mundial. Para Mello (1993), a formação dos blocos regionais produz um comportamento diferenciado dos Estados nacionais, aumentando o poder do mercado, não deixando de envolver intensas disputas comerciais transnacionais em torno de tarifas. Cabe destacar que os eventos que levaram às convergências para o atual desenvolvimento do regionalismo apresentam elementos contraditórios. O mundo após a Segunda Guerra Mundial


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estava marcado pelo desenvolvimento das negociações do GATT, visando à redução das tarifas, para um maior livre comércio, com uma abordagem não discriminatória e com tarifas reduzidas10. Para Fawcett (1995), é preciso analisar os contornos do novo regionalismo a partir das mudanças no sistema mundial, sendo necessário abordar desde temas econômicos – a relação entre economia regionalizada e a regionalização da economia, os impactos do ponto de vista do comércio do fenômeno regional – até aspectos políticos e sociais – criação de instituições comuns, participação política comunitária e outras questões presentes nas empreitadas regionais. A autora aborda nos seus estudos os diferentes caminhos do regionalismo na atualidade, enfocando tanto as diferenças nas origens, quanto as distintas significações do regionalismo na política mundial. Uma das características dos novos regionalismos tem sido a variedade de institucionalização. Envolve mais temas de cocooperação do que propriamente de identidade, com as empresas multinacionais e os elementos do mercado atuando de maneira decisiva nas diferentes experiências regionais. De modo geral, algumas das promessas da década de 1980 não se realizaram, mas em compensação a realidade da União Europeia e dos novos agrupamentos regionais impulsionaram, de maneira inédita, as perspectivas dos conglomerados e dos blocos regionais. Destarte, Hurrell (1995) destaca as características do novo regionalismo: a) uma grande variedade no nível de 10- Segundo Mello (1993), o surgimento e desenvolvimento do neo-regionalismo têm origem em políticas discriminatórias, com a formação de grandes blocos comerciais: América do Norte; Ásia, América do Sul. A intenção americana de formar zonas de livre comércio relaciona-se com a crise das negociações da rodada do Uruguai(1986-1994 ), sendo esta chave para que os EUA tenham se convertido ao regionalismo, uma vez que o número de participantes de blocos tem crescido, dificultando as negociações bilaterais. Por outro lado, a relação Norte-Norte, sulsul, sul–norte, não são de maneira nenhuma simétricas, havendo intensificação de perdas a nível global. Ainda que ao longo das últimas décadas tenha havido reformas relativas nos papeis dos jogadores, como por exemplo, o surgimento dos “países emergentes”.


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institucionalização; b) caráter multidimensional sendo difícil estabelecer uma linha divisória entre regionalismo econômico e político; e c) desenvolvimento de elementos de pertencimento regional em diversas áreas do mundo. A preocupação do autor não é somente em fazer uma descrição empírica do funcionamento das experiências regionais; mas, sobretudo, em travar discussão sobre quais as principais variedades de regionalismo e como as diferentes abordagens teóricas enfocam os conceitos, pressupostos e definições acerca do tema. Como já vimos, o regionalismo é usado para designar vários fenômenos distintos, sendo improdutivo buscar um conceito único, que produza um consenso limitado, já que região não é um termo auto-explicativo. Por se tratar de um fenômeno global, existem variadas explicações acerca do regionalismo na política mundial. Hurrell (1995) resenhou, de maneira bastante satisfatória, como as principais correntes teóricas do campo das Relações Internacionais abordaram o tema. A abordagem liberal de defesa do livre comércio, dos teóricos do funcionalismo e, mais recentemente, do neoliberalismo, dominou os estudos sobre o tema, em geral ressaltando que as relações intra-regionais – em especial, os aumentos dos intercâmbios comerciais – promovem um avanço geral dos processos de integração regional. Por sua vez, o funcionalismo acentuou a importância de estruturas políticas econômicas mais amplas, em que os esquemas regionalistas estão inseridos. Para o neofuncionalismo, a integração seria um processo autosustentado, cuja metáfora fundamental seria a do respingar, ou seja, a integração poderia começar por determinados setores e depois contaminaria outros. A análise de Ernst Haas (1975) sobre a integração Europeia seria um ilustrativo exemplo da visão funcionalista do processo de integração, isto é, um processo pelo qual os atores em distintos Estados nacionais são persuadidos a deslocar suas lealdades, expectativas e atividades políticas para um novo centro, cujas


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instituições possuem ou exigem jurisdição sobre os Estados nacionais preexistentes. Para Moravcsik (1993), haveria três etapas na discussão de um acordo de integração: (a) a formação de preferências nacionais; (b) as negociações interestatais e (c) a escolha institucional. Uma crítica dirigida à teoria neofuncionalista aponta para o fato desta não ter valorizado as atribulações e possíveis tropeços pelos quais os processos de integração eventualmente passam. Além do mais, ao demonstrar uma visão entusiástica dos processos de integração regional e do fim das regulações promovidas pelos Estados nacionais, a abordagem liberal/neo- funcionalista não previu a resistência do Estado nacional em alguns domínios. De maneira oposta, a abordagem realista vê a cooperação regional como um desafio aos seus próprios pressupostos de análise, uma vez que as ilhas de paz e cooperação dos processos de integração são vistos muito mais como anomalia de uma nova disposição. Como destaca Hurrell (1995), em geral o neo-realismo observa a dinâmica da cooperação regional como mecanismos de alinhamentos de poder, ou seja, como a política de formação de alianças entre estados. O relançamento da integração Europeia pode ser interpretado pelos realistas como uma perda de competitividade, sobretudo no domínio da tecnologia. Do mesmo modo, o regionalismo aparece como uma estratégia dos Estados nacionais diante das tendências de mercados regionais segmentados, assim como o interesse americano na integração regional vincula-se ao declínio de sua competividade. Para Cox (1996), o processo de regionalização do cenário mundial tem modificado a noção de soberania, isto porque se introduziu a figura da autoridade compartilhada de um mesmo território, ou mesmo de diversos territórios, em linhas pelas redes nas quais cada um tem certa autonomia em relação às instituições territoriais. Essa noção tem evoluído na Europa mais do que em qualquer outro lugar, haja vista que as instituições macro regionais coexistem com instituições nacionais e com uma porção de micro


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regionalismos (Catalunha, Lombardia etc.) tendo como pano de fundo os Estados nacionais históricos. Trata-se de um contexto profundo de fusão de instituições sobre o plano regional e global compreendendo forças e movimentos de longo termo. Por outro lado, do ponto de vista conceitual, os conjuntos regionais têm problematizado os espaços e a antiga classificação da região, a partir da realidade nacional. Portanto, esses conjuntos têm desafiado a coerência geográfica ou sociológica dos conceitos tradicionais em relação a espaço e território. Há, nesse sentido, uma articulação ou rearticulação entre interno e externo, com um processo de internacionalização das regiões, envolvendo os limites do princípio da territorialidade e a oposição entre rede, território, lugar e espaço. A inserção de novos atores locais (governos, investimentos, etc.) a políticas setoriais de perfil regional nos blocos econômicos será um desafio para a integração de distintas regiões dos Estados Nacionais. Essa integração em mercados comuns, nas áreas de livre comércio, ratifica as discussões sobre o desenvolvimento sustentado e traz questionamentos sobre como impulsionar as dimensões da solidariedade inter-regional e mesmo intergeracional. Do ponto de vista político, existe uma forte tensão entre a busca de maior autonomia regional e a centralização, que provocou o desenvolvimento de uma política para-diplomática por parte de regiões, de cidades e Estados. A espacialidade internacional da “economia-mundo” tem sido recortada com um emaranhado de acordos regionais e negociações simultâneas que formatam o sistema internacional a partir de maior interdependência econômica entre os países. A proliferação de regionalismos transnacionais, pan-regiões e redes de negociações são dados da evolução da escala global da economia-mundo. Assim sendo, os regionalismos transnacionais têm se tornado um fenômeno centrípeto, atraindo mais e mais países em direção à ampliação da cooperação. Desencadeiam-se tanto processos formais, como o da constituição de instituições e a tomada de


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medidas motivadas por preocupações econômicas, de segurança ou quaisquer outras, quanto o de medidas informais multilaterais. O impulso transnacionalista de áreas de integração está relacionado com o próprio contexto da mundialização, exceto no caso da União Europeia, pois se trata de um projeto que antecede os contornos mais nítidos da mundialização iniciada na década de 1980. O termo integração refere-se ao processo de aproximação econômica cuja amplitude vai desde o estabelecimento de zonas de livre comércio (circulação de bens e tarifas) até formas mais avançadas, tais como a ordenação macroeconômica, a uniformização cambial e fiscal, bem como a iniciativa de uma concentração política em um parlamento com poderes supranacionais. Como salienta Balme (1996), a cooperação interinstitucional entre os governos locais e com outras regiões realiza as inovações, mas também envolve atraso e retardo como no desenvolvimento de atividades no domínio dos negócios estrangeiros e cooperações inter-regionais de dimensão transnacionais. Assim, aumentam as diferentes interações e a dificuldade terminológica para nomear os fenômenos regionais na atualidade. Apesar dessa imagem moderna do regionalismo, o termo “regional” tem uma imagem fundamentalmente de defesa de particularismos culturais e de uma utopia política anacrônica, sendo caracterizado como uma caricatura de resistência obscurantista de periferias e identidades provincianas. Entretanto, com o desenvolvimento da União Europeia as duas semânticas necessariamente interagem apesar de significaram coisas diferentes, pois as mudanças do mundo contemporâneo não superam todos os antigos problemas, muitos dos quais foram redimensionados. Nesse sentido, como pensar a desvantagem nacional e o regionalismo: Onde começa o regional e onde começa o nacional? Quais as dinâmicas da evolução social? Além disso, o autor questiona como pensar o nacional e o regional em face das modificações


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contemporâneas e como analisar os espaços das relações de identificações políticas pertinentes e os processos de construção de solidariedades, fundamentos normativos, comportamentos e atitudes políticas em relação a determinados temas que evocam a questão regional/nacional/ transnacional. A escala regional e as representações do regional não podem, portanto, perdurar de maneira estanque e isolada, ou seja, o regional não é um espaço homogêneo como se pensava anteriormente, mas tem um aspecto relacional, pelo menos no que diz respeito ao nacional. É justamente com a mundialização que a temática regional se evidencia, por um lado, pelo relativo enfraquecimento do Estado nacional e, por outro lado, devido ao aumento dos contrastes regionais e, mesmo, inter-regionais. Estes últimos decorrem da reconfiguração de localidades com possibilidades de interconexão e inclusão em escala internacional. Em outros casos, a mundialização acentua a exclusão e o caráter periférico de localidades não privilegiadas por ela. Com as transformações recentes e o processo de construção Europeia, além da relativização do princípio de soberania nacional, tem aflorado a discussão sobre o espaço regional, tanto do ponto de vista econômico/ administrativo quanto no sentido simbólico. Apesar da noção de identidade regional ser abstrata e um tanto vaga, não pode ser ignorada. As regiões podem ser tomadas como mapas simbólicos que enfatizam determinadas características e ignoram outras. Para Balme (1996), o caso europeu evidência que o ressurgimento da identidade regional é um fenômeno ao mesmo tempo sub-estatal e supra-estatal. Smouts (1997) questiona se as regiões estão reconfigurandose em uma nova comunidade imaginária, tal como se pretende relacionar a importância das antigas regiões e as lutas atuais pelo reconhecimento das suas especificidades na formação da nação e


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das novas regiões no interior da construção Europeia. Dessa forma, a integração regional envolve processos específicos de participação e compartilhamentos de expectativas por parte de uma comunidade, e não somente políticas, por parte dos governos nacionais ou instituições transnacionais. De qualquer forma, a coesão regional presente no interior dos agrupamentos transnacionais/interestatais – a exemplo da União Europeia ou mesmo do MERCOSUL – apresenta-se como uma questão pretendida nas novas políticas de desenvolvimento com os processos de integração regional. Afinal, a coesão pode ser alcançada em nível nacional, e mesmo transnacional, quando se determina a sua relevância, isto é, quando a região exerce um papel definidor nas relações entre os Estados e outros atores importantes e quando a região forma a base organizadora de políticas para inúmeras finalidades. É necessário caracterizar as novas formas de intervenção política fundadas sobre uma concepção de economias regionais consideradas como conjunto de alocações de volumes consideráveis de recursos. Em geral, assegurar os rendimentos do desenvolvimento como algo positivo na escala inter-regional, no mundo ou em numerosas regiões voltadas para competências de desenvolvimento interior, requer um nível suplementar de regulação. Nessa linha, a teoria da Integração Europeia é uma importante área de estudo da teoria das Relações Internacionais. Como salienta o Atlas da Mundialização (DURAND et al, 2009), o itinerário europeu representa uma importante singularidade, pois além da União Aduaneira entre os Estados-membros, a formação de um mercado comum, com a livre circulação de fatores de produção, de pessoas, de mercadorias, bem como a busca da harmonização de políticas econômicas, monetárias, a União Europeia desenvolveu um processo mais profundo de integração, envolvendo legislação, direitos sociais e mesmo governança. A UE é o principal laboratório político e econômico da integração no mundo atual. Pode-se afirmar que ela tem


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a ver com uma conjuntura histórica particular, havendo muita oscilação entre proposições e práticas acerca do caráter da integração desejada no âmbito dos governos ou da população dos países envolvidos. Entre as décadas de 1970 e 1990 ocorreram diversos fatos nas mais diferentes áreas que modificaram a natureza mesma da integração regional Europeia. A dimensão política era inicialmente secundarizada, devido a um cenário do mundo pós-1945, marcado pelo declínio da centralidade Europeia no mundo, até então, e pela emergência da bipolaridade da Guerra Fria, que dividiu inclusive a própria Europa. Como afirma Judt (2008), a constituição de acordos entre os países, que possibilitaram a intergovernabilidade e a afirmação paulatina de organismos de cooperação (econômicos, políticos, culturais, científicos, e jurídicos), relaciona-se com a dinâmica das mudanças históricas. A União Europeia não é um super-Estado nem uma simples organização de cooperação. Ela se constituiu a partir de delegações progressivas de soberanias, com a integração política se aprofundando a partir do Tratado de Maastricht (1992), que presenciou o nascimento formal da UE e da cidadania Europeia. Entretanto, esse processo, ainda incompleto, tem gerado controvérsias. Habermas (2004) chamava a atenção para o fato que, do ponto de vista constitucional, a União Europeia é uma organização supranacional, que não tem ainda uma constituição sancionada; fundamenta-se em direito público internacional, havendo déficits democráticos, pois não existem controles públicos efetivos das instituições que dela fazem parte. As sociedades pós-industriais Europeias são cada vez mais complexas. Há uma melhora nas condições de vida, entretanto isso não significa que não existam desigualdades e contradições sociais, econômicas e políticas na região, isso porque o alargamento com a incorporação de novos países acentuou essas desigualdades. A concorrência internacional, a busca por mais eficácia e competividade nos mercados mundiais têm tido diferentes impactos no espaço de


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livre concorrência da União Europeia. A necessidade de uma política de solidariedade para a consolidação da integração Europeia tem evidenciado a necessidade de mecanismos de investimento regional. Como pensar a política de desenvolvimento regional na atualidade? A política regional é parte integrante do processo de consolidação da integração Europeia e, sendo caso provavelmente único no mundo, essa política regional envolve transferências de renda não apenas entre regiões de um mesmo país, mas também entre países. No processo de integração, a política regional desempenha um papel importante, não somente em função das disparidades de renda por habitante observada entre países e regiões da UE, mas também porque existe uma percepção de que a união econômica e monetária se tornaria impossível de ser atingida, ou não se sustentaria se fossem conservadas as desigualdades hoje existentes. No caso da América do Sul, a integração regional não tem um projeto unificador como no caso europeu; há uma diversidade de experiências, em geral incompletas, apesar de algumas tentativas de integração regional ser tão antigas quanto o processo de integração europeu. Todavia, mais recentemente, com o desenvolvimento e a ampliação do MERCOSUL e formação do UNASUL, percebe-se que a integração regional tem adquirido maior importância. A dinâmica do (re) lançamento de experiências regionais na América do Sul/América Latina, desde o final da década de 1990, reacende ao mesmo tempo as esperanças e as preocupações quanto às perspectivas de cooperação e integração entre os países da região. Em comparação com outras partes do mundo, a integração regional se manifesta mais cedo, pelo menos do início do século XX. Entretanto, como afirma Quenan (2006) existiu e continua existindo um misto de convergência e concorrência entre os diferentes projetos de integração regional, projetos ambiciosos como a UNASUL, CAN, MERCOSUL e a ALBA, mas com resultados ainda frágeis. De qualquer modo, a integração pode significar um importante vetor de interdependência, promovendo a colaboração em direção


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à busca de soluções compartilhadas para problemas econômicos, políticos e ambientais comuns, contribuindo para a consolidação democrática dos países da região. Interessante notar que os países da América do Sul, pelo menos a partir do século XIX, compartilharam em nível de discurso anseios de unidade subcontinental. Por outro lado, a América Latina constitui uma ampla região marcada por agudos contrastes, com um desenvolvimento econômico e social bastante desigual, mas também se apresenta como um espaço geopolítico em pleno movimento. A posição da América Latina no mundo, apesar de ser ainda periférica, tem adquirido cada vez mais importância. Desse modo, se em relação aos índices de desenvolvimento humano (IDH) e aos critérios do PNUD, a média latina americana tem melhorado, estima-se que 211 milhões de latino americanos vivem abaixo da linha da pobreza na região, segundo dados da CEPALC. Para além dos estereótipos, é importante assinalar que, a despeito das fortes semelhanças e elementos comuns entre os povos que constituem a América Latina, existem também elementos de diversidades nessa vasta região abaixo do Rio Grande (fronteira EUA-México). Do ponto de vista da imagem constituída, é importante salientar que o próprio termo “América Latina” foi produto de uma construção Europeia, para demarcar uma diferença entre a América do Norte anglo-saxônica, a região central e o sul do continente de matriz latina. Além do mais, a América Latina é descrita como um extremo ocidente, uma projeção do sonho europeu de um espaço de sua criação, como um modelo, ainda que imperfeito mais próximos dos Estados modernos ocidentais. Do ponto de vista econômico, como analisa Furtado (1987), a história do desenvolvimento econômico dos países latinoamericanos apresenta características distintas do processo de desenvolvimento capitalista dos países centrais. A integração progressiva aos mercados internacionais se deu, sobretudo, pela exportação de produtos primários, através da utilização de fatores abundantes como mão de obra e recursos naturais.


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A industrialização dos países latino-americanos ocorreu após a grande depressão nos mercados internacionais em 1929. A partir de então se realizou o processo conhecido como substituição dinâmica das importações. A partir dos anos 1950 e 1960, diversas iniciativas de integração regional foram estimuladas pela visão crítica do desenvolvimento da CEPAL, que procurava criar mecanismos de integração regional, visando superar os entraves de desenvolvimentos dos países latino-americanos. De um ponto de vista histórico, a integração regional nas Américas, tem passado por idas e vindas. Depois da crise dos anos 1970 e 1980, com a constituição de novas iniciativas no marco do regionalismo aberto, os processos de integração na América Latina, em geral, e os da América do Sul, em particular, passaram por novos impulsos. A partir de 1990, esse processo deparou-se com novas crises. Atualmente, estão em uma fase de transição, dos modelos de tipo “livre cambista” para processos mais diversificados. Como assinala Hurrell (1995), na sua análise sobre os blocos regionais, o regionalismo historicamente significou uma movimentação de cooperação econômica com uma natureza essencialmente política. Assim, mesmo as iniciativas de cooperação econômica têm a presença importante das articulações políticas não lineares. Para Hurrell (1995), o regionalismo pode ser definido como uma rede de articulação ou como padrões de interdependência, mas também significa mecanismos de distribuição de poder. A formação de agrupamentos sub-regionais pode funcionar como instrumentos para aprimorar a balança do poder, mas pode converter-se em um importante instrumento para a constituição de hegemonia. É importante ressaltar que a reflexão sobre o processo de integração regional nas Américas e na América do Sul precisa levar em conta os impasses a partir da complicada inserção dos países no mercado internacional. Além disso, a proximidade com os EUA é um dos elementos marcantes quando do estudo e avaliação da situação do regionalismo


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no cone sul. A perda relativa, ou pelo menos a relativização da hegemonia norte americana, outrora quase absoluta na América do Sul, evidencia que existem novas configurações no cenário mundial11, o que tem impactado no processo de integração na parte sul do continente americano. Para além da convivência com os EUA, os países do continente americano, recorrentemente vivem o dilema de constituir blocos com ou contra os norte-americanos. A formação de blocos regionais no continente americano difere em vários aspectos da mais importante experiência de integração regional, a Europeia. Em primeiro lugar, porque não existe continuidade histórica das experiências de integração regional; em segundo lugar, predomina a pulverização de experiências de integração; e por fim, não se deu a imbricação entre a interdependência econômica e a formação de uma integração política, com instituições supranacionais. O MERCOSUL é uma construção recente. O Tratado de Assunção é de 1991, quando, a partir da cooperação Brasil-Argentina, associaram-se Uruguai e Paraguai. O MERCOSUL tem uma dimensão de 12 milhões km2 com um mercado potencial de 200 milhões de habitantes, além de um PIB conjunto na ordem de mais de 1 trilhão de dólares, o que torna fácil concluir sua potencialidade para pólo de atração de investimentos do mundo. Com base nesses pressupostos, é válido reconhecer o MERCOSUL como provavelmente o modo de inserção mais significativo para o Brasil no cenário internacional, contribuindo para o seu desenvolvimento e posicionamento em face dos desafios impostos pela mundialização.

11- Para ARRIGH, Giovanni (1996) a hegemonia norte-americana já se encontra em decadência.


A CONSTRUÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA A integração de diferentes países do continente europeu em uma União tem provocado um forte impacto em âmbito mundial. Neste sentido, diversos estudiosos têm-se voltado para a análise dos problemas inéditos postos por essa experiência sem precedentes. Assim, a formação de uma entidade institucional supranacional, a participação cidadã em uma esfera transnacional e o estabelecimento de políticas comunitárias abrangendo diferentes escalas territoriais suscitam questões prementes sobre os pontos de vista econômico, social e político, enfrentadas pelo debate contemporâneo. A estratégia de construção de uma cooperação entre países da Europa, desenvolvendo a interdependência, decorreu da necessidade de Estados europeus em responder as deficiências das suas situações nacionais, políticas e econômicas. Entretanto, na medida em que o processo de integração se desenvolveu, ampliando tanto o número de países participantes, quanto os domínios econômicos sociais e culturais atingidos, o caráter da integração regional Europeia tornou-se mais complexo. Certamente a cooperação intergovernamental tem sido um dos motores da articulação para a formatação dos espaços regionais na atualidade, pois permite a abertura dos espaços nacionais, proporcionando um intercâmbio com outros países, bem como o compartilhamento, sobretudo na esfera econômica, de recursos, territórios e mercados. No entanto, a experiência da União Europeia não pode ser reduzida a um artefato intergovernamental, pois têm surgido novas demandas e consequentemente novas respostas aos problemas oriundos da globalização. Por outro lado, a constituição de instituições supranacionais e a interface destas instituições em diferentes escalas, abarcando temas e domínios


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antes exclusivamente do Estado Nacional (tanto no âmbito das relações exteriores, quanto no âmbito regional/local) tem levado ao questionamento da própria soberania nacional. A reflexão acerca da integração Europeia tem uma significativa importância na sociologia das relações internacionais, envolvendo não somente a política estrangeira e de segurança (PESC1, OTAN2, etc.) e as relações comerciais internacionais3, bem como a inserção da União Europeia no espaço mundial contemporâneo. Enquanto ator relacional, a União Europeia tem interagido com outras experiências regionais, com organismos multilaterais, com organizações não governamentais e com Estados Nacionais em diferentes continentes. Destacam-se as relações de cooperação e competição com grandes potências como os Estados Unidos e a China. O desenvolvimento dessa experiência sui generis tem sido amplamente discutido por diferentes matrizes teóricas sendo que, na maioria das vezes, os pesquisadores tentam adaptar antigos conceitos explicativos para elucidar o que vem a ser a União Europeia ou, pelo contrario, formulam concepções que, em tese, encerram modelos ideais de funcionamento da realidade do que práticas efetivas. O estudo da União Europeia é um tema de investigação vastíssimo, abrangendo desde a sociologia política, a geografia, a economia, a antropologia e as relações internacionais. Além disso, as pesquisas sobre a União Europeia apresentam uma gama muito extensa de questões e temas, sendo necessário focar e precisar o ângulo de investigação do regionalismo europeu. 1- PESC – A Política Estrangeira e de Segurança Comum, um dos pilares do Tratado de Maastricht(1992), foi substituída pela PESD-Política Europeia de Segurança e Defesa, no Tratado de Nice (2001). DURAND et al. (2009). 2- OTAN- Organização do Tratado do Atlântico Norte. Organizacao de cooperacao militar criada pelos Estados Unidos da América, em 1948, no contexto da Guerra Fria. 3- Dentro do quadro da política comercial, a representação da União Europeia que negocia pelos Estados-membros. DURAND et al. (2009).


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Com isso não se pretende afirmar que é possível um recorte empírico de investigação que desconsidere as múltiplas relações do objeto de pesquisa ou o contexto histórico no qual o processo de integração se encontra inserido. Dessa forma, antes da apreciação da política regional da União Europeia, objetivo central de investigação, apresenta-se um panorama histórico da formação da UE e analisase de que forma essa experiência multidimensional suscita uma rica problematização teórica na atualidade. Para discutir a formação da UE, analisa-se primeiramente a sua origem e evolução histórica e institucional, observando-se os momentos mais importantes e a sua significação política, atentandose em particular para os impactos dos recentes alargamentos na construção Europeia. Posteriormente, com base nas diversas formulações acerca da experiência Europeia recente, discute-se quais as contribuições ou mesmo os tipos de problemas que essa experiência suscita no campo da sociologia política. A EMERGÊNCIA DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA

O processo de cooperação regional na Europa tem sua procedência na reconstrução Europeia após o conflito devastador da Segunda Guerra Mundial 4. A construção Europeia favoreceu a reconciliação franco-alemã, produziu a liberação dos mercados e o aumento de uma interdependência crescente entre os países. É importante destacar que o regionalismo europeu clássico tem sua linha de desenvolvimento fortemente influenciada pelo contexto político da nova ordem mundial que se formava, marcada pela 4-Existiram vários projetos de uma Europa Unida: desde sonhos dos conquistadores como Napoleão até o desejo de literários, como Victor Hugo e Eramus de Roterdam. BITSCH, 2001; BOSSUAT,1994.


100 Antonio Eduardo Alves de Oliveira disputa bipolar entre a então URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e os EUA (Estados Unidos da América). A ampla destruição da Europa abriu novas perspectivas para o investimento econômico. Depois da Segunda Guerra Mundial, a reconstrução das economias devastadas da Europa ocidental, após seis anos de conflito, deve-se fundamentalmente à ajuda americana (em especial ao Plano Marshall)5. Courty e Devin (2010) observam que os Estados Unidos da América, no contexto do fim da Segunda Guerra Mundial, atuam sobre a base da Doutrina Truman6, que marca uma ruptura com o globalismo americano anterior, sendo que o restabelecimento econômico da Europa apresentava-se como condição necessária da própria segurança americana e do sistema capitalista em geral. O Plano Marshall, comportando mais de 13 bilhões de dólares, constituiu o meio utilizado para facilitar o processo de integração dos países europeus, ao tempo em que afastava qualquer possibilidade de uma revolução social, em larga escala, nos países devastados pela guerra. A ajuda estabelecida pelo Plano Marshall exigia dos governos europeus negociarem com os Estados Unidos e entre eles mesmos, assim incentiva-se as trocas e a atuação multilateral como forma de evitar o protecionismo. É preciso ressaltar que essa medida econômica é concomitante com o estabelecimento da Guerra Fria, que, em tese, representou uma confrontação entre sistemas econômico -políticos opostos; mas que, na prática, permitiu a constituição de acordos entre a burocracia estatal soviética e os países capitalistas, sobretudo os Estados Unidos, para a delimitação 5- Plano Marshall - Em 1948, o secretario de Estado dos EUA, George Catlett Marshall lançou o Plano de Investimento Americano no Processo De Reconstrução Europeu. 6- Doutrina Truman- o discurso do então presidente dos EUA Harry S. Truman, em 1947, inaugurou como eixo da política externa e interna deste país a política de oposição ao comunismo, dando início à chamada Guerra Fria.


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de suas respectivas áreas de influência. A Guerra Fria entre essas duas superpotências, emergentes dos destroços da Segunda Guerra Mundial, foi um elemento decisivo para o restabelecimento do status quo mundial na segunda metade do século XX. Neste contexto, em 16 de abril de 1948 é criada a OECE (Organização Europeia de Cooperação Econômica) para coordenar as políticas nacionais Europeias e proceder à distribuição dos créditos americanos. O quadro multilateral de cooperação em diferentes setores econômicos era desenvolvido pela constante pressão americana e pela liberação comercial. Em contrapartida, o Reino Unido atuava para impedir qualquer tipo de federalização econômica. Na França, por outro lado, os créditos americanos foram essenciais para a reconstrução e modernização dos equipamentos econômicos, em particular a siderurgia francesa. Em 1950, Jean Monnet7, articulador de acordos de cooperação Europeia, e Robert Schumam8, ministro dos negócios estrangeiros da França, (chamados correntemente de “pais fundadores”) fomentam a assinatura do acordo entre a Alemanha e a França em torno do carvão e do aço da região do Ruhr, dando início a uma nova estratégia de conciliação e cooperação entre os dois países. O plano Schuman, inspirado em Monnet, propunha colocar as bases comuns do desenvolvimento econômico e criar uma solidariedade de fato entre a França e a Alemanha, e, posteriormente, agregar a Itália e os países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo). No 7- Jean Omer Marie Gabriel Monnet - politico francês que articulou os acordos iniciais da cooperação Europeia, particularmente o CECa e o tratado de Roma; conhecido como um dos pais fundadores do processo de integraçao Europeia. (MONNET, 2007 e BOSSUAT, 2004). 8- Robert Schumam - ministro francês das relações exteriores entre 1948-53, também considerado um dos pais fundadores da cooperação Europeia. Em 9 de maio, fez o célebre pronunciamento, conhecido como a Declaração Schuman, que colocou a produção franco-alemã de carvão e de aço sob o comando de uma Alta Autoridade comum, fazendo um chamado à cooperacao dos países europeus. (OURAOUI,2008).


102 Antonio Eduardo Alves de Oliveira contexto da Guerra Fria, para o desenvolvimento europeu, inclusive do ponto de vista da segurança, a reintegração da Alemanha Federal no “concerto das nações ocidentais” era fundamental. Com a formação da Comunidade do Carvão e do Aço, seis Estados (a Europa dos Seis)9 passaram a integrar determinados setores energéticos e impulsionaram outros setores da mesma área, o que ocorrerá posteriormente em outras áreas. A estratégia dos pequenos passos tinha como objetivo evitar bloqueios políticos por parte dos Estados-membros, e, através de um planejamento, articular progressivamente as infraestruturas e os mercados, provocando a liberação das economias nacionais. Dessa forma, os primeiros passos da cooperação regional entre os países localizados na faixa central do continente europeu foram decorrentes de decisões políticas, tendo como principal objetivo o desenvolvimento das relações econômicas multilaterais. O método funcional pragmático de Monnet baseava-se na noção de que a integração econômica produziria, em futuro próximo, maior integração política, não somente dos seis países que assinavam os acordos iniciais, mas de praticamente todo o continente europeu. Desta forma, apesar das medidas relativamente prudentes e extremamente calculadas, o sonho de Monnet era bastante pretensioso, ou seja, visava a constituição de uma federação de Estados em direção a uma comunidade de povos europeus10. A integração econômica transnacional tinha nesta época apenas um caráter interestatal, não constituindo, ainda, organismos comunitários. De qualquer forma, esta articulação proporcionava mecanismos de ligação entre espaços econômicos que precisavam se completar, sobretudo em um contexto de economias arrasadas no imediato pós-guerra. 9- A Europa dos seis- era formada pela França, Alemanha, Países Baixos, Itália, Luxemburgo e Bélgica. 10- Como afirmou Monnet (2007), “Não queremos unir países, mas unir pessoas”.


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Por sua vez, o método funcional e gradual adotado nesta época era considerado o método do possível, em que pese as pretensões federalistas mais amplas de Monet em favor da formação a longo prazo dos Estados Unidos Europeus. O método preconizado até meados da década de 1970 para a integração Europeia era avançar de forma gradual, passando de setores determinados já integrados para outros em novas áreas específicas. Nos anos 1950, foi imposto adequar as demandas federais com a conexão funcional de áreas específicas, assim, o neo-funcionalismo introduz o método de ação deliberada que, paralelamente, estabelece o funcionamento da UE baseado em instituições e organizações supranacionais, apesar de ter um escopo restrito às áreas acordadas de antemão pelos países membros. Em suma, o processo de integração Europeia buscava produzir um intercambio transnacional, limitando a cooperação em determinados setores a fim de conseguir resultados significativos para depois ir ampliando a cooperação para outras esferas. Um aspecto importante foi a constituição de uma alta autoridade, ainda que dependente dos países membros. Entretanto, na medida em que se ampliavam os setores integrados, aumentava sua importância. Com a criação da comissão Europeia, posteriormente foram adotadas medidas econômicas e institucionais comuns, fomentando políticas comunitárias a partir de decisões compartilhadas. Como destaca Quermonne (2008), o contexto da Europa na Guerra Fria é marcado pela ajuda decisiva dos Estados Unidos, pela cooperação no interior da OTAN, com a constituição do “couple” franco-alemão, que enfatiza a construção de uma comunidade, sobretudo a partir da integração econômica. De maneira geral, o processo de longa duração na Europa, tem sofrido várias mudanças em diferentes dimensões. Bitsch (2008), em sua obra A história da construção Europeia de 1945 aos nossos dias, afirma que o processo de integração


104 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Europeia nos 1950 e 1960 era considerado como um aspecto de complemento para a produção econômica nacional. Na verdade, conforme salienta Judt (2008) não existia propriamente um fluxo linear, pois até mesmo a chegada da estabilização política nos anos 1950 e a pacificação dos conflitos ocorreram de maneira abrupta. Sem dúvida, o medo de uma convulsão social que pudesse desestabilizar os regimes políticos levou à criação do Estado do BemEstar Social e à pacificação de conflitos. Assim, a Europa, que tinha um passado recente beligerante, vivia um período de prosperidade e relativa paz. Essa situação era favorecida pelo crescimento econômico vivenciado naquele período, considerado o período de ouro do século XX. Para compreender a unificação Europeia, suas idas e vindas, avanços e recuos dos diferentes ciclos que atravessou o regionalismo, é necessário conceber esse processo como um todo. Um aspecto importante para a compreensão da construção da integração Europeia é entender como um processo de longa duração. Um elemento importante desse processo foi a construção de uma programação sem caráter linear, mas contendo a perspectiva de continuidade a longo prazo e o planejamento dos passos da integração econômica. Para a avaliação do desenvolvimento do processo de integração Europeia, o Quadro 1 traz a cronologia dos tratados da integração Europeia. Quadro 1 - Cronologia dos tratados da integração Europeia Tratado Tratado de Paris criação da Comunidade Europeia do Carvão e 1952 do Aço.( CECA) Tratados de Roma que instituem a Comunidade Econômica 1957 Europeia e o EURATOM 1986 Ato Único Europeu Ato Único Europeu 1992 Tratado de Maastricht 1997 Tratado de Amsterdam 2001 Tratado de Nice Ano


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2004 2005 2007 2008 2009

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Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa e assinado pelos Estados-membros em Roma A França e os Países Baixos rejeitam o Tratado em referendo. Assinatura do Tratado de Lisboa pelos 27 Estados-membros. Rejeição do Tratado de Lisboa em referendo na Irlanda Segundo referendo aprova Tratado de Lisboa na Irlanda e entrada em vigor em 1 dezembro Segundo referendo aprova Tratado de Lisboa na Irlanda e entrada em vigor em 1 dezembro

Fontes: Quadro elaborado a partir de informações de LAQUIÉZE(2008), Courty e Devin (2010)

No quadro 1, observa-se que o primeiro tratado foi o Tratado de Paris em 1952, quando houve a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Conforme observam Courty e Devin (2010) a constituição de acordos pragmáticos, visando uma integração em setores econômicos chaves, trouxeram não somente resultados práticos para os participantes dos acordos estabelecidos, como no caso da CECA, mas representaram o início de uma política compartilhada entre países. Além disso, a formação do eixo de cooperação Franco-alemão significou não somente ganhos materiais, mas demonstrou que o estabelecimento de uma paz duradora na Europa pode trazer dividendos. Entretanto, o clima de Guerra Fria, a partir de 1947, vai introduzir com bastante destaque os interesses americanos na Europa. Em 1954, tentou-se aprovar a constituição de uma Comunidade Europeia de Defesa, entretanto, a Assembléia Nacional Francesa rejeitou essa proposta. Por considerá-la uma medida de cunho federalista, temia-se a retirada de parte expressiva da soberania nacional. Essa recusa francesa da União Europeia de Defesa representou um obstáculo importante para a formação de uma União Política. Esta foi desviada para a integração econômica, o que posteriormente viabilizaria o projeto de uma comunidade econômica e monetária.


106 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Em 25 de março de 1957 foi assinado em Roma o tratado que é considerado o impulso fundamental para a consolidação do processo de integração Europeia. O Tratado de Roma (1957) instituiu a Comunidade de Energia Atômica (EURATON) e a Comunidade Econômica Europeia (CEE), organizada em torno de uma alta autoridade. Este tratado estabelece um sistema de cooperação intergovernamental, criando uma Comissão Executiva ao lado do Conselho de Ministros11. Assim, forma-se um triângulo institucional, composto por: a) Comissão, poder tecnoburocratico; b) Conselho, representante dos Estados-membros; c) Parlamento, espaço para a legitimidade democrática. Além disso, foi constituída uma corte de justiça para julgar controvérsias e dirimir conflitos. Ainda que não se pretenda resenhar as inovações jurídicas presentes nos diferentes tratados, é importante salientar que do ponto de vista político institucional, os tratados podem ser encarados como marcas visíveis de etapas que o regionalismo atravessou, ou melhor, tem atravessado ao longo do tempo. Os diversos tratados assinados relacionam-se com os processos de alargamentos e com um complexo jogo de negociação não somente entre os Estados-membros, mas também com os grupos de interesse que começam a atuar veementemente com o aumento da importância do mercado comum. Nos anos 1960, a união política foi bloqueada pela França, que rejeitou a entrada do Reino Unido na comunidade Europeia. Entretanto, inicia-se a prática de políticas comuns e de políticas especificas em escala Europeia, com as instituições e programas atuando rumo a uma política comunitária. Dessa forma, criaramse os mecanismos institucionais para a integração em diferentes campos de atuação, com importância fundamental em questões 11- Uma assembléia das comunidades Europeias composta por 142 membros indicados pelos parlamentos nacionais foi constituída nesta época, podendo censurar a ação da comissão, mas não tinha uma atuação legislativa efetiva.( 15 de janeiro 2009.


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relativas aos mecanismos voltados para a padronização do mercado comum, em especial em áreas sensíveis como a agricultura. A Política agrícola comum (PAC) foi considerada por muito tempo como exemplo de política de integração bem sucedida, abrangendo um setor inteiro da economia Europeia, sendo também um símbolo não somente da política de transferência, mas também de compartilhamento de competências. No contexto dos anos 1970, a inclusão de novos países e a emergência da crise econômica em 1973, com o “choque” do petróleo, precipitaram o processo de construção do mercado comum europeu, pois ficou evidente a necessidade de uma ampla renovação das políticas comuns, o que tornou imprescindível a implementação de políticas comunitárias mais efetivas. O primeiro passo, nesse sentido, foi o de aprimorar a Política Agrícola Comum. A ideia da criação de uma União Política não se apagou, sendo retomada com mais ênfase na década de 1980. Assim, uma nova tentativa foi feita em 1981 com um projeto de Tratado da União, elaborado por uma Comissão Institucional do Parlamento Europeu, presidida por Altiero Spinelli. A mais importante medida tomada por essa comissão foi a constituição do Ato Único Europeu (1985), posto em prática a partir de julho de 1987. Um aspecto importante do Ato Único Europeu na esfera econômica foi a constituição de normas e instituições voltadas para a efetivação do mercado único que presumia um espaço sem fronteiras, com a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais, buscando uma coesão econômica e social. A Assinatura do Tratado de Maastrich12 (1992) modificou os três tratados anteriores (Comunidade Europeia, CECA e EURATOM), substituiu a Comunidade Europeia pela União Europeia, institui novas formas de cooperação, estabelecendo as bases para a união 12- Tratado de Maastricht - Adotado pelo Conselho Europeu de Maastricht em dezembro de 1991, assinado pelos doze países- membros em 7 de fevereiro de 1992 e ratificado por referendum em determinados países.


108 Antonio Eduardo Alves de Oliveira econômica e monetária (a criação da moeda única em 1º de janeiro de 1999). Esse tratado possibilitou a extensão da intervenção comunitária nos domínios da educação, da formação profissional, da cultura, da saúde publica, da proteção aos consumidores. Além disso, consagrou o principio da subsidiariedade13 nas competências compartilhadas. A partir do Tratado de Maastrich, amplia-se o campo de referência do processo de integração Europeia. Nos anos 1990, é relançada com mais ênfase a possibilidade de uma união política Europeia, contendo nos arranjos institucionais e na formação do mercado comum a perspectiva de uma nova unidade – nova região comunidade. Como destaca Judt (2008), esse tratado surge no bojo do fim da Guerra Fria, o qual é apresentado como elemento modernizador, exercendo uma forte atração para os países do continente europeu, sobretudo após o colapso dos regimes burocráticos no leste europeu, que passaram a ver, como inevitável, a adesão à União Europeia. Os anos posteriores foram marcados pela articulação de novos tratados, visando a consolidação das práticas comunitárias das instituições Europeias. O tratado de Amsterdam (1997), elaborado após a adesão da Áustria, Finlândia, e Suécia, realizou uma reforma das instituições comunitárias e ampliou o quadro de interconexão no interior da comunidade Europeia, caracterizado pela relevância da dimensão social, garantida pela criação de mecanismos de avaliação político-social. Além disso, visando realizar um espaço comum de livre circulação de pessoas, foi criado o espaço Schengen14. Em 2001 é acordado no Tratado de Nice, a 13- O principio da subsidiariedade tem sua origem no direito católico e estabelece que a sociedade não deve intervir em determinados assuntos. Foi adotado no Tratado de Maastricht(1992), consistindo na interdição à União de legislar sobre determinados aspectos concretos que podem ser mais bem respondidos no âmbito local, sobretudo onde a União não dispõe de competência exclusiva. 14- O Espaço Schengen foi criado em 14 de junho de 1985 e permite a livre circulação de pessoas dentro dos países signatários, sem a necessidade de apresentação de passaporte nas fronteiras. Ver o mapa 2: Emaranhado europeu, na pagina 110.


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adequação das instituições comunitárias à entrada de doze novos membros após a crise do leste europeu, ressaltando-se a adoção de mecanismos de cooperação diferenciada a partir de uma geometria variável, autorizando-se mecanismos de flexibilização no corpo do tratado. A competência dos organismos e instituições comunitárias e a relação destas organizações com outras instâncias e instituições dos países membros, foram ganhando destaque à medida que a União Europeia aprofundava e ampliava seu campo de atuação. A aplicação do principio da subsidiariedade revelou-se um importante instrumento para a europeização de áreas, que antes era vistas como ação exclusiva do Estado nacional. A constituição define as competências da União Europeia – domínios de competência exclusiva, tais como a união aduaneira, política de concorrência, política monetária - em particular da moeda única (euro) -, conservação dos recursos biológicos e política comercial comum, todas são dispostas como políticas compartilhadas. Quanto ao processo decisório, as instituições comunitárias têm uma configuração mais complexa e distinta da organização jurídica e da atuação das instituições do Estado nacional. Nas primeiras instituições observa-se o exercício do poder de maneira exclusiva ou compartilhada. A Comissão Europeia estabelece diretrizes e executa as decisões do Conselho de Ministros, em respeito aos direitos comunitários. Por sua vez, o Conselho de Ministros exerce, conjuntamente com o parlamento europeu, as funções legislativa e orçamentária, adotando proposições para a cooperação intergovernamental entre os países membros da União Europeia. O parlamento europeu, inicialmente um órgão consultivo, tem ampliado progressivamente suas prerrogativas em relação aos projetos implementados pela União Europeia, bem como a fiscalização sobre as ações da Comissão. A esse triangulo institucional agrega-se o Conselho Europeu, que reúne os chefes


110 Antonio Eduardo Alves de Oliveira de Estado e de governo dos Estados-membros da UE e fixa junto à Comissão Europeia as orientações políticas gerais para o seu desenvolvimento. O grande alargamento a leste evidenciou a necessidade de mudanças no velho tripé institucional (conselho, comissão e parlamento), o que ocasionou a grande virada em direção ao constitucionalismo, pois os antigos mecanismos de decisões consensuais com base em acordos dos representantes dos Estadosmembros poderiam, sob o impacto dos novos membros, aportarem dificuldades para o processo de governabilidade da União Europeia. A história dos tratados europeus é marcada pelo resultado do compromisso e às vezes da oposição entre os interesses nacionais e as diferentes visões de um futuro do processo de integração Europeia. O apelo em direção a uma carta constitucional tem gerado fortes resistências no interior da União Europeia, sendo o exemplo mais significativo a vitória do “não” (com 54,68 %) no referendo francês de 29 de maio de 2005. Buscando contornar os bloqueios e as polêmicas em torno dos temas constitucionais, após inúmeras controvérsias e difícil negociação, estabeleceu-se o Tratado de Lisboa, assinado pelos 27 Estados-membros em 13 de Dezembro de 2007. Esse tratado procura dar uma resposta aos desafios que se impõem à Europa ampliada, em um mundo em rápida transformação, obrigando-a a tratar de temas como as alterações climáticas, a segurança e a busca por fontes de energia alternativas. Um aspecto importante do Tratado de Lisboa é a implementação de medidas que recolocam a discussão sobre a elaboração de normas constitucionais. Assim, usando termos atenuados das questões polêmicas, o apelo direto para forjar uma constituição Europeia é escamoteado, termos neutros e mais técnicos são inseridos no corpo do tratado, como, por exemplo, ao invés de definir-se o cargo de ministro dos assuntos estrangeiros, cria-se, em seu lugar, o cargo de Alto representante da União


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para assuntos estrangeiros e política de segurança; em lugar da designação de lei, denomina-se regra, diretiva e decisão. De qualquer forma, preconiza-se a reforma do funcionamento das instituições, como o estabelecimento do cargo de presidência da comissão com maior autonomia, e a definição da regra de maioria qualificada no Conselho de Ministros ampliada para outros campos de aplicação. Para ilustrar a estruturação da União Europeia, com as novas modificações promovidas pelo Tratado de Lisboa (2007). Dentre as principais inovações do Tratado de Lisboa, tem-se a afirmação da personalidade jurídica da União Europeia (para participar dos tratados internacionais ou para aderir a uma organização internacional); o estabelecimento do principio de co-decisão entre o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu; a presidência estável do presidente do Conselho; a criação do posto de alto representante da União Europeia para os assuntos estrangeiros. Além disso, com o Tratado de Lisboa a carta dos direitos fundamentais adquire um valor jurídico concernente. A carta reúne pela primeira vez dentro de um texto único o estado atual dos direitos fundamentais comuns aos Estados-membros, agrupando quatro categorias de direitos fundamentais, a saber: direito clássico (liberdade de pensamento, de consciência, de religião, de profissão, de informação e expressão); cidadania Europeia (liberdade de circulação e permanência, direito de petição e direito de voto para o parlamento europeu); direitos sociais (notadamente acesso aos serviços públicos); e direitos da nova geração (bioética - proteção ao meio ambiente) Concomitante com a articulação política, o problema da questão econômica aparece sem dúvida como uma chave importante para a evolução do processo de integração Europeia, impactando fortemente na constituição do arcabouço institucional da comunidade e, posteriormente, na União Europeia. A criação de um verdadeiro espaço financeiro europeu implicou na busca


112 Antonio Eduardo Alves de Oliveira por uma harmonização das políticas orçamentárias e fiscais dos Estados-membros. Entretanto, o problema da harmonização fiscal é uma das questões mais perturbadoras na edificação do espaço comum europeu, o que ficou evidente na recente crise grega (2010). Os critérios de convergência, elaborados em Maastricht são: política orçamentária, em que o déficit público não pode superar 3 % do PIB e a dívida pública não pode ultrapassar 60 % do PIB; a inflação não pode ser superior a 1,5 % da média das três melhores performances nacionais dos Estados-membros. Entretanto esses critérios não foram cumpridos, havendo o crescimento da divida pública nos orçamentos de países como Itália, Irlanda, Portugal, Espanha e, sobretudo, a Grécia. A União Europeia sempre esteve articulada a um intenso movimento de liberação de capital, ao mesmo tempo em que fomentava a supressão do controle dos intercâmbios. O renascimento da Europa financeira está para além das articulações intergovernamentais, na medida em que a circulação do capital é livremente efetuada no espaço europeu, e a criação da zona euro, tem provocado modificações significativas no perfil das economias nacionais. De acordo com Courty e Devin (2010) é possível construir categorias de compreensão do sistema político europeu. Em resumo, os autores abordam uma dimensão decisiva das instituições (tratados) e seus efeitos políticos. O método Monnet prescreve uma construção prudente e gradual de uma Europa política a partir do desenvolvimento de uma Europa econômica, o que implicaria em um automatismo. No entanto isso não é conseguido, pois o processo de integração nas diferentes escalas (local-nacional-regional) atravessa ciclos de bloqueios e relançamentos. Por esse ângulo de análise, o processo de europeização contém um principio de complexificação das cadeias de interdependência entre diferentes atores, como um sistema de ações e reações entre vários grupos de interesses.


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As sucessivas ampliações do regionalismo europeu têm suscitado intensos debates sobre suas significações para o projeto de construção de uma comunidade política, econômica e cultural que envolva a quase totalidade do continente europeu. Evidentemente que essa questão não é simplesmente uma problemática geográfica ou de fronteiras naturais, mas diz respeito a contextos sociais mais amplos relacionando-se com as novas configurações neste inicio de século. As ampliações envolvem questões praticas de modificações institucionais (no interior dos novos Estados-membros e da própria União Europeia), com a elaboração de um arsenal jurídico visando promover uma padronização de normas e leis entre os países participantes da União. Além disso, foram adotadas rigorosas medidas econômicas de ajuste, e o estabelecimento de políticas comunitárias nos novos países a serem incorporados. Essas ampliações estendem-se aos debates em torno de categorias simbólicas da economia, da educação, da cultura e da política entre espaços europeus diferenciados. Os alargamentos acabam por introduzir novas questões e muitas vezes diluem ou realçam temáticas já existentes no seio da União Europeia. Como exemplo, pode-se citar questões como o que vem a ser a cooperação transnacional no processo comunitário europeu, se existe uma identidade Europeia e quais as fronteiras econômicas e culturais da UE. Evidentemente, que as respostas a estas perguntas não são fáceis, principalmente em uma época na qual as identidades e as certezas são cada vez mais fluidas, e as fronteiras mais móveis. Na verdade, além das possibilidades de ampliação horizontal, com a integração de novos espaços ao projeto europeu, os alargamentos e os tratados recentes da UE envolvem também a discussão sobre a significação e o papel das políticas setoriais, como a política de coesão regional e territorial (foco do nosso estudo), a educação e a cultura, entre outras. Entrando, portanto, em pauta políticas verticais no seio da União.


114 Antonio Eduardo Alves de Oliveira As ampliações têm forte impacto na própria definição do que é a União Europeia, colocando em relevo a abrangência e a eficácia das instituições supranacionais/comunitárias. Os diferentes processos de expansão e aprofundamento da UE são elementos em constantes modificações, e o prévio planejamento em médio prazo dos passos possibilita um mecanismo de controle dos impactos dessas mudanças na experiência regional Europeia. No mapa 1 abaixo, é possível observar as diferentes etapas de adesões de países membros ao processo de integração Europeia. Mapa 1

Fonte: DURAND et al. Atlas da Mundialização, 2009.


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Como se vê no mapa acima, tendo como países membros iniciais a França e a recém-instituída República Federal da Alemanha, que se reuniram, em 1951, em torno da Comunidade do Carvão e do Aço, a esse núcleo logo se congregaram a Itália e os três países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo), constituindo-se pela assinatura do Tratado de Paris, a chamada Europa dos Seis. Em 1973, três novos Estados foram agregados, o Reino Unido, a Dinamarca e a Irlanda; em 1981, a Grécia; em 1986, Portugal e Espanha; em 1995, a Áustria, a Finlândia e a Suécia; no início de 2004, são incorporados 10 novos Estados (Chipre, Estônia, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, República Tcheca, Eslovênia, Hungria e Eslováquia) e finalmente, em 2007, formase a Europa dos 27, com a adesão da Bulgária e da Romênia. Com a expansão da UE para o leste europeu, os grandes aglomerados econômicos europeus, buscaram aproveitar a queda do muro de Berlim para incorporar e ao mesmo tempo utilizar as estruturas desses países com vistas ao aumento do próprio mercado europeu, que já começava a enfrentar a concorrência dos países emergentes. A incorporação de novos países na década de 1980 representou a entrada no projeto de cooperação Europeia de três países recém-saídos de processos de fechamento político, com sangrentas ditaduras: Espanha, Portugal e Grécia. Além disso, apresentam importantes déficits econômicos e sociais em relação aos outros países membros. A cláusula democrática foi estabelecida neste período como condição para a adesão de um país ao processo de cooperação Europeia, aspecto importante para a adequação das instituições políticas interna aos critérios vigentes da comunidade Europeia, mecanismo esse também presente nas negociações para as adesões na grande alargamento em 2004. Tendo incorporado a suas fronteiras geográficas e ao seu projeto político-institucional dez Estados da Europa Central e Oriental, a questão de como administrar o processo de maneira a que os ganhos em legitimidade, a identidade e coerência interna


116 Antonio Eduardo Alves de Oliveira sejam amplamente assegurados é posta de maneira desafiadora para a União Europeia. Ao mesmo tempo, questiona-se em que direção a União Europeia pode reformular seus instrumentos jurídico-institucionais e seus procedimentos de decisão no sentido de adequá-los a esse novo cenário geopolítico e geo-econômico que se abre à sua frente. O alargamento da UE, com a integração dos países do Leste Europeu, é nitidamente mais intricada, pois consistiu no adicionamento de 80 milhões de habitantes aos já 380 milhões integrados. São dez Estados pertencentes a uma “outra Europa”, isto é, àquela que traz em sua herança cinco décadas de regime social planificado, sob a égide da antiga burocracia soviética. Essa dessemelhança entre a Europa Ocidental e a Europa do Leste produziu desconfiança e ansiedade na população dos países que já faziam parte da União: alguns setores inquiriam se esse processo não colocaria em perigo o que já tinha sido alcançado, isto é, um patrimônio jurídico-institucional razoavelmente consolidado e com certas afinidades e convergências, proporcionando um grau de compartilhamento entre os países membros mais antigos. Essas ampliações, em particular a última, suscitou um intenso debate na União Europeia, e foi acentuado com a recente crise econômica e com a demanda de ingresso da Turquia como Estado-membro da União Europeia. Há ainda o fato de que o nível de desenvolvimento econômico dos países do Leste sendo significativamente mais baixo do que o dos países-membros da União exigiu políticas de nivelamento e de distribuição de recursos gerando resistências por parte dos demais países membros que ainda dependem de benefícios e subsídios comunitários. Para a União Europeia, as vantagens de seu alargamento são de duas naturezas: por um lado, proporciona o aumento do poder da experiência regional Europeia no conjunto da econômica mundial e, por outro, estabelece um forte estímulo ao crescimento do mercado


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interno, que ultrapassa os 450 milhões de consumidores. Sobre o plano político, o alargamento aumenta a significação da experiência Europeia, apesar do perigo de diluição das identidades construídas em torno das políticas comunitárias. De qualquer forma, no processo de adesão, os novos Estadosmembros aceitaram os critérios de Copenhague, que exigia um ajuste nos domínios econômicos e modificações nas estruturas políticas, com o funcionamento no modelo democrático das instituições nacionais. O alargamento a Leste também permitiu à União Europeia aproximar-se do formato de uma Europa continental. Uma dos problemas presentes com o alargamento da União Europeia em direção à Europa do Leste é o da insuficiência dos mecanismos democráticos, bem como os das dificuldades econômicas e sociais dos novos integrantes da comunidade Europeia. Essa afirmação é aparentemente paradoxal, pois a própria União Europeia apoiou a fragmentação da antiga Europa comunista, para depois buscar integrála, com um relativo sucesso, ao seu projeto regional. A lógica comum da paz a oeste e a absorção da antiga estrutura produtiva a leste têm como uma das chaves principais a importância econômica e estratégica da região para as empresas transnacionais Europeias que buscam a sua parte no botim após o desmantelamento dos antigos Estados ligados à ex-URSS. Em contrapartida, houve o alto custo da transição das antigas economias planificadas para o livre mercado, impactando, sobretudo, os setores mais desprotegidos dos antigos países socialistas. O processo de integração de novos países à União Europeia tem sido bastante contraditório, pois a capacidade de adaptação dos novos integrantes tem uma relação direta com a capacidade da arquitetura diferenciada das instituições Europeias em absorver as novas demandas decorrentes dos sucessivos alargamentos. Esse balanço continua ainda aberto, sobretudo dada à nova situação econômica decorrente da crise financeira mundial.


118 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Essa, por sua vez, tem provocado muito insegurança no mundo inteiro e, em particular, na Europa profundamente afetada pela recessão econômica, desemprego e crise migratória. Além disso, entrou na pauta das preocupações da UE a discussão sobre as novas possibilidades de evolução em termos de reformas das instituições existentes e de novos alargamentos (como o caso da Turquia, e dos novos países surgidos da fragmentação da ex-Iugoslávia e da ex-URSS). De qualquer forma, as ampliações de 2004 e 2007, pela amplitude de sua extensão, significaram modificações no processo de integração europeu, aumentando a multiplicidade de questões e os desafios da União Europeia. UM ROTEIRO PARA A UNIÃO EUROPEIA A partir dos anos 1990, com o processo de unificação da Alemanha e o fim da ex-URSS, com a entrada em vigor do Mercado Comum Europeu e o posterior alargamento da União Europeia a Leste, a relevância da União Europeia no espaço mundial tem sido ampliada. A União Europeia sendo uma experiência mais antiga, tendo seus primeiros passos desde o imediato pós-guerra, ainda que sofra influências dos fatores que ajudaram a desencadear as novas tendências de integração regional, têm um desenvolvimento institucional e econômico diferenciado dos chamados novos regionalismos. A implementação de processos de integração, com aumentos dos fluxos transnacionais, dos intercâmbios e das interdependências, sobretudo entre os participantes das experiências de integração regional, tem se dado em um ambiente mundial caracterizado pela financeirização e pelo acirramento da competição, inovação e deslocalização da produção e do consumo, alterando, assim, as trajetórias de acumulação dos capitais.


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Esse questionamento do Estado nacional tem um forte impacto nas relações internacionais, pois uma das noções tradicionais e centrais nas relações internacionais é a do interesse nacional, onipresente e relevante nos discursos dos praticantes da política estrangeira. A escola realista da teoria das relações internacionais afirma que o interesse nacional é o principal foco da política estrangeira e o que explica os fundamentos do campo internacional. Em contrapartida, em um contexto de mundialização, o processo de integração europeu tem levado ao esvaziamento do interesse nacional, em nome do interesse comunitário. Isso significa que estaríamos diante de uma relevante experiência pós-nacional como nos demanda Ferry (2006)? Ou afirmar isso seria uma antecipação conceitual prematura, uma vez que grande parte do funcionamento da União se dá ainda nos marcos da colaboração inter-estatal? A ausência de consenso tem levado a diversas maneiras de explicação da UE no que tange à sua relação com os Estados nacionais. A relação com o Estado nacional aparece como elemento importante em todas as análises. Para a visão neorealista e intergovernamental os Estados nacionais aparecem como artífices do processo de integração. Já para visões transnacionais a integração Europeia é aspecto importante do processo de declínio do Estado moderno, sendo a União Europeia uma construção política para além do Estado nacional, pois existe um enfraquecimento da capacidade operacional dos Estados nacionais, em especial no que se refere à regulação dos mercados e a sua segurança interna e externa. Afinal como pensar a União Europeia? Ela caminha no sentido inverso do nacionalismo gestado na modernidade? É preciso analisar a experiência da União Europeia, como uma empreitada inovadora, com a construção de instituições comunitárias, formas de cooperações inéditas; projetando identidades supranacionais. Ao mesmo tempo, é preciso ressaltar que não se eliminou totalmente as questões clássicas ou tradicionais da política contemporânea,


120 Antonio Eduardo Alves de Oliveira uma vez que ainda vivemos em uma sociedade capitalista, marcada pelas desigualdades de classe. Isso significa dizer que o processo de construção Europeia não pode ser encarado como um objeto isolado do contexto histórico, nem pode ser visto como acima dos interesses das classes sociais e, no seu interior, de seus grupos de interesses, dentre os quais as grandes corporações capitalistas e o capital financeiro, que estabelecem políticas hegemônicas no processo de integração Europeia. É curioso que a União Europeia, enquanto objeto de estudo, apresente-se em constante movimento, alterando sua própria perspectiva, pois seu desenvolvimento não se realiza em linha continua como a visão neofuncionalista apregoava, mas marcada por idas e vindas, relacionando-se complexamente com as transformações globalizantes do espaço mundial. È importante ressaltar, como destaca Courty e Devin (2010), que o ritmo da construção Europeia não é previsível como parece apontar as resoluções finais da União Europeia, havendo controvérsias no caminho, com o estabelecimento de fronteiras incertas e práticas contraditórias de adesão e resistência. A partir de uma historia comparada e de uma historia do tempo presente, Frank (2001) propõe-se a problematizar a construção da Europa como objeto de historia e de reflexão teórica: afinal estaríamos falando de Europa–continente, EuropaCivilização, Europa-ideal ou de Europa-construção regional? Com a edificação da União Europeia uma preocupação constante nas pesquisas históricas, sociológicas e políticas é a da contribuição, ainda que de forma involuntária, para a construção desse objeto em debate. Em caso de uma reposta afirmativa, quanto à validade cívica desta operação, resta o questionamento quanto a sua validade científica. Convêm transformar a história problemática em história problematizada? A emergência da União Europeia bem como a formulação da noção de uma cidadania Europeia, ainda bastante vaga e abstrata


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quanto a sua efetividade, tem estimulado a criação de uma profusão de temas e questões acerca da nova Europa nas ciências humanas. Por isso, é necessário, manter-se atento à advertência de quanto aos interesses subjacentes ao desenvolvimento da problemática Europeia. A Europa não é um continente claramente delimitado, suas fronteiras territoriais e simbólicas são variadas ao longo do tempo. Apesar de haver um esforço nos últimos anos para apresentar uma tradição ou herança Europeia, existe uma porção do continente com uma geografia variada, a exemplo de uma vasta região tributaria de uma construção histórica singular, a antiga Eurásia. Dessa forma, a definição de Europa e de seu adjetivo europeu não são tão simples como parece. Para Hermet (2001), convém “apreender a Europa” como um conjunto articulado, tal como percebido na época do Renascimento. Contudo, tal procedimento é problemático, pois abstrai os diferentes modos de exaltação das memórias nacionais. Como agir, em relação à imensa distancia que separa a breve historia institucional do processo de integração ou de unificação do continente, em curso após 1950, da longa historia multissecular de desigualdades sociais da Europa, marcada por movimentos sociais, culturais, ideológicos e econômicos. Para Ferry (2002) a questão Europeia apresenta-se como uma oportunidade para refletir-se sobre problemas fundamentais da política na atualidade humana, tais como: o que faz com que indivíduos organizem-se enquanto um povo? O que faz com que indivíduos possam vir a constituir uma nação? Ou seja, o autor observa que o debate sobre o papel do Estado e das formas de atuação política deve ser posto a partir de estruturas para além do Estado Nacional. Neste sentido, uma questão se apresenta como prioritária qual seja: é possível a constituição de um Povo europeu, mesmo diante das intricadas identidades nacionais dos países membros da Europa? Além do mais, ao refletir sobre a história da Europa, o autor chama a atenção para o fato de que esta não é uma historia unificada,


122 Antonio Eduardo Alves de Oliveira mas uma historia marcada pela diferenciação, ou melhor, por fortes oposições entre as nações, os hábitos culturais e as classes sociais. Na historia da Europa moderna, um elemento determinante foi o surgimento e o desenvolvimento do Estado nacional, marcado pela constituição de um território comum, oriundo de significativas disputas internas e posterior expansão geográfica. Esse processo, extremamente variado, produziu o moderno Estado Nacional, com o estabelecimento de fronteiras e a promoção de distinções e discriminações. A discussão sobre a formação do Estado Nacional, e consequentemente da identidade nacional, apresenta uma enorme complexidade, pois a Europa passou por diversas fases, compreendendo períodos de lutas pela constituição de um território, com inúmeras disputas internas e desenvolvimentos posteriores em termos de expansão territorial, econômica e cultural. Como destacou Elias (1997), a ideia de nação foi construída durante um longo período, desenvolvendo-se a partir do patriotismo geográfico, do sentimento de compartilhamento e da solidariedade no seio de um povo. A unificação simbólica de um povo permite um olhar sobre uma singular virtual, isto é, uma pessoa coletiva: a alteridade, a pátria, o populus e a natio; elementos da constituição de uma identidade em um Estado nacional cada vez mais autônomo. A revolução industrial, a criação do mercado nacional e o desenvolvimento de mecanismos governamentais de promoção do civismo, tais como a universalização da escola e a criação de um sistema nacional de ensino, permitem a supressão de barreiras de comunicação. Concomitante a isso, o Estado Nacional nos países europeus estabelece através de um intenso comércio mundial, a unificação do globo, promovendo a mundialização a partir dos Estados Nacionais. O que é mais aguçado nos últimos decênios pela ação de firmas transnacionais. Entretanto, com as profundas mudanças da cena mundial, os agrupamentos transnacionais regionais, em especial o processo de


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integração europeu, têm modificado a abrangência das instituições políticas, com a criação de mecanismos de atuação que transcendem as antigas fronteiras nacionais. De que maneira é possível pensar a atuação da União Europeia em relação às modificações no espaço mundial, em especial qual o papel das escalas territoriais no interior dessa experiência transnacional? Para Ferry (2002), a experiência da União Europeia representa a possibilidade de construção de princípios e valores democráticos, com a constituição do estado de direito, de caráter não exclusivamente nacional, podendo assegurar políticas públicas transnacionais, criando medidas que assegurem a representação e a participação política. A identidade pós-nacional tem o desafio de evitar a dissociação entre política e cultura, tendo que conciliar no quadro constitucional jurídico, um espaço da união macro regional e transnacional às diferentes culturas e tradições. É possível a subsunção das diferentes identificações nacionais a abrangente identidade Europeia? A realização de um projeto político de integração em todos os terrenos, sobretudo no político, aprofunda um modelo federativo de geometria variável, com as unidades nacionais reconhecendo a predominância das políticas comunitárias. Dessa forma, a partilha de aspectos importantes da soberania, como da administração da política territorial interior e da ação externa são cada vez mais pretendidas, aparecendo com maior ênfase nos tratados europeus, o que se acentua após o aprofundamento de um cenário internacional demarcado pela globalização. Pode-se questionar se existem na União Europeia as condições sociais e políticas para a construção de instituições representativas de uma supranacionalidade 15. De qualquer forma, Dieckhoff (2002) afirma que a globalização constitui um déficit para o Estado nacional. Contudo, a formação de um 15- Neste sentido, a Comissão Europeia desde o final dos anos 1980 buscou adotar mecanismos de identificação formal, como símbolos (bandeira, hino, moeda), comemoração de datas históricas e construção de espaços de representação. (HEINE S. e MAGNETTE, 2007)


124 Antonio Eduardo Alves de Oliveira espaço mundial e global, ou macro regional como a União Europeia, não é tão simples como é abordado por determinadas vertentes teóricas. A visão otimista da globalização prega o processo de construção regional como uma mera extensão do liberalismo econômico. A União Europeia tem enfocado duas grandes temáticas: a) Abordagem institucional do sistema político europeu e dos problemas que se apresentam (federalismo, governança a vários níveis, etc.); b) Abordagem sociológica da ação pública colocando em evidencia “o espaço europeu de políticas públicas”, com análises centradas sobre políticas comunitárias ou comunitarização das políticas nacionais, o papel da Comissão Europeia como negociadora política, e o papel dos grupos de pressão. Em contrapartida, Petiteville (2003) apresenta um programa de estudo que problematiza a União Europeia como ator das relações internacionais. Neste sentido, a ação no espaço mundial da União Europeia pode se apresentar em três tipos de ação de políticas externas: a política estrangeira e de segurança comum, a política comercial e a política de cooperação, em particular com países do terceiro mundo, e mais recentemente com outros blocos regionais, a exemplo do MERCOSUL. O valor dessa temática em relação à nossa discussão é pensar o significado da União Europeia no cenário internacional em contexto marcado por intensas modificações, (fim da Guerra Fria, e o surgimento de novas guerras contra o terrorismo, etc.), e como são construídas as identidades nacionais, regionais e supranacionais. Do ponto de vista da abordagem institucional, a construção Europeia foi durante muito tempo analisada por suas duas correntes principais: intergovernamentalismo representada por Moravcsik (1993) e o neofuncionalismo de Haas (1975). Lesquesne (1997) destaca que essas duas correntes apresentavam um caráter normativo e sistemático, apesar de serem de certa forma, opositoras ou concorrentes entre si. Para o autor, boa parte


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das polêmicas é um tanto quanto obsoleta e, de certa forma, a integração Europeia ocorreu mais através da justaposição de princípios que se encontram definidos nessas correntes do que pela sua contraposição. Dessa forma, a união econômica e monetária puderam assimilar uma supra- nacionalidade, aplicando de certa forma uma regra funcionalista. O mercado único, que apela por uma moeda única, e as condições para o alargamento recente atestam as hipóteses intergovernamentais. Por outro lado, a abordagem neoinstitucional que domina o panorama mais recente procura analisar a evolução da União Europeia a partir da dinâmica institucional. Tal como o prolongamento da abordagem realista das relações internacionais, o intergovernamentalismo apresenta-se paradoxalmente como uma concepção mais clássica, mas também mais conservadora da construção Europeia. Ela caracteriza o Estado como única unidade de análise realmente explicativa da integração Europeia. Assim, Moravcsik, utilizando o modelo do jogo em dois níveis, mostra que os Estados na Europa são por essência dos representantes dos principais grupos de interesse, quais sejam, industriais e/ou setoriais. O jogo consiste em grupos de interesses que mobilizam seus recursos para obter sustentação institucional e política para, em seguida, atuar em escala Europeia. Em um segundo nível, o jogo aparece como uma série de mecanismos e de compromissos entre os Estados mais ou menos antagônicos que mobilizavam seus recursos e constituíam alianças para garantir que as decisões em escala Europeia lhes fossem favoráveis. Para estes autores ligados à corrente intergovernamental, a transação entre governos é um elemento decisivo para a evolução da Comunidade Econômica Europeia. Quanto à União Europeia, esta era concebida como produto de uma sequência de acordos que, em que cada momento de barganha entre os Estados, estabeleceria os parâmetros para a agenda do período seguinte. Assim, a União Europeia é apresentada como um regime de confluência


126 Antonio Eduardo Alves de Oliveira internacional, que visava à administração da interdependência econômica através de uma negociação política permanente, a partir das preferências nacionais e das articulações intergovernamentais. Parece que o movimento acumulativo da integração não é automático, nem induz a um crescimento regular, neste sentido, a abordagem intergovernamental tem a vantagem de qualificar a integração Europeia como um processo irregular, expresso no próprio ritmo dos tratados. Entretanto, esta corrente apresenta uma visão formalista, pois elege o Estado como elemento determinante, não observando a existência de outros atores que estão além da esfera estatal, que interagem inclusive nas disputas pelo poder no interior dos Estados. Na Europa, no período que se estende dos anos 1950 aos 1980, o federalismo foi o motor ideológico que inspirou várias tentativas e movimentos de criação de uma entidade política Europeia, mas todos fracassaram. Um dos elementos fundamentais para a perspectiva federalista está na dificuldade dos líderes dos Estados-membros em reconhecerem que problemas comuns possam ser resolvidos por meio de instituições comuns mais abrangentes. Em busca de uma solução institucional, essa postura exige uma maior participação dos atores sociais, além daquela dispendida pelos governos. Entretanto, quanto a isso existem diversas questões em aberto, como por exemplo a motivação, ou a justificação, das nações abrirem mão voluntariamente da sua própria soberania em prol de estruturas federais a serem criadas. Por outro lado, ao realizar a unificação de suas economias e moedas, a União Europeia de certa forma já transcendeu a etapa intergovernamental. No atual contexto europeu, a ampliação do conceito de soberania para além das fronteiras nacionais já é um aspecto relevante de sua realidade. Entretanto, as instituições comunitárias trazem consigo problemas de legitimação significativos. A percepção na União


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Europeia de um déficit democrático não resolvido já é antiga. No contexto da atual ampliação, ela se torna uma preocupação aguda. Teme-se que a incorporação de nações com uma história de práticas não democráticas faça surgir novas questões e novos problemas que poderão implicar em excessiva concentração de competências nas mãos da União. Mesmo que o princípio da subsidiariedade, consagrado no Tratado de Amsterdam, garanta que determinadas tarefas e funções só serão de competência da União quando seus objetivos não possam ser alcançados no nível da comunidade. A construção de uma comunidade Europeia envolve também uma dimensão simbólica da integração. O desenvolvimento do mercado comum e o fomento de novas instituições políticas e jurídicas ocorrem no interior de um processo de mudança constante no significado do que vem a ser europeu. Ser cidadão europeu na UE envolve toda sorte de representações simbólicas. Entretanto, existe uma serie de dificuldades para a constituição de uma simbologia em escala Europeia, que se expresse na confecção de valores e de justificativas para a integração Europeia de diferentes povos e tradições. Como combinar, sem confrontar, a identidade Europeia às precedentes historias das nacionalidades, como é possível transportar esta historia para a escala supranacional? Para Heine e Magnette (2007) o projeto europeu não visa necessariamente desfazer-se das nações para construir a Europa, mas permite transformar as relações entre os Estados para construir a Europa. Os autores reconhecem que é difícil precisar a significação da construção Europeia descrita sobre o modelo europeu. Entretanto, é possível estabelecer algumas pistas para a compreensão da significação da União Europeia. Um aspecto importante é perceber como ela é vista a partir de outros continentes e como ela é percebida do seu interior, a partir das diferenciações regionais e da atuação dos múltiplos atores presentes na


128 Antonio Eduardo Alves de Oliveira globalização. Essa abordagem sobre o modelo europeu preconizada por Magnette (2007) tem o mérito de propor uma sistematização de diferentes aspectos presentes na União Europeia, entretanto apresenta o inconveniente de não problematizar as contradições e a atuação dos diferentes atores envolvidos direta ou indiretamente no empreendimento europeu. Ao privilegiar a formatação das instituições e do funcionamento do modelo da União Europeia o regionalismo europeu parece pôr-se acima das clivagens de classe ainda presentes no continente europeu. Uma maneira de problematizar a unificação Europeia é analisar os fatores, os interesses e as ideias mobilizadas para a sua consecução abordando-se as diferentes práticas no continente europeu. Para Saurugger (2008) é preciso uma sociologia da construção Europeia, que possa entender o processo como uma construção social abrangente. Uma questão incontornável é o enfretamento dos dilemas decorrentes da construção do espaço comum europeu, qual seja como constituir uma soberania supranacional em confluência com as soberanias nacionais. Esse dilema só pode ser compreendido através da análise das negociações no interior dos Conselhos Europeus e das diferentes instituições da União Europeia. De acordo com o autor, somente assim é verdadeiramente possível compreender o processo de integração abordando tanto as inovações como as permanências em relação aos Estados Nacionais. Para entender esse processo, Saurugger (2008) sublinha a existência de diferentes dimensões da integração Europeia — setorial vertical, horizontal e setorial. A dimensão setorial relaciona-se com a regulação das diversas políticas públicas em diferentes níveis, e mais precisamente como e porque as novas políticas públicas são geradas em nível comunitário. Por sua vez, a dimensão vertical, apresenta de que maneira parte da soberania nacional é transferida para agências independentes dentro da gestão da governança da União Europeia. Enfim, a dimensão horizontal parte da ampliação


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da atuação da União Europeia, com o alargamento territorial e a aceitação de novos países membros. O processo de institucionalização comunitária na União Europeia reflete uma trajetória largamente internacional dos processos institucionais modernos, envolvendo intergovernamentalismo e transnacionalismo, não somente do ponto de vista jurídico, mas também do ponto de vista dos atores sociais, políticos e econômicos envolvidos. Na verdade, o debate em torno da adesão ou resistência à Europa vincula-se à questão da relação entre permanência e mudança. Em 1987, Elias (1997) salientou que a integração comunitária ilustra a diferença entre extensão dos caminhos da interdependência entre indivíduos/grupos sociais, a resistência do habitus nacional e os sentimentos de compartilhamentos. Por outro lado, via nessa integração a possibilidade de nível superior de redescoberta da historicidade do processo, apesar de envolver uma amnésia Europeia e o desencadeamento do monopólio da lei. A abordagem proposta por Elias (1997) convida ao diálogo entre o passado e o presente da construção Europeia a partir da dinâmica da constituição de diferentes temporalidades sociais, culturais e políticas, que às vezes atuam de maneira simultânea na história Europeia. A palavra tempo promove certa confusão, podendo representar memória, patrimônio, comemoração e identidade. Termos que são largamente utilizados para descrever a historicidade da construção Europeia. Assim, a economia imediata do presente, não cessa de transformar a historia em acontecimentos que são feitos ou transformados em material histórico da memória. Por outro lado, Weisbein (2008) destaca que de uma maneira crescente a cartografia da europeização produziu a multiplicidade de objetos, de definições cientificas, tais como governança, espaço público ou sociedade civil. A europeização designa um processo de interação entre o lugar dos atores nos diferentes níveis de governo (comunitário, nacional e local) e as modalidades de articulação


130 Antonio Eduardo Alves de Oliveira crescente entre eles. Ora a configuração é fundada sobre a ideia que o social é relacional e, mais precisamente, que a economia geral da interdependência que liga o conjunto dos indivíduos ou instituições, ou seja, a ação dos indivíduos não pode ser isolada das correntes de interdependência que liga aos outros. A objetivação do espaço institucional europeu e a construção de um espaço político comum correspondem e representam uma variedade que abarca a análise institucional das políticas públicas ou da sociologia dentro de uma perspectiva social – histórica sobre as condições sociais e políticas que presidem a elaboração dentro de uma narrativa comum, de sua objetivação ou não de uma historia baseada nas memórias. Qual a natureza dos conflitos no processo de construção Europeia? É o processo de historia comum, mas marcado pelo conflito nacional e pelas diferentes perspectivas nacionais. As lutas interinstitucionais dentro da arena comunitária, sendo a europeização de fato caracterizada pela circulação acelerada de pessoas, produtos e capitais e normas polarizadas pela referencia do mercado - reforçam a naturalização da Europa como suporte de inovação e modernidade distinta de outras formas julgadas como arcaicas ou ultrapassadas, permitindo a multiplicação de usos da noção de Europa. Entretanto, como o aumento da complexidade da cooperação econômica, social e cultural, como as heranças nacionais diferenciadas, muitas vezes subsumidas, pode se relacionar com a nova historia em construção, sem significar uma simplificação arrogante e artificial da tecnocracia da UE, que não tem efetividade na sociedade civil, como aponta constantemente a visão europessimista. É bem verdade que a construção da comunidade Europeia não se realiza da mesma maneira e com a mesma intensidade nos diferentes países membros. Além disso, do ponto de vista histórico, mesmo o processo de construção Europeia remonta aos anos 1950, com a criação da cooperação intergovernamental, somente a partir da década 1970, ou seja, a menos de 50 anos que a gestão da CEE, depois


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UE tem aspecto mais estruturante. Se os alargamentos trouxeram a ampliação e fortalecimento da União Europeia, também estão associados a uma identidade política cada vez mais fragmentaria em relação a outras identidades existentes no continente europeu e no espaço mundial. A experiência institucional e política da União Europeia está articulada com a constituição do mercado comum, e em especial com o estabelecimento da moeda única, que entrou em vigor em 1999. A ordem de prioridade dos intercâmbios comerciais e econômicos no processo de integração Europeia sempre foi decisiva, desde a criação do projeto inicial através da comunidade do carvão e do aço até a incorporação dos países do leste europeu, passando pelos efeitos desastrosos da recente crise econômica em 2008. A valorização das regiões na construção da UE nas recentes políticas comunitárias é evidenciada pela crescente atuação dos chamados lobbys regionais no interior do Comitê das Regiões e nas mais importantes instituições Europeias (parlamento, conselho e comissões técnicas sediadas em Bruxelas), e no desenvolvimento da Para diplomacia regional no cenário internacional. Ao mesmo tempo ocorrem processos sociais abrangendo estas diferentes dimensões, que se expressam na constituição de instituições comunitárias supranacionais e no redimensionamento ou na construção de novas instituições no interior dos países membros da União Europeia. Essas diferentes escalas não são isoladas umas das outras, nem podem ser vistas apenas de um ponto de vista estritamente institucional, pois elas envolvem influências ideológicas, jogo de interesses, questões sociais, questões intergovernamentais e um jogo de poder no processo de integração. A construção Europeia entre o nível supranacional e o exercício das suas competências ao nível regional e local, reclama cada vez mais autonomia em relação às instâncias do Estado Nacional, ossatura da sociedade política, causando não somente um debate acerca da


132 Antonio Eduardo Alves de Oliveira legitimação das instituições, mas também relacionando-se com a formação de identidades diversas na contemporaneidade. Dessa forma movimentos regionalistas novos ou tradicionais têm de lidar com um novo contexto social e econômico e com o relativo enfraquecimento do quadro nacional. Destarte, a escala transnacional e comunitária interage com outras escalas, como a regional, nacional e local. O impacto de integração Europeia sobre as relações entre ação pública e o sistema político, relaciona-se com a busca da implementação de políticas públicas comunitárias, que permitam legitimidade política. Além disso, envolve uma interação com a esfera econômica, em particular com as novas e velhas demandas de desenvolvimento. Uma discussão presente é qual o papel do Estado e as mudanças das recomposições institucionais em torno da formação da União Europeia. Uma dificuldade para a análise das políticas públicas Europeias ou comunitárias reside no fato de que as políticas públicas comunitárias dificilmente podem ser isoladas de seus equivalentes locais. Assim, apresenta-se uma dupla questão: o que elas mudam e como mudam? Em particular em relação às configurações especificas da ação pública ou ainda aos modelos políticos. Põe-se também a questão de como são compartilhados os poderes no seio da União Europeia e quais os termos da hierarquia independentes e verticais? Existe uma diversidade de modos e lugares da política comunitária aos espaços de sentido discursivos ao seio da ação pública, as perspectivas sociais das ações da comissão Europeia. Policentrismo, legitimação e representação política, a integração Europeia implica igualmente refletir sobre a conceituação do déficit democrático em relação à questão de representação política. A problemática do sistema político administrativo da governança no processo de construção de identidade e compartilhamento de valores, muitas vezes abstrai que as concepções e discursos escamoteiam interesses. Assim, a emergência de um


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espaço europeu para a ação publica não se realiza fora dos diversos contextos sociais e econômicos, e mesmo a noção da opinião publica Europeia pode dar conta da complexidade. Dentro dos setores integrados, numerosas políticas regulamentadas pelas esferas comunitárias estão em concordância com os instrumentos estatais dos Estados-membros, colocando a questão da articulação e atuação em conjunto do que se convencionou chamar ação pública em múltiplos níveis. O processo de interações entre as instituições de diferentes escalas envolve as definições sobre as transferências institucionais de competências. As dinâmicas associadas à integração Europeia são de caráter ascendente (do Estado para a União) ou descendente, quando agências (comissão, banco central europeu) podem atuar em consonância com coletividades sub- nacionais (regionais ou locais). Os fundos estruturais promoveram uma importante política regional, estabelecendo conjuntamente com os fundos de coesão os fundos de ajuste de crescimento que permitiram, durante um período significativo, a ajuda da União a Estados menos desenvolvidos, para reduzir as disparidades econômicas e sociais em parcerias Europeias. A coesão regional é um dos motores da integração Europeia, particularmente em relação à Europa do Sul, e tem tido uma importância crucial nas novas ampliações. A luta contra o desemprego e a reconversão industrial e a busca por mecanismos que permitam a inovação e a competitividade das regiões Europeias têm servido para diversificar as economias retardatárias; os programas de iniciativa comunitária concentrando esforços em certas regiões e em articulação com as autoridades locais têm servido para desenvolver um compartilhamento de iniciativas. No próximo capítulo vamos retornar à discussão sobre a história e a significação da experiência Europeia de integração regional, tomando como eixo as políticas de coesão regional praticadas pela comunidade Europeia. A política de coesão dos


134 Antonio Eduardo Alves de Oliveira fundos estruturais particularmente a do fundo regional, são aspectos do reconhecimento das diferenças e desigualdades regionais no seio da União Europeia.


A GEOMETRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS REGIONAIS DA UNIÃO EUROPEIA Um dos desafios mais importantes do processo de unificação do continente europeu é a promoção da coesão econômica e social no espaço comum construído ao longo dos anos. Trata-se, pois, de uma questão candente, sobretudo após a constituição do mercado comum nos anos 1990 e os sucessivos alargamentos, primeiramente ao sul e depois a leste do continente. O processo de unificação Europeia tem seu inicio ainda no imediato pós Segunda Guerra Mundial e vem se construindo como uma experiência inédita de uma integração regional, que começou com articulações intergovernamentais, mas que evoluiu, ainda que não linearmente, para uma experiência comunitária com instituições e políticas supranacionais. No capitulo II discutiu-se os principais marcos no processo de construção de integração Europeia, especialmente a partir dos anos 1990, com a confecção do Tratado de Maastricht (1992) e a construção da União Europeia. Na evolução do processo de integração tem aumentado de maneira crescente a interdependência entre os diferentes níveis de articulação territorial (comunitário, nacional, regional – infranacional – e local). Esse processo, ao mesmo tempo em que vem favorecendo a construção de uma política regional compartilhada (comum) entre os países membros da UE, tem também gerado uma forte demanda por uma descentralização administrativa no interior dos Estados nacionais. A integração Europeia e a política regional desenvolvida no seu interior apresentam-se como um processo complexo de escalas territoriais, implicando no reconhecimento de assimetrias regionais ampliadas ainda mais com os recentes alargamentos e as transformações no cenário mundial. O estudo da política regional


136 Antonio Eduardo Alves de Oliveira da União Europeia em um contexto dinâmico de mundialização econômica e de ambivalência de significado do território passa pela problematização das políticas regionais e da importância da escala região em uma experiência transnacional. A constituição das interações regionais e das diversas ações no plano infra-estatal pela cooperação comunitária tem promovido um processo de recomposição dos quadros territoriais europeus na constituição da reterritorialização das ações econômicas, sociais e políticas a partir das diversidades das formas de ação territorial. Como ressalta Keating (1997), o conceito de região é produto do reencontro de diversas concepções de espaço – o espaço funcional da economia, o espaço cultural, o espaço das características físicas – e também dos enquadramentos institucionais das formações políticas. As regiões eram vistas como um obstáculo à construção de uma identidade nacional e à formação do Estado nacional. Entretanto, após a Segunda Guerra Mundial verifica--se uma revalorização das regiões nas políticas de desenvolvimento regional do Estado nacional modernizador. Nesse sentido, a regionalização aparece como uma exigência funcional da gestão territorial, sendo que o desequilíbrio regional e territorial era visto como um problema (marginal ou não) para as políticas macroeconômicas de matriz keynesiana, e a região vista como um espaço de intervenção adequado para garantir a correção dos problemas do desenvolvimento. No contexto de integração regional Europeia existe uma importante alteração de perspectiva, qual seja, a constituição de uma estrutura institucional regional relacionada com a flexibilização dos controles exercidos pelo Estado nacional, o que provoca, além do aparecimento de novas demandas culturais e sociais, a retomada parcial em outros formatos de identidades subsumidas anteriormente. De qualquer forma, é interessante notar que, a partir de meados da década de 1970, a retórica das intervenções, visando a estimular a solidariedade comunitária e transnacional, foi cada vez mais se consolidando na política regional Europeia.


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Como destaca Lesquesne (1997; 2008), a Europa passa por um movimento de regionalização que tem evidenciado um reforço do nível intermediário. Ao mesmo tempo em que a região tem um papel importante na articulação econômica e social na experiência multinacional ou transnacional Europeia. A implementação de políticas setoriais em escala local e regional insere-se na preocupação com a governança do espaço público europeu. Um dos aspectos desse movimento de regionalização de conjunto (com um reforço do nível intermediário) e a interdependência crescente entre os diferentes níveis ou escalas de desenvolvimento é a existência de diferenças notáveis entre os países membros da União Europeia. Apesar de ser uma das zonas mais ricas do mundo, encontram-se desigualdades internas significativas, em termos de rendimentos e de desenvolvimento. No entanto, a política regional da União Europeia foi concebida como forma de garantir transferência de recursos das sub-regiões mais ricas para as mais pobres. A política transnacional no processo de construção Europeia tem passado por modificações e reestruturações importantes ao longo do tempo, destacando-se a atuação de fundos estruturais de coesão e inovação. As formas de regionalização institucional e o processo de europeização das políticas implicam a multiplicação de redes e relações intergovernamentais que vão além da mera distribuição espacial dos recursos comunitários dos países-membros, existindo uma constante reinvenção das regiões, internamente e no âmbito da comunidade Europeia. O presente capítulo tem como objeto de estudo os pressupostos e conteúdos da política regional da UE, a partir da atuação de algumas instituições. Os efeitos da aplicação dos fundos estruturais e de coesão para o desenvolvimento regional, particularmente o seu impacto no terreno político, é o objeto central deste capitulo. De maneira mais abrangente, discute-se a significação sociopolítica


138 Antonio Eduardo Alves de Oliveira do regional no contexto da própria integração pretendida e efetuada entre os países-membros da UE em uma ambiência de transformações acentuadas no espaço mundial. A ampliação do processo europeu de integração econômica correspondeu, ao longo dos anos, a uma intensificação das intervenções típicas de política regional. Esta formulação foi justificada pela necessidade de políticas comunitárias específicas para integrar áreas historicamente retardatárias e regiões de industrialização mais antiga, nas quais, o aumento da competividade global sofreu perdas de mercado para seus produtos, gerando formas de desemprego crônico, em decorrência da obsolescência tecnológica. A política regional é concebida pela UE como um instrumento de solidariedade financeira e um importante motor de coesão e de integração econômica. Por trás da noção de solidariedade está a noção de que as regiões e os cidadãos mais desfavorecidos deveriam obter benefícios tangíveis. Por sua vez, a ideia de coesão, sublinha o princípio de que todos se beneficiem com a diminuição das disparidades de rendimento e de riqueza entre as várias regiões. Segundo Smith (1995), uma possível explicação para justificar-se os fundos estruturais estaria no fato de estes serem propostos como um mecanismo comunitário que favorece a solidariedade Europeia, entendida como um altruísmo dos governos em benefício dos países mais desfavorecidos. De uma maneira muito pronunciada, a política regional neste início de século tem se voltado para problemas decorrentes da liberalização do comércio internacional e do Investimento Estrangeiro Direto (IED) nas economias locais. Dessa forma, além das intervenções para deter a estagnação econômica e combater o aumento das desigualdades espaciais e sociais no interior da UE, estimula-se a promoção de programas de inovação e de maior atratividade econômica para as regiões.


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Neste capítulo, inicialmente, discute-se no item 3.1, a diversidade da questão regional na Europa e os primórdios da política regional da UE e analisa-se a heterogeneidade das esferas infranacionais na estrutura de alguns países membros da UE. Em seguida, as origens das políticas comuns, notadamente o papel da Política Agrícola Comum (PAC) como percussora das futuras políticas comunitárias. No item 3.2 serão analisados os pressupostos e o histórico dos eixos e instrumentos fundamentais da política regional Europeia, colocando em relevo o papel dos fundos estruturais o Fundo social Europeu (FSE); o Fundo de Desenvolvimento Regional (FEDER) e o Fundo de Coesão. Posteriormente, no item 3.3 será analisada a aplicação dos fundos regionais nos períodos 2000-2006 e 20072013, ressaltando os objetivos e as ações empreendidos pela política regional da UE. É importante destacar que até hoje a política de fundos de desenvolvimento vem tendo um papel importante no conjunto das políticas comunitárias, representando mais de 2/3 do orçamento global da União Europeia para o período de 2007-20131. A atuação dos fundos estruturais ou de coesão revela a preocupação com defasagens, retardos e contradições do desenvolvimento desigual das regiões dos diferentes Estados no espaço comum europeu. A política regional nos anos 1980 e na primeira metade da década de 1990 foi apresentada como um contraponto ao processo de formação do Mercado Comum Europeu, que, com a predominância da lógica liberalizante, tem aumentado a competição e a competitividade das economias nacionais, regionais e locais. Os instrumentos de atuação da política regional Europeia, em especial os fundos estruturais, implicam a articulação de multiníveis em que são criadas complementaridades ou onde 1- COMISSÃO Europeia. DG REGIO. A Política de Coesão 2007-2013. Comentários e textos oficiais http://ec.europa.eu/inforegio. 2007. Acessado 15 de janeiro 2009.


140 Antonio Eduardo Alves de Oliveira surgem conflitos de competências. Os princípios gerais da política comunitária, sobretudo o princípio da subsidiariedade, procuram evitar a sobreposição e a disputa entre os diferentes níveis. Para tanto, a esfera subnacional tem um papel fundamental, na medida em que funciona como um elo que articula os interesses locais e a ação comunitária, visando a resultados comuns. Por fim, no item 3.4 é colocado em relevo a política regional Europeia que ao longo do tempo tem adquirido novas modalidades. Com o apoio às articulações transfronteiras e inter-regionais, foram criados programas que pudessem interligar a região, estabelecendo uma estratégia de desenvolvimento para integrar as iniciativas e favorecer a descentralização administrativa no âmbito nacional. Estimulou-se também os intercâmbios transnacionais entre as comunidades territoriais regionais e locais, a exemplo dos programas de irrigação compartilhados, os quais são gerenciados por diferentes localidades. Além disso, os pressupostos de uma administração multinivel e de uma governança da Europa das Regiões são discutidos a partir da atuação do Comitê das Regiões. Contrariamente às observações correntes, o estudo das recomposições e das conceitualizações das políticas públicas regionais na experiência da UE não é simplesmente um estudo setorial ou uma abordagem de uma experiência de desenvolvimento regional sui generis. Para além da avaliação sobre a capacidade da integração Europeia (ou política regional da UE) conseguir promover uma homogeneização no nível de riqueza das regiões, o estudo da geometria das políticas públicas regionais da UE tem como pano de fundo um debate sobre a sua natureza e o significado das regiões (enquanto escala infranacional) em um processo supranacional contemporâneo de ação integrada econômica, política e social.


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OS PRIMÓRDIOS DA POLÍTICA REGIONAL DA UNIÃO EUROPEIA Quanto à política regional Europeia, ela adquire suas feições originais a partir dos anos 1970, com a constituição dos fundos regionais. Antes de discorrer acerca dessa política, é importante assinalar que a problemática regional Europeia tem uma história muito antiga, muitas vezes confundindo-se com o próprio processo de formação dos Estados nacionais. Esse processo foi constituído pela unificação política territorial em que as distinções regionais muitas vezes foram subsumidas no processo de construção da unidade nacional. Um segundo problema a ser considerada diz respeito à existência de diversas questões regionais e não de apenas uma única questão regional Europeia. Como Granrut (1996) salienta, em decorrência de múltiplos fatores – econômicos, culturais e políticos – existem diferenças importantes na estruturação das escalas intermediárias dos países-membros da UE.

O panorama geral da diversidade na Europa, segundo Anderson (apud Le Galés, 1997), tem a ver com o desenvolvimento

econômico desigual, com os processos de homogeneização cultural e com os diferentes processos de formação nacional. A partir dos anos 1960, os movimentos identitários regionalistas passaram a estabelecer uma forte pressão pela democratização, expressa pela bandeira da descentralização nos anos 1970. Apesar da imagem do regionalismo relacionar-se com a defesa de um particularismo cultural ou propriamente com um anacronismo, no entanto observa-se atualmente a renovação do significado dos conceitos de região e regionalismo. Além disso, por vezes a distinção conceitual que separa e legitima o regional e o nacional é bastante tênue na atualidade. 2 2- Le Galés (1997) cita como exemplos dessa situação: a guerra civil na Irlanda, as afirmações autonomistas na Espanha, a federalização da Bélgica e as ligas não norte da Itália.


142 Antonio Eduardo Alves de Oliveira A diversidade na formação histórica tem possibilitado às regiões de estados membros maneiras diferenciadas de atuar efetivamente como protagonistas na política regional Europeia, uma vez que existem diferenças na autonomia, nos recursos, na capacidade política e na legitimidade. Assim, a característica marcante do nível de governo regional na Europa não é a homogeneidade, mas a variedade. De qualquer forma, como destaca Bitsch (2003), apesar das diferenciações no tamanho e relevância, as regiões são fatores dinâmicos para a construção Europeia, nas quais atuam a Comissão Europeia e outras organizações. A arquitetura geral das coletividades territoriais. Um primeiro aspecto é que não há um modelo único de organização. Existem estados federais (Alemanha, Áustria, Bélgica) e estados unitários (a emergência de estados e regiões autônomos, a exemplo da Espanha e, parcialmente, da Itália, cujas regiões detêm poder legislativo e autonomia financeira). Em alguns países europeus a escala regional (infranacional) não é reconhecida institucionalmente; em outros, isso só ocorreu recentemente. São países muito pequenos como Luxemburgo, ou com uma forte tradição municipalista e/ou centralizada, a exemplo da Irlanda, Grécia, Portugal e dos países escandinavos. Antes de proceder a uma análise da política regional no processo de integração europeu, é importante observar como a escala infranacional se apresenta em alguns países. Vale notar que, conforme mostra o quadro 2, as regiões ou a escala infranacional tem um status diferente nos Estados-membros da UE.


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Quadro 2- Administração regional (infranacional) em alguns Estadosmembros da UE País Bélgica Alemanha França

Estado Nacional Monarquia constitucional República Federativa República Não federativa

Data de criação

3 comunidades

1970

3 regiões

1980

16 länder

1949/1990

22,31

22 regiões metropolitanas e 4 regiões ultramarinas

1982

24, 72

Republica 20 regiões e não federativa 2 províncias 1948/1970 (regionalizada) autônomas Monarquia constitucional 17 comunidades Espanha (com 1979/1983 autônomas comunidades autônomas) Fonte: autor, com base em ENGEL e CHARPENTIER (1992) Itália

Superfície media em 1.000 km2

Administração Infra-nacional

10,16

15,6

29,69

Como se vê, no quadro 2. Administração regional (infranacional) em alguns estados-membros da UE, existe uma diversidade do papel e das prerrogativas da escala regional no interior dos países membros da União Europeia. Nesse mesmo quadro apresenta-se a organização política do Estado nacional, a quantidade de unidades infranacional da administração intermediaria, a data de criação e a superfície média das diferentes unidades administrativas regionais. De forma geral, entre as regiões Europeias apresenta-se uma significativa variedade quanto ao tamanho, importância e função no interior do território nacional. Além disso, como aborda Engel e Carpentier (1992), há uma diferenciação entre as regiões enquanto


144 Antonio Eduardo Alves de Oliveira um nível intermediário subnacional e outros níveis locais de administração, como municípios, comunas e cantões nos Estadosmembros da UE. Também pode ser observado nesse mesmo quadro que a França tem 26 regiões, sendo quatro delas regiões ultramarinas. A Alemanha é um Estado Federal, com 16 Länder, que são responsáveis pela execução das leis e pela administração de uma parte dos domínios3. A Bélgica é uma monarquia constitucional, e um estado federal com a presença de três comunidades linguísticas e três regiões. A Itália onde as regiões são reconhecidas desde 1948, passou por uma importante reforma territorial em 1970, existindo ainda duas províncias autônomas, Bolzano e Trente. Por sua vez, a Espanha tem uma estruturação diferenciada, com a presença de 17 comunidades autônomas. Ainda a partir do quadro 2 é possível inferir-se as diferenças entre estes países no que tange ao papel da escala regional no quadro geral das instituições políticas. No caso da Alemanha, Itália, Bélgica e Espanha, a maior parte da carga administrativa é assumida diretamente pelas regiões. Como salienta Capron (2006), o status regional tende a reproduzir localmente o regime nacional, e isso se expressa nas instituições regionais e em suas competências. Assim, a constituição atribui às autoridades subnacionais parte do poder legislativo, o qual é exercido por parlamentos regionais. Em casos de conflito aberto, a lei nacional tem predominância e a repartição das competências difere de um país a outro, de tal modo que geralmente as autoridades regionais assumem a administração de setores como a saúde e a educação. Essas diferenciações sobre o papel das escalas infranacionais têm um forte impacto no processo de construção da União Europeia 3- O estado alemão é composto por 16 Länder , o que significa "país", usa-se mais frequentemente o termo Bundesländer (estados da federação). ENGEL e CHARPENTIER (1992).


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e na constituição das políticas regionais supranacionais, pois, mesmo com os esforços para unificar as informações estatísticas e com os critérios de classificação, existem fortes nuanças na administração multinível territorial. Na Alemanha, como um Estado federativo, dois princípios políticos e jurídicos estão presentes, a saber, a) a autonomia das entidades federadas; e b)a participação das entidades federadas no exercício das competências federadas. As unidades da federação como as Ländes tem uma qualidade jurídica representativa e tem importantes competências legislativas. Por sua vez, na França, existem instituições e organismos públicos territoriais que dispõem de uma relativa autonomia administrativa e financeira, adquiridas após movimentos por medidas descentralizadoras, ocorridos no final do século passado, mas a importância do estado nacional central ainda é decisiva. Na Espanha, as competências regionais são exercidas de maneira heterogênea entre as regiões; cada comunidade autônoma tem uma definição sobre suas próprias competências dentro dos limites fixados. Não existe a obrigação de as comunidades assumirem todas as competências necessárias; o que existe é uma distinção na constituição acerca das competências máximas e essenciais. No caso espanhol, como assinala Dufour (2000), o debate acerca do papel das comunidades autônomas tem uma raiz profunda, pois a relação entre o poder nacional e os poderes locais remete à questão histórica da formação do Estado nacional. Na Espanha contemporânea, a questão regional (minorias nacionais) teve uma importância crucial no processo de democratização do país nos anos 1970, após a queda do regime franquista. A recomposição dos quadros e escalas territoriais impacta na atuação atual do poder público na Europa. De maneira geral, as regiões têm constituído um importante nível de governo ou governança na Europa. Entretanto, existe uma dificuldade em


146 Antonio Eduardo Alves de Oliveira agregar as unidades administrativas nacionais na política regional da UE, pois nem sempre o espaço funcional, como escala intermediária, corresponde às definições institucionais, já que alguns espaços podem adquirir importância em decorrência da sua especificidade étnica ou lingüística. Ademais, o regionalismo é apresentado como um fenômeno complexo que não pode ser reduzido à dimensão dos níveis da nova hierarquia territorial. Para o autor, as regiões não são apenas um modo de governo, mas instalam-se como um princípio de organização da própria sociedade civil. O autor retoma Putnam (1996), que procurou trabalhar certos tipos de sociedade civil na condição de espaço político. E com base no referido autor, conclui que as regiões podem ser tomadas como espaços de organização da sociedade civil, com sentimento de identidade e tradição cívica, como vida associativa. Com a constituição do processo de cooperação intergovernamental e, posteriormente, com a ampliação da dimensão comunitária, as disparidades regionais evidenciaram que, sem o enfrentamento dos déficits das economias nacionais, o próprio desenvolvimento do processo de unificação regional poderia ser comprometido. Décadas atrás, quando da formação do Mercado Comum Europeu, discutiu-se como os efeitos econômicos e sociais da unificação repercutiriam nas diferentes regiões Europeias. Recentemente, em contraposição, a dimensão identitária e cultural e a questão da representação política das regiões nos foros de decisões da União Europeia têm sido mais aventados. Nos anos 50, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) já dispunha de um conjunto de instrumentos financeiros para uma intervenção nas regiões dos países-membros, com vistas a uma coerência nos investimentos. O Tratado de Paris, em 1952, em seu Artigo 2º, já mencionava o direito de repartição racional da produção do aço e carvão, visando a um melhor nível de produção


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e também de distribuição dos dividendos entre as regiões dos países participantes. Além disso, os empréstimos concedidos pela CECA e pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) aos países tinham critérios de elegibilidade de desenvolvimento territorial. Uma política regional comunitária não foi explicitada no Tratado de Roma (1957), entretanto,em seu preâmbulo, o Tratado pregava “reduzir a distância entre as diferentes regiões e o retardo dos menos favorecidos”. Pode-se se ver, então, que desde o início das diferentes etapas de construção da União Europeia, as políticas setoriais foram constituídas com uma dimensão regional que considerava assimetrias e desigualdades presentes em políticas como a PAC ou em planos de reconversão industrial. Como já foi destacado, para o surgimento e desenvolvimento da Comunidade Europeia os fatores da política internacional, como o estabelecimento do plano Marshall (1947), o desenrolar da Guerra Fria, a consolidação da paz entre França e Alemanha (formação da CECA em 1952) e, como afirma Courty e Devin(2010), fatores internos dos países e do continente europeu relativos à agricultura, tiveram um papel crucial na construção da unificação Europeia. A integração econômica passou por decisões políticas, bem como pela elaboração de medidas comuns que transitavam do nível intergovernamental para o transnacional. A Política Agrícola Comum (PAC), criada ainda em 1962, é um importante exemplo. A constituição da Política Agrícola Comum (PAC) foi decisiva para o desenvolvimento das políticas comuns na década de 1960 e, posteriormente, para uma política regional Europeia mais abrangente na década de 1970, tendo ainda um papel crucial nos processos de adesão dos novos países membros da comunidade Europeia. Antes da PAC, nos anos imediatos do pós-guerra, o desmantelamento da estrutura agrária e a questão da formação dos preços dos alimentos já demandavam uma forte preocupação dos governos europeus. Na década de 1950, o processo de integração


148 Antonio Eduardo Alves de Oliveira deparou-se com a persistência da crise de distribuição de alimentos nos centros urbanos e, em seguida, com a necessidade de aumentar a produtividade com vistas à melhoria do nível de vida dos agricultores. A PAC retirou parte da sua legitimidade do fato de ter conseguido melhorar a vida do agricultor, que tinha um nível de vida inferior à média da população, sobretudo nos períodos de forte crescimento europeu (na década de 1950 e 1960). A PAC ajuda aos produtores rurais, a partir da alocação de subsídios a esses produtores, com financiamento e facilidades para escoamento da produção, inserção em mercados, garantia de preços, etc. A adoção de uma política agrícola compartilhada foi um dos fatores que, seguramente, permitiu a integração dos britânicos e dos irlandeses ao projeto de comunidade e, ao mesmo tempo, a acomodação de interesses dos produtores dos antigos países-membros da cooperação Europeia (CCE), particularmente os franceses. Na verdade, a PAC inspira-se em políticas agrícolas existentes na Europa dos seis e remonta as suas bases jurídicas ao tratado de Roma (1957), em Artigo 32º inclui a produção agrícola no mercado comum. Já o Artigo 33º apresenta o objetivo dessa política, qual seja, o aumento da produtividade da agricultura, visando garantir uma rentabilidade para os produtores e preços razoáveis para os consumidores. A implementação da PAC buscava estabilizar os mercados agrícolas, modernizando o armazenamento e garantindo os preços mínimos dos produtos diante da concorrência externa. A importância da PAC como elemento de uma política comum no processo de construção Europeia se expressa nos anos 1960 na preocupação crescente com a unidade do mercado, na adoção de uma solidariedade financeira e no estabelecimento da preferência comunitária. Essas regras tiveram uma importância crucial para a articulação econômica, não somente para os produtos agrícolas, mas também para o desenvolvimento do mercado comum, o qual


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foi alargado anos mais tarde. Além disso, a PAC alicerça as bases para a construção das primeiras organizações comunitárias de mercado e dos elementos das políticas públicas comunitárias. Em 1962, as regras agrícolas das Organizações Comuns do Mercado repousavam em uma política integrada e se referiam a: a livre circulação de produtos agrícolas (superando os obstáculos de tarifas e controle de fronteiras); harmonização progressiva das regras veterinárias e sanitárias; instituição de mecanismos de intervenção comum sobre os mercados a fim de assegurar a estabilidade dos preços agrícolas em torno dos preços garantidos; preferência comunitária em relação aos produtos que possam vir do exterior; e um orçamento comunitário relativo as despesas para sustentar os preços agrícolas. Com a PAC foram realizados importantes ensaios de exercício compartilhado de ação comunitária. Foram experiências de interação multinível entre as instituições (locais, regionais, nacionais e comunitárias). Isso significou um enquadramento dos interesses nacionais em uma perspectiva mais global, embora no processo de elaboração dos orçamentos, bem como na definição dos mecanismos de intervenção, os representantes dos Estadosmembros buscassem fazer valer os seus próprios interesses. Ademais, a criação de uma infraestrutura, especialmente com a modernização dos meios de intercomunicação entre as diversas localidades em perspectiva supranacional, permitiu uma política de integração física. Nos anos 1990, a PAC passou por uma importante reformulação. O Reino Unido e os Países Baixos emitiram críticas sobre a composição dos subsídios, a proporção destes em relação ao orçamento europeu, e aos critérios utilizados para a concessão de financiamento da produção agrícola. A reformulação enfrentou os problemas que dizem respeito à insuficiência de recursos para o financiamento de pesquisas e inovações tecnológicas. Outra


150 Antonio Eduardo Alves de Oliveira questão não menos importante é a discussão sobre o destino das subvenções, em especial como os segmentos não efetivamente competitivos devem ser contemplados. Por fim, nos últimos anos tem aumentado a preocupação da relação entre o meio ambiente e o desenvolvimento rural. De qualquer forma, no processo de construção de longo prazo do regionalismo europeu, a PAC esteve relacionada com a dinâmica política da integração, e destacou-se como um vetor importante de adoção de políticas comuns entre os Estados-membros, na medida em que garantiu a gestão comum através de regras e instituições. A política comum da PAC serviu para financiar a agricultura e, ao mesmo tempo, desempenhou um papel importante como precursora nos processos de construção de políticas compartilhadas, cruciais no aprofundamento e na ampliação gradual da UE. Já no Tratado de Roma (1957), no momento da constituição da Comunidade Econômica Europeia (CEE), foi criado o Fundo Social Europeu (FSE), posteriormente o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e o Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), cujos instrumentos buscavam programar uma política de coesão econômica e social. Tais fundos representavam em torno de 35% das despesas totais da CCE e visavam fomentar uma dinâmica de redistribuição dos Fundos Estruturais de modo a transformar a Comissão Europeia em um ator redistributivo no panorama integracionista daquela região do continente europeu. Esses fundos estabeleceram ajudas não reembolsáveis, realizadas através de programas com duração de dois a seis anos. A definição sobre a programação e execução era obtida através de uma intensa negociação entre a Comissão Europeia (Direção-Geral de Política Regional e Coesão) e cada um dos Estados-membros. O emprego dos recursos realizava-se por meio da cooperação das instâncias comunitárias nacionais com


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as autoridades regionais e locais, as quais também participavam do processo de definição das prioridades. Nos anos que se seguiram, a preocupação com essa questão foi ditada pela atuação da Comissão Europeia. Assim, a fomentação de uma política regional de entrosamento e a ajuda às regiões mais desfavorecidas, como um contraponto à política de concorrência, funcionou mais como condições de adaptação ao processo de cooperação do que como uma efetiva política de integração regional. Porém, a partir de 1975, quando se estabelece uma política regional Europeia apoiada na criação dos Fundos Europeus de Desenvolvimento Regional (FEDER), cujo objetivo era reduzir os desequilíbrios entre as regiões da Comunidade Econômica Europeia (CEE), a integração regional adquiriu um rumo mais efetivo. O fortalecimento dos laços econômicos regionais de uma política compartilhada envolveu, nos seus primórdios e nas sucessivas ampliações da UE, uma complexificação progressiva das questões relativas à comunidade em que a interdependência econômica é um importante fator para impulsionar a integração, mas que não resolve todas as questões. OS FUNDOS ESTRUTURAIS O estabelecimento de uma política regional no processo de integração Europeia revelou-se como um fator decisivo para reforçar a construção de instrumentos de coordenação entre os países membros da União, evoluindo de mecanismos intergovernamentais para a adoção de práticas cada vez mais comunitárias, expressas nos mecanismos de compartilhamento de competências e na busca de objetivos comuns. A política regional passou por diversas modificações ao longo da construção Europeia, assumindo um papel cada vez mais importante,


152 Antonio Eduardo Alves de Oliveira na medida em que a própria integração econômica se desenrola e se diversifica. A criação progressiva de fundos estruturais, com objetivos diferentes, buscava responder às dificuldades geradas pelos desequilíbrios nos múltiplos domínios e conseguiu dar os contornos gerais da atual Política Regional da União Europeia. A intervenção da política regional Europeia, frequentemente chamada de “política de coesão” ou de “política estrutural” ou de ações estruturais, tem como estruturação fundamental a ação de fundos. Estes últimos visam o financiamento de ações especificas em áreas como infraestrutura e transportes, mas tem também incorporado diversas áreas como incentivo a inovação tecnológica, proteção ambiental, organização do território e políticas no terreno social, a exemplo de ações de combate ao desemprego, etc. A política regional Europeia tem uma estruturação complexa e tem diversas nuanças em decorrência do próprio processo de integração ser inédito e ainda encontrar-se em andamento. Deste modo, a coordenação de uma política regional transnacionalista está em constante busca de adequação às necessidades do processo de integração. Interessante notar que em decorrência da evolução da política regional com a incorporação de novas temáticas e demandas, uma preocupação recorrente é a criação de mecanismos que possam proporcionar a simplificação da política regional. O item 3.4 remete-se ao debate sobre a diversidade de temas e programas da política regional Europeia. Neste tópico, analisá-se a constituição e as características dos principais fundos da política regional. Destacamos três grandes fundos: o Fundo Social Europeu (FSE), criado em 1958; o Fundo de Desenvolvimento Regional (FEDER), criado em 1975, e o Fundo de Coesão (FC), criado em 1994. O Fundo Social Europeu (FSE) foi um dos primeiros fundos comunitários criados pelo processo de integração. Este fundo, que já fazia parte do Tratado de Roma (1957), somente teve uma aplicação mais efetiva a partir do desenvolvimento da política regional na década de 1990, e caracteriza-se como um instrumento financeiro


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da UE, destinado exclusivamente a apoiar projetos e políticas para o desenvolvimento do capital humano. A criação do Fundo Social Europeu representou apoio às ações visando à criação de emprego, através de ajuda a melhorias nos níveis de educação e de qualificação. A atuação do FSE, como um fundo estrutural, somente se dará depois da construção do arcabouço geral da política regional Europeia. A estruturação de uma política regional efetivou-se na segunda metade da década de 1970, quando foi criado o Fundo de Desenvolvimento Regional (FEDER), com o intuito de fazer frente aos desafios do processo de integração. Drevet (2008) salienta dois fatores externos decisivos para a criação desse fundo (1972-75), quais sejam: a crise econômica mundial após o primeiro choque do petróleo (1973-74), e as negociações de adesão de quatro novas candidaturas, principalmente as da Inglaterra e a da Irlanda, ligadas ao Commonwealth4, que como condição para a adesão à comunidade Europeia reivindicaram uma compensação, sobretudo na produção agrícola. Nesse aspecto, a criação de uma política regional bem elaborada foi necessária para a conclusão positiva nas negociações de ingresso desses países. Destarte as políticas de integração Europeia levaram a uma ampla discussão acerca das políticas públicas territoriais. Já políticas regionais só passaram a ter mais efetividade a partir de 1975, com o entendimento de que, naquele momento, sem uma política territorial a formação do mercado comum poderia levar a uma exacerbação das dificuldades de determinadas regiões e isso poderia levar ao comprometimento, a longo prazo, do próprio projeto de unificação Europeia. Entretanto, mesmo com essa conjuntura, não se criou de modo imediato mecanismos de intervenção nos paísesmembros e nas instituições comunitárias. Esses passaram por uma 4- O Commonwealth tem historicamente por objetivo promover a integração entre as ex-colônias do Reino Unido, concedendo benefícios e facilidades comerciais, mas agora os seus objetivos incluem a assistência educacional aos países-membros e a harmonização das suas políticas. (CHASSAIGNE, 2008).


154 Antonio Eduardo Alves de Oliveira gestação contraditória e gradual, em diferentes períodos, como quase tudo na União Europeia. O FEDER, nesse contexto inicial, foi muito mais utilizado como um novo instrumento de financiamento do que propriamente como uma política comunitária. As etapas de negociação envolveram inicialmente a autorização do Conselho Europeu, em 1972, para a utilização do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA) em ações de desenvolvimento regional, com a previsão de criação de um fundo regional no final de 1973. Drevet (2008) afirma que a criação do FEDER provocou uma acirrada discussão nas comissões técnicas e no Conselho Europeu, o que fica expressa em diversos relatórios. Em 1975, finalmente o FEDER é instituído como um instrumento de política regional na política comunitária em geral. O FEDER foi criado como meio para ajudar as regiões menos desenvolvidas, as que se encontram em reconversão económica e as que têm dificuldades estruturais. Drevet (2008) assinala que o FEDER utilizou o procedimento de gestão por projetos apresentados pelos Estados-membros, aprovados por um comitê de gestão presidido pela Comissão e com uma taxa de participação fixada em função do volume do investimento (20% a 30%), podendo ainda conceder bonificações e empréstimos financiados a longo prazo. A Comissão, que é gestora do fundo regional, deve seguir o regulamento geral comunitário, e os pagamentos são efetuados diretamente ao Estado-membro beneficiado ou a um organismo designado por ele. Quando o projeto aprovado não é realizado, os recursos são transferidos para outro projeto eleito dentro do mesmo país. Como aponta Drevet (2008), a repartição das cotas, os estabelecimentos dos objetivos e a utilização das informações estatísticas envolvem disputas políticas entre as próprias regiões a serem favorecidas pela repartição dos fundos5. O fundo regional 5- Uma parte significativa das dotações iniciais era destinada à Itália (40%) e à Inglaterra (28%). Por sua vez, a Alemanha recebeu 6,4%, e a França, 15%. (Drevet, 2008),


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estabelecido em 1975 passa por um período de reforma importante na década de 1980, com o relançamento da construção Europeia. O ingresso de países como a Grécia, a Espanha e Portugal demandou uma reformulação da política regional, a fim de que esses países fossem incorporados efetivamente no projeto comunitário. Esse período (1984-88), conhecido como etapa de reforma e redefinição do projeto de cooperação Europeia, tem como um dos seu marcos a criação da Comissão Delors, em 1988, que busca construir novos critérios de repartição dos fundos regionais e estruturais, diante do ingresso de países com o desenvolvimento econômico mais retardatário em relação a países como França, Alemanha e Inglaterra, consolidados como grandes potências capitalistas da Europa Ocidental. Jacques Delors 6 estabeleceu a coordenação das diversas políticas setoriais de impacto regional em torno da política de integração. Estabeleceu mecanismos de fusão dos fundos estruturais, fundos sociais e da FEOGA. Com o gerenciamento desse fundo regional instituía-se uma política de acompanhamento do desenvolvimento regional no quadro do desenvolvimento do mercado único e, posteriormente, uma união monetária para a UE. Nessa época foi construído um novo sistema de gestão da política regional, o Comitê de Política Regional, o qual passava a ter uma importância maior, aprovando, entre 1986-1988, os documentos de referência (PDR) e duas categorias de programas operacionais: os Programas Comunitários (PC), que substituem o sistema anterior de cotas, e os Programas Nacionais (PNIC), que substituem a gerência de projetos do sistema anterior. Esse novo sistema passava a ser conhecido como a terceira geração de procedimentos comunitários. A atuação da nova comissão tornouse mais dinâmica e com relativa autonomia diante das instituições intergovernamentais, até mesmo podendo, no terreno setorial, 6- Jacques Delors (1925), francês, foi presidente da Comissão Europeia entre 1988-1995.


156 Antonio Eduardo Alves de Oliveira estabelecer metas e prioridades de impacto regional a partir de um interesse comunitário global. No intuito de melhorar sua margem de atuação nos novos programas comunitários, os Estados-membros lançaram-se cada vez mais na confecção de programas nacionais de interesse comunitário, vinculados ao quadro do PNIC, entretanto o seu desempenho foi bastante variado. É interessante assinalar que a emergência de uma dimensão territorial mais abrangente nas políticas regionais visava contornar as dificuldades das disputas entre os países-membros pelos recursos orçamentários comuns. No final dos anos 1980, com o avanço da perspectiva do Mercado Comum Europeu, a Comissão Europeia e o Comitê das regiões passaram a estimular uma política mais homogênea para enfrentar o handicap geográfico, na verdade social-econômico-cultural, com a criação de um sistema de investimentos em regiões que ultrapassavam as fronteiras nacionais. O Fundo de Coesão foi instituído por um regulamento do Conselho Europeu de 16 de Abril de 19947. A aplicação deste Fundo ocorre nos setores relativos ao meio ambiente e aos transportes. Até 1999, os financiamentos foram atribuídos pela Comissão Europeia a cada projeto, de acordo com a solicitação dos Estados-membros. Mas a partir de 1999, quando alterações importantes foram feitas no regulamento geral de atuação do Fundo de Coesão, os projetos passaram a ser definidos de acordo com uma visão mais estratégica, ou seja, o Fundo de Coesão passou a ter uma ação mais alinhada com as diretrizes da política regional de conjunto da UE. O Fundo de Coesão tem uma relação direta com a necessidade de criar mecanismos de compensação ao funcionamento do mercado único, pois os Estados-membros menos prósperos são dotados de recursos importantes para a melhoria da sua capacidade de desenvolvimento, o que implicou investimentos para melhoraria 7- O regulamento que institui o Fundo de Coesão pode ser lido no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. L130,25.5.1994,p.1.ehttp://europa.eu/legislation_ summaries/regional_policy Acessado em 15 de fevereiro 2009.


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e modernização de suas infraestruturas. No entanto, também, adotaram medidas para a redução do déficit orçamentário; para o controle da divida publica; e para garantir o investimento continuado visando adequar os países membros ao mercado comum, sem comprometer as metas orçamentárias. De acordo com a classificação de 1993, o Fundo de Coesão beneficiou apenas quatro países (Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda) cujo rendimento nacional bruto (RNB) per capita era inferior a 90% da media comunitária da UE formada por quinze países. Em 2003, a Irlanda ultrapassava o limiar de elegibilidade e deixou de ter direito a cofinanciamento a partir de 2004. A tabela 2 permite analisar a distribuição dos recursos do Fundo de Coesão entre os quatro primeiros países beneficiários (Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia) em dois períodos 1994-1999 e 1999-2004. Os quatro países beneficiários receberam 27 000 milhões de euros até 2004. Uma importante contribuição para a modernização das infraestruturas. Tabela 2- Distribuição dos recursos do Fundo de Coesão Pais Grécia

1994– 1999 Milhões Euro % 2 998 17,9

1999-2004 Milhões Euros % 16,1 1 767

Espanha

9 251

55,2

6 795

Irlanda

1 495

8,9

584

Portugal

3 005

17,9

1 848

Total

16 749

61,8 5,3 16,8

10 994

Fonte: Comissão Europeia. Terceiro Relatório sobre a Coesão Econômica e Social, 2004.

De acordo os dados da tabela 2, nota-se que a Espanha foi a principal beneficiada com 9 251 milhões de euros no período de 1994–1999 e 6 795 milhões de euros para o período de 1999-2004. Representando percentualmente 55,2 % do total dos investimentos


158 Antonio Eduardo Alves de Oliveira do fundo no primeiro período e 61,8 % para o segundo. Por sua vez, houve uma redução nos valores aplicados em Portugal, que passaram de 3 005 milhões de euros para 1 848 milhões de euros. A partir de 2004, um novo regulamento8 é formulado, e a definição da elegibilidade dos projetos do Fundo de Coesão aproxima-se daqueles normatizados para os fundos estruturais. Assim, os projetos apoiados pelo Fundo de Coesão são avaliados de acordo com o impacto que produzem na área de infraestrutura de transportes e no meio ambiente, tendo por meta a redução das disparidades econômicas e sociais entre os cidadãos da UE. Em 2004 dez novos Estados aderem à União Europeia todos no patamar da elegibilidade. A partir de então, o Fundo de Coesão passou a ter mais importância, pois mais de metade dos membros da União passaram a receber ajuda. Na tabela abaixo, apresenta-se os dados sobre a participação do Fundo de Coesão no quadro geral dos recursos destinados a estes novos integrantes da UE Tabela 3-Parte relativa ao Fundo de Coesão nos novos estados--membros

2004-2006

País República Checa Estônia Chipre Letônia Lituânia Hungria Malta Polônia Eslovênia Eslováquia TOTAL

Total de recursos Milhões de Euros 2 621,2 695,1 113,4 1 164,3 1 537,7 3 207,4 88,7 12 809,7 456,3 1 757,4 24 451,2

Fundo de coesão 936,1 309,0 53,9 515,4 608,2 1 112,7 21,9 4 178,6 188,7 570,5 8 495,0

Percentagem 36% 44% 48% 44% 40% 35% 25% 33% 41% 32% 35%

Fonte: http://europa.eu.int/comm/regional_policy/index_pt.htm. Acesso 15 de janeiro 2009 8-COMISSÃO Europeia (CE) Resolução n.o 621/2004. http://publications.europa. eu/official/index_pt.htm. Acessado em 17 de fevereiro 2009.


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De acordo com a tabela 3, no período de 2004-2006, estes novos membros da UE receberam 24 451,2 milhões de euros, sendo que o Fundo de Coesão representou cerca de 35 % destes valores, ou seja, 8 495,0. Em alguns países como a Estônia, Chipre, Letônia, Lituânia e Eslovênia a ajuda do Fundo de Coesão superou 40% em relação ao total dos recursos. Neste sentido, é possível afirmar que a importância do Fundo de Coesão aumentou na medida em que ocorreram as ampliações da UE. A partir da reunificação alemã e do ingresso de países do leste europeu (em 2004 e 2007), a política regional da UE passou a enfrentar questões como o equilíbrio orçamentário, novas demandas por zonas elegíveis para receber ajuda dos fundos europeus e os impactos políticos na gestão, pois os novos Estadosmembros não tinham a tradição da administração pública ocidental e era preciso homogeneizar critérios para a execução das políticas comuns nos novos territórios. Os retardos dos novos países-membros, bem como os planos e programas de reconversão das economias estatais para economias capitalistas foram outros fatores importantes enfrentados pelas políticas regionais Europeias. Neste sentido, é importante destacar que a presença do Fundo de Coesão na política regional Europeia relaciona-se com os alargamentos sucessivos dos participantes da UE, pois houve um aumento da heterogeneidade do espaço comunitário. Nos anos 1980, a inserção da Espanha, Grécia e Portugal evidenciou as diferenças de desenvolvimento, pois a Europa do Sul contrasta com a Europa do Norte, que tinha o Produto Interno Bruto – PIB, por habitante, mais elevado. Entretanto, as disparidades regionais não estão marcadas somente no plano econômico, elas são também evidentes quanto à organização administrativa e política. Ademais, em relação às disparidades econômicas, estas provocam uma acentuação das dificuldades para o processo de integração e reduz a concorrência mundial.


160 Antonio Eduardo Alves de Oliveira A política regional Europeia aparece nitidamente como elemento importante para garantir os novos passos da integração regional. Segundo Bisth (2003) os meios técnicos e financeiros foram ampliados, ao mesmo tempo em que a articulação entre os diversos fundos em busca da pretendida coesão fortaleceu o espaço de uma coordenação mais efetiva por parte das instâncias comunitárias. A reforma dos fundos estruturais aparece como um aspecto necessário para uma política de integração regional, que veio a ser o objetivo fundamental a ser perseguido, intimamente ligado ao impacto causado pela implementação do grande mercado e de suas quatro liberdades: de circulação de pessoas, de mercadorias, de prestação de serviços e de capitais. Como descreve Drevet (2008), a política regional da UE aparece como uma competência compartilhada entre os níveis europeus, nacional e regional, que subvenciona o investimento das regiões mais desfavorecidas, dentro dos Estados-membros mais novos da UE, visando a uma recomposição e integração dos territórios. Um exemplo desse processo de compartilhamento de competências é a utilização de subvenções a projetos identificados como cruciais para o crescimento econômico e para uma melhora na situação do emprego. O processo administrativo de seleção, gerenciamento e avaliação dos projetos é construído de maneira compartilhada entre os organismos nacionais, regionais e comunitários. Outro ponto significativo é a possibilidade dada aos países para aplicarem a repartição dos recursos de acordo com o princípio de concentração das despesas nas regiões desfavorecidas. Isto quer dizer que a política regional realiza uma redistribuição de parte do orçamento europeu. Essa orientação para que os programas e fundos tenham uma atuação em regiões de menos desenvolvimento nos Estadosmembros da UE é justificada pela política regional Europeia como uma necessidade para a evolução mais equitativa do conjunto do território europeu. Além disso, valoriza-se a noção de solidariedade


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transnacional, ou seja, que países membros (ou regiões) da UE com maiores ganhos no mercado comum europeu precisam ajudar regiões que tenham algum tipo de retardo econômico, e defasagem social. A propensão a construir uma política comunitária compartilhada, abarcando uma gama variada de instituições, sejam elas transnacionais ou oriundas do interior dos países membros, tem demandado planejamento e controle das ações estabelecidas bem como mecanismos de regulação do processo como um todo. A participação dos especialistas e de uma burocracia da UE é crucial para o sucesso das ações comuns, mas sempre existe uma preocupação com a falta de um efetivo controle democrático cotidiano das suas ações. No fundo, essa temática envolve de maneira mais ampla o problema da legitimidade das ações das instituições, comissões e políticas da UE. É evidente que na elaboração e na exposição dos objetivos da nova formatação da política regional redes de especialistas têm um papel relevante. Como destaca Peuziat (2004), são essas redes que constroem esquemas de interpretação enquanto explicação científica e mecanismos para a difusão junto ao grande público. Contudo, as condições em que as políticas Europeias são elaboradas, em particular o papel dos especialistas nessas políticas, são elementos de controvérsia, pois evidenciam uma distância entre Bruxelas, sede da União Europeia e o restante da população Europeia. A formulação das políticas comunitárias em geral e também a política regional da União Europeia enfrentam a critica de ter um déficit democrático, uma vez que a estrutura da União Europeia dificulta a participação do cidadão nas suas esferas de decisões e, portanto, o sucesso de muitas das iniciativas das políticas comuns. Antes de proceder a uma análise da atuação dos fundos na política regional Europeia nos recentes períodos de programação (2000-2007) e (2007-2013), é importante destacar duas questões que ajudam a iluminar a atuação dos fundos estruturais. A primeira,


162 Antonio Eduardo Alves de Oliveira é de ordem conceitual, ou seja, os significados dos princípios orientadores da política regional e sua relação com os valores e preceitos da própria União Europeia; a segunda, é de ordem prática pois gira em torno da metodologia utilizada para nomear e classificar as regiões no território da União Europeia (Nomenclatura das Unidades Territoriais Estatísticas - NUTS). O modelo comunitário envolve a colaboração entre governos e instituições Europeias, e a integração tem uma intensidade variada. A política regional tem como um dos seus eixos fundamentais o desempenho dos fundos estruturais. A atuação desses fundos é pautada por princípios gerais, visando uma política pública regional de caráter comunitário. Os princípios representam a interface da cooperação intergovernamental e da coordenação supranacional de políticas no espaço da comunidade Europeia. Nota-se que o estabelecimento de princípios para as políticas comunitárias e para a política regional Europeia, em particular, é uma adoção de formas complexas de repartição de poder, para contornar, ou evitar, as tensões entre diferentes níveis de poder (nacional, regional/local e união). Desde 1989, a atuação dos Fundos Estruturais baseia-se em quatro princípios: programação, cooperação, adicionalidade e subsidiariedade, os quais são reforçados pela nova normativa de julho de 1993 – A Concentração das intervenções em objetivos de desenvolvimento prioritários. O primeiro princípio é o da Programação, no qual se define os programas plurianuais de desenvolvimento, os quais são deliberados em várias etapas, em conformidade com o princípio da Cooperação até a fase em que os promotores de projetos, sejam eles públicos ou privados, assumem a execução das medidas. Nesse sentido, a Cooperação entre as diferentes instâncias apresenta-se como um princípio que demanda o desenvolvimento de uma intensa articulação entre a Comissão Europeia e as autoridades competentes de cada Estado, no plano regional ou local, desde os


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momentos preparatórios até o processo de avaliação dos resultados alcançados. Numa fase inicial, são apresentados pelos Estadosmembros planos de desenvolvimento e de reconversão. Baseiam-se nas prioridades nacionais e regionais e contêm: uma descrição precisa da situação atual da região (disparidades, atrasos, potencialidade de desenvolvimento); uma descrição da estratégia mais adequada para atingir os objetivos fixados, e indicações sobre a utilização e a forma da participação financeira dos Fundos pretendidos9. O princípio de programação na política regional é a adoção de uma noção chave para o desenvolvimento da integração Europeia. Uma das marcas importantes do processo de construção Europeia é exatamente o estabelecido de um planejamento à médio e longo prazo, em que medidas estratégicas como o ingresso de novos países e a adoção de medidas comuns( como a criação do Mercado Comum) são elaboradas com bastante antecedência, havendo toda uma série de etapas com adoção de medidas intermediárias. Assim, na politica regional, sobretudo a partir da reforma de 1988, adotouse como um dos seus princípios a programação, que se tornou um aspecto decisivo da politica regional Europeia. Por sua vez, a adicionalidade é o princípio que determina que os Estados-membros e as autoridades regionais e locais devem agregar esforços e não podem deixar de se empenhar para o sucesso da programação, ou seja, devem manter os gastos públicos para cada objetivo, pelo menos, no mesmo nível do período anterior. Já o princípio de subsidiariedade, introduzido pelo Tratado de Maastrich (1992), rege as relações entre a Comunidade e os Estadosmembros. De um modo geral, isso significa que as autoridades superiores simplesmente podem e devem atuar quando um 9- Jornal Oficial das Comunidades Europeia. L 161/1 de 26.6.1999 REGULAMENTO (CE) N._1260/1999 DO CONSELHO de 21 de Junho de 1999 que estabelece disposição gerais sobre os Fundos estruturais. http://europa. eu/legislation_summaries/regional_policy/provisions_and_instruments/l60014_ pt.htm. Acessado em 15 de fevereiro 2009.


164 Antonio Eduardo Alves de Oliveira determinado objetivo não for cumprido em instância menos elevada. Compete, pois, às autoridades nacionais estabelecer quais projetos serão financiados e coordenar a sua implementação. O princípio da subsidiariedade determina que a decisão da Comunidade deve levar em conta a proximidade com o cidadão. Ou seja, a metodologia utilizada para a tomada de decisões tem em vista a iniciativa local, organizada de acordo com a competência de proximidade e reconhecimento das instâncias locais, em particular dos atores locais regionais presentes em Bruxelas para informar e serem informados. Como assinala Greffe (2005), a temática da regionalização na Europa, tem identificado o conceito de região com as coletividades locais de referência, de tal modo que, em vez de dois níveis de coletividades, agora são apresentados nitidamente três níveis. A maioria das ações estruturais da comunidade em política regional indica um processo de desnacionalização e aponta para a construção de um espaço comum supranacional, a partir da construção da região como um coletivo local de referência. Isso se expressa no funcionamento dos fundos estruturais, em que a aplicação se dá de maneira compartilhada entre as diferentes escalas ou níveis de administração (local, regional, nacional e comunitária). Além disso, existe um reforço do policentrismo, ou seja, não existe um centro único, mas uma ação pública multinacional e multiterritorial. Os financiamentos e os processos que compõem os fundos estruturais nos levam à hipótese de que existe um esforço de homogeneização dos modos de intervenção na ação do poder público na Europa. Com o objetivo de acompanhar, monitorar e construir parâmetros para a análise da política regional Europeia, a Eurostat10 criou o termo das Unidades Territoriais Estatísticas que estabelece uma unidade na classificação e denominação das unidades territoriais, 10- Eurostat instituição oficial de informação estatística da Comissão Europeia da UE, foi criada em 1953 pela CECA (Acordo carvão e aço), desde 1958 é orgão de direção geral que promove a harmonização dos métodos estatísticos entre os Estados-membros da Comunidade Europeia. Funciona com sede em Luxemburgo.


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com o intuito de facilitar estatísticas regionais na União Europeia. A Nomenclature d'Unités Territoriales Statistiques (NUTS) tem como objetivo central a padronização da produção e divulgação das estatísticas regionais na comunidade. A sua implementação permitiu o aproveitamento das divisões institucionais e políticas já existentes, bem como a elaboração de novos critérios compartilhados para auferir os dados processados11. A nomenclatura NUTS, regulamentada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu tem papel importante para a administração das mudanças nas estruturas administrativas dos Estados-membros. A nomenclatura NUTS foi criada e desenvolvida com base em uma metodologia de desmembramentos institucionais, subdividindo o território de um país em regiões através de distintos critérios, os quais normalmente são divididos em critérios normativos e critérios analíticos. Quanto às regiões classificadas de normativas, estas são consideradas como expressões da vontade política da sociedade, de acordo com fatores históricos, culturais e de outra natureza. A questão regional na Europa sempre foi uma forte marca, relacionada com a formação dos distintos Estados Nacionais. Tem-se, portanto, questões históricas, como o país Basco e a Catalunha, na Espanha; a questão irlandesa, no Reino Unido; a região da Bretanha, na França, além dos intensos conflitos na região dos Bálcãs. Por sua vez, as regiões apresentadas como analíticas, ou funcionais, são definidas conforme exigências analíticas, com zonas agrupadas por critérios geográficos ou por critérios socioeconômicos, como o caráter homogêneo e complementar. Apesar disso, a nomenclatura NUTS se baseia originariamente nas divisões http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/. Acessado 14 de fevereiro 2009. 11- Jornal Oficial da União Europeia. L 154/1; 21.6.2003. Regulamento (CE) n.o 1059/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Maio de 2003 relativo à instituição de uma Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais Estatísticas (NUTS) http://eur lex.europa.eu. Acessado 18 de janeiro 2009


166 Antonio Eduardo Alves de Oliveira institucionais atualmente em vigor nos Estados-membros. A estrutura administrativa dos Estados-membros apresenta, geralmente, dois níveis regionais principais: Länder e Kreise, na Alemanha, régions e départements, na França, comunidades autônomas e províncias, na Espanha, regioni e provincie, na Itália etc. NUTS 1: As "Gewesten/Régions" na Bélgica; As "Länder " na Alemanha; "Continente", "Região dos Açores" e "Região da Madeira" em Portugal; "Scotland, Wales, Northern Ireland" e "Government Office Regions of England" no Reino Unido ; NUTS 2: As "Provincies/Provinces" na Bélgica; les "Regierungsbezirke" na Alemanha; As "Periferies" na Grécia; As "Comunidades y ciudades autonomas" na Espanha; As "Régions" na França; As "Regions" na Irlanda; As "Regioni" na Itália; As "Provincies" nos Países baixos; As "Länder" na Aústria ; NUTS 3: Os"arrondissements" na Bélgica; les "Amtskommuner" au Danemark; les "Kreise/kreisfreie Städte" na Alemanha; les "nomoi" na Grécia; as "provincias" na Espanha; os "départements" na França; as "regional authority regions" na Irlanda; as "provincie" na Itália ; as "län" na Suécia; as "maakunnat/landskapen" na Filândia ;12 A incorporação de novos Estados-membros à UE em 2004 e 2007 levou a elaboração de novos documentos de referências pela nomenclatura NUTS. A criação de normas comuns para regular as informações estatísticas no espaço europeu ampliado, foi sem duvida, algo importante para a criação de instituições de regulação do espaço público e fomento de uma política regional Europeia que abrange as regiões dos novos países membros da União Europeia.13 A política regional Europeia aparece como uma das políticas com maior visibilidade no processo de integração. Apesar das diferenças 12-http://europa.eu/legislation_summaries/regional_policy/management/g24218_fr.htm. Acessado 13 de janeiro 2009. 13- Para uma visão completa na classificação NUTS na atualidade ver Jornal Oficial da União Europeia. L 39/1 10.2.2007 Regulamento (CE) N.o 105/2007 DA COMISSÃO de 1 de Fevereiro de 2007 que altera os anexos do Regulamento (CE) n.o 1059/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à instituição de uma Nomenclatura Comum das Unidades


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e desigualdades de desenvolvimento entre os 27 países da UE, a Comissão Europeia avalia que a política de coesão através dos seus três fundos – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, Fundo de Coesão e Fundo Social Europeu – tem, de uma maneira ou de outra, conseguido a redução das disparidades econômicas e estimulado o desenvolvimento de economias regionais competitivas e diversificadas. RETRATOS DA POLÍTICA REGIONAL EUROPEIA Analisando o conteúdo dos documentos, dos pronunciamentos e do material produzido pelas diferentes instituições e órgãos da UE, percebe-se aspectos e questões que caracterizam a política regional Europeia no início do século XXI. O estudo dessas questões permite não somente acompanhar as diretrizes da política de desenvolvimento regional da UE, iniciada em meados do século passado, mas serve também para iluminar aspectos importantes do processo geral da integração Europeia, e do papel do Estado na atualidade, enfim, permite compreender os efeitos sociais e econômicos da globalização nas diferentes escalas. Num cenário em que novas demandas estão ao lado, ou justapondo-se a velhas demandas em um panorama marcado por profundas mudanças espaciais/territoriais, tem ocorrido uma alteração importante na maneira de conceber e gerir as políticas regionais. Fomenta-se um estímulo às práticas de inovação e ao aumento da capacidade competitiva das regiões. Ademais, a política de integração Europeia tem tido uma preocupação constante com os problemas decorrentes do aumento das taxas de desemprego. As assimetrias entre as regiões Europeias da UE pode ser percebida pela tabela 4. Territoriais Estatísticas (NUTS). http://eur lex.europa.eu. Acessado 18 de janeiro 2009.


168 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Tabela 4. Variação do PIB por habitante entre regiões da UE em relação a media da UE (100%)

Regiões 10% + prósperas 10% - prósperas Variação

UE -15 membros 1988 1998 155,3 160,9 55,1 61,0 2,8 2,6

UE- 27 membros 2007 176,9 31,1 5,7

Fonte: Eurosat. Acessado em 15 de abril 2009

Nota-se na tabela 4, que os esforços da política regional Europeia se expressa na melhora do PIB por habitante entre 1988 e 1998, quando nas regiões menos prosperas houve uma melhora 55,1% para 61,0 % em relação a média da UE. Como houve também houve uma melhora do PIB por habitante em relação à média das regiões mais prósperas de 155,3 % para 160,9 %, a diminuição da variação entre as regiões mais prósperas e menos prósperas foi modesta de 2,8 para 2,6. Entretanto, com o ingresso de novos membros na UE, a media caiu, o que elevou a variação do PIB nas regiões mais prosperas para 176,9 Além disso, mesmo com a diminuição da média, as regiões menos prósperas tem uma variação 31,1% inferior a média da UE. A distância entre as regiões também aumentou, com a variação do aumento do PIB nesses países atingindo 5,7 por habitante. As diferenças entre as regiões mais prósperas e a região mais pobre aumentou na UE, assim a região mais rica é o centro de Londres (Inner London), com 290% da média do produto interno bruto (PIB) per capita da UE-27, e a região mais pobre é o Nordeste da Romênia, com 23% da média da UE. Ainda que o PIB não traduza de forma definitivamente acabada os padrões de vida, porque não leva em conta o custo de vida relativo de cada país, mesmo assim indica as diferenças existentes.


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O empreendimento europeu tem como um dos seus eixos fundamentais a abertura econômica em direção ao livre comércio/ mercado no interior de um espaço europeu regionalmente construído. O aumento da competição econômica e de fluxos transnacionais tem permitido às empresas realizarem o deslocamento das plantas produtivas de um país para outro. Existe uma reconfiguração da espacialidade da produção capitalista, a qual se expressa na política regional de duas maneiras: i) na busca por um maior equilíbrio no desenvolvimento entre as diferentes regiões Europeias, uma vez que os efeitos da integração regional não são homogêneos e, muitas vezes, tem aumentado as disparidades entre as regiões no interior do espaço territorial da UE; ii) na demanda por maior investimento em inovação, buscando aumentar a competitividade e a maximização das potencialidades especificas das regiões. Com o direcionamento para a competição e pela inovação, ocorreu o crescimento da importância do papel estratégico da tecnologia na elaboração do planejamento comunitário para um desenvolvimento sustentável. Na experiência Europeia a política regional é um elemento importante para se lidar com dois problemas interligados. Por um lado, se faz necessário promover estratégias de adequação e adaptação dos novos países-membros, os quais precisam de ajuda mais efetiva para a superação do retardo, no sentido tradicional do desenvolvimento econômico. Por outro lado, há que se estabelecer as bases para uma política de desenvolvimento de novo tipo, que possa dar conta dos novos arranjos provocados pela globalização. Um dos problemas centrais é como promover uma política de coesão num ambiente econômico e social em rápida evolução. O dilema está em como incentivar na União Europeia ampliada ações que visem a convergência econômica e, ao mesmo tempo, permitir a consolidação do modelo estabelecido pela experiência da União Europeia ao longo dos anos.


170 Antonio Eduardo Alves de Oliveira A partir dos anos 1990 há um forte impacto nos controles dos espaços territoriais e sociais, com alteração nos movimentos de capitais, nas regras de prestação de serviços, na formação de mão de obra, e na quebra das barreiras alfandegárias, dentre outros tipos de controles. Do ponto de vista jurídico, a formação de um mercado único relaciona-se com alterações nas regras vigentes nas legislações nacionais e suas esferas administrativas locais e regionais. A mobilidade dos produtos, das pessoas e dos capitais provoca uma expansão das interconexões, com o aumento dos investimentos nas redes de transporte, na infra*estrutura local e nas comunicações em geral. Depois da grande reforma da Política Regional Europeia, em 1988, a programação plurianual tornou-se um elemento metodológico fundamental para o planejamento, acompanhamento e avaliação da política de coesão e aplicação dos fundos estruturais. O primeiro período de programação plurianual compreendeu o período 1989-1993, quando estabeleceu-se os métodos para a repartição das transferências financeiras entre os Estados-membros e as regiões. A Comissão Europeia fez uso dos mapas e estatísticas da nomenclatura NUTS para a execução dos objetivos traçados, a partir das zonas eleitas e da utilização dos fundos estruturais. No segundo período de programação plurianual, compreendido entre 1994-1999, a Comissão Europeia, com a aprovação do Parlamento Europeu, passa a aplicar novos instrumentos para a política regional, definidos pelo Tratado de Maastricht, em 1992. Entre em cena o Fundo de Coesão, que contribuiu financeiramente para projetos de desenvolvimento sustentável, no domínio do meio ambiente e da infraestrutura dos transportes. Para assegurar uma participação das representações das coletividades territoriais dos Estados-membros nas definições da política regional é criado o Comitê das Regiões (1994), organismo de caráter consultivo.


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O terceiro período de programação, entre 2000 a 2006, coincide com a incorporação de países do leste europeu. Debatese, nesse novo cenário, sobre quais as necessidades prioritárias de uma política regional visando o desenvolvimento integrado da União Europeia. Além disso, discute-se como assegurar uma melhor contribuição das outras políticas comunitárias, como Juventude em ação; a Politica Agricola Comum-PAC; Redes Transeuropeias (RTE);Programa Comunitário para o Emprego e a Solidariedade PROGRESS (2007-2013)14; para o esforço de coesão. Neste tópico vamos tratar dos contornos da política regional no período de 2000-2006, para posteriormente analisarmos a política regional projetada para o período de 2007-2013. Esses dois períodos são particularmente importantes para um entendimento da política regional Europeia e das novas questões presentes na política de coesão da Europa. Para o período 2000-2006, foi destinada uma verba de 213 mil milhões de euros para o conjunto dos instrumentos estruturais de 15 Estados-membros. Além disso, foram destinadas pela União cerca de 22 milhões de euros em ajudas de pré-adesão e ainda 22 milhões em intervenções estruturais. O montante total atinge cerca de 257 milhões de euros e representa perto de 37% do orçamento comunitário15 A principal prioridade da política regional Europeia para os programas no período de 2000 a 2006 é a construção de estratégias integradas e coerentes de desenvolvimento, com a intervenção dos Fundos Estruturais e do Fundo de Coesão buscando-se: a) Melhorar a competitividade das economias regionais, com o objectivo 14- Para uma visão global das diferentes políticas comunitárias ver http://europa. eu/legislation_summaries 15- DIREÇÃO-GERAL DA POLÍTICA REGIONAL. COMISSÃO Europeia. Ao Serviço das Regiões. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2004 Informações disponíveis em http://epp.eurostat. ec.europa.eu/portal/page/portal/statistics/themes. Acessado em 20 de janeiro 2009..


172 Antonio Eduardo Alves de Oliveira de criar empregos sustentáveis, b) Reforçar a coesão social e o emprego através da promoção dos recursos humanos; c) Realizar o desenvolvimento urbano e rural, no âmbito de um território europeu equilibrado. Para uma avaliação dos resultados foram criados «indicadores de acompanhamento», que permitiu que o processo de acompanhamento, fiscalização e avaliação fosse feita concomitantemente e não apenas no final do período. Os Estadosmembros da UE designam para cada programa uma «autoridade de gestão», que é responsável pela seleção dos projetos, e uma «autoridade de pagamento», encarregada da comprovação das despesas e dos pedidos de pagamento à Comissão. Assim, ao mesmo tempo em que a direção geral da política regional Europeia buscava proporcionar mecanismos de descentralização, estimulava um controle reforçado para verificar como os programas de desenvolvimento regional estavam sendo implementados.16 DG DA POLÍTICA REGIONAL. COMISSÃO Europeia, 2008. A programação da política regional no início do século XXI tem presente novos desafios, em particular a crise do emprego e do mercado de trabalho. que não somente não foram solucionados, mas gravaram-se nos últimos anos. Em 23 e 24 de março de 2000, o Conselho Europeu realizou uma reunião extraordinária em Lisboa, a fim de acordar um novo objetivo estratégico para a União Europeia, tendo em vista o problema do emprego, bem como a reforma econômica e a economia baseada no conhecimento17. 16- DIREÇÃO-GERAL(DG) DA POLÍTICA REGIONAL. COMISSÃO Europeia. Ao Serviço das Regiões. Política regional Europeia para 2007-2013 . Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2008. disponível em http://ec.europa.eu/regional_policyhttp://ec.europa.eu/regional_ polic. Acessado 17 de fevereiro 2009. 17- As resoluções apresentadas no Parlamento Europeu estão disponíveis em www.europarl.eu.int, e as resoluções do Conselho da Europa em http://ec.europa. eu/archives/european-council/index_en.htm.


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Após essa reunião, a busca de uma economia competitiva, dinâmica, baseada no conhecimento passa a ser uma das prioridades da União Europeia. Promove-se então, o programa Sociedade de Informação para Todos e cria-se o Espaço Europeu da Investigação e de Inovação. Engendra-se, portanto, um ambiente favorável ao lançamento e ao desenvolvimento de empresas inovadoras, especialmente de Pequenas e Médias Empresas (PME). No Conselho Europeu de Bruxelas, em 2005, foi decidido relançar a Estratégia de Lisboa, sendo definido que caberia aos Estados-membros da União Europeia elaborar um Plano Nacional de Reformas, no qual seriam incorporadas linhas orientadoras comuns e recomendações específicas, o que refletiria uma Estratégia Nacional levando-se em consideração as particularidades nacionais na consecução dos objetivos da Estratégia de Lisboa (2000). Havia um entendimento de que era indispensável proceder a uma reorientação das prioridades para o crescimento e o emprego, para renovar as bases da competitividade, aumentar o potencial de crescimento e a produtividade, apostando, sobretudo, no conhecimento, na inovação e na valorização do capital humano. Assegurando a sua implementação e selecionando os projetos a ser acompanhados e avaliados. Por sua vez, a Comissão participa em programas de monitoramento, contrata e paga as despesas e verifica os sistemas de controle instituídos. Para cada programa operacional o Estado-membro designa uma autoridade de gestão (autoridade pública que gerencia o programa, seja em nível nacional, regional ou local); uma autoridade de certificação (autoridade ou organismo público, nacional, regional ou local, que verificam as declarações de despesas e pedidos de pagamento antes de serem enviados para a Comissão); uma autoridade de auditoria (autoridade ou organismo público nacional, regional ou


174 Antonio Eduardo Alves de Oliveira local designado para cada programa operacional e responsável pela verificação do bom funcionamento da gestão e controle). Com esse princípio de programação, o FEDER e o FSE poderão financiar a totalidade das ações complementares e uma limitada ao domínio da intervenção do outro fundo (dentro dos 10% dos fundos atribuídos pela Comunidade para cada eixo prioritário de um programa operacional). Há uma exceção a essa regra: o FEDER e o Fundo de Coesão intervêm conjuntamente em programas de infraestrutura e meio ambiente. As autorizações orçamentárias relativas aos programas operacionais são realizadas por ano para cada fundo e para cada objetivo. A Comissão lança a primeira parcela anual, antes da adoção do programa operacional e, posteriormente, compromete os recursos para, no mais tardar, 30 de abril de cada ano. Uma parte de uma autorização orçamentária é gerada automaticamente pela Comissão, se não tiver sido utilizado ou se nenhum pedido for recebido no final do segundo ano após a autorização orçamentária (n° 2). Na programação de 2007-2013, os objetivos e formas de intervenção da Política Regional Europeia introduziram modificações, para facilitar a sua aplicação e controle através de regulamentos mais simplificados. Como se vê no quadro 3 sobre os instrumentos e objetivos dos fundos estruturais, os objetivos são reduzidos de 9 para 3, e os instrumentos são reduzidos de 6 para 3. Depois desta visão de conjunto do orçamento europeu para o período de 2007-2013, no quadro 4, para um melhor detalhamento da política regional do mesmo período, apresenta-se os objetivos, as prioridades, os critérios de elegibilidade, os fundos envolvidos e a quantidade de recursos previstos.


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Quadro 4 - Política de Regional da UE para o período 2007-2013 Objetivos

Convergência

Prioridade

Elegibilidade

Fundos Alocações

Efeito estatístico: regiões com um PIB per FSE capita ≤ 75% da média FEDER 81,54% da UE15 e ≥ 75% da Assistir regiões = 251 média da UE27 e países mais milhões de atrasados Os Estados-membros euros Fundo com um PIB per capita de ≤ 90% da média da Coesão UE-27

Regiões não abrangidas Competitividade Promover o pelo objetivo de 15,95% regional e emprego e a convergência. Os FSE = 49 emprego competitividade Estados-membros FEDER milhões de econômica propõem uma lista de euros regiões Cooperação Territorial Europeia

Promover 2,52% As regiões fronteiriças desenvolvimento = 7,75 e da cooperação FEDER equilibrado da milhões de transnacional União euros

Fonte:http://www.touteleurope.fr/fr/actions/economie/aide-au-developpementdes regions/presentation/la-politique-de-cohesion-2007-2013. html. Acessado em: 15 set. 2009.

O quadro 4 também ajuda a ter uma ideia de conjunto das prioridades e dos critérios de eleição dos fundos estruturais, permitindo ainda uma observação dos tipos de fundos envolvidos. Este quadro mostra que os recursos previstos ascendem a 308,041 mil milhões de euros (a preços de 2004) ou a 347,410 mil milhões de


176 Antonio Eduardo Alves de Oliveira euros (a preços corrente) e é repartido por três grandes objetivos: 81,5% para o objetivo da Convergência; 16% para o objetivo da Competitividade Regional e do Emprego; 2,5% para o objetivo da Cooperação Territorial Europeia. O objetivo Convergência, que corresponde ao antigo objetivo nº1 da programação 2000-2006, abarca as regiões onde o PIB por habitante é inferior a 75% da média da União, ou seja, os países do Leste Europeu, além de Portugal e Grécia. O segundo objetivo – Competividade Regional e Emprego –representa cerca de 16% dos fundos estruturais e corresponde aos objetivos nº2 e nº3 da política regional no período 2000-2006. Sua importância cresceu após a aprovação do fomento ao desenvolvimento competitivo, pela Estratégia de Lisboa, em 2007, em, pois regiões que não estavam inseridas na zona de convergência passaram a enfrentar dificuldades econômicas maiores. Por fim, o terceiro objetivo, a Cooperação Territorial Europeia, é financiado unicamente pelo FEDER (7,75 milhões de euros), visa, entre outras questões, fomentar atividades sociais e econômicas transfronteiras (terrestres ou marítimas) e reforçar as cooperações transnacionais e inter-regionais no continente. O objetivo Convergência tem o intuito de melhorar as condições de crescimento e os fatores de convergência real para os estados e regiões menos desenvolvidos. Na União de vinte e sete Estados-Membros, esse objetivo abrange oitenta e quatro regiões, situadas em dezessete Estados-Membros totalizando cento e quatro milhões de habitantes. O PIB per capita é inferior a 75% da média da UE, e passa por uma redução gradual de transição (phasing out); dezesseis outras regiões, com 16,4 milhões de habitantes, apresentam um PIB apenas ligeiramente acima do limiar, devido ao efeito estatístico da União Europeia alargada. As verbas atribuídas ao valor-alvo para 282.8


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milhões de euros, ou 81,5% do total, estão divididas da seguinte forma: 199,3 bilhões para as regiões do objetivo da Convergência, 14 bilhões previstos para a região progressiva e 69,5 bilhões para o Fundo de Coesão, o qual se aplica nos Estados-Membros. Por sua vez, o objetivo Competitividade Regional e Emprego visa a reforçar a competitividade e a atratividade das regiões e do emprego através de uma abordagem dupla. Em primeiro lugar estabelecer programas de desenvolvimento para ajudar as regiões a fomentar a mudança econômica, promovendo inovação em direção a uma sociedade do conhecimento, do empreendedorismo, da proteção ambiental e da melhoria da acessibilidade. Em segundo lugar, estabelecer o aumento do número e da qualidade dos empregos, a serem feitos mediante a adaptação da força de trabalho e pelo investimento em recursos humanos. Numa UE de vinte e sete Estados-Membros (um universo de 168 regiões, ou seja, trezentos e quarenta milhões de habitantes, correspondendo a 13 regiões) 19 milhões de pessoas beneficiam-se da aplicação progressiva das ajudas (phasing in) e estão sujeitas ao recebimento especial de recursos, devido as suas antigas zonas de "Objetivo nº1". A soma de 55 bilhões de euros, dos quais 11,4 bilhões para as regiões que se beneficiam da aplicação gradual das ajudas, é responsável por pouco menos de 16% da dotação total, isto é, das regiões de dezenove Estados-Membros em causa por este objetivo. O Objetivo nº 3 – Cooperação Territorial Europeia –, como já visto, destina-se a reforçar a cooperação aos níveis transfronteiriço, transnacional e inter-regional, com base na antiga iniciativa comunitária INTERREG. Será financiado pelo FEDER e pretende promover soluções comuns para autoridades vizinhas, nos domínios do desenvolvimento urbano, rural e costeiro, bem como o desenvolvimento das relações econômicas e a ligação em rede das Pequenas e Médias Empresas (PME), qual seja, uma rede transnacional de apoio as empresas de pequeno e médio porte. A


178 Antonio Eduardo Alves de Oliveira cooperação centrar-se-á na investigação, no desenvolvimento, na sociedade da informação, no ambiente, na prevenção dos riscos e na gestão integrada da água. Os recursos destinados ao Objetivo 3 ascendem a 7,75 milhões de euros (ou seja, 2,52% do total), sendo completamente financiados pelo FEDER, cujo montante será distribuído entre as diferentes vertentes do seguinte modo: 73,86% para o financiamento da cooperação transfronteiriça; 20,95% para o financiamento da cooperação transnacional; e 5,19% para o financiamento da cooperação inter-regional. Na programação 2007-2013, além das modificações na definição e na classificação dos objetivos, uma importante modificação diz respeito à atuação dos fundos, que passaram a ter nova regulamentação18. Em linhas gerais, os fundos atuavam com as ações comunitárias da política de coesão Europeia, as quais se destinavam a responder aos desafios relacionados com as disparidades econômicas, sociais e territoriais, à aceleração das reestruturações econômicas e ao envelhecimento da população. Concentram-se em um número limitado de prioridades, refletindo os objetivos de Lisboa (crescimento, competitividade e emprego) e de Gotemburgo (2001)19 (meio ambiente). O então regulamento estipulava que um documento estratégico global para a política regional deveria ser adotado pelo Conselho Europeu, com base numa proposta da Comissão e após parecer emitido pelo Parlamento, antes de 1º de Janeiro de 2007. Essas “orientações estratégicas da Comunidade em matéria de 18- Regulamento (CE) n.º 1083/2006 do Conselho, de 11 de Julho de 2006, que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1260/1999. 19- O Conselho Europeu de Gotemburgo ( Suécia) de 15 e 16 de Junho de 2001 apresentou resoluções sobre o meio ambiente e a necessidade de um desenvolvimento sustentavel. (DREVET, 2008).


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coesão” identificam as prioridades comunitárias que a política de coesão deve apoiar, a fim de reforçar as sinergias com a Estratégia de Lisboa, revista para o crescimento e o emprego e contribuir para a sua aplicação. Cada Estado-Membro apresenta um “quadro de referência estratégico nacional” que constitui um instrumento de referência para efeitos de preparação da programação dos fundos e para assegurar a coerência das intervenções dos fundos com orientações estratégicas. Cada quadro de referência estratégico nacional abrange o período de 2007-2013 e será apresentado à Comissão após a adoção das orientações estratégicas. A Política de Coesão Europeia de 2007-2013 difere da política de coesão do período anterior (2000-2006) em vários aspectos, a saber: maior ênfase no crescimento econômico, na criação de empregos e na descentralização da responsabilidade; simplificação dos objetivos e regulamentos; regras de elegibilidade dinâmicas; fonte única de financiamento e gestão financeira flexível (iniciativas em nível local, nacional, e na UE), orientada por um único documento chamado Normas Estratégicas Comunitárias. A Comissão Europeia propôs várias medidas para simplificar os programas de gestão financeira, levando à redução dos procedimentos administrativos, sendo que estes incluem: introdução de uso das taxas fixas ou custo fixo total, a fim de facilitar a operação de contratos diretos com o Banco Europeu de Investimento (BEI) e com o Fundo Europeu de Investimento (FEI); simplificação da gestão de alguns projetos, geradores de receitas, financiados pelo FSE ou FEDER ou pelo Fundo de Coesão. A Comissão Europeia propôs aumentar os pagamentos para os programas de 2007-2013. Esses pagamentos adicionais são destinados a investir em fundos atribuídos a cada Estado-membro para o período 2007-2013, permitindo um fluxo de caixa imediato de 6,25 bilhões de euros em 2009. Todas essas regras financeiras


180 Antonio Eduardo Alves de Oliveira também se aplicam ao Fundo de Coesão, e no que diz respeito à elegibilidade das despesas, as definições são pautadas pelas regras nacionais e não pelas da comunidade. Quanto às taxas de financiamento, estas sofreram mudanças, haja vista que, durante o período anterior, representavam 7% de participação do fundo na ação em questão (para os 15 antigos Estados-membros) e 16% para a UE-10 ( os dez novos integrantes da UE) em 2004. A gestão financeira, por sua vez, é mais flexível, ou seja, as operações concluídas podem ser parcialmente fechadas até que todo o programa seja executado. Em suma, a política regional Europeia para o período 20072013 estabelece, como um dos pontos centrais, que as despesas dos fundos devem incidir nas prioridades de conjunto da União Europeia. Um exemplo disso é a atuação dos fundos em matéria de promoção da competitividade e da criação de empregos. Dessa forma, a União procura criar mecanismos para que as ações dos fundos (FEDER, Fundo de Coesão e FSE) sejam um instrumento das orientações gerais das demandas do processo de integração 20. Os fundos são segmentados de acordo com as prioridades da União Europeia na promoção da competitividade e criação de emprego, de acordo com a Estratégia de Lisboa, que determina o seguinte: A Comissão e os Estados-membros devem assegurar que pelo menos 60% das despesas de todos os Estados-membros, designados no objetivo "Convergência", e pelo menos 75% das despesas atribuídas ao objetivo “Competitividade e Emprego” sejam dedicados a essas prioridades. As taxas de financiamento são limitadas, especificamente, para cada objetivo, a saber: Convergência, entre 75% e 85%; Competitividade e Emprego, entre 50% e 85%; Cooperação Territorial Europeia, entre 75% e 85%; Fundo de Coesão, 85%. Quanto às despesas, estas são elegíveis e

20- Assim, os quadros de referência devem igualmente identificar a ligação entre as prioridades da UE, em matéria de coesão e os programas nacionais de reformas, no contexto das Orientações Gerais para as Políticas Econômicas (OGPE) e da Estratégia Europeia para o Emprego (EEE) , formatada no processo de Luxemburgo no final dos anos 1990.


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devem ser pagas entre 1° de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2015. As operações financiadas não serão concluídas antes da data de início de elegibilidade. As regras são definidas em nível nacional, com as exceções previstas na regulamentação específica para cada fundo, enquanto que entre 2000-2006 as regras foram estabelecidas em nível comunitário. Outro ponto relevante trata-se das modificações estabelecidas nos princípios gerais da política regional. Assim, O princípio da adicionalidade é aplicado de forma diferente, o princípio da cooperação é dilatado e surge como um novo princípio o da “proporcionalidade”, que visa uma redução do peso administrativo, a substituição das regras comunitárias por regras nacionais de elegibilidade e o reforço da transparência e da comunicação dos Estados-membros e das regiões. Pela nova aplicação do principio da adicionalidade para as regiões abrangidas pelo objetivo da convergência, a Comissão Europeia criou mecanismo para fiscalizar as despesas públicas, no sentido de evitar que os fundos da política regional não substituíam as despesas estruturais públicas de um Estado. Por sua vez, a política regional ampliou o sentido do principio da cooperação, estabelecendo que as parcerias entre as instituições comunitárias devam ser estendidas a qualquer outro órgão que represente a sociedade civil. Os parceiros ambientais, as organizações não governamentais e os organismos responsáveis pela promoção da igualdade entre homens e mulheres podem compartilhar ações e utilizar recursos dos fundos estruturais, participando de cada fase da programação (execução, acompanhamento e avaliação). O principio da proporcionalidade, introduzido pela primeira vez, consiste em mediar e compartilhar as obrigações para o sucesso da política regional com os Estados-membros. Para o período 20072013, os Estados-membros e as regiões devem elaborar ‘Quadros de referência estratégicos nacionais’ e ‘Programas operacionais’ nacionais.


182 Antonio Eduardo Alves de Oliveira A partir de meados dos anos 1990, a política regional Europeia passou a enfatizar o desenvolvimento endógeno da região como um aspecto marcante para a superação das desigualdades regionais. Passou-se a valorizar a noção segundo a quais as regiões devem tornar-se cada vez mais competitivas, aproveitando as contribuições e ajudas da Política de Coesão Europeia para o processo de integração, aumentando as possibilidades de desenvolvimento econômico e social, em especial a capacidade de inovação. Neste início de século, essa política de valorização da inovação e da competição na política regional tem sido cada vez mais relevante. A Comunicação da Comissão Europeia, de 16 de agosto de 2007, intitulada "Regiões Europeias competitivas graças à investigação e à inovação: Contribuição para um maior crescimento e para mais e melhores empregos” ilustra essa tendência. No referido documento, a Comissão reforça a ideia de que a coesão social tem que ser combinada com o Sétimo Programa - Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico (7.º PQ IDT), bem como com o Programa - Quadro para a Competitividade e a Inovação (PCI). Essa política de inovação tem como um dos seus eixos fundamentais a política de investigação, centrada na promoção da excelência em nível internacional. Dessa forma, busca-se transformar os conhecimentos em oportunidades econômicas e em novas soluções para satisfazer as demandas da sociedade. A política de coesão e os programasquadros oferecem possibilidades a serem exploradas, para fins do reforço da governança das estratégias de IDT, mediante intercâmbios e criação de redes. A política de inovação parte da visão de que é preciso desenvolver sinergias eficazes entre as esferas comunitárias, nacionais e locais, a fim de possibilitar um reforço para o desenvolvimento da excelência, aumentando a cooperação em níveis europeu e internacional, bem como a exploração dos resultados da I&D. Nesse sentido, a otimização


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da comunicação e da colaboração entre os intervenientes nacionais e regionais aparece como um importante fator para produzir as sinergias. (Commission Européenne, 2006). Como incentivo às regiões e aos Estados-membros para incluir o teste de abordagens inovadoras em seus programas e melhorar as suas estratégias operacionais de inovação, a Comissão divulgou um documento que traz o balanço de 15 anos de experiência21, estratégias e ações inovadoras regionais financiadas pela UE, além de sugerir métodos e conselhos. A Comissão publicou, em 2007, uma série de testes de projetos inovadores que mostram as "melhores práticas", com cursos em áreas da União Europeia. Nesse domínio, são reforçados os polos de excelência atuais – ressaltando as capacidades nacionais e regionais –,que devem procurar fontes de financiamento privado e tirar partido das potencialidades existentes. Para isso, propõe-se uma ação conjunta visando lançar uma nova geração de laboratórios, instrumentos e infraestruturas de nível internacional. Em conjunto com os outros instrumentos financeiros da Política de Coesão, o FSE teve um papel ativo no plano de ação europeu para a recuperação adotada pela Comissão Europeia, em outubro de 200822. O referido plano de ação apela para a implementação de uma nova arquitetura dos mercados financeiros no nível da UE, para a realização de esforços com vista a criar empregos, estimular o crescimento econômico e dar uma resposta global à crise nos mercados financeiros. No quadro abaixo estão demonstrados os objetivos e a percentagem de investimento do Fundo Social Europeu para o 21- Commission européenne.Direction générale Politique régionale. Les stratégies et actions innovatrices. Principaux résultats de quinze années d’expérimentation régionale. Document de travail de la Commission européenne. Out.2006 Disponível em: http://ec.europa.eu/regional_policy/funds/2007/innovation/ guide_innovation_fr.pdf. Acessado 13 de janeiro 2010. 22- Disponível em: http://ec.europa.eu/employment_social/esf/news/news/ article_7362_en.htm


184 Antonio Eduardo Alves de Oliveira período 2007-2012. Esse quadro permite que o desenvolvimento da política regional possa ser percebido a partir da análise dos objetivos do FSE. A aplicação deste fundo relaciona-se com a construção da coesão social, em particular em relação aos objetivos voltados para o enfrentamento de problemas sociais e econômicos relevantes na atualidade da União Europeia. Quadro 7- Objetivos e aplicação do FSE no orçamento de 2007-2013 Objetivos

Percentuais aplicados

Reformas para emprego e inclusão

1%

Melhoria do capital humano

34%

Fortalecimento da capacidade institucional a nível nacional, regional e local

3%

Melhoria da inclusão social das pessoas menos favorecidas

14 %

Melhoria do acesso ao emprego e à sustentabilidade

30%

Aumento da capacidade de adaptação de trabalhadores, empresas e empresários

18%

Fonte: Fundo Social Europeu – investir em pessoas. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2007. http://europa.eu/pol/ reg/index_pt.htm. Acessado em 3 de setembro de 2009.

Analisando-se os objetivos da aplicação do FSE no período 2007-2013, observa-se como destaque o incremento das políticas de geração de emprego. Percebe-se que a constituição de programas e ações voltadas para tal objetivo mostra-se bastante relevante, já que o objetivo Melhoria do acesso ao emprego e da sustentabilidade representa cerca de 30%; o Aumento da capacidade de Adaptação de trabalhadores Empresas e empresários representa 18%; as


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Reformas para emprego e inclusão, 1%. Estes objetivos juntos perfazem um total de 49%. Além disso, outras rubricas, a exemplo de Melhoria do capital humano, com 34% e Melhoria da inclusão social das pessoas menos favorecidas, com 14%, também têm uma interface importante com políticas de emprego e renda. Se confrontar-se esses dados com os relativos à distribuição dos objetivos em relação aos projetos e políticas gerais da União Europeia, observar-se-á, mais uma vez, a relevância da política de emprego e a busca pela integração, a partir da criação de mecanismos para a resolução de problemas sociais gerados pela formação do mercado integrado europeu no contexto de globalização. Um dos aspectos significativos nas políticas públicas regionais Europeias compreende a combinação de elevados investimentos na infraestrutura econômica (transporte, comunicações etc.), em processos de inovação e no chamado capital humano. Desse modo, observa-se no Quadro 7 – Objetivos da aplicação do FSE no orçamento de 2007-2013 –, que o objetivo Melhoria do capital humano representa 34%, e o objetivo Melhoria da inclusão social das pessoas menos favorecidas representa 14%. Um dos objetivos do FSE concentra-se em proporcionar um desenvolvimento do capital humano. Assim, a Comissão Europeia procura aproximar sua atuação do cotidiano dos cidadãos, através de políticas que tenham impacto mais direto sobre segmentos sociais como os desempregados, mulheres, jovens, idosos e pessoas portadoras de necessidades especiais. Nota-se que o FSE se apresenta como um fundo de “apoio as pessoas”, ou seja, um fundo que ajuda a desenvolver o capital humano, por meio de projetos que proporcionam formação e reciclagem profissional, permitindo também que as pessoas possam melhorar “as suas competências, desenvolvendo as suas carreiras e promovendo o espírito empresarial”. Nesse sentido, um dos eixos da aplicação do FSE na nova programação é a promoção de contrapartidas para superar, ou


186 Antonio Eduardo Alves de Oliveira pelo menos diminuir, as dificuldades de setores considerados mais vulneráveis. Um aspecto importante é a atenção ao relacionamento entre as diferentes esferas para lidar com os problemas dos setores sociais locais e a articulação com as políticas mais globais. Para que o leitor possa apreciar claramente, a atuação desse fundo, a partir do perfil dos beneficiários, no tabela 6 e no Gráfico 3 apresentam-se os dados dos segmentos atendidos pelo FSE 2007-2013: Tabela 6- Segmentos atendidos pelo FSE 2007-2013

Grupos atendidos Desempregados ou inativos Mulheres Menos de 25 anos Mais de 54 anos Minorias étnicas ou migrantes Pessoas com deficiência

(em milhões) 5,0 4,7 3,2 1,4 0,6 0,3

Fonte: Fundo Social Europeu – investir em pessoas. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2007. http://europa.eu/pol/reg/ index_pt.htm. Acesso em: 3 de set. 2009.

A preocupação principal do Fundo Social Europeu é a de desenvolver programas e projetos destinados ao crescente contingente de desempregados. Para o período de 2007 a 2013, prevê-se que o FSE gaste mais de 10 milhões de euros por ano em todos os Estados-membros, com vistas a melhorar as competências das pessoas e as perspectivas de emprego. Essa concentração deliberada busca atenuar o risco de aumento potencial do desemprego. Projeta-se que com os investimentos do FSE seria possível assegurar a coerência e a complementaridade da intervenção da UE no plano social e em


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matéria de emprego. Dessa forma, tendo em vista as especificidades de cada região, no que se refere à composição de sua estrutura setorial de produção econômica, a atuação do FSE atinge cerca de 5 milhões de desempregados em todo o território da UE. A observação da intervenção do FSE para melhorar as condições dos segmentos sociais realça, portanto, uma apreensão da Comissão Europeia com os efeitos do desemprego na UE. Se essa atuação demonstra uma importante preocupação social, por outro lado evidencia que, mesmo concentrando incentivos em regiões selecionadas, não se tem eliminado os desequilíbrios regionais. É importante ressaltar que as mudanças no processo de globalização têm introduzido uma nova dimensão no desequilíbrio regional entre países e internamente em cada país. Percebe-se, ainda, a importância da questão de gênero na Europa, que pode ser cotejada com a atuação de grupos de interesse e movimentos sociais para a realização de políticas públicas. Os dados disponíveis evidenciam alguns avanços, mas denotam também a existência de assimetrias importantes entre homens e mulheres23. O segundo item da tabela mostra que 4,7 milhões dos atingidos pelo FSE são mulheres. A igualdade das oportunidades é uma das prioridades horizontais não somente para o Fundo Social Europeu, bem como para o Fundo Estrutural. Ainda sobre a questão de gênero, as orientações estratégicas comunitárias para o período 2007-2013 colocam em evidência a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, a luta contra a discriminação, o pleno emprego e a redução da taxa de desemprego e inatividade. Como uma prioridade da aplicação do FSE, estabeleceu-se o apoio aos jovens com menos de 25 anos, uma faixa etária que 23- O programa Daphne II (2004-2008). A luta contra as formas de violência em torno das crianças, adolescente e mulher e a proteção às vitimas e grupos de risco. Disponível em http://ec.europa.eu/regional_policy/index_fr.htm. Acesso 18 de março de 2009.


188 Antonio Eduardo Alves de Oliveira atinge 3,2 milhões de pessoas. Uma parcela do investimento dos esforços do FSE para lidar com os jovens é destinada às reformas do sistema da educação e à formação. Além disso, incrementase a pesquisa e a inovação. (Fundo Social Europeu 2007-2013 no domínio da educação e da formação). As conclusões do Conselho da Europa (23 e 24 março de 2006) apontam que “a educação e a formação são os fatores essenciais para o desenvolvimento do potencial, a longo termo da UE, em termos de competitividade e coesão social. Em relação “A excelência e inovação aos níveis da educação e da formação” os Estados-membros aplicam a Estratégia de Lisboa em políticas de educação e formação nacional. Em 2002, o Conselho da Europa aprovou o programa de trabalho e educação e formação 2010, o principal olhar da Estratégia de Lisboa 24. Além disso, a Comissão Europeia incentiva os Estadosmembros para a manutenção de um elevado nível de investimento público, de modo a garantir que as fontes de coesão sejam totalmente ativadas para apoiar os esforços dos Estados-membros e das regiões, destinadas a relançar a economia. Em 26 de novembro de 2008, como parte do plano de relançamento da economia Europeia foi criado um incentivo orçamental de emergência de 200 milhões de euros (ou seja, 1,5% do PIB da UE) para os anos de 2009 e 2010. Igualmente, como medida de estímulo econômico foi permitida a antecipação dos pagamentos aos Estados-membros dos recursos dos Fundos Estruturais. 24- Em 16 de dezembro de 2008, a Comissão Europeia apresentou uma terceira comunicação que ilustra como a Política de Coesão passou a ser vista como um elemento importante para a economia Europeia em crise. O documento recomenda aos Estados-membros a aplicação de medidas, a fim de maximizar os recursos da política regional para fazer frente à crise, em especial à aceleração da aplicação dos Programas Operacionais. (COMISSÃO Europeia, 2008).


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A EUROPA DAS REGIÕES, O COMITÊ DE REGIÕES E OS PROGRAMAS TRANSREGIONAIS A política regional Europeia tem como linha geral a elaboração entre os Estados-membros de intervenção compartilhada em busca de um equilíbrio entre liberalismo e solidariedade. Isso se concretizaria através de uma aplicação coordenada dos fundos estruturais, visando uma integração que reforça inicialmente o elo entre o Norte e o Sul da Europa e posteriormente a ligação entre o Leste e Oeste europeu. Sob uma ótica geral, a elaboração da Europa das Regiões, com uma atuação do Comitê de Política Regional (PDR), a elaboração de cartas nacionais e comunitárias de zonas escolhidas, bem como uma política transfronteira, representam uma transnacionalização da política regional Europeia e um ponto de desnacionalização da questão regional, que irá se aprofundar nos anos subseqüentes. No contexto das dificuldades de regulação, devido à crise do Estado providência combinada com as dificuldades do fordismo, o desenvolvimento de nível intermediário para fazer face aos problemas de ineficiência das grandes políticas setoriais ainda é marcadamente insuficiente. De qualquer sorte, a região aparece como necessária para regular e estruturar interesses e organizar o desenvolvimento econômico. Como assevera Lês Gáles (1997) existe uma dinâmica das regiões particulares e um discurso da UE sobre a Europa das regiões. Concomitante a uma forte aspiração por uma regionalização das políticas comunitárias da UE desenvolve-se também um forte movimento pela europeização das políticas regionais. Como já visto, a estruturação da esfera regional ou infranacional nos países europeus é bastante variada. Além do mais, a atuação das unidades regionais e a confecção de uma política regional eram vistas como problemas de ordem interna, ou seja, submetidas aos objetivos da soberania nacional. A formulação de uma política regional do processo de integração europeu surgiu no


190 Antonio Eduardo Alves de Oliveira bojo da crise dos anos 70, e num primeiro momento apresentava-se muito mais como uma política comum no marco de um arcabouço intergovernamental do que transnacional. Entretanto, a política regional Europeia consolidou-se e diversificou-se com a atuação dos fundos estruturais como o Fundo Social Europeu (FSE), o Fundo de Desenvolvimento Regional (FEDER) e o Fundo de Coesão, além disso, houve a criação de programas variados e específicos voltados para a cooperação transfronteiriça, transnacional e inter-regional (INTERREG) e programas pró-adesão para países candidatos a membros da UE. Dessa forma, a política regional Europeia ultrapassou o patamar nacional e passou a ter um papel estratégico para o processo de integração comunitária, instrumento efetivo para garantir o sucesso das sucessivas e graduais ampliações da UE, bem como para integrar não somente os países membros como unidades nacionais, mas construir uma unificação Europeia a partir da integração das regiões( infranacionais). As regiões transformaram-se em uma escala essencial de governo, mas ainda não evoluíram para um nível governamental na Europa. A integração Europeia busca legitimar as regiões, reforçando seus recursos e seu papel nas decisões, para com isso também se legitimar. Na agenda supranacional da UE, a territorialização das políticas, através da “governação territorial” das intervenções estruturais, tem um aspecto central. De acordo com a pesquisa “Governação Regional e Gestão das Intervenções Financiadas pelos Fundos Estruturais”, sob a coordenação de Reis (2005 ), o território é um elemento efetivo para a formulação das políticas públicas regionais comunitárias da UE. O escopo da governança territorial Europeia relaciona-se com o modo como o território é apresentado na concepção das políticas comunitárias, sendo que um dos aspectos desse modelo de territorialização é a designação de uma administração multinível. Nessa nova configuração, o Estado não é mais visto como o único


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soberano para a definição das políticas públicas no nível territorial. Entretanto, isso não quer dizer que o Estado nacional, na posição de Estado-membro da UE, não é um elemento importante para articular e dar coerência às intervenções nas regiões e nas localidades. Na Europa das regiões, em uma governança policêntrica, existe um forte impacto da integração regional registrando-se iniciativas regionais e a criação de redes e fóruns de ação pública (KEATING, 1997). A partilha de recursos e competências entre os atores europeus nacionais e infranacionais remetem à ideia de um sistema de decisão em vários níveis. No entanto, a multiplicação de instituições representativas que permitem a emergência de um espaço público em vários níveis tem colocado em discussão a questão da legitimidade. A noção de governação territorial aponta a maneira como os diferentes níveis espaciais são integrados na estruturação institucional da UE. Para a consecução da articulação territorial das políticas setoriais e regionais é impetrado um modelo de administração compartilhada no qual a gestão das políticas públicas se inscreve no território regional subnacional. Os fundos com seus objetivos e programação buscam estabelecer novas modalidades de intervenção e o fomento de novas práticas de relacionamento entre os diferentes níveis. Balme (1996) estuda como as políticas públicas e a constituição de um espaço público colocam em relevo a diversidade das redes necessárias para a implementação da gestão da UE e os problemas de regulação da governança regional. Por meio da cooperação interinstitucional com os governos locais e com outras regiões é que se realizam as inovações, das quais surgem atividades no domínio dos negócios estrangeiros e cooperações inter-regionais de dimensão transnacionais. Como salienta Reis (2005), os objetivos da governança territorial referem-se ao modo como o território é concebido pelas


192 Antonio Eduardo Alves de Oliveira políticas e pelos resultados que com elas se pretendem alcançar. Uma das características desse modelo de territorialização do Estado é a sua permeabilidade à distorção das políticas públicas, visto que ele carece de uma instância em nível territorial e de instrumentos para articulá-las e lhes imprimir coerência. Contudo, existe tanto uma mobilização ascendente quanto uma mobilização por baixo, com a formação de uma dinâmica das redes de cooperação, o que permite fazer aparecer as interações que geram o território como uma representação, como uma construção cultural. Dessa forma, um aspecto relevante na política regional Europeia é a ênfase na cooperação transfronteira, em que a UE busca favorecer os intercâmbios transnacionais entre regiões que cortam fronteiras de diversos países, compreendendo iniciativas comunitárias a favor da cooperação transfronteiriça, transnacional e inter-regional (INTERREG III)25, a revitalização econômica e social das cidades e dos bairros em crise (URBAN II), bem como as ações inovadoras e as medidas de assistência técnica, instauradas pelo regulamento geral. Assim, a política de coesão passou a enfatizar a importância da cooperação e do desenvolvimento regional que levaram os programas de cooperação (INTERREG) ao estabelecimento do planejamento da rede de Observatórios na Europa (Espon). Um aspecto importante é a elaboração do Livro Verde, que trata da articulação das políticas comunitárias com a problemática da governança territorial e ambiental na UE. Segundo o Livro Verde, a diversidade territorial da UE é um recurso vital que contribui, em geral, para a sustentabilidade do desenvolvimento. Ratifica-se que um dos objetivos ressaltados é justamente o fomento da cooperação territorial Europeia, buscando avaliar as diversas possibilidades de melhorar a inter-cooperação regional na UE e a cooperação com as regiões vizinhas. 25-http://europa.eu/legislation_summaries/regional_policy/provisions_and_ instruments/g24204_pt.htm


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A abordagem integrada, com base no aumento continuado da política de coesão, é a medida para responder aos problemas complexos e interligados do desenvolvimento regional na UE. A questão da coesão territorial é também um indicativo do valor de uma parceria com uma forte dimensão local, o que garante que as políticas serão concebidas e executadas com pleno conhecimento dos fatos. O Livro Verde prega “A competitividade dos nossos territórios, o bem-estar dos nossos cidadãos e da qualidade do nosso ambiente.”. O desenvolvimento da cooperação entre as regiões – e mais particularmente da cooperação inter-regional – é, sem dúvida, uma das modalidades mais importantes da Europa das regiões. O engajamento dos governos locais regionais, por meio de uma ação coletiva organizada, vem suscitando ampliações políticas e econômicas da integração e, eventualmente, demandas por ajustamento ou transformações das relações intergovernamentais. Para Balme (1996), existe uma importante dinâmica entre a evolução da política regional da UE, a concentração dos seus objetivos e a reformulação das políticas nacionais de ordenamento do território. A análise das modalidades de acesso às políticas Europeias sustenta uma interpretação da cooperação inter-regional como uma integração ascendente, como um processo pelo qual os atores políticos ou administrativos regionais tendem a captar a ajuda comunitária para suscitar as iniciativas locais. A integração ascendente, permite uma discussão sobre o papel da Europa das regiões no processo de construção Europeia, na medida em que coloca em relevo a iniciativa de atores que se articulam de maneira inter-regional e transnacionalmente. Para BITSCH (2003), a existência de espaços de fronteiras com muita solidariedade projeta a formação de euro-regiões envolvendo interseções de territórios nacionais. Assim, as fronteiras que anteriormente eram vistas com sinônimos de obstáculos e limites,


194 Antonio Eduardo Alves de Oliveira estão se reconstruindo como elementos dinâmicos da construção de espaços transnacionais na integração regional Europeia. Para comprovar esse fato, BALME (1996) e BITSCH (2003) enfatizavam a importancia da constituição da cooperação interregional Atlântica e a articulação dos chamados quatro motores – Rhône-Alpes, La Catalunha, Lombardi e Bade Wurtemberg. A experiência dos programas integrados mediterrâneos são exemplos dessa política de articulação inter-regional, conferindo, pois, uma importância no espaço da comunidade supranacional É preciso observar as estruturas de cooperação inter-regional ( multiplicação de atores, empresas multinacionais, organizações não governamentais, grupos de interesse) muito organizadas e ativas no plano internacional. Em relação à UE, questiona-se: como se enquadram as novas expressões do regionalismo, já que a cooperação inter-regional é produto derivado da integração econômica? As relações regionais são, de certa forma, muito generalizadas e também diversificadas. As cooperações têm formas bilaterais e também multilaterais, transfronteiras e sem contínuo territorial, uma vocação mais generalizada que as fronteiras nacionais, sem passar necessariamente pela mediação das instituições nacionais. Em particular, o programa INTERREG suscita iniciativas locais de abertura das fronteiras internas e externas, da UE, como programas de incentivos à mobilidade de mão de obra em localidades vizinhas. A noção de Europa das regiões e as articulações visando a cooperação entre elas tem a expressão institucional com criação do Comitê das Regiões em 1994, composto por representantes das autoridades regionais e locais, nomeados pelo Conselho geral formado por representantes dos Estados-membros, além do Comitê das Regiões e o Banco Europeu de Investimento (BEI) com sede em Luxemburgo. Esse último realiza empréstimos e os assegura para auxiliar as regiões menos desenvolvidas da União Europeia. Em linhas gerais, a política regional da UE concentra-se em transferências de


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fundos dos países mais desenvolvidos para os menos desenvolvidos. Essas transferências visam acelerar o desenvolvimento das regiões menos competitivas, proporcionando projetos de reconversão das regiões industriais em declínio, promover a inserção profissional dos jovens e dos desempregados crônicos e atualizar a agricultura e as zonas rurais mais desfavorecidas. Mesmo com estas transferências, a UE enfrenta dificuldades para a reconversão de setores econômicos classificados de não competitivos no mercado internacional. Por outro lado, abre-se a partir da década de 1990, a discussão sobre o ordenamento do território e o desenvolvimento econômico, a organização de uma democracia territorial, que garanta aos atores locais trabalharem em conjunto e melhorar a atuação estatal de acordo com as necessidades dos cidadãos, que envolve a excelência da espacialização. Para Rémond (2001), no plano político, a constituição da Europa unificada representou o enfraquecimento da soberania nacional estatal e seu controle sobre a diversidade regional, e ao mesmo tempo constitui um espaço para pressão por reconhecimento dos regionalistas pelas suas especificidades, muitas vezes subsumidas na administração nacional, sobretudo nos Estados mais centralizados. Se o quadro ou esfera nacional não pode ser inteiramente contornado, Rambour chama atenção para o fato de que o quadro transnacional da construção Europeia acaba por promover a escala regional, uma vez que a UE, até pela persistência das referencias nacionais e locais, não pode ser considerada um sobre-Estado. O estimulo comunitário para a regionalização e para ações de descentralização administrativas nos Estados-membros têm, como já vimos, um forte componente econômico, constituindose na busca da coesão diante da unificação dos mercados, do livre transito de pessoas, produtos, serviços e capitais. Esse desenvolvimento da cooperação Europeia passou a ter uma importante significação política.


196 Antonio Eduardo Alves de Oliveira O criticado déficit democrático das instituições Europeias, não poderá ser resolvido apenas através de construções legais ou jurídicas, pois a criação de um direito comunitário,relacionase com a problemática da legitimidade da UE em relação à população e a sociedade civil., A diversificação da política regional, com mecanismos de aproximação entre as comunidades locais, representa uma tentativa de responder a essas demandas. O comitê de regiões expressa um quadro político e identitário heterogêneo, pois como já observado, a questão regional na Europa não é homogênea. Envolve não somente as especificidades regionais no interior do quadro nacional, e ao mesmo tempo no processo de construção de uma comunidade Europeia. Dessa forma, o comitê de regiões expressa, às vezes de maneira contraditória, uma interseção entre os interesses nacionais e regionais da integração supranacional Europeia. Para Bourrinet (1997) a criação do comitê de regiões faz parte da iniciativa da UE em construir uma instituição no quadro de uma legislação comunitária mais eficaz, dotada de um poder de decisão (ainda que compartilhado) mais efetivo, articulando diversos atores sociais (estatais e não estatais) em relação direta com o parlamento europeu. A ascensão do comitê de região contrasta com o declínio do comitê econômico e social, e tem como pretensão estabelecer um controle do principio da subsidiariedade, através de uma ligação entre Europa do alto (das comissões, comitês, etc.) e a Europa de baixo (a sociedade civil, as comunidades locais e regionais, etc.). A constituição do comitê de regiões insere-se na discussão sobre o lugar das regiões dentro da reforma da União Europeia a partir do final dos anos 1990. A criação do comitê de regiões estabelece pela sua composição, papel e método de trabalho uma importante representação oficial para as regiões no interior da estrutura formal de decisões da União Europeia. A relação entre o comitê de regiões e os movimentos regionalistas para a obtenção


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de reconhecimento das suas especificidades tem sido significativo, mas relaciona-se com a maneira como esse movimento regionalista avalia o próprio processo de construção Europeia. Encontra-se movimentos que veem a UE e o Comitê de Regiões como instancias supranacionais, que de alguma forma pode compensar os déficits em relação às instituições nacionais, seriam movimentos que sendo regionalistas são também europeus, um exemplo marcante são segmentos importantes de nacionalistas bascos e catalães no norte da Espanha. Entretanto, temos também movimentos de forte identidade regional, como a Liga do Norte na Itália, que pregam desconfiança em relação às instituições da UE. Nos anos 1990, a Comissão Europeia adota a estratégia de buscar legitimar as regiões, reforçando seus recursos, legalidade e vigor. A governança Europeia é caracterizada por uma gama de redes de agências de diferentes níveis de governo, encadeados em um esforço de coordenação horizontal. Na medida em que as regiões são valorizadas como espaço de governabilidade forma-se uma política implícita da Comissão Europeia para construir mecanismos de legitimação não das regiões em si mesmas, mas da própria política comunitária. Destarte, é construída a noção de “Europa das regiões” como um aspecto central da política de governança policêntrica da União Europeia. Assim, a fronteira, como linha demarcatória dos espaços nacionais, é ultrapassada, ou pelo menos relativizada, através de integração entre regiões vizinhas, ou localidades de regiões situadas em diferentes países. Nesse contexto são criados espaços de fóruns, a saber: Associação das Regiões Fronteiras Europeias (ARFE), criada em 1971; Conferência das Regiões Periféricas Marítimas (CRPM); Associação das Regiões da Tradição Industrial (ARTI), entre outros. A combinação de duas lógicas de ação coletiva inter-regional organiza, na realização da Assembléia das Regiões da Europa (ARE), em 1995, 300 coletividades regionais, ou seja, a formação


198 Antonio Eduardo Alves de Oliveira de uma organização policêntrica da UE. Cada uma dessas iniciativas marcou a quebra das hierarquias exclusivamente estadocentristas e alimenta o debate em torno da construção Europeia.


A EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO REGIONAL NA AMÉRICA DO SUL A história da integração regional na América do Sul tem-se caracterizado pela fragmentação e pela quebra de continuidade das iniciativas integracionistas. A partir dos anos 1990, com a crise gerada pelo crescimento acentuado da dívida externa, os países latino-americanos integram-se mais ainda aos intercâmbios econômicos mundiais, alargados de maneira inaudita com o aumento dos fluxos globais. Entretanto, como aponta a CEPALC (2004) apesar do crescimento e do aumento dos intercâmbios, a concentração da riqueza permanece e contribui para a manutenção da pobreza dentro de sociedades já estruturalmente desiguais. O anseio de uma unidade continental não é algo novo, tendo surgido ao longo das diversas lutas por independência no século XIX. Em torno da unidade da América Latina existe o apelo às raízes históricas e à necessidade de construção de uma integração, a partir da confluência de povos. Para tanto, há que se pensar na existência de uma multiplicidade de realidades sociais, com diferentes níveis de desenvolvimento econômico e de desigualdade social entre os paises da região. Um ponto importante a ser apreciado, para o entendimento da posição dos países latino-americanos como países “periféricos” no espaço mundial, é a relação da América Latina com o poderoso vizinho do norte, os Estados Unidos. Relação esta que também é um dos elementos-chave para a compreensão do regionalismo do Sul e dos obstáculos para uma integração regional efetiva. Neste capítulo, serão analisados os impulsos e os obstáculos da formação do regionalismo subcontinental na América do Sul, com destaque para o MERCOSUL como experiência mais acabada


200 Antonio Eduardo Alves de Oliveira de integração regional. Inicialmente, será abordado a problemática histórica mais abrangente dos países da América do Sul, qual seja a de uma América Latina, enquanto problema político. Ressaltar-se-á o significado da herança histórica da colonização e dos processos econômicos políticos mais recentes, como também a industrialização e a aplicação do receituário neoliberal na maioria dos países. Portanto, buscar-se-á entender as iniciativas insistentes pela integração do Cone Sul – seja através das experiências do Pacto Andino (1969) - Comunidade Andina (1996) - , seja pelo MERCOSUL ou, mais recentemente, pelas iniciativas do UNASUL –, que evidenciam o desenvolvimento de uma forte tendência para um regionalismo subcontinental. Entretanto, diferentemente do processo de integração Europeia, a qual, apesar das idas e vindas, tem um resultado tangível significativo, as experiências de integração sul-americana não têm as mesmas proporções institucionalizadas nem alcançaram resultados mais consistentes. Para uma apreciação das condições sócioeconômicas dos países da América do Sul, é preciso realizar uma análise retrospectiva das contribuições da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), no estudo e na elaboração de políticas de desenvolvimento para a região, em particular autores como Celso Furtado e Raul Prebisch. Uma leitura dinâmica da integração regional na América do Sul suscita uma perspectiva multidisciplinar, envolvendo ainda uma história política de diferentes países em um quadro geral do espaço mundial cada vez mais globalizado, em que a interdependência é cada vez mais presente e relevante. Acerca do desenvolvimento da economia mundial, os blocos de comércio desempenham um significativo papel na interdependência econômica, o que diminui relativamente a soberania nacional. Na última década do século XX, os dois processos – globalização e regionalização –, aparentemente contraditórios, porém complementares, avançaram paralelamente. O fim da Guerra Fria e a emergência de uma nova ordem


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mundial, dominada pelos Estados Unidos, transformaram as circunstâncias de articulação dos países latino-americanos. Durante a década de 1980 e no início dos anos 1990, esses países transitaram de ditaduras militares para democracias burguesas, ao mesmo tempo em que os modelos de desenvolvimento baseado na intervenção estatal foram sendo rejeitados. Nos anos 1990, um fato relevante foi o aparecimento de governos que implementaram políticas de cunho liberalizante, que teve no modelo chileno a sua primeira experiência com a ditadura de Pinochet. Nessa década, ocorre uma forte predominância da visão neoliberal; seja ideológica, com a vigência do chamado pensamento único no continente, seja nas políticas econômicas implementadas no período. A retomada do interesse pela cooperação regional na América Latina envolve o temor de uma marginalização no comércio internacional. Por outro lado, o fracasso do movimento terceiromundista, como plataforma para a promoção dos interesses latinoamericanos nos anos 1980, representou uma quebra significativa na busca por uma alternativa mais autônoma em termos globais. No início do século XXI, os países do Cone Sul passam por processos que alteram o cenário político tradicional. Ainda que com respostas políticas diferenciadas, a derrota dos partidos identificados com as reformas neoliberais expôs um questionamento do receituário neoliberal. Destarte, a América do Sul é um espaço geopolítico em pleno movimento, uma vez que a região tem passado por importantes variações nos últimos anos, como a queda de ditaduras militares, transições democráticas, governos neoliberais e, mais recentemente, com a chegada de governos de esquerda em importantes países. De qualquer forma, o ascenso da esquerda aos governos da região fomentou esperanças de novos impulsos para a integração entre os países, apesar das incertezas quanto às perspectivas. Essa nova configuração do poder governamental na América do Sul, embora não signifique uma ruptura mais profunda com


202 Antonio Eduardo Alves de Oliveira as estruturas das sociedades sul-americanas, tem sinalizado alterações na rota tradicional de alinhamentos políticos nas relações internacionais, o que tem redimensionado o problema da integração regional. Se, por um lado, a existência de muitas propostas de integração regional evidencia a importância da questão; por outro, demonstra a falta de um projeto unificador para a América do Sul, capaz de congregar as diferentes nações. Isso se revela, muitas vezes, nos discursos em torno da unidade regional continental ou subcontinental, os quais não se tomam projetos de longo prazo. Um elemento importante para uma avaliar-se o grau de cooperação regional na América do Sul é a situação dos fluxos intraregionais. Eles têm aumentados, entretanto não existe um grau de complementaridade entre os distintos países que permita ampliar de modo significativo a escala do comércio inter-regional. Ë importante destacar que entre os países sul-americanos têm aumentado a interdependência e a necessidade de uma maior integração, como se pode observar no caso do setor crucial da energia. O desenvolvimento dos países da região tem propiciado novas políticas voltadas para a integração regional, envolvendo novos enlaces comerciais, o que propicia maior visibilidade geopolítica à América do Sul. INTEGRAÇÃO REGIONAL NA AMÉRICA LATINA Uma caracterização bastante recorrente sobre a América Latina é a de um continente marcado por agudos contrastes, com desequilíbrios de desenvolvimento e fortes desigualdades sociais e regionais. O subcontinente é heterogêneo, com diferenças geográficas e populacionais, disparidades de desenvolvimento, bem como capacidades diferenciadas de inserção no cenário


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internacional ou mesmo regional. Os países apresentam diversidade que compreende o tamanho físico, a estrutura econômica e os níveis de desenvolvimento interno, tanto econômico como institucional. A colonização Europeia construiu um empreendimento com vista à busca de riquezas, instaurando um fluxo constante de mercadorias, que contribuiu para fomentar primeiro o capitalismo mercantil e depois a acumulação primitiva do capital, necessária para a Revolução Industrial na Europa. Como destaca Faria (2006), a história da América, em função do aniquilamento dos seus habitantes originários, dentre outros episódios, foi moldada quase exclusivamente pelo capitalismo desde o seu descobrimento. Analisando as diferentes trajetórias de desenvolvimento no continente americano, as diferenciações entre o Norte e sul do continente, Furtado (1986) distinguiu dois tipos básicos de colonização, a saber: a) colônias de povoamento, com economias de subsistência autocentradas e uma tendência a uma menor dependência do mercado externo, ou seja, das metrópoles e; b) colônias de exploração, cujas economias estavam totalmente voltadas para o comércio com as metrópoles. Mesmo com a independência e a constituição dos Estados nacionais na parte central e sul do continente não houve uma alteração no modelo voltado para o exterior quando das diferentes iniacitivas de emancipação política no século XIX. A América espanhola fragmentou-se e não logrou a unidade sul-americana pretendida por Simon Bolívar; a América portuguesa manteve a unidade territorial, e as estruturas econômicas herdadas do período colonial tiveram um processo de adequação, sem que ocorresse uma ruptura profunda, produzindo-se, apenas, uma nova estruturação com bases similares ao período anterior. Conforme o processo temporal de duração das diferentes etapas históricas que atravessaram as sociedades latinoamericanas, a etapa colonial durou quase três séculos, o período


204 Antonio Eduardo Alves de Oliveira primário-exportador que se segue à independência permitiu a consolidação das fronteiras nacionais, existiu por pouco mais de um século; Em seguida, o período da industrialização e do nacionaldesenvolvimentismo durou pouco mais de meio século, ou nem mesmo isso, nos países da região. Para Furtado (1986), o período colonial nos países latinoamericanos foi marcado pela constituição de instituições que estabeleceram as bases legais para garantir a exploração econômica e a ocupação dos vastos territórios conquistados. Na América espanhola, a produção dos metais preciosos constituiu o fator determinante, sendo estabelecida a encomienda5 para enquadrar a população indígena enquanto força-de-trabalho. Por sua vez, na América Portuguesa foi preciso importantes investimentos para implantação de um complexo econômico agrícola de produtos tropicais. Pozo (2009) na sua História da América latina e do Caribe destaca que as novas construções constituídas após os processos de independência do século XIX teve como uma das marcas centrais uma forte continuidade com a época dominada pelos europeus. Neste sentido, o Brasil ilustra o caso mais sensível de continuidade com o passado, pois o tripé (latifúndio, produção voltada para a exportação e trabalho escravo) foi mantido. Na América do Sul, os antigos vice-reinados espanhóis, apesar de terem sido sacudidos por um período conturbado (entre 1808-1829), mantiveram uma forte concentração de renda e ligação com o capital estrangeiro; e do ponto de vista cultural, a independência não reduziu a forte presença da religião católica na região. As guerras de independência na América Espanhola abrangem o período compreendido entre 1808 e 1829. Estendeu-se por todo territórios dos Vices-reinados espanhóis, da Argentina e Chile, no 5- Encomienda era uma forma de trabalho compulsório indígena, realizada nas zonas rurais. Esse sistema tambem estabelecia lotes de indígenas sob a guarda de um fazendeiro. Além dela havia a mita que consistia em outra forma de trabalho indígena compulsório, utilizada no Peru.(FURTADO, 1986)


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sul, ao México, no norte. Apenas Cuba e Porto Rico permaneceram sob domínio espanhol até a Guerra Hispano-Americana em 1898, envolvendo características de guerra civil e guerra de libertação nacional. Os crioulos, como eram chamados os descendentes de espanhois nascidos nas colônias, lutavam pela independência para alterar o sistema colonial, mas nao para modificar integralmente as estruturas sociais e econômicas. Após as independências ocorridas no século XIX, a América Latina inseriu-se na economia internacional, a partir da exportação de produtos primários, inicialmente com um importante investimento inglês, e posteriormente americano. Entretanto, a inserção dos países latino-americanos aconteceu de maneira subordinada no quadro tradicional da divisão internacional do trabalho. As articulações entre os países no mercado mundial não se realizaram somente sobre a base de mais amplos intercâmbios, mas, sobretudo, através de um sistema hierarquizado, com os países centrais detendo posições de comando. A tabela 7 mostra, em milhões de dólares, os investimentos britânicos e estadunidenses na América Latina, entre 1880-1930, ou seja, do final do século XIX até a crise dos anos 30 do século XX. Tabela 7. Investimentos britânicos e dos Estados Unidos na América Latina, 1880-1930 (Em milhões de dólares) Investimentos dos Investimentos da Estados Unidos Grã-Bretanha Pais 1887 1914 1930 1880 1913 1930 Argentina 0,7 1 332 101 784 2.102 Brasil ? 50 557 152 892 592 Chile 1 171 423 42 319 384 Venezuela 2 6,5 223 38 40 132 Peru 7 58 124 181 128 132 Total 289 1.215 3.254 652 3.702 4.239 Fonte: PALMER, 1980. Apud POZO, 2008.


206 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Como se vê no quadro 8, o crescimento dos investimentos britânicos e americanos aumentou exponencialmente entre 18801930. Os investimentos norte-americanos passaram de 289 milhões de dólares em 1880 para 3.254 milhões de dólares em 1930. Enquanto os investimentos da Grã-Bretanha passaram 652 milhões de dólares para 4.239 milhoes dolares no final do periodo analisado. Assim, por exemplo, na América Latina, principalmente em relação aos países da América Central, os Estados Unidos tinham o controle das fontes de matérias-primas regionais e das atividades comerciais. A penetração do capital norte-americano se fazia presente também no processo de expansão das exportações, visto que os países buscavam o investimento estrangeiro em infraestrutura e inserção dos produtos no mercado internacional. A tentativa latino-americana de firmar-se no cenário internacional com mais independência é, segundo Furtado (1986), um fenômeno relativamente recente, que se apresentou com maior vigor, depois da Segunda Guerra Mundial, em decorrência dos novos problemas impostos pelo desenvolvimento econômico e social. Esse processo remonta à crise da economia mundial, em particular dos EUA nos anos 1930, e à posterior inflexão da economia mundial como consequência da Segunda Guerra Mundial, o que deteriorou os termos de intercâmbio para os países latino-americanos, com a diminuição da demanda por bens primários e da afluência dos investimentos externos. No imediato pós-guerra, as economias latino-americanas estavam em processo de industrialização e urbanização, com taxas de crescimento econômico em torno de 5,8% anualmente, entre 1945 e 1954. A ideologia liberalizante disseminava a ideia de que a divisão internacional do trabalho deveria voltar à situação anterior à 2ª. Guerra Mundial, e que a América Latina deveria buscar novamente as vantagens comparativas estáticas ( teoria de David Ricardo) ou a


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partir da dotação relativa dos fatores. A porcentagem da Indústria no PIB em alguns paises da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, México) é apresentada na tabela 8. Nela é possível notar que as economias latinas americanas o setor agrário tinha um peso muito grande no PIB antes da crise econômica dos anos 30 do século XX. Tabela 8. Porcentagem da indústria no PIB em países selecionados(1929, 1945 e 1955)

País Argentina Brasil Chile México Peru

1929 22,8 11,7 7,9 14,2 n.d

1945 25,0 17,0 23,0 19,0 12,0

1955 25,0 23,0 23,0 19,0 15,0

Fonte: FURTADO( 1986 ), POZO, 2008

Pode-se notar no quadro 9 que nas economias selecionadas o peso do setor industrial no PIB aumentou entre 1929 e 1955. No Brasil, a participação da indústria no PIB passou de 11, 7 %, em 1929, para 23 % em 1955. No Chile, o crescimento do setor industrial foi ainda maior passando de 7, 9 %, para 23 %, em 1955. Por sua vez, a Argentina que tinha a maior porcentagem de participação da indústria no PIB com 22,8 %, em 1929, passa para 25 % em 1955. No imediato pós-guerra, o impulso de industrialização latinoamericana precisava romper com os esquemas tradicionais da divisão internacional do trabalho. A pressão para a integração plena dos paises periféricos, em especial os da América latina, no mercado mundial era acompanhada por intenso debate. A construção da CEPAL e a reflexão iniciada por Raul Prebisch no final dos anos 1940 seguiram basicamente a apreciação que se operava sobre uma profunda transição nas economias dos países da América Latina. A


208 Antonio Eduardo Alves de Oliveira industrialização e a inserção internacional foram objeto de reflexão da teoria estruturalista do subdesenvolvimento, elaborada pela CEPAL. Interessa apontar neste capítulo, como a investigação cepalina pensou a integração periférica do subcontinente na economia mundial, e como ela permite pensar as mudanças dessa integração no cenário contemporâneo. Como salienta Carneiro (2006), Raul Prebisch fez a crítica à ideia das vantagens comparativas na divisão internacional do trabalho, na qual participavam países produtores de bens primários e de bens industrializados, uma vez observados que os ganhos de produtividade foram muito maiores na indústria do que na atividade primária. Ou seja, na realidade, os produtores de insumos primários, ao contrário do que pregava a teoria das vantagens comparativas, tinham seu desenvolvimento travado, pois havia um bloqueio na propagação do progresso técnico conduzindo à deterioração dos termos de trocas entre os dois grupos de países. Para a CEPAL, entretanto, a análise do comércio internacional destaca a interdependência entre o comportamento do "centro" e da "periferia", criando problemas para o desenvolvimento da periferia. A tese cepalina é de que ocorreria uma tendência para ao agravamento dos termos de troca, o que a opunha à visão liberal que pregava as virtudes do livre comércio. Ao contrário do que prometia a teoria da vantagem comparativa ao longo do século XX, o que se verificava era um lento progresso técnico no âmbito da produção de produtos primários em relação aos industrializados. Isso pode ser verificado na estrutura fundamentada em um padrão específico de integração na economia global como "periferia", produzindo bens e serviços para o mercado internacional. Também nas importações de bens e serviços, com uma rápida expansão na demanda doméstica e na assimilação dos padrões de consumo e de tecnologias do centro, mas muitas vezes insuficientes para a disponibilidade de recursos e o nível de renda da periferia.


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Analisando o desenvolvimento das ideias da CEPAL, Bielschowsky (2000) afirma que uma das preocupações centrais das formulações cepalinas era como o Estado poderia contribuir para o sistema de desenvolvimento econômico nas sociedades periféricas. Destacam-se os seguintes enfoques: a) a abordagem histórico-estruturalista baseada na ideia de relação centroperiferia; b) a análise da integração internacional; c) a análise dos constrangimentos estruturais internos para o crescimento e o progresso técnico, e sua relação com emprego e distribuição de renda e; d) a análise das possibilidades de ação do Estado como formador e regulador do desenvolvimento. Na formulação e na atuação da CEPAL estava a valorização de uma ação política estatal orientada para o desenvolvimento. Nela consta o planejamento e a execução de um projeto em apoio ao desenvolvimento, de acordo com o diagnóstico de problemas estruturais na produção, emprego e distribuição de renda nas condições específicas da periferia subdesenvolvida. Para aprofundar as diretrizes nesta direção, a CEPAL criou o Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social (ILPES) ao qual foi destinado um papel influente na formação dos técnicos para os governos em toda a América Latina. Desde meados dos anos 1960 até o fim do “boom” mundial de 1973-1974, a América Latina registrou um crescimento rápido (em média 6,7% ao ano), juntamente com um excelente desempenho das exportações (expansão de 7,1% ao ano) CARNEIRO (2006). Como reação à recessão mundial que se seguiu à crise do petróleo de 1973, uma das estratégias foi conseguir empréstimos para manter o crescimento da região ou, em alguns casos, para estabilizar a economia, acentuando a sua dívida inicial,.Considerando as circunstâncias da economia mundial, a taxa de crescimento na América Latina manteve-se relativamente elevada entre 1974 e 1980 (em média 5,1 %).


210 Antonio Eduardo Alves de Oliveira A tabela 9 mostra o crescimento do PIB na América Latina, de 1950 a 1990 em paises selecionados. Apreciando as médias anuais em cada década é possível perceber o crescimento econômico entre 1950-1973 e posteriormente os efeitos da crise de 1973, ainda na segunda metade da década de 1970 e nos anos 80 do século XX. Tabela 9. Crescimento do PIB na América Latina, de 1950 a 1990 (Médias anuais em cada década) País

1950-1960 (%)

1960-1973 (%)

1973-1980 (%)

1980-1990 (%)

Argentina Brasil Chile México Peru Venezuela

2,8 6,8 4,0 6,1 5,5 3,6

4,0 7,5 3,4 7,0 4,8 5,4

1,2 5,5 3,6 6,6 3,8 4,3

0,6 2,3 2,5 0,8 -1,7 1,2

Fonte: POZO, 2008.

No grupo de países selecionados, cabe ressaltar que todos tiveram uma forte baixa no crescimento do PIB nos anos 1980, sendo que os seguintes países sofreram maiores reduções: México, que passou de 7% em 1960 para 0,8 %, em 1990; Peru, de 4,8 para 1,7 %.. O Chile não teve um crescimento tão espetacular na época do boom, tendo 4,0 % de crescimento no primeiro período (19501960), mas em compensação foi o que teve a menor queda no crescimento do PIB para 2,5 % entre 1980-1990. A partir do choque do petróleo, as economias latinoamericanas passaram a contrair dívidas, principalmente externas, com o objetivo de manter sua balança de pagamentos equilibrada e controlar suas contas, de modo que pudessem novamente contrair novos empréstimos. Ainda assim, o Produto Interno Bruto (PIB) da região continuou a apresentar índices de crescimento


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pífios, o que levou a América Latina a um estado de completa insolvência. A estes fatores, acrescentou-se a opção pelo modelo de desenvolvimento industrial com acentuada dependência tecnológica e financeira, e a inabilidade ou desinteresse dos governos em operar as mudanças internas necessárias. A crise dos anos 1980, a década perdida, se expressa em um refluxo econômico na América Latina. Importa ressaltar que a taxa de crescimento médio anual do período 1981-1990 foi de 1,2%, correspondendo a uma queda na renda per capita na região. Neste período, a crise econômica e o incremento da desigualdade social ligam-se à explosão da dívida externa das economias latinoamericanas. Abaixo, na Tabela é possível perceber o aumento da divida externa (em milhões de dólares) nos países selecionados. Tabela 10 Endividamento Externo da América Latina selecionados(em milhões de dolares) País 1950 1970 Argentina 400 5.170 Brasil 1.380 5.130 Chile 355 2.570 México 509 5.970 Peru 107 2.655 Venezuela 250 954 Fonte: POZO, 2008.

em países 1988 49.500 101.300 16.120 88.600 13.900 30.300

Examinando as informações da tabela 10 percebe-se um salto importante do endividamento externo dos países latino americano. A Argentina passou de uma divida de 400 milhões de dólares em 1950 para 5.170 milhões de dolares em 1970 e aumentado para 49.500 em 1988. Por sua vez, o Brasil que tinha uma divida de 5.130 milhões de dólares em 1979 passou para 101.300 milhões de dólares em 1988. A década de 1980 resultou numa forte estagnação econômica e altas taxas de inflação, ocasionadas por políticas recessivas (ainda sob


212 Antonio Eduardo Alves de Oliveira o reflexo dos governos ditatoriais) que tinham como objetivo único à solução do problema da dívida externa, afetando os investimentos e, por consequência, o desenvolvimento, levando os Estados a uma crise que provocou um estrangulamento econômico e social. Dessa forma, as tendências e implicações da globalização / liberalização se tornarem o tema norteador da agenda econômica. No plano financeiro internacional, a liberalização significou o aumento de fluxos de capitais, com um maior volume e volatilidade de capitais. Na década de 1990 e no início dos anos 2000, essa situação provocou crises monetário-cambiais das quais poucos países periféricos escaparam. Em decorrência desse processo ocorreu uma sujeição maior ao mercado internacional e um desprestígio das políticas macroeconômicas domésticas. Traçando uma análise sobre as consequências do Consenso de Washington6, Fiori (1997) observou as três fases da estratégia em seqüência dos ajustes propostos: a primeira, voltada à estabilização macroeconômica, tendo como primazia absoluta um superávit fiscal primário envolvendo constantemente a revisão das relações fiscais primárias, reformas estruturais, liberação financeira e comercial e privatização das empresas estatais. Estratagemas políticas foram sendo criados para fazer com que a população assimilasse a crise social provocada pelo programa neoliberal como inevitável. Como destaca Fiori (1997) os planos de ajustes latinoamericanos surgem após a crise da dívida, e os países antes classificados de países falidos e endividados passaram, desde 1990, a serem denominados de mercados emergentes, recebendo um fluxo internacional de capitais atraídos pelos juros altos. Os três pontos 6- Em novembro de 1989, na cidade de Washington (EUA) realiza-se uma conferência organizada pelo Institute for International Economics, que reuniu pesquisadores dos problemas econômicos latinoamericanos, representantes do congresso, da reserva federal (FED) e do executivo norte-americano, além de funcionários dos organismos financeiros internacionais, especializados em assuntos latino-americanos, sediados naquela cidade, a saber, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. (BATISTA, 1994).


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fundamentais preconizados pelos ajustes foram a desregulação, a abertura econômica e as privatizações, instaurando-se um consenso sem precedentes, sem que houvesse alternativa. Cabe destacar que o processo de deslegitimação do neoliberalismo na América Latina não foi resultado somente do desastre social provocado pela aplicação do receituário de ajuste econômico, mas deve-se também à atuação dos movimentos sociais. De acordo com Fiori (1997) nos 80 e 90 ocorreu uma restauração conservadora acompanhada de uma transformação financeira global, que apresentou políticas de desregulação e deflação implementadas por governos conservadores. Em virtude do sucesso alcançado nos países desenvolvidos e pelo fato de terem encontrado amparo por parte dos organismos internacionais presentes ao Consenso de Washington. O enfraquecimento do espaço nacional diminui a possibilidade de gestão nacional da produção econômica, na medida em que remeteu para o exterior a produção de itens indispensáveis à reprodução e à continuidade das estruturas econômicas nacionais. Segundo Tavares e Melin (1998), a oferta internacional de créditos baratos foi responsável pelo considerável aumento dos investimentos estrangeiros diretos na América Latina e no Leste da Europa na década de 1990. Esta política também foi à motivadora de um paradoxo monetário: as moedas de grande parte destas economias se valorizaram mais do que o dólar, passando deste modo a ser “moedas fortes”. Ao contrário do que pode parecer inicialmente, fez com que estas economias se tornassem frágeis, frente aos ataques especulativos internacionais. De modo geral, na América do Sul a situação política atual é muito diferente da que preponderava na década de 1990, quando a quase totalidade dos países era governada por políticos alinhados aos Estados Unidos, em maior ou menor medida. A Argentina (Carlos Menem), o Peru (Alberto Fujimori), o Brasil (Fernando Collor,


214 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Fernando Henrique Cardoso), entre outros países eram governados de acordo com o Consenso de Washington. A frustração com os efeitos econômicos e sociais das políticas neo-liberais provocou a reação na década seguinte. Essa reação se expressou nas urnas, com a perda eleitoral das forças políticas alinhadas a Washington em diversos países. Destarte, a atuação dos movimentos sociais como fator de resistência às políticas neoliberais é, sem duvida, um fator importante para assinalar as mudanças em curso. Para Cairo (2008), é preciso observar os elementos que globalizam a região e aqueles que aprofundam seus próprios traços, sendo que qualquer relato sobre a realidade da América Latina deve ser polifônico, isto é, considerar-se de onde provêm os discursos, qual a sua intencionalidade. O autor diferencia uma “geopolítica prática” de uma “geopolítica formal”. A primeira seria uma atividade essencialmente estatal, um exercício no qual o mundo é “especializado” em regiões com atributos ou características diversas por parte da burocracia encarregada da política exterior dos Estados (principalmente diplomatas e militares). Já Routledge (1998) defende uma “anti-geopolítica”, ou seja, uma formulação que considere as práticas espaciais e representações do espaço dos movimentos sociais, das organizações populares e de intelectuais dissidentes que resistem, de diversas maneiras, à geopolítica dos Estados, utilizando o conceito de Lefebvre (1974) de “espaços de representação” para uma apreensão das relações entre os discursos geopolíticos e os processos de identificação social e, em particular, os elementos que favorecem a construção de hegemonia social e cultural, bem como as oposições que fomentam transformações na representação do espaço, visando mudar as práticas espaciais. Os estudos de Preciado (2008) exploram, a partir de uma visão analítica do sistema-mundo, a situação da América Latina


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e os processos de configuração de semiperiferias na região: subordinada, como o México; com aspirações de potência global, como o Brasil; e a anti-hegemônica, como a da Venezuela. O autor salienta que, nesses processos de integração e alianças na região, os atores transnacionais da sociedade civil têm atuado de maneira cada vez mais significativa, pelas seguintes práticas: identificando as áreas estratégicas de desenvolvimento; desenvolvendo práticas socioculturais participativas, multiculturais promovedoras do avanço tecnológico; re-localizando as práticas culturais entre o endógeno e o internacional e; cultivando e protegendo a diversidade latinoamericana, sempre na perspectiva de se negociar melhor o lugar da América Latina num mundo globalizado. INTEGRAÇÃO REGIONAL NA AMÉRICA DO SUL Esforços para integrar a América do Sul existem desde o século XIX, quando os movimentos de independência dos países da região assinalavam a busca por uma América unificada e independente, capaz de enfrentar as ameaças externas de dominação política e econômica. No entanto, mesmo no contexto atual, em que é uma temática recorrente na política externa da maioria dos países da região, uma maior integração regional ainda não alcançou êxito esperado. Como salienta Ibañez (2007), as discussões sobre a integração regional na América do Sul parecem trabalhar como verdadeiros pêndulos, ora em ininterrupto movimento, ora mais arrastados ou mesmo esquecidos. Nas últimas décadas multiplicaram-se na América do Sul diversas iniciativas visando à constituição de uma área econômica integrada. Todo processo de integração atravessa ciclos, ou fases, de avanços, estagnação e recuos, ou seja, de aceleramento ou de desaceleração no processo de liberalização mútua e de


216 Antonio Eduardo Alves de Oliveira desmantelamento de barreiras tarifárias e não-tarifárias, bem como na consecução das metas de harmonização legal e de convergência normativa entre os membros. Assim ocorreu com a experiência de melhor resultado da integração econômica da atual União Europeia. As variabilidades diferenciadas que existem entre um ciclo ou outro pode ser explicado pela natureza dos instrumentos utilizados para a implementação do território (econômico) comum. Além disso, o envolvimento político para o cumprimento das medidas mutuamente acordadas e a construção de instituições voltadas para a integração são fatores relevantes para o sucesso do empreendimento de unificação regional. A busca de uma integração regional na América Latina é não algo recente, pois do ponto de vista histórico, desde época das guerras da independência na América Espanhola, os movimentos de emancipação nacional nos antigos vice-reinados buscavam a construção de uma unidade entre os paises emancipados do julgo colonial. Após os processos de independência na América espanhola ocorreu uma fragmentação política com o surgimento de jovens repúblicas que buscavam preservar a autonomia recém conquistada. Uma ameaça importante foram às pretensões recolonizadoras das potencias Europeias expressas no Congresso de Viena, em reação surgiu nos Estados Unidos a Doutrina Monroe7, que pregava a “América para os americanos” contra a ingerência Europeia nas Américas. Em 1826, acontece um marco histórico para a busca da unidade continental, a realização do Congresso do Panamá reunindo a Colômbia, Guatemala, México e Peru (que correspondem as atuais repúblicas do Equador, Panamá, Venezuela, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Colômbia, Guatemala, 7- A Doutrina Monroe constituiu-se enquanto uma ideologia dos EUA contra a intervenção das potências Europeias nas Américas, expressa pela primeira vez na mensagem ao Congresso dos EUA pelo presidente James Monroe em dezembro de 1923. ( SADER et al, 2008)


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México e Peru). Este Congresso foi uma iniciativa de Simon Bolívar, que desconfiava da liderança norte-americana, foi criada uma Confederação perpetua entre as quatro nações a partir do tratado da União, entretanto a unidade não prosperou. Na segunda metade do século XIX, com o fracasso da unidade das nações da ex-América espanhola o tema da unidade continental será prostregado. No final do século XIX o tema da integração regional ressurge a partir do pan-americanismo, com a realização em 1889 da Primeira Conferencia do Pan-americanismo, entretanto o movimento vinculou-se ao desenvolvimento dos Estados Unidos como potência mundial emergente. Como destaca Couffignal (2006) a Doutrina Monroe transformase progressivamente de uma principio de solidariedade em uma relação de tutela em relação à América Latina. No período de 1898 a 1908, os Estados Unidos intervieram militarmente em Porto Rico, na Nicarágua, na República Dominicana, na Guatemala, Cuba, Panamá. Além disso, a política dos presidentes norte-americanos no século XX adotou variantes da Doutrina Monroe que buscavam reforçar o predomínio dos Estados Unidos na região. Assim surgem as políticas do “porrete grosso”, de Théodore Roosevelt,; da “diplomacia do dólar” de William Talft e a “política da boa vizinhança” de Franklin D. Roosevelt. No século XX, no contexto internacional caracterizado pela Guerra Fria e por um crescimento econômico expansivo e do comércio mundial, que duraria cerca de trinta anos, as primeiras iniciativas de regionalismo americano do século XX encontrou expressão anos 50 e 60, aparecem iniciativas de integração regional na América do sul e na América central a partir da ação da CEPAL. Esses projetos ambiciosos ficaram conhecidos como iniciativas de primeira geração. Observe-se no quadro 8 as Iniciativas regionais na América latina anteriores aos anos 90.


218 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Quadro 8 - As Iniciativas regionais na América latina antes dos anos 90 Sigla

Nome

Associação ALALC depois LatinoALADI Americana de Livre Comércio

ALADI

MCCA

Associação Latino Americana de Integração,

criação 1970

1980,

Paises membros

sede

Argentina, Brasil, Chile, México, Montevidéu, Paraguai, Peru, e Uruguai Uruguai. Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru, e Montevidéu, UruguaiBolívia, Uruguai Colômbia, Equador, e Venezuela.

4 de junho de Costa Rica, Mercado 1961 foi assinado Guatemala, Honduras, Comum Centroo Tratado de Nicarágua e El Americano Integração CentroSalvador. Americana

Antígua e Barbuda, CARICOM Bahamas,Barbados, Antes Comunidade Belize,República CARIFTA e Mercado Dominica, Granada, Tratado de (Associação Comum do Guiana, Haiti, Chaguaramas Georgetown de Livre Caribe e atual Jamaica, Montserrat, (Trinidad e Tobago) (Guiana), a Comércio do Comunidade do Santa Lúcia, São em 1973 Caribe), que Caribe Cristóvão e Névis, existia desde São Vicente e 1965. Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago

Pacto andino –hoje CAN

Comunidade Andina de Nações

1969-Acordo de Cartagena (Colombia),

Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela(entrou em 1973 e saiu em 2006) (Chile deixou o bloco em 1976, e solicitou retorno em 2006.

Fonte: Autor a partir MENEZES e PENNA FILHO, 2006.

Lima, no Peru


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O Quadro 8 sintetiza as iniciativas de integração regional na América Latina entre 1960 e 1980, quando são formadas entidades regionais, reunindo os principais países da região. A primeira é a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) foi criada em 1960, Os membros eram Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru, e Uruguai. Pretendiam criar uma área de livre comércio na América Latina. Em 1980, pelo Tratado de Montevidéu de 1980 a ALALC é transformada em Associação Latino Americana de Integração, (ALADI), é um organismo intergovernamental com sede na cidade de Montevidéu, no Uruguai. A terceira iniciativa apresentada no quadro 8 é o Mercado Comum Centro-americano MCCA foi inspirado pela Comissão Econômica para América latina (CEPAL), foi formada na cidade de Manágua (Nicarágua) em 13 de dezembro de 1960. O acordo inicial que reuniu os países da América Central, Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador. Em 1962 a Costa Rica ingressou no MCCA. Na região do Caribe a iniciativa de integração foi a Associação de Livre Comércio do Caribe (CARIFTA), fundada em 1965, que em 1973 pelo Tratado de Chaguaramas (Trinidad e Tobago) em 1973 se transformou em Comunidade e Mercado Comum do Caribe (CARICOM). Intressante notar que devido a revolucao de 1959, uma das principais economias do Caribe, Cuba não integrou estas iniciativas. Para finalizar as iniciativas de integração regional da primeira geração o quadro 8 apresenta a constituição do Pacto Andino (atual Comunidade Andina), que foi fundada pelo Acordo de Cartagena, de 1969, quando um grupo de países andinos Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, e Chile criaram estabeleceram um audacioso acordo de integracao regional. Em 1973, a Venezuela entrou e o Chile, em decorrencia do golpe de Pinochet (1973) abandonou o Pacto Andino em 1976. O Acordo de Cartagena estabelecia uma liberação comercial, uma coordenação na política de desenvolvimento industrial e


220 Antonio Eduardo Alves de Oliveira programa para as importações. Assim, o Pacto Andino visava não somente promover uma articulação comercial, mas buscava também uma política de desenvolvimento econômico. Entretanto, a crise dos anos 70 e os impasses em torno das tarifas comuns não permitiram a concretização das propostas iniciais. A implementação de processos de integração regional, seja entre os países na América Central, seja do Caribe ou da América do Sul, era vista como elemento fundamental para uma inserção mais efetiva e menos dependente no mercado mundial. Desse modo, a CEPAL participa ativamente de iniciativas de integração regional no continente americano. Na segunda metade dos anos 1950, a Comissão faz parte do processo de criação do Latino-Americano de Livre Comércio (ALALC) e nos anos 1960, na criação da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Acreditava-se que o mercado latino-americano comum teria a vantagem de expandir a demanda de setores industriais exigentes em termos de escala, o que facilitaria o aprofundamento do processo de substituição de importações. Um novo tratado será assinado em 1980, em Montevidéu, criando a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI). Conservando o objetivo de longo prazo de criar um mercado comum latino-americano, a ALADI não estabelecerá prazos precisos nem procedimentos fixos. Terá um caráter de maior flexibilidade, se comparada com a ALALC, e tomará mais a forma de um acordo de princípios, servindo como um guarda-chuva para outros acordos bilaterais e sub-regionais, desde que estes estejam abertos à participação dos demais membros. Sua inserção se fará dentro do que a Cepal (1994a) passa a chamar de regionalismo aberto. Esta primeira geração de acordos integracionistas tinha como estratégia a confecção de convênios visando a uma integração comercial, presumindo a conformação de uma união aduaneira futura. Entretanto, não tardaram em aparecer obstáculos para


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a vigência dos mesmos, tais como as dificuldades generalizadas de balança de pagamento, a estreiteza dos mercados internos e a necessidade de elevar a geração de emprego e de absorver a explosão demográfica na região. As reações em torno dos processos integracionistas latinoamericanos de primeira geração foram diversas. Os Estados Unidos, diferentemente da ajuda que ofereceu para a integração Europeia, alimentou uma posição dúbia e temerosa em relação aos esforços de integração da América Latina, bem como sobre as formulações da CEPAL para o desenvolvimento da região. A única integração fomentada pelos Estados Unidos era a promoção de um movimento pan-americanista, uma forma de regionalismo ligado aos seus próprios interesses na região. O Pan-americanismo, no contexto da Guerra Fria, expressava muito mais a atuação imperial americana do que uma busca por uma integração efetiva no hemisfério. No governo Kennedy, a constituição da Aliança para o Progresso8 era uma maneira de evitar o contágio da Revolução Cubana, de 1959, no continente. Para os demais países da região, a industrialização por meio dos processos internos de substituição de importações e a falta de complementaridade entre as economias nacionais fizeram com que as tentativas de integração regional na América do Sul não lograssem muito sucesso, apesar de terem começado cedo em relação às outras experiências. Assim, a partir de 1959, a CEPAL elaborou um projeto de integração regional, baseado na criação de um mercado comum latino-americano. Cabe ressaltar que, em virtude dos diferentes graus de desenvolvimento existentes entre os países da região, seria imprescindível conceder tratamento diferenciado às economias que 8- A Aliança para o Progresso: Programa dos EUA de ajuda a paises latinoamericanos, elaborado como um recurso para evitar o contágio da Revolução Cubana (1959). Inaugurado pelo Presidente John F. Kennedy, no seu discurso de 13 de Março de 1961 na Casa Branca, vigorou até 1970. ( SADER et al, 2008)


222 Antonio Eduardo Alves de Oliveira apresentassem maior grau de vulnerabilidade de modo a promover um modelo de desenvolvimento justo e eqüitativo. A formação de um mercado comum latino-americano não seria um processo isolado, devendo ocorrer em conjunto com um processo de reestruturação das suas economias, que passariam de primário-exportadoras a fornecedoras de produtos industrializados para o mercado consumidor interno. Este último seria ampliado com a integração regional. A integração dos países latino-americanos teria ainda o papel de expandir e diversificar o comércio com outras regiões do mundo, visto que as necessidades de importação de fora da região aumentariam consideravelmente nas fases iniciais do processo de integração. De acordo com Prebisch (1973), o fracasso tanto das experiências como dos objetivos de integração na América Latina se deve ao fato de que o ideário de integração não foi assumido pelas elites governamentais latino-americanas, uma vez que as reformas estruturais que estavam diretamente vinculadas ao projeto de integração eram imperativas para mudanças de caráter econômico e social. Uma das críticas dirigidas às teses da Cepal consistia em apontar o caráter autárquico de suas formulações e propostas. Entretanto, elas não visavam à formação de um crescimento endógeno deslocado do mercado internacional; uma evidência disso era que a CEPAL assinalava a importância do setor exportador. Tampouco foi o pensamento integracionista da CEPAL hostil à inversão estrangeira direta, já que as metas e os aspectos operativos propostos destacavam um modelo de integração com as seguintes características: a. Mercado comum a ser alcançado por etapas com um arranco externo comum, cobertura universal de produtos e abertura a todos os países latino-americanos; b. Harmonização de políticas industriais e acordos que se complementassem industrialmente para impulsionar a fase avançada da substituição de importações;


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c. Tratamento especial para os países de menor desenvolvimento relativo e para o setor agrícola tradicional; d. Cláusulas de salvaguarda para produtos e mecanismos de compensação para assegurar a distribuição equitativa de benefícios. (RODRIGUES, 2009). Vale lembrar que a regionalização, como o exemplo europeu, apresenta resultados positivos para o conjunto dos países quando o grau de desenvolvimento e a estrutura produtiva entre eles são análogos ou quando existem mecanismos compensatórios que viabilizem transferências às nações e regiões mais pobres – se os países, ou regiões dentro de um país, apresentam níveis desiguais. Devido às forças da polarização, um tratado de livre-comércio ou de uma união aduaneira tem resultados assimétricos a favor das indústrias nacionais/regiões mais desenvolvidas. Uma vez que as economias nacionais participantes das iniciativas de integração são economias dependentes das commodities, e não existindo cadeias produtivas regionais competitivas, proliferam-se assinaturas de acordos e de iniciativas que não prosperam. Isso porque a interligação entre as economias nacionais são pouco desenvolvidas e, ao mesmo tempo, competem entre si, em vez de colaborarem entre si. Como resposta à crise econômica de 1973, inicia-se uma reestruturação capitalista com políticas liberalizantes no mercado internacional. Essa globalização impactou fortemente nos esquemas de integração regional, em nível internacional, e nas experiências de integração na América do Sul, em nível particular. São expandidas as alocações de investimentos diretos e reorienta-se determinados fluxos de comércio intra-setorial, de maneira mais ampla. No entanto, as esferas financeira, tecnológica ou científica, continuaram sob a hegemonia de um reduzido número de países avançados (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra e França). Portanto, desde a


224 Antonio Eduardo Alves de Oliveira década de 1970 a integração econômica internacional dos países sul-americanos já vinha tendo um aumento significativo. Essa tendência agrava-se com a abertura da crise da dívida externa, nos anos 1980, que levou diversos países, de maneira imperativa, a empreenderem reconversões expressivas de suas políticas econômicas, realizando uma ampla liberalização comercial para os mercados externos. Como se vê no mapa 5, existe uma variedade de experiências de integração regional nas Américas. Cabe lembrar, contudo, que parte substancial dessas iniciativas tem um caráter inconcluso. Mapa 5

Fonte: DURAND, M.F. et al, Atlas da Mundializacao, 2009


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Nota-se no mapa 5, que os principais processos de integração regional no continente americano são: 1) duas uniões aduaneiras: o MERCOSUL (ao qual são associados o Chile e a Bolívia) e a Comunidade Andina (CAN); 2) acordos de livre comércio, como o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e Acordo de Livre Comércio da América Central e República Dominicana (CAFTA), a não concretizada-Área de livre comércio das Américas (ALCA), além de múltiplos acordos bilaterais dos Estados Unidos assinados com o Chile e o Peru; 3) acordos de caráter mais geral, como a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), e a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). O fato de existirem diferentes acordos com variados níveis de integração no hemisfério americano, evidência a importância deste tipo de iniciativa para os países da região. Os processos de integração regional permitem o adensamento de cadeias produtivas e ganhos de escala de produção que não seriam viáveis em países isolados. Os acordos de integração permitem uma maior diversificação das economias de nações de uma região, conduzindo, de um lado, à obtenção de economias de escala e ganhos tecnológicos e, de outro, à possibilidade de implantar segmentos produtivos decorrentes do crescimento da demanda e do dinamismo tecnológico. No que concerne à América Latina, um fator decisivo no renovado interesse pela integração diz respeito à mudança da posição norte-americana em relação aos blocos regionais. O desinteresse no multilateralismo e no livre cambismo sofreu um giro substancial na sua política comercial, a partir dos acordos regionais já assinalados. O papel do Estados Unidos foi fundamental para o estabelecimento do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio ( NAFTA), que entrou em vigor em 1994. Este acordo resultou da expansão do antigo "Tratado de livre comércio Canadá-EUA", de 1989. Diversamente da União Europeia, a NAFTA não criou um conjunto de instituições governamentais supranacionais, apenas


226 Antonio Eduardo Alves de Oliveira eliminou as barreiras alfandegárias e facilitou o movimento de produtos e serviços entre os territórios dos países participantes. No mapa 5 consta também a Associação de Livre Comércio das Américas (ALCA). Este acordo comercial foi idealizado pelos Estados Unidos e proposto a todos os países da América, com exceção de Cuba. O acordo previa a derrubada gradual de todas as barreiras comerciais entre os Estados-membros e previa a isenção de tarifas alfandegárias para quase todos os itens de comércio entre estes Estados. Este acordo foi delineado na Cúpula das Américas, realizada em Miami, EUA, em 9 de Dezembro de 1994 e "engavetado" na Quarta Reunião de Cúpula das Américas, que ocorreu em novembro de 2005 na Cidade de Mar del Plata, Argentina. Para promover o alinhamento continental em torno do modelo neoliberal, o governo norte-americano, sobre a presidência do republicano George Bush (1989-1993), lançou em 1990 o documento “Iniciativa para as Américas” 5, que estabelecia como meta final a formação de uma zona de livre comércio da qual fizessem parte todos os países do continente americano, um ambicioso bloco econômico que se estenderia do Alasca à Terra do Fogo. Segundo Campos, Oliveira e Bianchini (2001) não há dúvida de que a “Iniciativa para as Américas” (ALCA) sinalizava a retomada do interesse estadunidense pela América Latina. O processo de dispersão da integração da América Latina tem a ver com o papel dos Estados Unidos que, diante do fracasso da negociação da Associação de Livre Comércio das Américas (ALCA), procurou realizar tratados bilaterais de livre comércio. Por meio desses tratados, em nome do acesso ao mercado dos Estados Unidos, os países “integrados” aderem ao mesmo modelo NAFTA-ALCA, ou seja, poucas concessões em áreas cruciais como patentes restrições ao 5- O programa Iniciativa para as Américas foi Lançado em 27 de junho de 1990, em Washington, em pronunciamento do Presidente dos EUA, George Bush, propondo a formação de áreas de livre comércio no hemisfério Americano. ( SADER et al, 2009)


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capital estrangeiro e à política industrial. É verdade que também na América do Sul os nortes-americanos têm buscado acordos bilaterais como aqueles realizados com o Chile, a Colômbia e o Peru, o que levou à saída da Venezuela da Comunidade Andina de Nações em 2006. Em Dezembro de 2001, na ilha Margarita, Hugo Chavez, presidente da Venezuela anunciou a criação da Alternativa Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) no III Encontro dos Chefes de Estado e Governo da Associação dos Estados do Caribe. Em um encontro entre Fidel Castro (Cuba) e Hugo Chaves (Venezuela) em 14 de dezembro de 2004, na cidade de Havana (Cuba) é constituída a ALBA. Em 29 de abril de 2006, a Bolívia (tendo Evo Morales como seu presidente) somou-se ao grupo a partir do Tratado de Comércio dos Povos, constituindo a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA-TCP). Além de Venezuela, Cuba e Bolívia, aderiram ao bloco: Nicarágua, Equador, Antígua, Barbados, São Vicente e Granadinas. (FLACSO, 2008)6. A ALBA tem como um de seus pontos centrais a atuação de Hugo Chávez, à frente do governo da Venezuela, dada a importância econômica do país enquanto grande produtor de petróleo. Neste sentido, não é por acaso, que um dos pilares da ALBA é o Acordo de cooperação energética (2005). A Incorporação da Bolívia e a posterior adesão do Equador e da Nicarágua reforçaram a constituição de um eixo de paises contrários aos acordos bilaterais de integração com os Estados Unidos e a ALCA. A ALBA apresenta ainda estratégias de articulação territorial entre o Caribe, a América Central e a América do Sul, através da implementação de projetos como a Rede Ferroviária Latino-americana (RFL), Rede de Carreteiras para a Integração e Desenvolvimento (RCID), Linha Aérea Latino-americana Caribenha (LALC), Frota Fluvial Latino-americana (FFL), Frota Mercante Latino6- Para maiores informações consultar o dossiê sobre a ALBA (FLACSO, 2008) e o site oficial da ALBA: http://www.alianzabolivariana.org/


228 Antonio Eduardo Alves de Oliveira americana Caribenha (FMLC). Estes megaprojetos ainda não passam de conjecturas e servem como um programa indicativo de articulação entre os paises. O mapa 5 também exibe os paises que fazem parte da Comunidade Andina das Nações-CAN (rodeados por um traço em azul), uma importante experiência de integração regional na América do Sul. O Pacto Andino visava à complementação das economias dos países andinos, e estava imbuído da visão cepalina de desenvolvimento; entretanto, enfrentou, nos anos 1980, a crise da dívida externa e seu alto custo social e econômico para os países da região. A Comunidade Andina de Nações (CAN) tem oscilado muito na última década e vem sofrendo, um processo de constante desprestígio e lenta agonia. Assim como a Comunidade do Caribe (CARICOM), há muitas diferenças entre seus membros e o posicionamento destes diante da pressão exercida pela comunidade estadunidense, pois os países são atraídos para relações bilaterais com os Estados Unidos, o que ao invés de criar uma unidade continental tem provocado uma forte fragmentação da integração regional na América Latina. Segundo Jaime Acosta Puertas (2006), a integração andina, criada com o objetivo de fortalecer a substituição de importações e visando a consolidação de um mercado comum, a CAN, tem passado por uma grave crise. O autor chama a atenção para o fato de que, a despeito dos desdobramentos negativos nos últimos anos, os países andinos criaram uma sofisticada institucionalidade; mas não conseguiram consolidar uma visão estratégica compartilhada que pudesse construir uma base suficientemente firme para impulsionar uma integração mais efetiva. O fator determinante para o colapso do processo de integração andina diz respeito às negociações bilaterais da Colômbia, Equador e Peru com os Estados Unidos em torno de Tratados de Livre Comércio (TLC), que provocou a retirada da Venezuela da Comunidade Andina.


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Um elemento importante na história da Comunidade Andina de Nações (CAN) é o fato de que nenhum país foi capaz de assumir a liderança e impulsionar o processo de integração em termos políticos e econômicos. A Colômbia, com uma estrutura industrial mais diversificada, tem sido uma das maiores beneficiárias do processo de integração, mas não consegue cumprir esse papel; pelo contrário, com suas estreitas relações com os Estados Unidos, tornou-se um dos fatores para a desagregação dos interesses comuns do bloco. A Venezuela, por outro lado, como país dependente da produção petroleira, não demonstrou ser uma liderança para gerar complementação econômica na região. O Peru, apesar de ser o país sede da secretaria geral, não exerce esse papel de liderança. A Bolívia e o Equador, por sua vez, são países pequenos, com menores possibilidades econômicas para atuar como puxadores de um processo de integração. Embora a regionalização não constitua essencialmente um processo de afirmação de um acordo econômico, ou que se justifique apenas nesse plano, ela decorre também de construções políticas voltadas para projetos políticos ou em reação a projetos políticos em curso. Tais acordos transcendem muito o comércio, incluindo itens como os direitos de propriedade Intelectual e compras governamentais. Outro aspecto da caracterização da evolução dos processos de integração é a percepção da posição da América Latina na divisão internacional do trabalho, que reproduz seu caráter periférico, ainda mais no chamado capitalismo cognitivo ou informacional. Essa dimensão supranacional conduz a um reagrupamento ou a uma reorganização das relações internacionais, que configura os blocos do poder central em direção à periferia e dela emergem estratégias que influem na nova configuração do sistema-mundo. O processo de integração regional que vem avançando, sobretudo a partir do MERCOSUL, foi impulsionado por um


230 Antonio Eduardo Alves de Oliveira significativo crescimento dos fluxos de comércio no subcontinente. Entretanto, as limitações criadas pela adoção de políticas macroeconômicas inspiradas no Consenso de Washington – a rigidez do câmbio, juros elevados, abertura comercial e compromissos pesados com os pagamentos da dívida externa – provocaram uma forte dependência de todos os países em relação aos fluxos financeiros externos. Os países centro-americanos e caribenhos, de economia mais frágil, mono exportadores ou dependentes de serviços, não tinham outra perspectiva negociadora senão algum tipo de acordo preferencial com o maior mercado do hemisfério, o que foi contemplado sucessivamente em esquemas de acesso ao mercado dos EUA em condições facilitadas, mas discriminatórias. Na etapa decisiva do processo negociador da ALCA, consoante a estratégia “minilateralista” fixada pelos EUA, suas ofertas aos países latino-americanos foram divididas em quatro grupos de acesso preferencial aos seus mercados, sendo que as menos atrativas e delongadas eram, obviamente, as reservadas aos países do MERCOSUL, com os quais era mais difícil um entendimento no item agricultura, de um lado; e das contrapartidas requeridas em termos de produtos industriais, serviços e investimentos, de outro. Os andinos deveriam receber ofertas intermediárias entre as mais generosas concedidas às pequenas economias e as mais restritivas atribuídas aos países do Cone Sul. A situação da integração regional na América do Sul não pode ser separada das transformações do panorama político da região. A ascensão da esquerda aos governos da região pode representar um fortalecimento da integração? Ao mesmo tempo em que se fomenta esperanças de novos impulsos para a integração entre os países, convive-se com incertezas quanto às perspectivas futuras, uma vez que não existe uma articulação de políticas exteriores convergentes. (Caetano, 2009).


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Daí se depreende que, para o entendimento da experiência regional pós-neoliberalismo, é preciso recontextualizar as experiências regionais sul-americanas. São expressivas as iniciativas recentes como a UNASUL e a ALBA, que tem como fatores comuns o “retorno do Estado”, uma preocupação pelas dimensões sociais (pobreza, desigualdade e assimetrias de níveis de desenvolvimento), a presença da temática energética e a recuperação de um espaço político pelo planejamento estatal, desprezado no regionalismo aberto dos anos 1990. O papel dessa nova política regional, com forte discurso de autonomia, relaciona-se com o desgaste das políticas impulsionadas pelo Consenso de Washington, com perda de parte do prestígio dos EUA na América do Sul. De uma maneira abrangente, a integração da América Latina em geral e da América do Sul, em particular, encontra-se atualmente em uma fase de transição – dos velhos modelos de tipo “livre cambista” do passado recente para realidades mais diversificadas e abrangentes do presente, inclusive no nível de integração propriamente física. Entretanto, a diversidade das metas não tem gerado muita convergência, apesar de promover graus diferenciados de aproximação entre os países. Além disso, a variedade dos processos sub-regionais de integração tende a evoluir e a se transformar, ainda mais com o aumento dos fluxos de comércio e de investimentos, que são majoritariamente privados. Boschi (2008) ressalta que as dinâmicas dos países latinoamericanos na última década possibilitam a atenuação da hegemonia norte-americana e uma retomada de trajetórias de intervenção estatal na economia, ainda que haja uma diversidade de caminhos neo-desenvolvimentistas. O autor define o novo desenvolvimentismo como um modelo ainda em formação, que postula a construção de um espaço de coordenação entre as esferas pública e privada, com o objetivo de aumentar a renda nacional.


232 Antonio Eduardo Alves de Oliveira A emergência da semi-periferia latino-americana produz, por sua vez, um realinhamento no terreno internacional, dando uma particular complexidade à posição da América Latina e do Caribe no sistema-mundo contemporâneo. “Nos processos de centro e periferia, há um papel determinante da semiperiferia”. O uso dos termos centro e periferia, na análise dos sistemasmundo, não se referem, em primeira instância, a zonas geográficas, regiões ou Estados, mas a processos complexos. Essas zonas se convertem em centrais, porque dominam os processos de exploração e concentração de mais-valia, e, da mesma forma, as regiões periféricas são definidas por sua condição de exploradas pelo centro e subordinadas aos seus processos centralizadores e concentradores de recursos. Convém salientar que no inicio do século XXI, o processo integrativo sul-americano tem passado por um aumento dos intercâmbios econômicos, culturais e políticos. Essa nova fase da integração regional tem provocado o que Gehre (2009) chama de reinvenção do conceito de América do Sul. Processo esse que ganha impulso na medida em que a realidade internacional faz da região um sistema interligado em termos de relações sociais, políticas, econômicas, estratégicas e culturais. As fronteiras continuam a existir, mas têm deixado de ser um artifício de afastamento e isolamento, para se tornar um importante elemento de ligação entre os vizinhos. Além do mais, é necessário se ter em conta as características espaciais que diferenciam a América do Sul da América Latina. Como afirma Albuquerque (1997), a América do Sul apresenta-se geograficamente como uma realidade mais palpável que a América Latina. Destarte, a América do Sul adquire traços próprios e características que a distinguem do restante da região denominada América Latina. A noção de América do Sul ganhou força como nível de análise para entender a inserção de seus países num “sistema mundo” em crescente globalização. (GALVÃO, 2009).


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A América do Sul apresenta-se na atualidade em constante movimento, enquanto a noção de América Latina perdeu parte de sua relevância. Do ponto de vista da construção de um projeto de integração comum, a América Central e o México se aproximaram da órbita americana, o que compromete os laços necessários para uma unificação regional latino americana. MERCOSUL Na América do Sul, as principais iniciativas de integração têm um desenvolvimento errático, de tal modo que, mesmo a mais bem-sucedida delas, o MERCOSUL, passou ao longo de quase 20 anos por momentos de expectativas altamente favoráveis quanto ao seu futuro, porém de notável pessimismo em outros momentos. (BAUMANN; MUSSI, 2006). Neste tópico, é apresentado um balanço da experiência do MERCOSUL. No próximo capítulo serão discutidas as perspectivas de integração física da América do Sul, a partir dos desdobramentos da Unasul, e da política de combate às assimetrias do MERCOSUL, a partir da criação do FOCEM em 2004. O desenrolar histórico do MERCOSUL produziu, nos sete anos iniciais, um aumento espetacular no comércio intra-regional até 1988, e depois houve uma forte contração, no final dos anos 1990. Os anos iniciais do MERCOSUL aconteceram em um momento de estabilização macroeconômica e de reformas liberalizantes das economias dos países-membros, o que representou uma expansão do comércio recíproco, mas restringiu o processo de integração à formação tão somente de um bloco comercial. No bojo da expansão mundial dos fluxos de capitais, a exigência em torno da competitividade pressionou os países do MERCOSUL a buscarem


234 Antonio Eduardo Alves de Oliveira mecanismos de articulação para fazer frente aos impactos da globalização. De modo geral, a constituição de acordos regionais que reduzem as barreiras comerciais entre participantes, o que sugere uma conduta de discriminação para com outros, foi uma das alternativas encontradas em todo o mundo. Entretanto, é importante salientar que a integração regional no mundo, a partir dos anos 1990, estava marcada por uma forte tendência à liberação econômica, sobretudo com a formação de blocos comerciais liberais, o que para o MERCOSUL representou a forte presença de um discurso triunfal do mercado como mecanismo de regulação. O desenvolvimento do MERCOSUL passou pela integração bilateral entre a Argentina e o Brasil, na década de 1980, que foi o elemento impulsionador para a sua constituição nos anos 1990. A história deste mercado comum remonta ao ano de 1985, quando no marco da democratização da região, os presidentes Raúl Alfonsín e José Sarney reúnem-se em Foz de Iguaçu e iniciam uma integração bilateral. Em julho de 1986 firmou-se a Ata de Buenos Aires que estabeleceu o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE) entre a Argentina e o Brasil. A aproximação entre Brasil e Argentina a partir de 1985, é, sem dúvida, um ponto fundamental no processo de integração no cone sul. Como afirma BANDEIRA (2003) os dois países têm uma historia de aproximação e concorrência mútua, portanto a convergência em torno da cooperação é um importante marco para as relações binacionais. È interessante notar, que a iniciativa de integração ocorre em um contexto de transição democrática, no qual as ditaduras militares foram substituídas por governos democráticos ainda instáveis. O MERCOSUL nasce num ambiente de profunda mudança do sistema internacional, caracterizado pelo fim da Guerra Fria e da bipolaridade na ordem política mundial, pelo o crescimento do


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comércio mundial, pela interdependência mundial dos fluxos de mercadorias, e pelos avanços integracionistas da União Europeia, entre outros. A vitória de governos que puseram em prática nos seus países medidas neoliberais, tais como Collor (Brasil), Menen (Argentina), Lacalle (Uruguai) e Andrés Rodriguez (Paraguai) – encontra-se na origem do Tratado de Assunção, formulado com o objetivo de abrir as economias desses países, compreendendo: a livre circulação dos fatores de produção, o estabelecimento da Tarifa Externa Comum (TEC), a política comercial comum e a coordenação de políticas macroeconômicas. Não obstante, o MERCOSUL guardará aspectos do regionalismo de segunda geração. A União Europeia será uma fonte de inspiração, ainda que vista como distante. Embora não tenha criado instituições supranacionais, como por exemplo, o Parlamento Europeu, seu modelo de integração atenderá a outras necessidades que estão para além daquelas relativas à segurança dos investimentos. Nos países que compõem o MERCOSUL encontrase forte motivação político-estratégica por parte de certos grupos sociais, especialmente no Brasil. Poderíamos dizer, assim, que a sua proposta se insere entre o regionalismo de primeira geração e o de segunda geração, conjugando aspectos de ambos os regionalismos. Como destaca Camargo (2006), esse modelo pressupõe forte tendência federalista e construtivista de integração, que recorre ao tripartismo, à presença marcante do Estado e à motivação políticoestratégica. Do segundo regionalismo destaca-se, principalmente, a ideia de um regionalismo aberto, a sua sintonia com a economia mundial, a busca de maior competitividade sob a base de um eixo exportador e de uma liberalização frente às trocas internacionais. Enfim, podemos afirmar que o MERCOSUL é de certa forma, um projeto original.


236 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Quadro 9. Principais Tratados/ Acordos do MERCOSUL Documento

Ano

Principais medidas aprovadas Reorientação da política Declaração do Iguaçu 1985 externa do Brasil e Argentina Tratado de Assunção7 1991 Criação do MERCOSUL As bases institucionais para o Protocolo de Ouro Preto8 1994 MERCOSUL PROTOCOLO DE USHUAIA Acordo com Chile e Bolivia 1998 como paises associados Tribunal Permanente de Protocolo de Olivos9 2002. Revisão (TPR) Ampliação do MERCOSUL 2003 Consenso de Buenos Aires para outros terrenos de cooperação Protocolo Constitutivo do Criação do Parlamento do 2005 Parlamento do MERCOSUL10 MERCOSUL Acordos para infraestrutura, Ata de Copacabana 2004 ação diplomática comum entre Brasil e Argentina. Solicitação de adesão da Protocolo de Adesão da República 2006 Venezuela como membro do Bolivariana da Venezuela11 pleno Fonte: O autor, a partir do site oficial do MERCOSUL (http://www.mercosur.int. home). Acessado 15 de junho 2010

O quadro 9 apresenta os principais documentos (tratados, protocolos, declarações e atas) do MERCOSUL. Vale notar que o impulso inicial foi dado pela assinatura da declaração de Iguaçu, em fevereiro de 1986, entre Brasil e Argentina, que estabeleceu uma associação de comércio preferencial entre os dois países. 7-http://www.mercosur.int/innovaportal/file/723/1/CMC_1991_TRATADO_ES_ Asuncion.pdf 8 - h t t p : / / w w w. m e r c o s u r. i n t / i n n o v a p o r t a l / f i l e / 7 2 4 / 1 / C M C _ 1 9 9 4 _ PROTOCOLO%20OURO%20PRETO_PT.pdf 9 - h t t p : / / w w w. m e r c o s u r. i n t / i n n o v a p o r t a l / f i l e / 7 2 5 / 1 / C M C _ 2 0 0 2 _ PROTOCOLO%20DE%20OLIVOS_PT.pdf 1 0 - h t t p : / / w w w. m e r c o s u r . i n t / i n n o v a p o r t a l / f i l e / 1 1 0 6 / 1 / 2 0 0 5 _ ProtocoloParlamentoMCS_PT.pdf 11-http://www.mercosur.int/innovaportal/file/1107/1/2006_PROTOCOLO_PT_ AdhesionVenezuea.pdf


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A ideia central dessa aproximação entre o governo brasileiro e o argentino era a necessidade de implementação gradual dos acordos, de modo que o equilíbrio e a simetria se concretizassem em uma estratégia de integração paulatina por setores econômicos que se completavam. Inicialmente o intercâmbio entre esses dois países conheceu um crescimento significativo, todavia, em meados de 1987, o fracasso dos programas econômicos de Sarney e Alfonsín causou o colapso do PICE. Alguns anos depois, a integração no Cone Sul é relançada, dessa feita com a criação do MERCOSUL. Visando a constituição de um Mercado Comum. Em 26 de março de 1991 é assinado entre a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai o Tratado de Assunção com o objetivo de estabelecer um mercado comum entre os países acordados, formando então o popularmente conhecido MERCOSUL. O Tratado de Assunção (1991) incorporou em quase sua totalidade as recomendações do Consenso de Washington. Seus objetivos eram a inserção competitiva dos países nos mercados mundiais, a promoção de economias de escala e a ampliação do comércio e dos investimentos. Para isso, estabeleceu como instrumentos: 1) um programa de liberalização comercial linear, progressiva e automática, com livre circulação de bens, serviços e fatores; 2) a coordenação das políticas macroeconômicas; 3) o estabelecimento de uma tarifa externa comum; 4) a adoção de acordos setoriais; e 5) a regulação de um regime geral de origem, cláusulas de salvaguarda e solução de controvérsias. No entanto, a diferença entre essa e outras iniciativas de integração latino-americanas, reside no fato do viés neoliberal de algumas políticas do MERCOSUL serem justapostas a algumas formas de intervenção pública. O Tratado de Assunção (1991) criando o MERCOSUL (1991), reproduziu os mecanismos da Ata de Buenos Aires (1986), pretendendo a formação de um mercado comum, definido como uma zona de livre-comércio completa – ao reduzir a zero as barreiras


238 Antonio Eduardo Alves de Oliveira tarifárias e não-tarifárias em um período de quatro anos-agregados de uma Tarifa Externa Comum. O MERCOSUL conheceu forte estímulo nos seus primeiros anos de existência, mas não conseguiu concretizar o mercado comum esperado no artigo 1º do Tratado de Assunção, e mesmo os requisitos para uma União Aduaneira completa não foi instituído de maneira acabada, como o não estabelecimento de uma autoridade aduaneira única. O Protocolo de Ouro Preto, firmado em 16 de dezembro de 1994, complementou as bases institucionais do Tratado de Assunção. O principal ponto do protocolo de Ouro Preto foi o estabelecimento da estrutura de funcionamento do MERCOSUL, que apesar de modificações posteriores, permanece essencialmente o mesmo até hoje. Neste sentido, o Protocolo estabeleceu o Conselho do Mercado Comum e regulamentou sua atuação como instrumento para garantir a vigência dos protocolos e resoluções aprovadas pelas instancias do MERCOSUL. Como parte de um processo de relançamento do bloco, em 2004, entrou em vigor o Protocolo de Olivos, (2002), que criou o Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do MERCOSUL, com sede na cidade de Assunção (Paraguai), que regula o mecanismo de Solução de Controvérsias do MERCOSUL. Uma outra medida importante foi a aprovação em 2005 da constituição do Parlamento do MERCOSUL, que tem ainda um caráter consultivo e com representação paritária de representantes dos parlamentos dos países membros. Um dos elementos importantes para o relançamento do MERCOSUL e que contribui para o fracasso da implementação da ALCA foi o estabelecimento de uma aproximacao mais estreira entre o Brasil e Argentina, que estabeleceram medidas de atuação conjunta no campo diplomático e no terreno da cooperação econômica, que se expressam nos acordos bilaterais do Consenso de Buenos Aires(2003) e na Ata de Copacabana(2004)


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Por fim, o estabelecimento do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela em 2006, que estabelece um cronograma para a entrada da Venezuela como membro pleno no MERCOSUL. Com a adesão da Venezuela à União Aduaneira, o MERCOSUL passa a constituir um bloco de mais de 250 milhões de habitantes, com uma área de 12,7 milhões de km2. O PIB do bloco supera US$ 1 trilhão, correspondendo a cerca de 3/4 do PIB sul-americano. Os Estados Associados do MERCOSUL são Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. A Venezuela adotará a Tarifa Externa Comum (TEC) e as demais normas do bloco. A liberalização do comércio entre a Venezuela e os demais países-membros se fará de forma gradual, levando em conta as assimetrias entre os participantes e o fortalecimento do poder de barganha do MERCOSUL em relação a outros países ou blocos comerciais. Fortalece-se, assim, o seu potencial econômico, representando, antes de tudo, uma ampliação considerável do mercado. Ao criar o MERCOSUL em 1991, os países-membros optaram por um desenho institucional intergovernamental, criando órgãos compostos por representantes dos poderes executivos dos Estadosmembros, e um sistema de tomada de decisão por consenso. De acordo com o fluxograma oficial compõem a estrutura institucional do bloco os seguintes órgãos decisórios: o Conselho do Mercado Comum (CMC) e o Grupo Mercado Comum (GMC), criados pelo Tratado de Assunção (1991); e a Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM), criada pelo Protocolo de Ouro Preto (1994). O CMC seria o órgão superior, formado pelos ministros de Relações Exteriores e pelos ministros de Economia de cada um dos Estadosmembros, além de contar com a participação dos presidentes dos Estados membros em pelo menos uma reunião anual. Ao CMC estava designada a condução política do bloco e a tomada de decisões para a constituição do Mercado Comum.


240 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Por sua vez, o Grupo Mercado Comum foi organizado como uma instituição executiva, formada por representantes dos ministérios das Relações Exteriores, Ministérios da Economia e pelos Bancos Centrais, com as funções de zelar pelo cumprimento do Tratado, tomar as providências necessárias para o cumprimento das decisões adotadas pelo Conselho, propor medidas concretas para a aplicação do Programa de Liberação Comercial, com a coordenação de políticas macroeconômicas e a negociação de acordos frente a terceiros e fixar o programa de trabalho que assegurasse o avanço para a constituição do Mercado Comum. A CCM foi cunhada como um órgão encarregado de prestar assistência ao GMC, coordenado pelos ministérios das Relações Exteriores, encarregado pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum, acordados pelos Estados-Partes para o funcionamento da união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com as políticas comerciais comuns. O Protocolo de Ouro Preto (1994) também estabeleceu o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES), órgão de representação de setores econômicos e sociais, com função consultiva e submetido ao GMC e à Secretaria Administrativa do MERCOSUL (SAM), órgão de apoio operacional aos demais órgãos do MERCOSUL e com sede permanente em Montevidéu. A estrutura institucional do MERCOSUL foi ampliada no inicio do século XXI. Em 2003, foi criada a Comissão de Representantes Permanentes do MERCOSUL (CRPM), com sede em Montevidéu. Dentre suas principais atribuições, consta a de assistir o Conselho do Mercado Comum e a Presidência Pró-tempore do MERCOSUL. Em 2004, foram criados, dentro do âmbito do CMC, a Reunião das Altas Autoridades nas Áreas de Direitos Humanos e o Fórum Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL. Além disso, também criou-se em 2004 o Centro


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MERCOSUL de Promoção do Estado de Direito e estabeleceu-se um Grupo de Alto Nível para a criação de uma Estratégia MERCOSUL de Crescimento do Emprego. A criação desses órgãos indica a preocupação com a ampliação do escopo do projeto de integração, com a inclusão mais efetiva de temas como democracia, direitos humanos e questões sociais no âmbito do MERCOSUL, assim como a incorporação de atores subnacionais como participantes do processo, embora ainda com status apenas consultivo. Em 2006, o CMC propôs a criação de duas novas instituições: o Observatório da Democracia no MERCOSUL (ODM) e o Instituto Social do MERCOSUL (ISM). Ambos foram criados no início de 2007. O Observatório foi criado levando em consideração a necessidade de que o MERCOSUL acompanhe o desenvolvimento social e democrático de seus Estados-membros. Em 6 de dezembro de 2006, foi constituído o Parlamento do MERCOSUL, substituindo a Comissão Parlamentar Conjunta. Os estados membros decidiram tomaram a decisão de estabelecer uma representação paritária a “representação cidadã” para a composição do Parlamento Comunitário. Na primeira fase de sua existência (dezembro de 2006 até dezembro de 2010), o Parlamento funcionou com base na representação paritária, sendo integrado por 18 parlamentares de cada estado membro, designados segundo critérios determinados pelos respectivos congressos Nacionais12. Apesar das modificações na estrutura de funcionamento do MERCOSUL, esta continua baseando-se em um processo de tomada de decisão consensual, obrigatória, mas devendo ser internalizada de acordo com o ordenamento jurídico de cada Estado-membro, e não têm aplicação direta. Além do mais a possibilidade de uma participação cidadã nas tomadas de decisão do MERCOSUL ainda 12- Para maiores informações consultar o Protocolo constitutivo do parlamento do MERCOSUL (2006) e Regimento Interno do Parlamento do MERCOSUL(2007) http://www.parlamentodelmercosur.org/. Acessado 14 de junho de 2010.


242 Antonio Eduardo Alves de Oliveira são incipientes, sem considerar que não se constituiu organismos supranacionais com política comunitária atuante. Portanto, podemos caracterizar o MERCOSUL como uma união aduaneira imperfeita, em escala sub-regional. O MERCOSUL passou por fases sucessivas ou alternadas de crescimento, de expansão dos intercâmbios recíprocos e com terceiros mercados, por crises financeiras e cambiais – deslanchadas tanto a partir de desequilíbrios internos quanto de choques externos, como visto nas turbulências financeiras dos anos 1990 – e por momentos de maior ou menor atratividade de investimentos externos – em grande medida oriundos da Europa –, eventualmente coincidentes com os processos internos de desmonopolização estatal e de privatização. Após uma década, caracterizada por ampla adesão ao Consenso de Washington, com a realização de diversas privatizações, flexibilização dos direitos trabalhistas e processo de desnacionalização econômica, têm surgido nos países sulamericanos diferentes visões sobre os processos de integração regional. Dessa forma, pautar-se apenas na liberação dos mercados tem-se apresentado como insuficiente para promover uma integração efetiva entre os países da América do Sul. No entanto, foi a crise da economia brasileira no final de 1998, a qual culminou com a desvalorização do real, no início de 1999, a responsável por produzir uma deterioração no cenário regional, desencadeando um período de crise no MERCOSUL, ainda não superada. A desvalorização do real alterou a competitividade no interior do bloco comercial, afetando de forma significativa os ganhos atingidos na regionalização do comércio, no período de transição. Tal situação agravou-se em 2001, em virtude da crise econômica argentina. As crises de 1999 (Brasil) e 2001(Argentina) inauguram um período de relações conflituosas entre os sócios, pois as condições macroeconômicas refratárias das economias argentina e brasileira evidenciaram as assimetrias estruturais existentes entre os membros


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do bloco. Dado o diferencial nos ritmos de crescimento do PIB, os sócios menores não sofreram alteraçéoes no seu peso relativo no grupo. De acordo os dados da CEPAL, o Brasil e a Argentina correspondem a mais de 90% do produto do MERCOSUL desde o início dos anos 1990. Em contraste com a década de 1990, as novas configurações políticas nos países sul-americanos têm como pauta um afastamento da visão neoliberal. É verdade que o posicionamento dos governos dos países dirigidos por partidos de esquerda é, por vezes dúbio, na medida em que a governança mantém (sobretudo na economia) aspectos importantes da política anterior. De qualquer forma, vem alastrando-se pela América do Sul a concepção de que a integração regional deve trilhar novas veredas, com a valorização de medidas mais abrangentes nas esferas de infraestrutura, cultura e desenvolvimento regional. No entanto, existem riscos ante essa nova realidade. O primeiro deles é o de se criar uma nova série de objetivos sem previamente ter-se cumprido os que ainda estão inconclusos. Apesar dos percalços, das crises e do relativo abandono de várias das pretensões – como os objetivos comerciais de integração e, sobretudo, de compensações sociais –, o MERCOSUL aumentou a inserção internacional dos países-membros, ainda que o tenha feito de forma distinta, segundo as conjunturas econômicas vividas por esses países e o ritmo da economia mundial, logo bastante diferentes, em função das fases de expansão ou retração das dinâmicas econômicas. O principal problema do processo de integração residiu no fato de que os países-membros apresentavam diferenças estruturais expressivas. Além disso, cada país encontrou seu caminho de forma isolada, não negociada, e nem sempre compatível com os propósitos de promover a convergência entre as quatro economias. Em particular, o tratamento das assimetrias entre os quatro sócios nem sempre esteve presente em forma suficiente para neutralizar as diferenças.


244 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Se a integração com os vizinhos do Cone Sul é destino histórico (como tem sido dito no Brasil), as diferenças estruturais no momento inicial do MERCOSUL, as dificuldades impostas por distintas trajetórias macroeconômicas e os traumas provocados por alguns resultados deixam bastante a desejar. No que diz respeito às economias maiores, a obtenção de superávits recorrentes nas relações comerciais com os sócios, sem que exista mecanismo compensatório, parece pouco compatível com o propósito de promover convergência produtiva. Por outro lado, déficits nas relações bilaterais provocam reações negativas internas, levando os governos a ampliarem concessões. O fato de o MERCOSUL ser um exercício intergovernamental, sem mecanismos supranacionais, como fundos compensatórios, torna mais explícita essa sensibilidade aos resultados comerciais. Os dois primeiros fatos estão relacionados com a ampliação do número de economias de porte médio as quais aderiram formalmente ao MERCOSUL. O Peru passou a ser membro associado (a exemplo da Bolívia já há algum tempo), e a Venezuela foi aceita como o quinto membro-pleno. É razoável imaginar que a maior participação de outros países no processo decisório venha a alterar esse processo e isso possa vir a beneficiar os sócios menores. O terceiro fato foi à assinatura, entre o Uruguai e os Estados Unidos, de um acordo bilateral de proteção a investimentos diretos. Essa foi a primeira violação do acordo entre os quatro países, que assumiram o compromisso de negociar sempre em conjunto com terceiras partes. A situação atual de grave crise da CAN pode funcionar como alerta para outras experiências de integração regional. Em especial para o MERCOSUL, que progrediu em diversos aspectos, mas também tem sido muito questionado. Um balanço do MERCOSUL deve começar por reconhecer que a constituição do bloco representou uma modificação em relação aos fracassos das experiências de


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integração na América do Sul. O processo de liberalização adotado pelo MERCOSUL – baseado em cronograma universal, automático e linear de eliminação das barreiras tarifárias intrazona – difere do lento processo de concessões tarifárias bilaterais dentro de cada setor, que caracterizará as experiências anteriores no âmbito da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Nesse sentido, duas questões centrais aparecem no entendimento das relações sul-americanas: em primeiro lugar, as discussões sobre o papel do Estado em países subdesenvolvidos e a retomada de visões geopolíticas mais voltadas para o fortalecimento do bloco; em segundo, a necessidade de criar condições políticoterritoriais que viabilizem o bloco. As Iniciativas como o Plano de Ação para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e o Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM) estão subordinadas ao incremento do fluxo de comércio e de capitais na região. O IIRSA e o FOCEM – em linhas gerais, um fundo criado para financiar investimentos em infraestrutura no Paraguai e no Uruguai – surgem como mecanismos de articulação entre as Regiões Concentradas do Brasil (sul e sudeste, com participação expressiva do Estado de São Paulo) e da Argentina (Buenos Aires e Entre-Ríos). Os Estados-membros do MERCOSUL precisam empenharse intensamente no resgate da dimensão estratégica do projeto de integração. Nesse debate devem ganhar relevo os temas relativos à coesão econômica e social do projeto de integração, bem como o tratamento das assimetrias e das diferenças de níveis de desenvolvimento. Questões sensíveis como ajuda do Estado e financiamento, em bases sub-regionais, a projetos de investimento, criação de mecanismos para a indução à reconversão industrial e o financiamento da infraestrutura são alguns dos tópicos que compõem essa agenda.


246 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Quais as possibilidades de uma renovação consistente que permita um aprofundamento e uma ampliação do projeto do MERCOSUL. Como tem avançado os níveis de conexão entre as políticas nacionais dos paises e a evolução do MERCOSUL enquanto bloco? De que forma a agenda larga e social do MERCOSUL permite a articulação das políticas públicas e do desenvolvimento social em relação à governança regional, e como podem colaborar para o combate as assimetrias? Estas são algumas questões em aberto sobre o desenvolvimento do MERCOSUL.


AS ASSIMETRIAS REGIONAIS E A POLÍTICA DE COESÃO NA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA: A IIRSA E O FOCEM O processo de abertura das fronteiras nacionais, expresso na propagação de integrações regionais, tem sido interpretado como uma escala intermediária entre a escala nacional e a escala global, que nasce de uma evolução ao mesmo tempo complementar e concorrente com a escala multilateral para abertura internacional. Conforme Bouzas (2003) e Fanelli (2008), não é mais factível em um cenário marcado pela globalização uma economia autárquica e separada do mundo, dependente exclusivamente de seu próprio esforço para aumentar seu nível de vida. Nas relações internacionais entre as nações, os intercâmbios comerciais fomentam um vínculo cada vez intenso entre os diferentes espaços territoriais, ultrapassando muitas vezes até mesmo as fronteiras nacionayis. Nesse sentido, como Siroen (2004) menciona o aumento da interdependência entre os países tem sido um dos fatores de incentivo à realização de acordos de integração regional. Entretanto, é significativo que nas diversas experiências dos blocos econômicos existem grandes diferenças entre custos e benefícios entre os participantes. Além disso, o processo de integração econômica e social não é algo espontâneo nem isento de assimetrias. A interdependência não pode ser vista como um mecanismo que gera automaticamente a integração e a cooperação. Como já vimos no caso da UE, a construção do processo de integração demandou – e continua demandando – políticas comunitárias voltadas à promoção da coesão territorial e ao enfrentamento das disparidades regionais. No contexto latino-americano, as experiências regionais, como já assinalado, não é algo recente, remetendo ao início do século XX. A integração continental, ou pelo menos subcontinental,


248 Antonio Eduardo Alves de Oliveira não logrou êxito, devido a uma variedade de fatores como a não complementaridade entre as diferentes economias nacionais e o papel hegemônico dos Estados Unidos na região, que submeteu as iniciativas regionais aos seus interesses. Por sua vez, mais recentemente, as várias experiências desses organismos – Unasul1, CAN, MERCOSUL e Alba – têm-se prosseguido de maneira pausada, com recuos e avanços. Por um lado, apesar das oscilações tem se conseguido êxito com a liberalização do comércio recíproco entre os países da região. Por outro lado, existem sérios problemas no setor de infraestrutura de comunicação e de interligação, bem como nas acentuadas assimetrias sociais, regionais e de desenvolvimento econômico entre os países da região2. Os territórios dos países da América do Sul não dispõem de infraestruturas adequadas para um fluxo maior de mercadorias, pois há carência de portos, estradas, hidrovias, ferrovias e ductos para transporte de combustíveis, o que se coloca uma verdadeira barreira física aos fluxos entre os países do subcontinente. A constituição de investimento em infraestrutura que possibilite a articulação e a integração física do subcontinente sulamericano é, sem dúvida, uma temática marcante neste início do século XXI. O surgimento do Projeto da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA), no ano 2000, representou um importante marco no processo de integração da América do Sul. A infraestrutura do Plano IIRSA visa construir na América do Sul, através da liberalização do comércio recíproco dos bens e serviços, uma infraestrutura energética,de telecomunicações e uma malha viária e portuária comuns. 1- A comunidade passou a chamar-se de União de Nações Sul-Americanas (Unasul), a partir de reunião realizada na Ilha Margarita, Venezuela, em abril de 2007. 2- Um dos problemas da integração regional é o retorno mais de uma vez ao ponto inicial. SBERRO(2001) compara esta situação ao mito do Sísifo, personagem da mitologia grega, mítico fundador de Corinto, que todo dia era obrigado a retornar à mesma tarefa do dia anterior.


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A demonstração visível das novas tendências de uma integração mais abrangente é a Comunidade Sul-americana das Nações, criada em 2004 e transformada recentemente (2008) na União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Trata-se de uma concepção mais prepositiva da integração a qual aponta para a criação de um novo espaço regional, visando o desenvolvimento e não somente a adoção de medidas de liberação do comércio. A partir do início dos anos 2000, em razão inclusive da crise dos governos neoliberais na América do Sul, a integração regional passou por uma importante inflexão. Assim, as temáticas de fortalecimento de novas modalidades de cooperação e a busca por uma articulação produtiva entre os paises pautaram a aproximação entre as nações do subcontinente. Conforme as conclusões do projeto de pesquisa da Fundação Celso Furtado (2006) sobre o tema, o processo de integração regional na América do Sul passou a ser visto como uma formidável ferramenta de apoio ao desenvolvimento e em direção a um maior dinamismo, não somente no comércio, mas também para a superação dos obstáculos estruturais para o desenvolvimento social. As principais potencialidades da América do Sul – maior e mais diversificado potencial energético do planeta; maior reserva de água doce do mundo; existência de uma rica biodiversidade e de um parque industrial em desenvolvimento, ainda que concentrados – são fatores que, segundo Ibañez (2007), favorecem o desenvolvimento da região e podem facilitar a integração regional. Entretanto, a assimetria muito marcante no desenvolvimento dos Países-membros é um forte complicador para a efetiva integração. A importância da integração física como elemento central para o desenvolvimento da unidade sul-americana, bem como a importância de medidas para enfrentar as assimetrias de desenvolvimento dos países da região são temas que serão discutidos neste capítulo. O presente estudo aborda essas temáticas


250 Antonio Eduardo Alves de Oliveira a partir da análise de duas experiências concretas na América do Sul: o Plano para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), no âmbito da Unasul, e o Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM). Além disso, como um elemento importante para a compreensão do surgimento do IIRSA e, em certa medida, também do FOCEM, o capítulo abordará a importância cada vez mais marcante da política externa brasileira na integração regional sul-americana. Em relação ao significado da adoção dessas iniciativas e à problemática geral do desenvolvimento da integração regional, pretende-se estudar o que significa tanto o IIRSA quanto o FOCEM, enquanto tentativas para estruturar uma política de integração voltada para uma nova visão de desenvolvimento transnacional e a redução das assimetrias entre os países sul-americanos, no âmbito da Unasul e do MERCOSUL. O PROTAGONISMO DO BRASIL A constituição da União de Nações Sul-americanas (Unasul), a partir da iniciativa da diplomacia brasileira, tem a pretensão de superar os obstáculos de integração e promover a construção de um espaço sul-americano integrado nos planos político, social, econômico e ambiental. A elaboração de uma perspectiva subregional, articulando as experiências de integração regional na América do Sul aponta para um futuro ainda incerto e, nesse momento, após uma década de Unasul e quase duas de MERCOSUL, evidencia um aspecto inconcluso. Entretanto, é importante destacar que a iniciativa de fomento à construção de eixos transnacionais para infraestrutura, visando à integração física do subcontinente, tem repercutido positivamente no objetivo de fortalecer a unidade da América do Sul.


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A questão regional na América do Sul, a partir das iniciativas do Brasil no marco da Unasul e do MERCOSUL, tem evidenciado que o Brasil assumiu um papel protagonista cada vez mais relevante, em um contexto geopolítico de enfraquecimento relativo dos EUA – país que implementou o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), na América do Norte, mas não conseguiu sucesso com a proposta de implantação da Área do Livre Comércio das Américas (ALCA) no continente. Nesse cenário, a articulação do conceito de América do Sul como componente da sua identidade internacional é um aspecto recente na história do Brasil. O processo de inserção do Brasil no regionalismo tem motivações diferentes para um país com uma introspecção de um paíscontinente e uma relação contraditória com os Estados Unidos, ainda hoje a principal força hegemônica na América Latina. Através da formação do MERCOSUL, por meio de uma parceria com a Argentina, o Brasil estabeleceu uma importante referência regional de identidade internacional no início dos anos 1990. Couto (2009) destaca que a busca de uma articulação mais efetiva na América do Sul representa um importante ponto de inflexão do interesse nacional. Para Couto (2009), o Brasil já foi americano, latino americano, e atualmente é sul-americano, como parte de uma plataforma mais concreta para se inserir mais ativamente na política internacional. Nesse sentido, para o Brasil, como chama atenção Galvão (2007) a construção da América do Sul como espaço preferencial de sua atuação regional extrapola a estratégia econômico-comercial. O perfil do comércio do Brasil assemelhava-se ao intercâmbio entre os países industrializados e os países em desenvolvimento, ou seja, exportação de alto valor agregado e compra de commodities. De qualquer forma, conforme salienta Oliveira (2003), a atuação brasileira, visando a integração sul-americana, através da aceleração das trocas e intercâmbios econômicos e comerciais, tem uma forte incidência na região. A integração sul-americana aparece,


252 Antonio Eduardo Alves de Oliveira portanto, neste início do século XXI, como um importante vetor de interdependência e, apesar de ainda existir um quadro geral de fragmentação política e econômica na região, como destaca Dabene (2006), são realizados esforços no sentido de uma integração e para encontrar soluções unificadas a problemas comuns. O projeto de integração na América do Sul, a partir da infraestrutura, energia e telecomunicações, se expressa na construção da Integração da Infra-estrutura da Região Sul-americana (IIRSA) e na Comunidade Sul-americana das Nações como a Comunidade Sulamericana de Nações, ou União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). A IIRSA consiste na construção de eixos de articulação do território sul-americano, com base no desenvolvimento de infraestruturas viárias, ferroviárias, aéreas e portuárias. Os treze países da região se comprometem a colaborar nos setores de petróleo, gás ou energia hidroelétrica. O projeto estratégico de longo prazo é ambicioso e visa à unificação entre o MERCOSUL e a CAN, além do Chile, Guiana e Suriname, cujas principais expressões são o anel energético e a interconectividade vital para unir o Atlântico com o Pacífico. A integração contemplou uma série de princípios orientadores em que se concentra as mais significativas mudanças qualitativas nas relações internacionais, através da integração físico-regional. A IIRSA foi planejada para preparar a base da Área de Livre Comércio da América do Sul (ALCSA). Dessa forma, a IIRSA objetiva construir uma plataforma física de livre fluxo de mercadorias, com o objetivo de potencializar as rotas de livre comércio e de desenvolvimento das populações locais de cada país, constituindo-se ainda nos primeiros esforços para a construção da União Sul Americana (UNASUR) através de projeto apresentado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).


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A iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) corresponde a uma proposta que surgiu no encontro dos doze Chefes de Estado, ocorrida em agosto de 2000, em Brasília, no Brasil. Nesse encontro, aprovou-se a realização de ações conjuntas para impulsionar-se o processo de integração política, econômica e social da América do Sul, incluindo a modernização da infraestrutura regional e ações específicas para favorecer a integração e o desenvolvimento de regiões escolhidas. A IIRSA tem por finalidade a promoção do desenvolvimento da infraestrutura de transporte, energia e comunicações, de forma sustentável e eqüitativa, através da integração física destes países. (Disponível em: www.iirsa. org. Acessado em: 18 fev. 2010).

O Plano de Ação da IIRSA foi elaborado pelo BID e apoiado pela Corporação Andina de Fomento (CAF), entre outros organismos (Uruguai Sustentable-Redes 2006, 36). Um aspecto importante do plano é o destaque dado ao papel da informação, do conhecimento e da tecnologia, bem como o de assegurar o acesso à Internet de toda a população. Sobre esse ponto é importante destacar a questão da unificação sub-continental, por intermédio dos meios de comunicação. A segunda reunião da Unasul ocorreu em Guayaquil, Equador, nos dias 26 e 27 de julho de 2002. A terceira reunião ocorreu em Cuzco, Peru, em 8 de dezembro de 2004, onde foi criada a Comunidade Sul-americana de Nações. Os dois principais argumentos utilizados para a construção da Comunidade Sul-americana foram: o da existência de uma história comum das nações da região; e o da necessidade de políticas comuns para o enfrentamento de problemáticas políticas, sociais e econômicas semelhantes. Além dos governos dos treze países sul-americanos, envolveram-se na formulação e na implementação da IIRSA os


254 Antonio Eduardo Alves de Oliveira seguintes organismos: Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Corporação Andina de Fomento (CAF), Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Rio da Prata (FONAPLATA), Banco Nacional de Desenvolvimento Social - Brasil (BNDES); e empresas brasileiras como a Odebrecht, Petrobrás, Andrade Gutiérrez e Companhia Vale do Rio Doce; a América Latina Logística (ALL), e o grupo multinacional General Eletric (GE); observando-se a confluência de interesses entre governos, setor financeiro e grandes corporações na criação de novas territorialidades. Outras instituições também participaram da criação da IIRSA, como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização do Tratado da Cooperação Amazônica (OTCA). Essa iniciativa dos países sul-americanos, além de contemplar mecanismos de coordenação, através de um esboço geral do trabalho e aprovação dos planos de ação, procura promover a permuta de informações entre os governos envolvidos, com vista ao desenvolvimento. Uma noção importante nas formulações da IIRSA é a sustentabilidade dos projetos implementados. A retórica de sustentabilidade busca estabelecer a ligação entre a competividade econômica e a necessidade de qualidade social e ambiental nas iniciativas. Destarte, conforme afirma Ceceña (2007), o processo de integração ainda se encontra fortemente relacionado com a atuação de grupos de interesses que procuram instrumentalizar o território para o exercício da dominação econômica e política. (URUGUAY SUSTENTABLE-REDES, 2006). Como envolve uma aproximação entre diversos países, a IIRSA contempla certos princípios orientadores para guiar as ações dos governos e das instituições financeiras, conforme está descrito no Quadro 10.


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Quadro 10. Princípios Orientadores IIRSA Princípio Regionalismo Aberto Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID) Sustentabilidade econômica, social, ambiental e políticoinstitucional Aumento do valor agregado da produção Tecnologia da Informação

Significado Redução das barreiras internas ao comércio Organização do espaço sul-americano em faixas multinacionais de fluxos de comércio e de cadeias produtivas Eficiência e efetividade nos processos econômicos e de proteção ambiental Qualidade e produtividade dos bens e serviços Uso de meios de tecnologias de comunicação

Convergência Normativa

Realização de compatibilização de regras e normas nos países

Coordenação públicoprivada

Realização de parcerias da iniciativa privada e dos governos

Fonte: Autor a partir do site www.iirsa.org. Acessado em: 18 fev.2010.

Esses princípios orientadores estão assim definidos: O primeiro –Regionalismo Aberto – contempla uma política de redução das barreiras internas ao comércio transnacional, o que perpassa o estímulo a investimentos em infraestrutura e aos sistemas de regulação e operação. O segundo princípio - sustentabilidade econômica, social, ambiental e político-institucional -, contempla o alcance da eficiência e efetividade nos processos produtivos, o impacto visível do crescimento econômico na qualidade de vida da população, o uso conseqüente dos recursos naturais e a conservação do patrimônio ecológico. O fomento de condições para que agentes públicos e privados participem do processo de desenvolvimento e da integração, bem como o aumento do valor agregado da


256 Antonio Eduardo Alves de Oliveira produção contemplam o aperfeiçoamento constante da qualidade e produtividade dos bens e serviços. Já a Tecnologia da Informação dispõe sobre a superação das barreiras geográficas e operativas por meio de tecnologias de comunicação. Por sua vez, a Convergência Normativa procura ajustar entre os governos as regras que regem as atuações da iniciativa privada e promover a convergência de programas entre os países. A Coordenação público-privada contempla a coordenação e a formação de lideranças compartilhadas entre o governo e o setor empresarial privado. Sobre a relação existente entre os princípios, é importante ressaltar que, inicialmente, ocorre uma diferença nítida entre a política de integração comercial, advogada pelo regionalismo aberto, e a necessidade de articulações nas esferas sociais e culturais do novo desenvolvimentismo. A esse respeito, cabe salientar que a implementação do IIRSA tem um discurso ambíguo, haja vista que o incentivo a parcerias público-privadas e os apoios a grupos empresariais estão nitidamente expresso nos princípios. Em outro sentido, o princípio de Sustentabilidade econômica, social, ambiental e político-institucional passou a considerar a noção de qualidade de vida e de desenvolvimento social. Nessa perspectiva, é oportuno destacar que a chegada de lideranças de esquerda ou de centro-esquerda aos governos de países da região não implicou em uma modificação completa dos princípios da IIRSA. Estes continuaram formalmente os mesmos, com uma forte influência do regionalismo aberto, ou seja, uma grande preocupação com o setor exportador e com as articulações comerciais multinacionais. É bem verdade que, do ponto de vista retórico, houve nos últimos anos mais exortação ao desenvolvimento do que à integração comercial competitiva. Além dos princípios gerais ora elencados, estabeleceram-se os Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID), que apontam para


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a construção de estratégias de desenvolvimento regional, a partir da organização do espaço sul-americano em faixas multinacionais que concentram fluxos de comércio atuais e potenciais para promover o desenvolvimento de negócios e cadeias produtivas. O modelo da IIRSA vem da experiência brasileira de planejamento territorial, conhecida como Estudo dos Eixos, realizada pelo Ministério do Planejamento (MP), em conjunto com o BNDES, no ano 2000. Trata-se de um instrumento que delineia o país a partir de regiões identificadas por seu inter-relacionamento econômico. A partir de meados dos anos 2000, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso e, posteriormente, no governo Lula, vários programas sociais e de infraestrutura econômica passaram a ser executados em eixos de desenvolvimento, que abarcavam áreas transfronteiriças entre diferentes Estados da federação brasileira. Este rápido desenvolvimento tem impulsionado alterações nas políticas de desenvolvimento regional do governo federal brasileiro no ultimo decênio. Num momento de aumento da complexidade das demandas sociais e das modificações econômicas, os planos e os projetos para a região nordeste expressam as significações políticas das ações do poder público em relação às clivagens regionais brasileiras na atualidade. As políticas públicas fomentadas pelo governo federal nos últimos anos (governo FHC, mas, sobretudo, o governo Lula), revelam uma importante mudança no discurso sobre planejamento governamental, pois mesmo tendo referências à noção de desenvolvimento, a tônica central é a substituição da noção clássica do desenvolvimentismo pela noção de combate a pobreza. Dessa forma, a trajetória recente da ação governamental, pode ser explicitada pelos planos, diretrizes e projetos da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) formulada pelo


258 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Ministério da Integração Nacional. Na PNDR, os desafios da redução das desigualdades regionais no Brasil são encarados como um aspecto central a ser enfrentado. De um ponto de vista geral, o estabelecimento de critérios, prioridades e tipologias contidas tem como eixo a busca da articulação entre os diferentes setores (públicos e privados) em torno das realidades territoriais. A PNDR fundamenta a necessidade de políticas compensatórias para superar ou minimizar as clivagens regionais. Assim, a enorme freqüência dos termos inclusão e satisfação das necessidades básicas contidas nas ações e diretrizes do governo evidencia sinais contundentes da existência de um novo modelo de desenvolvimento. Esta nova agenda de política social bastante priorizada pelo governo federal, não é, porém, algo preconizado de maneira isolada no Brasil. Kraychete (2006) destaca que as formulações sobre uma nova imagem do Estado como articulador de ações que ultrapassem as fronteiras do estritamente econômico, fomentador de programas sociais visando o combate à pobreza são bastante enfatizadas no discurso desenvolvimentista do Banco Mundial. Assim, a definição dos eixos, embora apresente critérios variados, abarca questões ambientais e características culturais; entretanto, o fator mais evocado para a definição da sub-região como eixo é, sobretudo, a ligação econômica de cadeias produtivas. O estabelecimento de eixos de integração na América do Sul, abarcando quase a totalidade dos países da parte sul do continente americano, representa um exemplo importante dos processos de reestruturação territorial que têm ocorrido em escala mundial. A constituição dos dez Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID), ou eixos estratégicos, aponta para uma importante articulação de espaços subnacionais, além das fronteiras nacionais.


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259

Mapa 6

Fonte: DURAND, et al, Atlas de mundialização, 2009

A iniciativa pretende, através de dez eixos de integração, muitas vezes interligados e criados para facilitar o reordenamento territorial da América do Sul, traçar novas rotas adequadas à geografia econômica do presente século. Esses Eixos são: Andino, Escudo das Guianas, Amazonas, Peru-Brasil- Bolívia, Interoceânico Central, Capricórnio, MERCOSUL-Chile, Sul, Hidrovia ParaguaiParaná e Sul Andino.


260 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Dos quatro eixos da IIRSA que recortam a Amazônia, três têm sua expansão rumo ao Pacífico, e apenas um rumo ao Caribe, evidenciando que a integração continental da América do Sul, liderada pelo Brasil, tem objetivos geoestratégicos muito específicos de inserção na economia internacional. O eixo do Amazonas é considerado um dos principais da iniciativa, não somente devido ao seu caráter estratégico, mas também em função das potencialidades e riquezas naturais da região. Leva-se em consideração que a Amazônia é uma região de importância primordial no desenvolvimento dos processos de integração física, das comunicações e da energia, de modo a permitir a aproximação dos mercados intra-amazônicos. Cada um dos eixos da iniciativa foi delimitado a partir de sua vocação produtiva, que envolve as atividades econômicas atualmente dominantes e a infraestrutura básica existente, além das potencialidades a serem desenvolvidas tendo-se como referência a visão de negócios. Ao todo, tem-se uma carteira composta por 514 projetos com um custo total de, aproximadamente, US$ 86 bilhões3. No mapa 6 - Projetos de Eixos estratégicos na América do Sul – é possível visualizar como ocorrem as articulações das regiões transnacionais no espaço sul americano, corroborando a afirmação de Senhoras (2008) sobre a importância do regionalismo enquanto política espacial na agenda internacional. O projeto de Integração da Infra-estrutura Regional na América do Sul (IIRSA) pode promover mecanismos de complementaridade, aumentando a interdependência tanto entre os países da região, quanto entre os blocos MERCOSUL e Comunidade Andina. Tomando por exemplo o eixo Peru-Brasil-Bolívia, percebe-se como a formação de um eixo transnacional de desenvolvimento abarca subregiões brasileiras, peruanas e bolivianas, visando ao estabelecimento de uma rede produtiva, econômica e de energia entre países. 3- Informações sobre cada um dos projetos poderão ser encontradas no link: www. iirsa.org/proyectos.


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261

Vale também registrar que as relações gerais entre os eixos de desenvolvimento e a execução dos projetos não são idênticas. Dentre todos os projetos que compõem a carteira da IIRSA, trinta e um deles fazem parte da denominada Agenda de Implementação Consensual (AIC), firmada para 2005-2010, sendo considerados como prioritários, a partir da validação dos países participantes. Desse total, nove estão sob a responsabilidade ou têm participação do Brasil. Os projetos da Agenda de Implementação Consensual, bem como algumas de suas características, estão listados no quadro abaixo: Quadro 11 Projetos da Agenda de Implementação Consensual da IIRSA Título do Projeto

Países Envolvidos

Investimento Previsto (milhão US$)

Tipo de Projeto

1) Duplicação da Rota 14

Argentina

780

Transporte

247,5

Transporte

35

Transporte

989

Transporte

3.000,00

Transporte

286

Transporte

7) Gasoduto do Nordeste Argentino Argentina

1.000,00

Energia

8) Construção da Ponte Binacional Argentina e Salvador Mazza-Yacuiba Bolívia

10

Transporte

9) Nova Ponte Presidente FrancoPorto Meira e Centro de Fronteira

Brasil e Paraguai

75

Transporte

10) Construção da Estrada PailónSan José- Puerto Suarez

Bolívia

417

Transporte

2) Adequação do Corredor Rio Branco-Montevidéo-Colônia-Nueva Uruguai Palmira 3) Construção da Ponte Internacional Brasil e Jaguarão-Rio Branco Uruguai 4) Duplicação do Tramo PalhoçaOsório (Rodovia MERCOSUL)

Brasil

5) Projeto Ferroviário Los Andes- Argentina e Mendoza Chile 6) Rota Internacional 60 CH (setor Valparaíso-Los Andes)

Chile


262 Antonio Eduardo Alves de Oliveira 11) Anel Ferroviário de São Paulo (Norte e Sul)

Brasil

300

Transporte

12) Posto de Fronteira Infante Rivarola-Cañada Oruro 13) Construção da Estrada Cañada Oruro-Villamontes-Tarija-Estación Abaroa

Bolívia e Paraguai

1,7

Transporte

Bolívia

366

Transporte

14)Estrada Toledo-Pisiga

Bolívia

92

Transporte

15)Reabilitação da Estrada IquiqueColchane

Chile

29

Transporte

16) Reabilitação do Tramo El Sillar

Bolívia

120

Transporte

7,5

Transporte

4

Transporte

108

Transporte

Colômbia

308

Transporte

Peru

628,8

Transporte

Peru

314,2

Transporte

23) Porto Francisco de Orellana

Equador

105,3

Transporte

24) Pavimentação Iñapari-Puerto Maldonado-Inambari, InambariJuliaca/Inambari-Cusco.

Peru

1.342,00

Transporte

25) Ponte sobre o Rio Acre

Brasil e Peru

12

Transporte

26) Estrada Boa Vista-BonfimLethem-Georgetown

Brasil e Guiana

25

Transporte

27) Ponte sobre o Rio Takutu

Brasil e Guiana

10

Transporte

17) Centro Binacional de Atenção na Bolívia e Fronteira Desaguadero Peru Colômbia, 18) Posto de Fronteira Cúcuta-San Equador e Antonio del Táchira Venezuela. 19) Recuperação da Navegabilidade Colômbia pelo Rio Meta 20) Estrada Pasto-Mocoa 21) Estrada Paita-TarapotoYurimaguas, Portos e Centros Logísticos 22) Estrada Lima-Tingo MaríaPucallpa, Portos e Centros Logísticos.


Blocos regionais e desenvolvimento:União Europeia e Mercado Comum do Sul 28) Estrada Venezuela (Ciudad Guiana, Guayana)-Guiana (Georgetown)- Suriname e Suriname (Paramaribo) Venezuela 29) Melhorias na Via Nieuw Nickerie-Paramaribo-Albina e junção Suriname Internacional sobre o Rio Marowijne 30) Exportação por Envios Postais Todos para PyMEs

263

110,8

Transporte

50

Transporte

2,5

Comunicação

31) Implementação de Acordo de Roaming na América do Sul

Todos

0,4

Comunicação

Total:

10.776,20

Fonte: Disponível em: www.iirsa.org. Acessado em: 18 fev. 2010.

Os principais processos setoriais de integração propostos pela IIRSA envolvem, principalmente, ações específicas para estimular o desenvolvimento de sub-regiões nas áreas de tecnologia da informação e comunicação, sistemas operativos de transporte aéreo, facilitação de passos de fronteira, sistemas operativos de transporte marítimo e integração energética entre os países.


264 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Mapa 7 Obras de Infra-estrutura da Agenda Consensuada da IIRSA (2005-2010)

Fonte: IIRSA (2006) IN: SENHORAS e CAVALLER(s/d). Acesso em 20 fevereiro. 2010

Como se pode notar no quadro 11 e no mapa 7 sobre os projetos consensuais, observa-se que 29 destes tratam da articulação de uma rede de transporte em cada eixo de desenvolvimento, ou seja, quase a totalidade dos 31 projetos consensuais. Além disso, ao examinar de forma mais minuciosa os projetos consensuais, uma das chamadas vias de desenvolvimento da integração regional na América do Sul – a construção de uma rede de comunicação física dos eixos – envolve uma forte articulação e imbricação com as regiões fronteiriças do território brasileiro.


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265

A maior parte das obras previstas da IIRSA encontra-se fora do Brasil e em áreas fronteiriças. Dessa maneira, a escala regional das obras previstas na IIRSA concretiza-se ocupando espaços cada vez maiores, com o conseqüente aumento de conflitos sociais e ambientais, decorrente dos efeitos sobre o ambiente natural, devido à expansão da economia. Conforme Senhoras (2008), o eixo da infraestrutura regional visando a integração será direcionado primeiramente, por uma divisão setorial: as três grandes áreas (energia, transportes e comunicações) receberão tratamentos específicos. Em cada uma delas há que se proceder, também, a um exame detalhado da principal iniciativa já existente no âmbito regional para as obras de infraestrutura: a Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). O conjunto das 31 prioridades escolhidas no rol dos mais de 100 projetos listados originalmente é objeto de polêmica, em virtude do caráter das obras (seria muito mais voltado ao escoamento da produção em direção aos mercados consumidores centrais, o que aprofundaria o perfil primário exportador e não contribuiria para o aumento efetivo da integração). O terceiro eixo engloba uma série de questões relacionadas à estrutura produtiva (em um sentido amplo, não apenas industrial), ao investimento direto estrangeiro e ao comércio internacional. Sem embargo, a iniciativa obedece ao modelo de liberalização dos mercados e extração de recursos, em que se observa que um dos seus principais objetivos é o de facilitar a exportação de matériasprimas. Para isso, prevê 507 grandes obras em 20 anos, com um investimento total estimado em 70 bilhões de dólares. Com essas obras, os rios, as populações e regiões inteiras poderão ser entregues às grandes empresas, em nome de um desenvolvimento cujos custos e benefícios não têm sido ainda corretamente mensurados. Assim, estão previstos projetos de construção de pontes ou modernização da malha viária, como o Projeto 3 - Construção da


266 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Ponte Internacional Jaguarão - Rio Branco (ligando Uruguai-Brasil), com orçamento previsto de 35 milhões de dólares; Projeto 4 Duplicação do Tramo Palhoça-Osório (Rodovia MERCOSUL), orçada em 989 milhões de dólares; Nova Ponte Presidente Franco-Porto Meira e Centro de Fronteira Brasil e Paraguai, com orçamento de 989 milhões de dólares; Construção da Estrada Pailón - San José- Puerto Suarez ( Bolívia), orçada em 417 milhões de dólares, entre outros listados no Quadro 11. Os Projetos da Agenda de Implementação Consensual da IIRSA evidenciam que esta procura fortalecer a integração continental da América do Sul, através do reforço considerável no investimento em obras de integração física nas ligações fronteiriças e na formação de corredores de interligação transnacional, visando aumentar o potencial de desenvolvimento econômico dos países da região. A imensa concentração da estrutura produtiva, regional e em cada uma das principais economias, tem originado medidas de incentivo a novas políticas produtivas articuladas em novos eixos de desenvolvimento no âmbito regional. Na questão territorial regional, realiza-se um mapeamento da sua situação (distribuição, desempenho, tendências), bem como se direcionam esforços na elaboração de diretrizes políticas para seu ordenamento e eventual direcionamento. Como salienta Dabene (2007), por meio da integração os países decidem institucionalizar sua interdependência, indo além do estabelecimento de acordos de livre comércio e da constituição de uniões aduaneiras. Nesse sentido, mesmo o MERCOSUL não consegue estabelecer fortes instituições transnacionais, pois para isso é preciso reunir determinadas condições estruturais a fim de modificar as relações entre os paises membros. A estrutura de funcionamento da IIRSA, ainda que de maneira restrita, busca acionar engrenagens intergovernamentais, visando constituir organismos supranacionais de integração. A participação de diversos atores de diferentes países provoca uma permanente


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discussão e negociação sobre a quota de poder e seus mecanismos de participação. No âmbito da IIRSA, a coordenação nacional tem, entre suas funções: a) representar a iniciativa no interior do país, levando adiante todas as ações necessárias para a compreensão e difusão dessas atividades; b) articular a participação setorial, tanto pública quanto privada, nos distintos Grupos Técnicos Executivos; c) avaliar os termos de referência para a contratação de assistências técnicas, realizadas pelo Comitê de Coordenação Técnica (CCT), como parte de suas ações, quando o objetivo maior é o estudo de projetos com base geográfica no país que representa a coordenação; d) avaliar com o CCT as orientações gerais para a elaboração de estudos relacionados aos processos setoriais; e) realizar reuniões periódicas para analisar os avanços nos planos de ação anuais aprovados pelo Comitê de Direção Executiva (CDE); e f) preparar, em conjunto com o CCT, a agenda e documentação para a reunião do CDE. A coordenação nacional da IIRSA, exercida no Brasil pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), tem o papel de coordenar a participação do país nas diversas instâncias que surjam no processo de execução do plano de ação, articulando a participação dos setores de governo nacionais e subnacionais, assim como de outros setores relevantes da sociedade. A coordenação nacional deve ter também uma relação direta com o representante nacional no Comitê de Direção Executiva (CDE), do qual emanarão as estratégias políticas com relação à coordenação dos planos, marcos regulatórios, regulamentação e questões institucionais. Por fim, a coordenação nacional deve trabalhar em sintonia com o Comitê de Coordenação Técnica (CCT), do qual receberá a assistência técnica para implementar as diversas ações definidas pela iniciativa. O funcionamento da estrutura institucional da IIRSA tem um aspecto intergovernamental como se pode ver no Fluxograma 4 – Esquema da estrutura institucional da IIRSA: as coordenações


268 Antonio Eduardo Alves de Oliveira nacionais têm uma forte preponderância. Entretanto, a cooperação entre os países da região, em torno de uma articulação transnacional elaborando projetos comuns, já representa uma experiência de integração efetiva na região. Uma questão importante é saber se em um futuro próximo a estratégia de articulação de eixos transnacionais e transfronteiriços de desenvolvimento para além do seu resultado econômico de elevação da cooperação entre os paises, poderão promover uma passagem do terreno econômico para o terreno político em uma América do Sul, que tem uma integração errática e com heterogeneidades de desenvolvimento entre seus países. DO MERCOSUL O MERCOSUL surge no ápice do regionalismo aberto dos anos 1990. Nessa época, ocorre a ampliação dos fluxos comerciais internacionais e a proliferação de acordos de livre comércio, a qual favorecia a integração comercial dos países e prometia vantagens para todos os participantes. Entretanto, depois de quase vinte anos de existência, o MERCOSUL não conseguiu corresponder plenamente às expectativas dos países participantes, sobretudo para o Paraguai e o Uruguai. A falta de harmonização das políticas monetárias e fiscais, a ausência de uma política de concorrência comum, a adoção de diferentes políticas de incentivos às exportações, por parte dos governos, e até a recente criação do Fundo de Convergência Estrutural (FOCEM), a inexistência de uma política para lidar com essas assimetrias afetaram as condições de competitividade intra-bloco de tal maneira que os benefícios e custos da integração não são distribuídos equitativamente. Como consequência direta das assimetrias estruturais entre os sócios, observamos um fenômeno que tem colocado em xeque


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o processo de aprofundamento da integração: a persistência do comércio intra-bloco desequilibrado a favor do Brasil. Dos membros participantes, o Brasil é o único que registra superávits no comércio com o bloco, cuja constatação tem suscitado nos demais sócios a percepção de que a integração somente beneficia o Brasil e, consequentemente os incentivos foram reduzidos, de modo que somente em 2005 o intercâmbio voltou a crescer. O maior tamanho e diversificação da economia brasileira em relação aos demais membros (sobretudo Uruguai e Paraguai) fazem com que a Tarifa Externa Comum (TEC) do bloco reflita a estrutura tarifária e os interesses comerciais do Brasil, dificultando a criação de uma União Aduaneira plena, minando, portanto, as possibilidades de criação de instituições supranacionais ou menos vulneráveis às mudanças de governos nacionais. Como salientam Souza, Machado Oliveira e Gonçalves (2010), a literatura sobre assimetrias em processos de integração regional destaca dois tipos fundamentais: por um lado, existem as assimetrias estruturais e, por outro lado, existem as assimetrias conjunturais decorrentes da construção da agenda da integração. Primeiramente, é importante assinalar a existência de assimetrias estruturais entre países – entendidas como aquelas que se originam de diferenças quanto à dimensão econômica, posição geográfica, dotação de fatores, acesso à infraestrutura regional, qualidade institucional e nível de desenvolvimento. Essas assimetrias constituem um dos principais desafios ao processo de integração regional promovido pelo Mercado Comum do Sul. Por sua vez, as assimetrias nos processos de integração comercial, como no caso do MERCOSUL, relacionam-se com a imbricação entre as economias menores com economias mais possantes. As assimetrias são reforçadas quando a agenda estabelecida pelas nações maiores (Argentina e, especialmente, Brasil) acaba por provocar um forte descompasso para os sócios menores.


270 Antonio Eduardo Alves de Oliveira As assimetrias geradas pela agenda ou pelas políticas adotadas no processo de integração podem amplificar ou fazer retroceder as assimetrias estruturais entre e no interior dos países participantes. Como vimos no primeiro capítulo, o desenvolvimento não é algo homogêneo, sendo desigual entre diferentes regiões nacionais e entre países. Uma questão importante – que aparece como fundamental nos processos de integração regional neste início de século XXI – é a possibilidade de uma coordenação compartilhada, a qual permita o desenvolvimento de mecanismos de coesão social e territorial entre os Países-membros. Em outras palavras, um conjunto de políticas regionais comuns que possam desenvolver estratégias de associação e cooperação visando ao enfrentamento das problemáticas associadas com as desigualdades de desenvolvimento. A teoria da integração regional dá ênfase a que num processo de integração a probabilidade de ganhos com o comércio é maior se os países participantes têm sistemas econômicos parecidos. (...) Como foi mostrado, semelhança nas estruturas econômicas nunca foi uma característica do MERCOSUL, e não houve evolução clara no sentido de uma convergência ao longo do tempo. (BAUMANN; MUSSI, 2006. p.26).

A integração econômica produz vantagens quando promove a interligação entre as economias, aumentando o aproveitamento da especialização e da produção econômica em escala ampliada. O MERCOSUL traz, parcialmente, essas vantagens; além disso, apresenta-se como uma alternativa à marginalização da América do Sul no mercado econômico mundial. Entretanto, analisando os indicadores socioeconômicos do MERCOSUL, as disparidades sócioeconômicas entre seus membros plenos são um dado marcante. BAUMANN; MUSSI (2006) relata que somente nos anos iniciais antes da crise de desvalorização do peso


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argentino e do real brasileiro é que os sócios menores conseguiram algum tipo de vantagem no bloco. Uma dimensão das propostas de cooperação visa à geração de uma rede de transferência unilateral que permita aos países instituírem relações de cooperação baseadas em princípios diferentes do interesse nacional. Os países mais pobres precisam receber mais que acesso ao mercado, sendo necessário adicionar outros apoios que compensem a captura de parte dos recursos e dos benefícios, no intuído de gerar integração. O modelo gerado pela concepção liberal de integração na América do Sul, e em especial no MERCOSUL, tem gerado cada vez mais conflitos entre os participantes, pois aumenta o descompasso entre os países. Assim, para a construção do MERCOSUL, composto de países muito diferentes em termos de tamanho, características estruturais e níveis de desenvolvimento, é necessário a adoção de medidas mais flexíveis, em termos comerciais e a promoção de medidas compensatórias diante das assimetrias. O problema das assimetrias gerou a percepção, sobretudo nos dois sócios menores, de que os beneficiários do processo de integração foram Argentina e, especialmente, Brasil. No Paraguai e Uruguai reclama-se o pagamento dos custos de participação na União Aduaneira sem a obtenção de maiores vantagens, devendo os países padecerem as consequências de causas externas negativas, como a crise do Real e o default argentino, sem sequer existir uma instituição eficiente através da qual pudesse canalizar suas demandas. Um especialista paraguaio afirma que no seu país percebe-se que o MERCOSUL conduziu os países pequenos a diminuírem seu comércio com o mundo sem compensações. A ambivalência e o paradoxismo da globalização em relação às diferentes dimensões da vida (economia, política, cultura, etc.) e a imbricada e complexa interface entre as diferentes escalas na atualidade têm acentuado as características contraditórias e


272 Antonio Eduardo Alves de Oliveira desiguais do Nordeste brasileiro. Em relação ao conjunto nacional, ao global e dentro da própria região, existe hoje, mais do que nunca, uma amálgama entre diferentes formas de configurações sociais e econômicas as quais se combinam de maneira diferenciada. Portanto, essa temática que já existe no processo de integração Europeia – pelo menos desde meados anos 1970 –, tem suscitado discussões acaloradas no interior do MERCOSUL. A despeito do caráter inicial dos debates, é importante ressaltar que a questão de políticas comuns para diminuir assimetrias tende a despontar como uma realidade cada vez mais relevante. Primeiramente, como uma medida defensiva para evitar a desintegração do bloco (inclusive diante dos reclamos do Paraguai e do Uruguai), e em segundo lugar, pela pertinência de uma política regional com aspecto de integração positiva, qual seja, a criação de mecanismos para intensificar a integração tanto territorialmente quanto em outros terrenos (educação, comunicação, saúde, formação profissional, combate ao desemprego, meio ambiente, cultura etc.), através de políticas públicas compartilhadas. De certa forma, a questão das assimetrias entre os países se expressa concretamente com a adoção de um fundo de desenvolvimento comum entre os participantes do MERCOSUL. Porém, antes de proceder a uma análise das medidas e da abrangência da política expressa pelo FOCEM, convém abordar o quadro geral das principais assimetrias entre os países participantes do bloco. Uma dificuldade para o enfrentamento das assimetrias no interior do bloco se evidencia sob o ponto de vista comercial, já que o estreitamento das relações comerciais não ocorre de maneira completa, isso porque cada país mantém sua própria pauta externa. Além disso, do ponto de vista interno, até mesmo cada região (infranacional) procura gerar mecanismos particulares para a atração de investimento e para a capacitação de recursos. Por outro lado, existe uma tensão permanente entre os membros do MERCOSUL, pois os países do bloco têm adotado


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parceiras bilaterais com países desenvolvidos fora do bloco, o que a longo prazo pode comprometer até mesmo a existência do bloco. Uma dificuldade para o estudo das assimetrias é a carência de fontes de estatísticas padronizadas. Para uma análise das assimetrias entre esses países, na tabela 11 e tabela 12 foram utilizados, como fonte de pesquisa, os dados reunidos pelos pesquisadores Souza, Oliveira e Gonçalves (2010) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em estudo recente sobre o tema. Primeiramente, para uma visão geral das assimetrias entre os integrantes do MERCOSUL, são apresentados, na tabela 11, os indicadores sobre a população, o PIB e o PIB per capita. Tabela 11 MERCOSUL: Indicadores Selecionados – 2008 População PIB per capita PIB (PPP, em País (milhares de (PPP, em US$) bilhões de US$) pessoas) 10.465,80 Brasil 191.870 1.981,21 14.408,32 Argentina 39.750 572,86 4.785,98 Paraguai 6.150 29,40 12.784,53 Uruguai 3.200 42,54 10.611,16 MERCOSUL 240.970 2.626,01 Fonte: Fundo Monetário Internacional (FMI) In: Souza; Oliveira; Gonçalves (2010)

Ao analisar os indicadores selecionados na tabela acima, podem ser observadas as diferenças existentes entre o Brasil e os demais países do bloco, em termos populacionais e econômicos. Com uma população que representa quase 80% daquela do bloco, e com um PIB superior a 75% do PIB do conjunto de países-membros, o Brasil desponta, à primeira vista, como o gigante, líder do processo de integração, com indicadores que destoam de forma significativa, dos demais países-


274 Antonio Eduardo Alves de Oliveira membros. Contudo, tomando-se o PIB per capita para análise, temse um quadro no qual, não obstante a significativa melhora desse indicador no Brasil nos últimos anos, a Argentina apresenta o mais expressivo resultado, seguida de Uruguai, em PIBs medidos pela PPP. Assim, ao contrário da União Europeia, em que os tamanhos e os graus de desenvolvimento das economias nacionais tendem a coincidir, no MERCOSUL observa-se que o maior país em termos populacionais e econômico não apresenta o maior PIB per capita da região. Foram acentuadas as diferenças nas estruturas produtivas e de comércio externo dos quatro países, assim como foram ampliadas as diferentes condições de atração de investimento externo. (DE DEOS, 2009). Na Tabela 10 - Investimento Externo Direto Líquido (US$ milhões) é possível perceber as diferentes capacidades de atração do investimento externo. Tabela12 - Investimento Externo Direto Líquido (US$ milhões) Pais Argentina Brasil Paraguai Uruguai

1991-95 3782 2477 104 83

2001-2005 3183 16510 54 308

Fonte: Cepal (2006)

Comparando agora o Investimento Externo Direto Líquido dos países do MERCOSUL, percebe-se nitidamente a diferença do grau de investimento nos países e, consequentemente, o posicionamento no mercado mundial. Observa-se, nesse quadro que dois países – Paraguai e Argentina – diminuíram os investimentos externos direto. O primeiro passou de 104 milhões de dólares, no período de 1991-95, para 54 milhões de dólares no período 2001-2005; e o último, que obteve 3.782 milhões de dólares, no primeiro período analisado, sofreu redução para 3.183 milhões de dólares no segundo período.


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275

De acordo com o mesmo quadro, o Uruguai, por sua vez, passou de 83 milhões de dólares, em 1991-95, para 308 milhões de dólares em 2001-2005. Já o Brasil recebeu 2.477 milhões de dólares em 1991-95 e passou a 16.510 milhões de dólares em 2001-2005. Com base nessas informações é importante assinalar o declínio da economia argentina, cujo país, na década de 1990, atraía mais investimentos do que o Brasil, e agora não somente foi ultrapassado pela economia brasileira, como também teve uma regressão em números absolutos dos investimentos estrangeiros diretos. Em relação aos dados de desenvolvimento humano, é importante notar, por meio do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do Índice de Gini4, as discrepâncias entre os países participantes do MERCOSUL. O Índice de Gini afere o grau de desigualdade existente na repartição da renda domiciliar per capita, ou seja, quanto maior o índice, maior a desigualdade. Por sua vez, o IDH é medido a partir do PIB per capita, pela longevidade e pelos indicadores educacionais – estes são calculados através do número de analfabetos e da taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. A variação é de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo da unidade, maior o desenvolvimento humano. Tabela 13- MERCOSUL: IDH e Desigualdades – 2007

País Brasil Argentina Paraguai Uruguai

IDH 0,813 0,866 0,761 0,865

Ranking IDH 75 49 101 50

Índice de Gini 55,0 50,0 53,2 46,2

Fonte: Souza, Oliveira e Gonçalves (2010).

Em relação aos dados sobre o desenvolvimento humano, chama a atenção que o Brasil, apesar do seu desenvolvimento 4- Para maiores informações sobre o Índice de Gini e IDH, consultar <www.pnud. org.br>.


276 Antonio Eduardo Alves de Oliveira econômico, apresenta indicadores inferiores aos da Argentina e do Uruguai, ficando à frente apenas do Paraguai. O Brasil apresentava IDH de 0,813, sendo o 75º no ranking do PNUD, enquanto a Argentina, com IDH de 0,866, estava na 49ª posição, e o Uruguai, com IDH de 0,865, na 50ª posição do ranking. O Paraguai aparecia na 101ª posição, com IDH de 0,761. Por sua vez, a comparação do Índice de Gini, dos países do MERCOSUL, permite avaliar o grau de concentração de renda no país. Nesse aspecto, o Brasil aparece como o país com maior concentração e desigualdades, logo em seguida o Paraguai. Além das questões relativas ao não-cumprimento da efetivação de uma zona de livre-comércio e de inconstância institucional, os Países-membros do MERCOSUL também passaram por crises macroeconômicas significativas, o que gerou mais dificuldades para o processo de integração. Tabela 14 - Percentual da População em Extrema Pobreza (% da população

total) Pais Argentina Brasil Paraguai Uruguai

1990 8,2 23,4 35,0 3,4

2004 16,9 14,2 33,2 1,9

Fonte: CEPAL (2005)

A tabela 14, na qual se apresenta dados sobre a pobreza, verifica-se as diferenças no grau de desenvolvimento social nos países do MERCOSUL. A esse respeito, é interessante notar que o número de pessoas na faixa de risco de extrema pobreza é considerável nos Países-membros do bloco.


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Constata-se, pelas informações constantes na tabela 14, que o Paraguai e o Uruguai são os dois polos opostos em relação à percentagem de pobres na população. O índice do Paraguai chama a atenção, pois, apesar da redução de 35% (1990), para 33,2 %( 2004), mais de um terço da população encontra-se na faixa de pobreza extrema. Por sua vez, os índices do Uruguai que na década de 1990 já era um dos menores do mundo, com 3,4 %, despencaram para 1,9 em 2004. Diferentemente dos seus parceiros do MERCOSUL, a Argentina foi o único país que aumentou a porcentagem de pobres em relação ao conjunto da população – de 8,2 %, em 1990, para 16,9, em 2004 –, ou seja, pouco mais do que o dobro do índice. Por sua vez, o Brasil reduziu de 23,4, em (1990), para 14,2, em 2004, ainda um índice muito alto diante do grau de crescimento econômico do país. No caso da Argentina, é importante salientar que a crise do inicio do século XXI, levou o país literalmente à falência em 2001, com fortes índices de desemprego e desindustrialização. Tais problemas têm afetado a própria perspectiva de integração do turismo na região. Nesse sentido, como resolver a problemática da coesão e da pobreza nos processos de integração? Em suma, o tratamento do problema das assimetrias supõe um esforço conjunto para a criação de uma infraestrutura regional, rodoviária, energética e de telecomunicação que permita homogeneizar as condições econômicas e sociais, agindo como motores neo-keynesianos de emprego regional e impactando em áreas e populações que são hoje marginais nas políticas nacionais. Seria um grave erro imaginar que o desenvolvimento regional poderia ser efetivo e promissor em meio a essa situação de fortes assimetrias no interior das próprias sociedades nacionais. Giambiagi e Barenboim (2005) destacam que o desenvolvimento do MERCOSUL, como um todo, precisa equacionar a problemática da distribuição dos benefícios entre os Países-membros.


278 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Uma das criticas ao processo recente de integração é que, ao adentrar em novas áreas no processo central da integração econômica, observa-se que os fluxos comerciais pouco se desenvolveram. Não houve, portanto, uma harmonização de regras relativas à atividade produtiva e à convergência de práticas normativas ou institucionais, de modo a se poder avançar em outros terrenos que são essenciais, até mesmo estratégicos, para o aprofundamento e a consolidação da integração, que são a convergência de políticas macroeconômicas e a possível coordenação de políticas setoriais. Para se ampliar o debate acerca do problema das assimetrias no MERCOSUL, há que se levar em conta a análise desses dados socioeconômicos agregados em âmbito nacional e a dos indicadores por regiões. O que se propõe é sair de uma lógica puramente nacional sobre as assimetrias no bloco e realizar uma análise mais aprofundada, trazendo à baila as subdivisões internas nos Estados-membros do MERCOSUL. Com essa metodologia, serão evidenciados aspectos importantes no que tange às desigualdades regionais e às carências de cada país. Tabela 15-Regiões abaixo de 75% da média do PIB per capita do MERCOSUL País Brasil Argentina Paraguai Uruguai

Número de População regiões 16 67.170.053 9 8.188.523 1 6.068.000 0 0 26 81.426.576

T o t a l MERCOSUL Fonte: IBGE, Cepal In: Salgado (2008).

% da população total 36,30 21,42 100,00 0 34,98


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Mapa 8. As Regiões do MERCOSUL, segundo PIB per capita Mapa 6.1- Regiões do MERCOSUL segundo PIB per capita

Fonte: SALGADO, (2008

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280 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Tabela 16. MERCOSUL: PIB per capita por regiões e IDH por regiões– 2004 PIB per capita País, Estado e Província. Valor IDH (US$) Maranhão, BR 856 0,636 Piauí, BR 901 0,656 Paraguai, todo o país 1.145 0,755 Tocantins, BR 1.177 0,710 Alagoas, BR 1.208 0,649 Paraíba, BR 1.298 0,661 Formosa, AR 1.620 0,747 Sgo. Del Estero, AR 1.639 0,757 Rio Grande do Norte, BR 1.673 0,705 Corrientes, AR 1.767 0,758 Pernambuco, BR 1.786 0,705 Chaco, AR 1.883 0,755 Salta, AR 1.944 0,765 Rondônia, BR 1.945 0,735 Bahia, BR 1.979 0,688 Uruguai, todo o país 3.851 0,840 Río Negro, AR 3.855 0,794 La Pampa, AR 4.145 0,793 Rio Grande do Sul, BR 4.151 0,814 São Paulo, BR 4.278 0,820 San Luis, AR 4.517 0,768 Rio de Janeiro, BR 4.562 0,807

Chubut, AR Neuquén, AR Distrito Federal, BR Santa Cruz, AR Tierra del Fuego, AR Ciudad de Bs. As., AR

4.695 5.794 5.944 6.713 9.183 12.950

0,816 0,801 0,844 0,819 0,8231 0,836

Fonte: Ministério das Relações Exteriores (MRE), PNUD. In: Souza; Oliveira; Gonçalves (2010)

Um dos critérios para avaliar as assimetrias entre os países e as diferentes regiões (infranacional) de uma integração regional são as discrepâncias do PIB per capita. Na política regional Europeia, o foco da desigualdade entre regiões e o atraso das menos favorecidas, são medidos, em geral, pelo PIB per capita.


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Na Tabela 14 - MERCOSUL: PIB per capita por regiões e IDH por regiões – 2004, observa-se a variação entre as diferentes regiões da Argentina e do Brasil, bem como do Uruguai e do Paraguai. Por sua vez, a tabela 5 aponta as regiões abaixo de 75% de média de PIB per capita do MERCOSUL. Em relação às disparidades de desenvolvimento, o Paraguai (em seu conjunto) é o país que se encontra abaixo da média 75% do PIB per capita do MERCOSUL. Em situação oposta, encontra-se o Uruguai, que desta média. Conforme aborda Coronel (2008), a partir de informações da Direção Geral de Estatística Geral do Paraguai (2002), o Paraguai é um país fundamentalmente agropastoril e carece de infraestrutura básica, pois somente 60% da população têm eletricidade e apenas 44% dispõem de água potável. Além disso, 53% das regiões não têm acesso à escola pública, além de ainda existir no país uma forte concentração de terras. Em relação aos dois maiores países do MERCOSUL, existe uma forte concentração econômica e uma disparidade de desenvolvimento entre as regiões, com uma situação mais extrema no Brasil, onde mais de um terço da população vive abaixo da média 75% do PIB per capita do MERCOSUL. A Argentina tem 9 (nove) regiões com uma população de 8.188.523, representando 21,42 da população total do país em regiões abaixo de 75% de média de PIB per capita do MERCOSUL. Enquanto que o Brasil tem 16 (dezesseis) regiões com uma população de 67.170.053 habitantes, representando 36,30 da população total do país em regiões abaixo da média supra citada. Observando a Tabela 14- MERCOSUL: PIB per capita por regiões e IDH por regiões – 2004, percebe-se que o Brasil apresenta os dois piores Estados, em termos de PIB per capita: Maranhão, com US$856 e Piauí, com US$901. Também com relação ao Valor IDH, novamente o Maranhão, com índice de 0,636 e Alagoas, com 0,649


282 Antonio Eduardo Alves de Oliveira apresentam-se em defasagem no cenário do desenvolvimento, haja vista que tais Estados brasileiros demonstraram índices inferiores ao do Paraguai; além disso, como se observa no Mapa, os estados do Nordeste e do Norte têm indicadores bem inferiores à média do MERCOSUL. Segundo Medeiros (2006), a construção do MERCOSUL tem um impacto diferenciado nos Estados brasileiros. Assim, enquanto São Paulo, por exemplo, tem conseguido vantagens importantes com a integração com os sócios do MERCOSUL – o Estado detém um melhor escoamento da produção, devido ao acesso a novos mercados –, outros Estados da federação, como Pernambuco e Bahia, na região nordeste, não tem conseguido a mesma inserção. A esse respeito, Souza, Oliveira e Gonçalves, (2010) afirmam: Uma conclusão importante é que sem uma política regional o Mercosul não tem como evitar o aprofundamento das assimetrias. Dessa forma, se não compensados por meio de políticas regionais, os conflitos distributivos advindos das profundas assimetrias existentes entre os membros do MERCOSUL podem minar a legitimidade do bloco e motivar a oposição de Estados e agentes econômicos subnacionais ao processo de integração. (Souza, Machado Oliveira, Gonçalves, 2010:

Além disso, esses autores chamam atenção sobre uma tendência à concentração econômica com o MERCOSUL, até mesmo no interior do território brasileiro, principal economia do bloco, com os Estados do Sudeste brasileiro, sendo estes os principais beneficiados da integração. Tais Estados são privilegiados por terem uma maior proximidade geográfica com os mercados, pela sua estrutura produtiva diversificada e pela disponibilidade de infraestrutura de transportes (BOUZAS, 2005, LIMA, 2001 e MEDEIROS, 2006).


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A CRIAÇÃO DO FOCEM – MERCOSUL A ausência de uma política de desenvolvimento regional no MERCOSUL representou o não-enfrentamento dos problemas de assimetrias entre e no interior dos países participantes do processo de integração regional. Além disso, a carência de uma visão de conjunto da integração ressaltou as dificuldades e os obstáculos, bem como um retardo ao projeto de integração. A constituição do FOCEM relaciona-se com a percepção de que é preciso criar políticas que possibilitem uma diminuição das assimetrias no interior do bloco regional. A criação do FOCEM, em 2004, foi uma medida adotada para fazer frente às assimetrias existentes no bloco regional. Como fonte inspiradora, foram utilizados os Fundos Regionais da União Europeia, estes que, como já foi abordado, constituem um importante instrumento para reduzir as disparidades no interior da comunidade Europeia. O FOCEM, foi elaborado em 2004, pela Decisão CMC Nº 45/04- “Integração e Funcionamento do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento da Estrutura Institucional do MERCOSUL” e sancionado em 2005, CMC Nº 24/05 “Regulamento do Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL”. Nos documentos fundadores que justificam a criação do fundo, é destacada a necessidade de uma nova ferramenta para o desenvolvimento da integração regional. Mello e Souza (2010) apontam que o FOCEM desempenha um papel crucial, ainda que insuficiente, na compensação das assimetrias estruturais no âmbito do MERCOSUL. O fundo tem valores ainda pequenos e é destinado, em cerca de 80%, para projetos uruguaios e paraguaios. Entretanto, os recursos do fundo podem ser futuramente destinado a regiões com desenvolvimento retardatário nos sócios-maiores (Brasil e


284 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Argentina). A percepção de que a disparidade de desenvolvimento e de inserção das sub-regiões apresenta-se como um obstáculo da integração é algo presente na elaboração do FOCEM. Na visão de Paes Leme (2007), o mérito da criação de fundos de desenvolvimento seria a possibilidade de retomar o espírito integracionista que foi deixado de lado, devido às recentes crises do MERCOSUL. A elaboração do FOCEM provocou muita discussão no âmbito da Comissão dos Representantes Per­ manentes do MERCOSUL (CRPM) acerca do regulamento do novo fundo, que passou a ser implementado a partir de 3 de setembro de 2007. O Conselho do Mercado Comum é que definiu as regras de elegibilidade e dos princípios para a aprovação dos projetos em 2007. A Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SPI/MP), na condição de Unidade Técnica Nacional (UTNF/Brasil) do Fundo de Convergência Estrutural e o FOCEM, conforme previsto nos Artigos 17 e 18 de seu Regulamento (Decreto nº 5.985, de 13 de Dezembro de 2006), tem a função de coordenar, internamente, os aspectos relacionados com a formulação, apresentação, avaliação e execução dos projetos financiados por esse fundo. O Grupo Ad Hoc de Especialistas do FOCEM (GAHE-FOCEM) é composto por pessoal técnico indicado pelos Estados-Partes para auxiliar a UTF/SM. No Brasil, integram o GAHE-FOCEM os representantes dos seguintes organismos: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério da Fazenda, Ministério das Relações Exteriores e Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em um processo marcado por uma pressão constante de países, como o Paraguai e o Uruguai, a constituição de uma política específica para combater as assimetrias no interior do MERCOSUL tem um percurso ainda inicial, em que se mostram as primeiras iniciativas. O quadro abaixo traz um panorama sobre as decisões do Conselho do MERCOSUL e acerca do FOCEM.


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Quadro 12. Decisões CMC/DEC sobre o Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do MERCOSUL (FOCEM). Decisão CMC/DEC 27/03: Prevê o estabelecimento no MERCOSUL de Fundos Estruturais destinados a elevar a competitividade dos sócios menores e daquelas regiões menos desenvolvidas. Decisão CMC/DEC 45/04: Estabelece o Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM). Decisão CMC/DEC 28/06: Aprova o primeiro Orçamento do FOCEM. Decisão CMC/DEC 08/07: Aprova onze projetos-piloto, entre eles o Projeto Pluriestatal desenvolvido no âmbito do Programa 2 com participação do Brasil: “MERCOSUL Livre de Febre Aftosa”. Decisão CMC/DEC 21/07: Determina que os recursos previstos para cada Estado-Parte, e não alocados durante o ano 2007, ficarão em caráter excepcional à disposição de cada Estado-Parte para serem alocados no ano de 2008 em novos projetos. Decisão CMC/DEC 23/07: Aprova um projeto-piloto. Decisão CMC/DEC 39/07: Aprova projeto institucional desenvolvido no âmbito do Programa 4 - “Identificação de Necessidades de Convergência Estrutural no MERCOSUL”. Decisão CMC/DEC 06/08: Determina que os recursos previstos para cada Estado-Parte, e não alocados durante o ano 2008, ficarão em caráter excepcional à disposição de cada Estado-Parte para serem alocados no ano 2009 em novos projetos. Decisão CMC/DEC 30/08: Determina que o FOCEM poderá receber contribuições voluntárias adicionais dos Estados-Partes. Decisão CMC/DEC 50/08: Eleva a quantia anual máxima destinada a financiar os gastos de funcionamento da UTF/SM, previsto no Artigo 23 do Anexo da Decisão CMC/DEC CMC 24/05, para o equivalente a 0,75% do montante total estabelecido no Artigo 6° da Decisão CMC/DEC 18/05. Decisão CMC/DEC 51/08: Aprova o Orçamento do FOCEM para o ano de 2009. Decisão CMC/DEC 02/09: Aprova o “Projeto de Implantação da Biblioteca UNILA - BIUNILA e do Instituto MERCOSUL de Estudos Avançados - IMEA, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana UNILA, na Região Trinacional em Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná, Brasil.


286 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Decisão CMC/DEC 10/09: Aprova o Projeto “Desenvolvimento Tecnológico, Inovação e Avaliação da Conformidade – DeTIEC”, apresentado pela República do Paraguai. Decisão CMC/DEC 15/09: Prorroga a vigência do Regulamento do FOCEM a qual foi aprovado pela Decisão CMC/DEC 24/05 e promulgada por meio do Decreto no 5.985/2006) Decisão CMC/DEC 16/09: Aprova o Orçamento do FOCEM para o ano de 2010. Fonte: http://www.mercosur.int/focem. Acessado em: 15 fev.2010

Analisando o quadro das decisões da CMC/DEC, podemos perceber a evolução do processo de discussão e implementação do FOCEM e a importância crescente que se atribui à questão da política de coesão no processo de integração do MERCOSUL. No contexto latino-americano, o processo de integração do bloco, apesar do seu caráter político presente no projeto, apresentava como objetivo a criação de uma zona de livre comércio, de uma União Aduaneira e, em perspectiva, a formação de um mercado comum. Os documentos e declarações do MERCOSUL – Decisão CMC/DEC 39/07 – apresentam como objetivo central do FOCEM: promover o aumento da competitividade das economias menores e das regiões de menor desenvolvimento; estimular a coesão social; e fortalecer a integração física por intermédio de obras de infraestrutura. Como os recursos que o FOCEM destina aos projetos aprovados são não reembolsáveis, esse fundo não capitaliza o retorno das operações, sendo realimentado, basicamente, pelo montante de contribuições anuais dos Estados-membros do bloco. É constituído por contribuições anuais não reembolsáveis dos quatro Estados Partes, no total de US$ 100 milhões. Por sua vez, demonstrando o crescimento da importância deste Fundo, ao final de 2008 havia 23 projetos em carteira, num valor de US$ 169 milhões, sendo USS 130 milhões financiados pelo este.


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As dificuldades, os obstáculos e um atraso no projeto de integração foram resultantes dos mecanismos estabelecidos, das sucessivas crises e da ausência de uma visão de conjunto. Como assinala Leme (2007), esse Fundo tem como finalidades: o financiamento de programas designados à promoção da convergência estrutural; a busca pelo desenvolvimento da competitividade; e a promoção da coesão social, mormente das economias menores e regiões menos desenvolvidas para, com isso, promover um aprofundamento e expansão do processo de integração no MERCOSUL. Para o cumprimento desses objetivos, o FOCEM está estruturado em quatro programas: 1. Programa de Convergência Estrutural; 2. Programa de Desenvolvimento da Competitividade; 3. Programa de Coesão Social; e 4. Programa de Fortalecimento da Estrutura Institucional e do Processo de Integração.5 As metas propostas pelo Programa 1- Programa de Convergência Estrutural, dizem respeito ao incentivo em prol do desenvolvimento e no ajuste estrutural das economias menores e regiões menos desenvolvidas, estando inclusas, no rol das medidas a melhoria dos sistemas de integração fronteiriça e dos sistemas de comunicação em geral. O programa tem como finalidade precípua fomentar o desenvolvimento, considerando, no entanto, a necessidade de realizar ajustes nas economias menos desenvolvidas. Importantes iniciativas de infraestrutura – construção, modernização e recuperação de vias de transporte modal e intermodal – permitirão o escoamento da produção, no sentido de promover a integração física entre os Estados-membros do MERCOSUL e entre suas sub-regiões. A exploração, o transporte e a distribuição de combustíveis fósseis e biocombustíveis, por sua vez, servirão para alimentar o desenvolvimento no campo energético, aliados à 5-Decreto no 5.969/2006: Promulga a Decisão CMC/DEC 18/05, que dispõe sobre a Integração e o Funcionamento do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do MERCOSUL (FOCEM).


288 Antonio Eduardo Alves de Oliveira geração, ao transporte e à distribuição de energia elétrica. Por fim, para contemplar ao que se propõe no Programa 1, a implantação de obras de infraestrutura hídrica resultará em benefícios significativos, já que se fará a contenção e adução de água bruta, de saneamento ambiental e de macrodrenagem nas regiões. O Programa 2 atentará para a melhoria das condições de competitividade no âmbito do bloco. As metas de atuação incluem os processos de reorganização produtiva e trabalhista, de modo a viabilizarem a criação de comércio intra-MERCOSUL. Além disso, serão desenvolvidos projetos de integração de cadeias produtivas e de fortalecimento da institucionalidade pública e privada quanto aos aspectos vinculados à qualidade da produção – nesse tópico estão os padrões técnicos, a certificação e a avaliação da conformidade, bem como da sanidade animal e vegetal, dentre outros. De modo geral, o Programa 2 contempla o apoio à pesquisa, estimulando o desenvolvimento de novos produtos e processos produtivos. O enfoque do Programa 3 está na aplicação de projetos que visam ao desenvolvimento social – com um interesse particular nas zonas de fronteira –, podendo incluir iniciativas de interesse comunitário nos segmentos da saúde, e do desemprego, numa tentativa de reduzir a pobreza na região. Por fim, com os projetos do Programa 4, espera-se que seja aprimorada a estrutura institucional do MERCOSUL e sua expansão. Através das metas propostas por esse programa pretende-se atender às necessidades estruturais da instituição no seu processo de desenvolvimento para as regiões, cujos projetos deverão contribuir para aumentar a eficiência do MERCOSUL e favorecer sua evolução, o que beneficiária os estados envolvidos nesse cenário de integração. O FOCEM é composto por contribuições não reembolsáveis, além de possíveis contribuições voluntárias. Os aportes são feitos


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em quotas semestrais pelos Estados Partes do MERCOSUL, na proporção histórica do PIB de cada um deles. Desse modo, conforme demonstra na tabela abaixo, a Argentina é responsável por 27% (vinte e sete por cento) dos recursos; o Brasil, por 70% (setenta por cento); o Paraguai, por 1% (um por cento); e o Uruguai, por 2% (dois por cento). Segundo o Artigo 22 da Decisão CMC Nº 18/05, o FOCEM terá vigência de dez anos a partir da data da primeira contribuição efetuada por um dos Estados Partes, o que ocorreu em 2007. Nesse período, o montante global de recursos alocados pelo FOCEM será de quase um bilhão de dólares. O Paraguai, principal beneficiário do Fundo, deverá receber mais de 400 milhões de dólares. Tabela 17 Contribuições orçamentárias e distribuição percentual dos projetos advindos do (FOCEM) PROJETOS PAÍS CONTRIBUIÇÕES APRESENTADOS Paraguai 1% 48% Uruguai 2% 32% Argentina 27% 10% Brasil 70% 10% Fonte: autor, a partir do site: MERCOSUL. gov.br/normativas/decisões/2005. Acesso em: 23 jan. 2010

Os recursos advindos do Fundo, os quais são destinados ao financiamento dos projetos apresentados no âmbito dos Programas 1, 2 e 3, obedecerão à seguinte distribuição percentual entre os quatro Estados-membros: projetos apresentados pelo Paraguai: 48%; projetos apresentados pelo Uruguai: 32%; projetos apresentados pela Argentina:10% e; projetos apresentados pelo Brasil: 10%. Durante os primeiros quatro anos de vigência do Fundo, os recursos serão destinados, de forma prioritária, a projetos no âmbito do Programa 1, os quais deverão ser empregados para a melhoria


290 Antonio Eduardo Alves de Oliveira e expansão da infraestrutura física dos Estados, em particular para facilitar o processo de integração. Poderá, ainda, ser destinado, durante esse período, até 0.5% dos recursos do Fundo ao Programa 4 (Fortalecimento da Estrutura Institucional).6 Embora ainda bastante recente e de dimensões reduzidas, o FOCEM representa perspectivas alvissareiras para os países menores e menos desenvolvidos, bem como para as regiões de fronteira dos Estados-membros. A possibilidade de realização de investimentos em infraestrutura, em um primeiro momento pode induzir a uma vasta gama de novos investimentos em tais regiões. As iniciativas do MERCOSUL estão relacionadas com a crença de que uma infraestrutura compartilhada entre os seus membros pode provocar um processo de harmonização, constituindo-se em uma peçachave para uma viabilização da integração dos países sul-americanos. Com efeito, nos últimos anos, o discurso político favorável à integração evoluiu mais rapidamente que os mecanismos capazes de efetivar uma integração sul-americana. Assim, o FOCEM, o BNDES eo IIRSA inserem-se em um contexto no qual a atenção das lideranças políticas da América do Sul voltou-se para o desenvolvimento de ferramentas capazes de preencher as lacunas existentes entre os países da região. Quanto às atividades préestabelecidas para o FOCEM, conforme o Primeiro Orçamento do Fundo (MERCOSUL / CMC / DEC. N. 28/06), relativo ao período 2006-2007, o foco dos trabalhos foi definido em torno da infraestrutura, principalmente no Paraguai e Uruguai, incluindo as seguintes atividades: 6- Decreto no 5.985/2006: Promulga a Decisão CMC/DEC 24/05, que aprova o Regulamento do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do MERCOSUL (FOCEM).


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Quadro 13 - Atividades previstas no primeiro orçamento do FOCEM Período 2006-2007 1.Construção, modernização e recuperação de vias de transporte modal e multimodal que otimizem o movimento da produção e promovam uma integração física entre os Estados Parte e suas sub-regiões; 2.Exploração, geração, transporte e distribuição de combustíveis fósseis, biocombustíveis e energia elétrica; 3.Implementação de obras de infraestrutura hídrica para contenção e condução de água bruta, macro e saneamento ambiental-drenagem. Fonte: site Focem (MERCOSUL / CMC / DEC. N. 28/06). Acessado em: 20 fev. 2010.

Como se pode notar no quadro acima, o Focem tem uma atuação marcante na area de infraestrutura tanto no setor de comunicação quanto no setor de energia. O tema relativo à infraestrutura vem tendo relevância cada vez maior em fóruns regionais e internacionais. Como já visto, com o IIRSA, o Brasil tem tido uma importante atuação na região. A constituição do Focem na esfera do MERCOSUL tem despertado atenção do meio empresarial, cujo segmento tem participado, via investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de obras de infraestrutura na região. (CORONEL, 2008). A atuação do BNDES tem importância decisiva para financiar as exportações brasileiras de bens e serviços. A carteira total de operações na América do Sul, no ano de 2007, era da ordem de US$ 11,5 bilhões – essa carteira alavanca investimentos de US$ 24 bilhões em projetos de infraestrutura na região. Das 34 empresas brasileiras abertas, as quais realizaram investimento direto no exterior nos últimos anos, em 32 delas havia menção à obtenção de financiamento do BNDES. (DEOS, 2009).


292 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Nos últimos anos, o BNDES tem-se consolidado como um mecanismo ativo da política externa do governo brasileiro. Na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em 2007, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, propôs a criação de um Fundo Internacional para o Financiamento da Integração Sul-americana. tal proposta insere-se no contexto de projeção regional do BNDES como instrumento da política externa do governo brasileiro, principalmente no que diz respeito à integração regional. Para financiar um integração na América do Sul, o governo federal brasileiro dispõe de três mecanismos principais: (a) um iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA)[1], CRIADA EM 2000; (b) o Programa de Crédito à Exportação (PROEX)[2]; e (c) o BNDES. Desde 2005, o BNDES tem linhas de apoio a empresas brasileiras, seja por meio de Créditos à Exportação de Bens e Serviços, seja pela criação do Marcos Regulatórios favoráveis à exportação de investimentos diretos estrangeiros (apoio à internacionalização das empresas). Os projetos selecionados são apresentados à Comissão de Representante Permanentes do MERCOSUL (CRPM) a qual, no prazo de 30 dias contados a partir da recepção da documentação completa, verifica o cumprimento dos requisitos de elegibilidade previstos no Regulamento do FOCEM. Se for determinada a elegibilidade, o projeto é enviado à UTF/SM, que procede, no prazo de 60 dias, juntamente com o Grupo Ad Hoc de peritos dos Estados Partes, a uma avaliação técnica das propostas, que inclui a seguintes considerações: a) cumprimento dos requisitos de elegibilidade; b) consistência dos cálculos de custos e razoabilidade dos indicadores propostos; c) melhor uso dos recursos para o fim do projeto, com comparação sobre outras opções; d) viabilidade técnica e financeira; e) sustentabilidade ambiental e socioeconômica. Os investimentos do FOCEM funcionam como um elemento importante para a construção de políticas públicas comunitárias nas


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instâncias do MERCOSUL. Entretanto, é importante salientar que, diferentemente da política de coesão da União Europeia, o fundo de combate às assimetrias do MERCOSUL não tem uma efetiva atuação em relação ao capital humano e à agenda social. Para fundamentar essa discussão, Draibe (2007) destaca que as políticas sociais não têm merecido muita atenção no MERCOSUL, e que, apesar de haver programas e instituições que abordam a temática social, estas ainda se encontram em estágio embrionário, mesmo após os quase vinte anos de formação do bloco. A esse respeito, é interessante notar que as políticas voltadas ao combate ao desemprego têm sido pontuais e, mesmo assim, limitadas a medidas para a mera proteção contra os efeitos negativos da integração, sem haver, portanto, investimentos do MERCOSUL que possam melhorar setores cruciais como educação e saúde. Para a autora, uma dificuldade nesse terreno é a inexistência de políticas sociais articuladas entre os Paísesmembros do bloco. Em linhas gerais, observa-se que existe uma fragilidade institucional e de estratégias para um desenvolvimento social mais amplo dos países participantes do bloco, o que dificulta a formulação de uma agenda social comum e de uma política de coesão e desenvolvimento regional no MERCOSUL. O FOCEM e o IIRSA, enquanto políticas de articulação e de ordenamento territorial, têm o mérito de colocar em pauta a possibilidade de criação de uma ampla rede de ligação e desenvolvimento no espaço regional da América do Sul, envolvendo e gerando cooperação entre países, como também entre processos de integração regional sul-americanos, a exemplo do MERCOSUL e da CAN. Entretanto, conforme apontam Guimarães Neto (1997), Galvão (1997b) e Bandeira (2000), para a constituição de uma política regional fundamentada no ordenamento territorial, é necessário a constituição de um processo aberto com ampla participação, de modo a permitir a formulação de políticas de desenvolvimento regional democrático.


294 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Esses dados permitem concluir que é necessária a elaboração de uma política regional comunitária no MERCOSUL, já que tal proposta tem um alcance maior do que os objetivos do FOCEM. Nesse sentido, conforme ressalta Pacheco (1998), os nexos econômicos de solidariedade entre regiões precisam ser construídos, pois do contrário poderá ocorrer o agravamento das desigualdades regionais no MERCOSUL.


CONSIDERAÇÕES FINAIS O sistema internacional sofreu uma dramática reconfiguração dando ímpeto ao regionalismo. O mundo dos blocos regionais apresenta ênfase na cooperação e integração regional, tornando-se um padrão importante nas relações internacionais entre os próprios blocos, assim como entre os países. A regionalização, parte das diversas escalas territoriais numa progressão do local ao nacional e suas conexões internacionais, de tal forma a identificar tais pontos aos níveis micro, meso e macro espacial. Forças econômicas de atração e de repulsa atuam no espaço de forma desequilibrada e, nesse ambiente, a mundialização altera as escalas territoriais, intensificando os processos de integração regional e modificando a significação do Estado nacional e das escalas intermediárias como a região (infranacional) na atualidade. Como compreender a persistência das características de uma região em época de forte mobilidade em todos os níveis (fatores de produção, pessoas, informações, capitais)? Neste contexto, a região reconfigura-se como produto de reencontro de diversas concepções de espaço, envolvendo o espaço funcional da economia, o espaço cultural, o espaço das características físicas e também os enquadramentos institucionais das formações políticas. A constituição das interações regionais e das diversas ações no plano infra-estatal, de caráter transnacional tem promovido um processo de recomposição dos quadros territoriais europeus que resulta na constituição da reterritorialização da ação econômica, social e política, a partir das diversas formas de ação territorial. A principal novidade nas mudanças qualitativas da territorialidade tradicional é a nova capacidade de conexões de diferentes escalas e territórios, favorecendo a multiterritorialidade, entendida como a formação de espaços fluidos de diferentes modos


296 Antonio Eduardo Alves de Oliveira de inserção, aumentando a mobilidade dos indivíduos e dos bens materiais. É importante ressaltar que o território não é dado, é uma construção, a sua utilização como instrumento de ação política é correspondente a uma história, a um conjunto de criações. A diversidade territorial no contexto da globalização demanda, portanto, um redirecionamento da noção de região como construção social da realidade. As diferentes escalas do local/ regional; comunitário/vizinhança, nacional/global, direcionam a discussão sobre a dimensão espacial dos processos pelos quais se realiza a transnacionalização na atualidade. O elemento de discussão trazido pelos diferentes autores analisados nesta tese permite problematizar a região no seu caráter escalar intermediário, com uma conotação política variável ao longo do tempo, que relaciona o local e nacional a determinados grupos (dominantes ou não), conforme tradições e inovações. Inicialmente, o sentido de região explicitou um debate em torno de equilíbrio/desequilíbrios econômico, desenvolvimento/ marginalização, políticas compensatórias e migração da população. A região que era vista como concorrente, mas também como elemento de ligação para a unidade nacional, é vista mais recentemente como um espaço que contribui para fomentar a integração macrorregional (economia, infraestrutura, fronteiras, recursos naturais, povoamento etc.). Nesse sentido, as evidências acerca da relevância da questão regional na atualidade têm emergido – tanto na experiência Europeia em países de capitalismo avançado, quanto em países emergentes ou periféricos da América do Sul- políticas públicas regionais que buscam, ao mesmo tempo, promover uma compensação dos desequilíbrios regionais (antigos ou recentes) e gerar inovação e desenvolvimento. A pertinência das regiões na definição dos processos políticos contemporâneos relaciona-se com processos complexos de interseção de escalas e níveis de governo. O papel do regional no contexto de


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agrupamentos macrorregionais foi objeto de investigação desta tese. Em um primeiro momento, o foco foi o estudo das políticas públicas regionais da União Europeia, que já existem desde 1975, e a criação do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). Em um segundo momento, investigou-se as experiências recentes de articulação regional transnacional na América do Sul, a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) e o Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM). As diferenças entre a Europa e a América do Sul, no que tange às iniciativas de integração regional, são marcantes. Enquanto na Europa o processo de integração se expressa em uma experiência institucional que unificou grande parte do continente em torno da Comunidade Europeia, atualmente União Europeia; na América Latina/América do Sul existe uma fragmentação de experimentos, muitos dos quais audaciosos, mas sem muitos resultados concretos. Conforme foi visto ao longo da tese, as políticas regionais praticadas nos processos de integração macrorregional são muito distintas. No espaço político europeu, a política regional foi constituída desde meados dos anos 1970, consolidando-se como vetor importante de um processo de governança multinível, que passa por níveis anteriormente geridos apenas pelos Estados nacionais. Por sua vez, no MERCOSUL, só recentemente se constituiu uma política de combate às assimetrias entre os países-membros. Evidentemente que as diferentes trajetórias de integração regional na Europa e na América do Sul são determinantes fundamentais para uma avaliação do caráter da política regional aplicada, o que não impede que determinadas políticas, programas e medidas possam ser comparadas, mesmo que praticadas em contextos diferentes. De qualquer forma, antes de abordar a política regional nos processos de integração regional na União Europeia e no MERCOSUL, é importante fazer algumas considerações sobre o desenvolvimento dos processos de integração nas duas experiências. Nesse sentido, é


298 Antonio Eduardo Alves de Oliveira pertinente recapitular brevemente os pontos centrais dos capítulos II (União Europeia) e IV(Iniciativas da América do Sul). Antes de qualquer coisa é importante salientar que o processo de integração regional não é processo automático e não resultante apenas da interdependência na esfera econômica ou do planejamento estatal nacional ou supranacional. Existe a atuação de diferentes atores políticos como os próprios Estados nacionais, grupos empresariais, sindicatos, movimentos sociais, ONGs, entre outros. Além disso, a formação de um processo de integração regional, mesmo com a constituição de instituição comunitárias transnacionais não elimina o problema da autonomia das unidades participantes. Um exemplo marcante disso é atuação dos governos nacionais tanto na constituição da União Europeia quanto no MERCOSUL. É importante destacar que os atores envolvidos em um processo de integração podem ser governamentais ou nãogovernamentais, e, além disso, podem ser nacionais, subnacionais ou transnacionais. O processo de longa duração da integração Europeia passou por importantes modificações, envolvendo tratados heterogêneos, uma geometria variada e a construção paulatina de instituições comunitárias. As origens do processo de integração é o complicado quadro europeu da época da Guerra Fria – com a ajuda decisiva dos Estados Unidos através do Plano Marssall e a formação da aliança franco-alemã – que se expressou na constituição, em 1951, da Comunidade do Carvão e do Aço (CECA). Nos anos 1950-60, as demandas nacionais foram conectadas a áreas específicas, assim introduzindo-se o método de ação deliberada. Paralelamente, estabeleceu-se o funcionamento da UE, baseada em instituições e organizações supranacionais. A partir do Tratado de Roma (1957) com a constituição da Comunidade de Energia Atômica (EURATON) e da Comunidade Econômica Europeia (CEE), a Comissão Europeia passa a ter um papel cada vez mais ativo para a integração dos países-


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membros, através de instituições e organizações supranacionais. A Assinatura do Tratado de Maastrich (1992) modificou os três tratados anteriores (Comunidade Europeia, CECA e EURATOM) e instituiu novas formas de cooperação, estabelecendo as bases para a união econômica e monetária (com a implantação da moeda única em 1º de janeiro de 1999). Como já visto, o ritmo da construção da UE não é previsível tal como parecem apontar as resoluções e documentos produzidos na época. A UE desenvolveu-se em meio a controvérsias, tais como o estabelecimento de fronteiras incertas e de sentimentos contraditórios de adesão e resistência. No entanto, ela surgiu como uma oportunidade de modernização do espaço econômico, protegido por tarifas externas e políticas comuns, associado a interesses múltiplos, com a possibilidade de melhorar a posição da Europa no mercado mundial, ou mesmo evitar um maior declínio, além de possibilitar maior competitividade das empresas, com a redução dos custos de produção e transporte. Os organismos supranacionais criados pela UE permitiram responder aos déficits das situações nacionais políticas e econômicas geradas pela interdependência entre os países (depois amplificados com o processo de formação do mercado único europeu), e minimizar os efeitos dos custos políticos, econômicos e sociais da modernização. Sucederam-se órgãos comunitários com este caráter, a começar pelo PAC – voltado para o setor agrícola-, e posteriormente para a pesca e o desenvolvimento regional. O processo de alargamento da UE para a integração dos países do Leste Europeu é nitidamente mais intricado, isto porque aos 380 milhões de habitantes adicionaram-se mais de 80 milhões. São os dez Estados pertencentes a uma “outra Europa”, isto é, aquela que traz em sua bagagem cinco décadas de regime social planificado ligado à antiga burocracia soviética e que vive processos estruturais e múltiplos de transformação.


300 Antonio Eduardo Alves de Oliveira A construção Europeia entre o nível supranacional e o exercício das suas competências ao nível regional e local, reclama cada vez mais autonomia em relação às instancias do Estado nacional, ossatura da sociedade política, causando não somente intenso debate entre os seus concidadãos acerca da legitimação das instituições, mas, sobretudo suscitando inquietações quanto à formação de identidades diversas na contemporaneidade. A partir do exame das posições dos atores sociais políticos, em muitos casos marginalizados, movimentos regionalistas novos ou tradicionais passaram a atuar em um novo contexto social e econômico, com o relativo enfraquecimento do quadro nacional. A experiência da União Europeia permite esboçar respostas para compreender de que forma, a escala transnacional e comunitária interagem com outras escalas, como a regional, nacional e local, representando a possibilidade de construção de princípios e valores democráticos, com a constituição de estado de direito, não exclusivamente nacional, podendo assegurar medidas de políticas públicas e criando medidas que asseguram a representação e a participação política. A identidade pós-nacional busca evitar a dissociação entre política e cultura, tendo que conciliar no quadro constitucional jurídico, no espaço da União as diferentes culturas e tradições. Os ingredientes da identidade Europeia é a associação estreita das nações com vistas a um destino comum, mesmo que a estabilidade da comunidade Europeia constitua um problema a ser enfrentado constantemente. O ideal de integração é um elemento presente na constituição na historia do desenvolvimento da América latina desde dos processos de independência no século XIX. Por sua vez, a dinâmica do relançamento do regionalismo na América Latina está na encruzilhada entre a convergência e a concorrência dos projetos. Em comparação com outras partes do mundo, aqui a integração regional manifestou-se mais cedo, entre as décadas de 1950 e 1960,


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depois de ocorrerem diversas experiências regionais na America Latina, inspiradas nas ideias da CEPAL A CEPAL havia identificado a industrialização como a melhor forma de os países latino-americanos deixarem a dependência industrial e tecnológica na qual se encontravam, a estratégia adotada seria a da substituição de importações. A CEPAL sempre considerou as restrições externas como o principal problema para o desenvolvimento da América Latina e propôs diversos conceitos para analisar a questão, tais como o esquema centro-periferia na década de 1950, a teoria da dependência na década de 1970 e a integração regional nos anos 1980. Além disso, a Cepal procurou estimular articulações e acordos entre os países no continente americano, que ficaram conhecidos como regionalismo de primeira geração. O Tratado de Montevidéu (1960) criou a Associação Latino Americana de Livre Comércio - ALALC; o Tratado de Manágua(1960) criou o Mercado Comum Centro-americano; e o Acordo de Cartagena (1969) criou o Pacto Andino, esses acordos tinham pretensões audaciosas pois previam um mercado comum e a conformação de uma união aduaneira, com um programa acelerado de liberação do comércio e o desenvolvimento industrial com cooperação em áreas como infraestrutura e financiamento de inversões. As reações aos processos de integração de primeira geração foram diversas, os Estados Unidos que tinham sido promotores da integração Europeia viam com desconfiança os esforços de integração latino-americano. Nos anos 1980, esse processo passou por um arrefecimento devido à aguda crise econômica em consequência da crise da divida externa, coincidindo com processos de democratização incompletos e penosos, com a explosão na maioria dos países da América do Sul de processos de hiperinflação. Os processos de transição democrática na América sul relacionam-se com a atuação de diferentes atores que teve resultados desiguais nos diferentes países. A busca pela promoção da


302 Antonio Eduardo Alves de Oliveira integração regional nos países do cone sul contribui a consolidação dos processos de aberturas, e intensificou mecanismos para a institucionalização do intercambio entre países, como no caso mais explicito da relação Brasil e Argentina. Entretanto, nos processos de transição e abertura da América do sul não podem ser visto apenas como uma simples questão de procedimentos e seleção de lideranças, pois ao que pese os resultados serem incompletos em muitos aspectos os processos de redemocratização envolveram de maneira muito marcante a presença dos protestos e mobilizações populares que se desenvolvem por fora do espaço institucional permitido. Nos anos 1990, uma época de incertezas globais coincidiu com um ambiente intelectual que eclipsou as formulações cepalinas e promoveu o advento do neoliberalismo. O desenvolvimento e limites do regionalismo aberto dos anos 1990 se expressa na insuficiência da estrutura institucional das diferentes organizações e evidenciase a abstenção de mecanismos formais de regulamentos e recursos (governança). Nos anos 1990, estabelece-se uma tendência à liberalização do comércio exterior, que se expressa no aumento dos fluxos internacionais, o que impulsionará o regionalismo também na América Latina. Se o regionalismo de primeira geração patrocinado pela CEPAL nos anos 1960 era desestimulado pelos Estados Unidos, a partir dos anos 1990 a tônica era programar acordos de Livre Comércio, como o NAFTA (México e Canadá) e o estabelecimento de uma zona de livre-câmbio em todo hemisfério americano (exceto Cuba), com a criação da ALCA na primeira reunião continental em Miami em 1994. O novo regionalismo ou regionalismo aberto tem dois aspectos centrais na América do Sul: uma forte redução do grau de proteção tarifária e o crescimento expressivo do fluxo de comércio, de maneira especial das importações – com o resto do mundo, no


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contexto de inúmeros acordos bilaterais de comércio e estratégias de abertura comercial envolvendo privatizações e desregulamentação dos mercados de trabalho. Os processos de integração regional ma America Latina – mais exatamente sub-regional – podem contribuir, pelo menos em parte, para o êxito da inserção internacional da região, com ganhos de produtividade nos campos da governança e dos recursos humanos, uma vez que eles já constituem, a rigor, uma espécie de “mini-globalização”, a que os países participantes se submetem voluntariamente, antes de abrirem suas fronteiras aos circuitos mais amplos da globalização planetária. A trajetória do MERCOSUL começa com um processo bilateral de integração gradual e flexível entre o Brasil e a Argentina em 1985, por meio de instrumentos setoriais de complementação econômica. O objetivo, como já vimos, consistia em criar um mercado comum em um período de dez anos, mas no início dos anos 1990, o acordo bilateral entre o Brasil e a Argentina incorporou dois novos sócios (Paraguai e Uruguai) e instalaram um processo mais rápido de retirada das barreiras tarifárias e não-tarifárias, por meio de decisões adotadas de forma consensual. O advento do MERCOSUL (1991) representa a busca pela inserção no mercado internacional dos países membros, a partir da liberação econômica e, sobretudo da articulação comercial entre os dois principais parceiros: Brasil e Argentina. É importante ressaltar que existe uma coincidência de panorama político entre os países membros que constituíram o MERCOSUL. Inicialmente, a aproximação, sobretudo entre Brasil e Argentina aconteceu em contexto de fim de ditaduras militares, quando os processos de redemocratização política coincidiram com forte instabilidade econômica, com advento de situações de hiperinflação e dividas externas, o que de certa forma restringiram a possibilidade de maior integração econômica entre os países.


304 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Num segundo momento, no Tratado de Assunção (1991) tanto o Brasil quanto a Argentina passam por experiências de aberturas comerciais, e durante toda a década de 1990 por governos neoliberais, que serviram para numa etapa inicial aumentar os fluxos das trocas comerciais dos países membros do Bloco. Entretanto, o conjunto dos processos de abertura comercial teve custos elevados e foi fortemente assimétrico em termos sociais e setoriais. As crises econômicas do Brasil (1999) e da Argentina (2001) representaram ao mesmo tempo uma sinalização para a crise do modelo neoliberal predominante entre os governos da América do Sul e apontaram para os limites do regionalismo aberto do MERCOSUL, pois ocorreu uma forte retração do bloco, em decorrência das desvalorizações cambias e da diminuição do intercâmbio comercial entre os países membros. A partir dos anos 1990 ocorre uma retomada do crescimento econômico, superando a década perdida (anos 1980) com a media de 3,05%, contra 1,8% nos anos 1980, mais muito abaixo da média de 5,86% nos 1970 e 5,32% dos anos 1960. Em todas essas décadas persistiram as desigualdades na distribuição de renda. Além do mais, a privatização de muitos serviços sociais encareceu os custos da educação e do atendimento médico. Na década de 1990 do século XX, na região havia um concordância que os anos 80 havia sido a década perdida, pois a partir de 1982, a América Latina sofria a mais grave crise econômica em cinqüenta anos. As mudanças para uma política neoliberal e abertura econômica promoveram uma a deslegitimação ideológica da intervenção estatal. A continuada e crescente polarização social da população, com o aumento do desemprego e dos movimentos de contestação social latinoamericanos. (QUIJANO. 2004) Em consequência da crise do final dos anos 1990, no início do século XXI o subcontinente será palco de importante reviravolta política, com a eleição de governos de esquerda em importantes


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países da América do Sul. Esta virada à esquerda, será sem precedentes, ainda mais se comparada com o decênio anterior. No Brasil (Lula), na Argentina (Nestor Kirchner); no Uruguai (a frente Ampla com Tabaré Vazques); na Bolívia (Evo Morales); no Equador ( Rafael Correa); e na Venezuela (Hugo Chávez); e no Paraguai, (Fernando Lugo). Essa nova conjuntura impactou o processo de integração regional. Assim, a partir de 2003-2004 acontece o relançamento do MERCOSUL, com a reaproximação de Brasil e Argentina. Neste relançamento são ampliadas as perspectivas do MERCOSUL, e são rejeitadas no encontro de Mar Del Plata (2003) as condições para a implementação da ALCA. A expressão dessa nova tendência é a criação da Comunidade Sul-Americana de nações em 2004, transformada em 2008 na União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Uma visão “positiva” da integração que aponta para a criação de uma nova plataforma regional de desenvolvimento produtivo abandonando a ênfase na mera liberação do comércio. A IIRSA - Iniciativa para a Integração da Infra- Estrutura Regional Sul-Americana, o maior programa de integração física proposto para a América do Sul, um acordo que objetiva a criação de uma ampla rede de infraestrutura para conectar os países do continente e incentivar as relações econômicas e o fluxo de pessoas, através de um conjunto de projetos na área de logística, de energia e de telecomunicações, sendo o destaque principal dado aos dois primeiros setores. O MERCOSUL e a União Europeia enfrentam em seus processos de integração as disparidades regionais, envolvendo tanto os recursos econômicos, quanto as diferenciações geográficas impactadas pela concorrência mundial, pelos padrões de dependência energética e pelas constantes mudanças das estruturas demográficas e dos fluxos migratórios. Assim, as políticas de integração Europeia levaram a uma ampla discussão acerca das políticas públicas territoriais, a partir


306 Antonio Eduardo Alves de Oliveira da década de 1970, que justificaram uma reforma dos fundos estruturais e a criação de fundos de desenvolvimento regional. As políticas regionais tiveram uma conotação mais direta a partir de 1975, com a caracterização naquele momento, de que sem uma política territorial efetiva, a formação do mercado comum poderia levar a uma exacerbação das dificuldades de determinadas regiões e poderia inclusive levar ao comprometimento em longo prazo do próprio projeto de unificação Europeia. Os Fundos Estruturais são tratados como a principal prioridade da política de coesão da União Europeia. De acordo com os parâmetros do plano de desenvolvimento regional a atuação da União Europeia busca “promover um desenvolvimento harmonioso” e, em particular, “reduzir as diferenças entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões”. Dessa forma, dois terços dos créditos dos Fundos Estruturais (quer dizer, mais de 135.000 milhões de euros) se destinam à recuperação das regiões mais desfavorecidas, as denominadas “regiões do Objetivo n°1”, com um Produto Interno Bruto (PIB) inferior a 75% da média comunitária. A partir dos anos 1990, são intensificados os sistemas de transferências de recursos visando aumentar não somente a integração econômica, mas também uma integração física e cultural. Para isso, uma das estratégias utilizadas foi o incentivo às iniciativas de desenvolvimento de cooperação transfronteiriça e a ajuda às regiões classificadas de ultraperiféricas. Ademais, foram criados mecanismos para uma avaliação constante dos impactos econômicos das políticas regionais, do retorno social dos montantes investidos. Do ponto de vista político e administrativo, a Comissão Europeia estimulou reformas administrativas de gestão territorial nos países-membros, preconizando nessas reformas a descentralização administrativa. A construção de uma economia integrada teve um forte impacto nos espaços territoriais e sociais, com alteração nos movimentos de


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capitais, nas regras de prestação de serviços, na formação de mão de obra, bem como na quebra das barreiras alfandegárias e de outros tipos de controles. Do ponto de vista jurídico, a formação de um mercado único relaciona-se com alterações nas regras vigentes nas legislações nacionais e suas esferas administrativas locais e regionais. Além disso, a mobilidade dos produtos, das pessoas e dos capitais provoca uma expansão das interconexões com o aumento do investimento nas redes de transporte, na infraestrutura local, e nas comunicações em geral. Por outro lado, essas ações também geraram novos desequilíbrios. A partir dessas medidas percebe-se que os mecanismos de intervenção dos países membros e mesmo das instituições comunitárias não foram imediatos e passaram por diferentes períodos, e como quase tudo da União Europeia, por uma gestação contraditória e gradual. Já na experiência do MERCOSUL, o aparecimento de uma politica de combate às assimetrias está ligada à percepção de que este bloco não correspondeu às expectativas de promover o desenvolvimento conjunto, como originalmente planejado. O fato de o MERCOSUL ser um exercício intergovernamental, sem mecanismos supranacionais, como fundos compensatórios, torna mais explícita essa sensibilidade aos resultados comerciais. Buscou-se demonstrar, ao analisar essa experiência de integração regional na América do Sul, que a semelhança nas estruturas econômicas nunca foi uma característica do MERCOSUL e não houve evolução clara no sentido de uma convergência ao longo do tempo, observando-se distintas trajetórias macroeconômicas nos países-membros do MERCOSUL. Pode-se dizer que, com relação ao MERCOSUL, a ênfase nas relações institucionais, sobrepondo-se às ações conjuntas na esfera pública, revela um descompasso da cidadania. Algumas regiões ou grupos sociais podem ter suas oportunidades ampliadas, enquanto


308 Antonio Eduardo Alves de Oliveira aqueles com menor capacidade de adaptação ao processo podem se deparar com caminhos diversos. Os quatro países que iniciaram o processo de integração apresentam diferenças estruturais expressivas, e, além disso, cada país encontrou seu caminho de forma individual, não negociada, e nem sempre compatível com os propósitos de promover uma convergência entre as quatro economias. Em particular, o tratamento das assimetrias entre os quatro sócios iniciais nem sempre esteve presente de modo suficiente a neutralizar as diferenças. As diferenças nas estruturas produtivas e de comércio externo foram ampliadas, o mesmo ocorrendo com as condições de atração de investimento externo. No MERCOSUL a questão regional é tratada diferentemente da UE. As políticas comuns que se aprovam devem ser financiadas por cada um dos Estados-membros e não existe atuação efetivamente supranacional. Além disso, o FOCEM, aprovado no ano 2004, tem ainda um alcance bastante limitado, não atuando efetivamente em regiões deficitárias do conjunto do bloco, como no Nordeste brasileiro e noroeste da Argentina. Se no MERCOSUL as regiões não têm papel efetivo para o estabelecimento de algum tipo de governança compartilhada, na União Europeia as regiões têm um lugar importante na geometria multi-escalar da governança em multiníveis. A UE é um sistema emergente de governança em vários níveis, isto é, com uma forma policêntrica e não hierárquica de organização e de decisão política na qual os Estados nacionais, apesar de não serem mais os únicos atores significativos do processo, permanecem como o lócus onde a soberania, ainda que mitigada, assenta-se. Abaixo e acima desse centro, superpõem-se e entrelaçam-se diferentes aspectos de governança, formando redes complexas em que se combinam atores nacionais, regionais e europeus, públicos e privados. Além disso, existe na União Europeia o estímulo da cooperação inter-regional, produto importante para proporcionar


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a integração econômica, social e política dos países membros. As relações são de certa forma, muito generalizadas e também diversificadas; as cooperações têm formas bilaterais e também multilaterais, transfronteiriças e sem contínuo territorial, uma vocação mais generalizada que as fronteiras nacionais, sem passar necessariamente pela mediação das instituições nacionais. Pode afirmar-se que a Europa passa por um movimento de regionalização que tem evidenciado um reforço do nível intermediário. Assim o desenvolvimento do processo de integração Europeia, sobretudo a partir dos anos 1990, tem aumentado de maneira crescente a interdependência entre os diferentes níveis de articulação territorial (comunitário, nacional, regional -infranacional - e local), favorecendo uma forte demanda por uma política regional compartilhada pelos países membros da União Europeia e ao mesmo tempo por uma descentralização administrativa no interior dos Estados Nacionais. Esta tese realçou os aspectos essenciais de dois processos de integração regional, a União Europeia e o MERCOSUL, dando ênfase aos instrumentos de políticas regionais em especial à utilização dos fundos comunitários de financiamento (FOCEM no MERCOSUL e Fundos Estruturais na UE), refletindo sobre as ações institucionais que podem promover políticas de desenvolvimento e de cooperação entre as regiões de diferentes países participantes dos respectivos blocos regionais. Além disso, é importante ressaltar a importância das relações transfronteiriças, transregionais e transnacionais em seus diversos âmbitos como elemento para a promoção da integração cultural, política e econômica nas iniciativas macro-regionais. Analisando as políticas regionais da União Europeia e do MERCOSUL é possível perceber que enquanto na experiência Europeia predomina uma política comunitária transnacional, no MERCOSUL, em decorrência do seu processo de evolução incompleto e essencialmente intergovernamental, as iniciativas


310 Antonio Eduardo Alves de Oliveira para o combate das assimetrias entre os países-membros tem um caráter incipiente do ponto de vista de uma política transnacional. Essa situação repercute na possibilidade de participação cidadã na elaboração, execução e controle das políticas regionais. Na União Europeia, ainda que a política comunitária conte com déficits de legitimação, existe a constituição de mecanismos de participação popular das regiões, num esforço de descentralização administrativa e estímulos à participação através de uma estrutura horizontal para a implementação das políticas públicas transnacionais. No MERCOSUL, com caráter fortemente intergovernamental, com as decisões sendo tomadas pelos governos dos estadosmembros, não se observa quase nenhuma participação popular nas decisões e na definição das políticas/medidas adotadas; além disso, a população dos países membros , ainda não elegeu os seus representantes para o Parlamento do MERCOSUL. Na União Europeia, a realização de consultas em referendos para aprovação dos tratados europeus nos países membros e a eleição direta para o Parlamento Europeu são elementos que demonstram um maior grau de participação nas decisões. A política regional reflete e evidencia as características das experiências regionais. No MERCOSUL a adoção de mecanismos para combater as assimetrias tem uma forte inspiração na política dos fundos estruturais da Europa, mas não se efetivam articulações entre as regiões dos países membros. Por sua vez, na União Europeia, fomenta-se a governança multinivel com o estimulo à participação das escalas intermediarias dos Estados-membros nas tomadas de decisão, um exemplo disso foi a criação do Comitê de regiões (1994). È importante observar que ao fazer a comparação entre a União Europeia e o MERCOSUL vem à tona com bastante relevo a existência de um maior desenvolvimento da União Europeia como uma experiência de integração regional mais acabada, que se expressa na constituição de um arcabouço institucional


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supranacional consolidado, que busca criar mecanismos de participação política e que vem estabelecendo uma política regional supranacional como um elemento importante para o processo de integração regional de conjunto. Entretanto, o que pese os importantes avanços da experiência de integração Europeia é preciso ressaltar que existem significativos desequilíbrios e desigualdades no interior da União Europeia, que as políticas públicas comunitárias apenas atenuam seus aspectos mais ululantes. As ampliações da União Europeia primeiramente ao sul (anos 80) e posteriormente ao leste (em 2004 e 2007) aumentaram a relevância do empreendimento europeu, mas também acentuaram um processo de diferenciação entre as regiões e os países no interior da União Europeia, além disso, a tendência à diferenciação espacial é acentuada na mundialização. É importante ressaltar ainda que a partir de 2008, com a crise econômica mundial1, que atingiu fortemente o continente europeu, os conflitos e contradições no processo de integração foram acentuados. A propagação de integrações regionais tem promovido a escala intermediária entre a escala nacional e a escala transnacional, que vincula-se a modificação da conjuntura internacional. Os esquemas de integração regional transnacional formam um ambiente de interdependência entre os países presentes na agenda do sistema internacional no pós- Guerra Fria. De qualquer forma, tanto na União Europeia quanto no MERCOSUL, o desenvolvimento de articulações de políticas regionais transnacionais representa importante iniciativa para fazer avançar os mecanismos de integração entre os países. A presença de atores da sociedade civil é crucial para a promoção de um maior dinamismo e legitimidade das ações comunitárias transnacionais em parcerias com as entidades nacionais, regionais e locais. 1- A recente crise econômica teve um forte impacto em países da zona euro, com uma alta divida pública (Irlanda, Espanha, Itália, Portugal e Grécia).


312 Antonio Eduardo Alves de Oliveira A dinâmica das regiões e sua transformação pela integração macro regional é produto das transformações econômicas, sociais, políticas provocadas na atualidade. Espera-se que esta tese possa contribuir de alguma maneira para desenvolver reflexões sobre as políticas regionais em processos de integração regional. A discussão acerca das competências regionais no processo de internacionalização e regionalização vem desenvolvendo um movimento de transnacionalização das esferas regionais e, ao mesmo tempo, a regionalização dos experimentos transnacionais nos territórios em diferentes escalas, envolvendo questões como meio ambiente, alargamento do território, desenvolvimento regional e a luta contra o desemprego estrutural.


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342 Antonio Eduardo Alves de Oliveira Site oficial parlamento europeu: http://www.europarl.europa.eu Site comitê de regiões da União Europeia: http://www.cor.europa.eu Site da Assembléia das Regiões Europeias: http://www.aer.eu/ Site EUROSTAT:http://epp.eurostat.ec.europa.eu Site Fundação Robert Schuman: http://www.robert-schuman.eu/ http://www.access-info.org/fr/union-europeenne; http://www.notre-europe.eu/; http://www.touteleurope.eu/ 2. América do sul Site oficial MERCOSUL:http://www.mercosur.int/ Site do MERCOSUL do governo brasileiro:http://www.mercosul.gov.br/ Site do parlamento MERCOSUL:: http://www.parlamentodelmercosur.org/ Site oficial Comunidade Andina (CAN):http://www. comunidadandina.org/ Site ofical da ALADI: http://www.aladi.org/ site oficial UNASUL http://www.pptunasur.com/ Site Comissão Econômica para América Latina (CEPAL): http:// www.eclac.cl/ Conselho Latino americano de Ciências Sociais (CLACSO): http:// www.clacso.org.ar/clacso Site oficial da CARICOM: http://www.caricom.org/ Site oficial do Ministério da Integração Regional ( Brasil): http:// www.integracao.gov.br Site oficial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE):http://www.oecd.org/ Site oficial da ALBA TCP: http://www.alianzabolivariana.org/ Site do Institut des Hautes Etudes de l’Amérique latine . http:// www.iheal.univ-paris3.fr/ Site da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana(IIRSA) : http://www.iirsa.org. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: www.pnud.org.br


SOBRE O AUTOR

Antonio Eduardo Alves de Oliveira Possui graduação em Ciências Sociais (concentração em Ciência Política) pela Universidade Federal da Bahia (1995), mestrado em Ciências Sociais - UFBA (2002) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (2010). Com período de bolsa de cooperação sanduíche em Foundation Nationale Des Sciences Politiques( Sciences PO-Paris). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Ensina no colegiado de ciências socais, as disciplinas de Ciência Política e integra o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdades e Desenvolvimento.




Este livro foi produto da tese defendida no curso de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA (PPGCS), sob orientação da Profa.Dra Ruthy Nadia Laniado. Este estudo procura mais que similitudes e diferenciações entre as distintas experiências regionais - UE e MERCOSUL -, apresentando um debate mais amplo acerca da complexidade da questão regional na atualidade. O objeto de investigação bifurca-se em experiências concretas de política pública regional transnacional: (a) a política regional da União Europeia; (b) as iniciativas de integração física e combate às assimetrias nas experiências de integração na América do Sul (Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA) e o Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM)).

ISBN 978-85-5971-084-7


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