Ideologia e omissão nos livros didáticos da língua inglesa

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IDEOLOGIA E OMISSÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA

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REITOR Silvio Luiz Oliveira Soglia VICE-REITORA Georgina Gonçalves dos Santos

SUPERINTENDENTE Sérgio Augusto Soares Mattos CONSELHO EDITORIAL Alexandre Américo Almassy Júnior Celso Luiz Borges de Oliveira Geovana da Paz Monteiro Jeane Saskya Campos Tavares Léa Araujo de Carvalho Nadja Vladi Cardoso Gumes Sérgio Augusto Soares Mattos (presidente) Silvana Lúcia da Silva Lima Wilson Rogério Penteado Júnior SUPLENTES Carlos Alfredo Lopes de Carvalho Robério Marcelo Ribeiro Rosineide Pereira Mubarack Garcia EDITORA FILIADA À


FLÁVIUS ALMEIDA DOS ANJOS

IDEOLOGIA E OMISSÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA

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Cruz das Almas/Bahia - 2017


Copyright©2017 Flavius Almeida dos Anjos. Direitos para esta edição cedidos à EDUFRB.

Projeto gráfico, capa e editoração eletrônica: Antonio Vagno Santana Cardoso Revisão, normatização técnica: Flávius Almeida dos Anjos Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907. A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98. A613i

Anjos , Flávius Almeida Dos Ideologia e omissão nos livros didáticos de língua inglesa / Flávius Almeida Dos Anjos. -- Cruz das Almas/BA : UFRB, 2017 . 110 p. : il. ISBN 978-85-5971-029-8

1. Livro didático 2. Colonialismo 3. Lingua inglesa 4. Cultura I. Título CDD 428

Ficha catalográfica elaborada por: Ivete Castro CRB/1073

Rua Rui Barbosa, 710 – Centro 44380-000 Cruz das Almas – BA Tel.: (75) 3621-7672 gabi.editora@ufrb.edu.br www.ufrb.edu.br/editora www.facebook.com/editoraufrb


Para vocĂŞs: Rafael, VinĂ­cius e Bernardo, para quem quero deixar exemplos a serem seguidos. Para Vaulena, que soube me motivar e pacientemente me esperar enquanto escrevia este livro.


Agradecimentos

A gratidão é um gesto que enobrece tanto quem o faz quanto a quem o recebe. É o reconhecimento pela realização de algo especial, pelo esforço, dedicação a uma causa individual ou coletiva. Por isso, este curto texto visa não apenas agradecer às pessoas que doaram o seu tempo, dando opiniões lúcidas e consistentes, contribuindo para a consolidação de um trabalho, cujo objetivo maior é deixar uma mensagem de alerta e incitar um olhar crítico sob o livro didático, mas reconhecê-los como paradigmas no campo do ensino e da aprendizagem de línguas. Desse modo, além de agradecêlos, registro o reconhecimento profissional da professora Denise Scheyerl e do amigo professor Luiz Eduardo Simões de Burgos, os quais contribuíram com seus olhares e pontos de vistas, para a consolidação desta obra. Muito obrigado!


Nenhum texto é inocente e todo texto reflete um fragmento do mundo em que vivemos. Em outras palavras, os textos são políticos porque todas as formações discursivas são políticas. Analisar texto ou discurso significa analisar formações discursivas essencialmente políticas e ideológicas por natureza. (KUMARAVADIVELU, 2006, p. 140)



Sumário

Prefácio............................................................................................13 Apresentação....................................................................................17 Primeiras palavras............................................................................19 Introdução........................................................................................23 Capítulo 1 O livro didático de língua inglesa e aspectos inerentes a sua produção........27 Capítulo 2 Contemporaneidade, questões locais, globais e diversidade cultural..33 Capítulo 3 A ideologia do livro didático de língua inglesa...............................41 Capítulo 4 A omissão no livro didático de língua inglesa.................................51 Capítulo 5 A análise de dois livros didáticos de língua Inglesa contemporâneos da escola pública..............................................................................57 Capítulo 6 Ensinar e aprender inglês hoje: em defesa de uma Pedagogia Crítica pela sua descolonização...................................................................67 Capítulo 7 Um caminho possível: CLIL - Content and Language Integrated Learning......83


Palavras (in)conclusivas...................................................................97 ReferĂŞncias.....................................................................................101 O Autor..........................................................................................109


Prefácio

Denise Chaves de Menezes Scheyerl1

A conscientização da necessidade de aquisição de

uma língua estrangeira (LE) nas últimas décadas, seja na escola regular, nos cursos livres ou no curso superior, visando à efetivação da comunicação global, vem se refletindo na rápida expansão da educação em LE e fomentando o diálogo adequado para o repensar de práticas e posturas de ensino de línguas, principalmente na escola pública, onde o ensino de línguas estrangeiras permanece acrítico e submetido a poucas horas de instrução, ignorando-se a importância do seu aprendizado para o exercício da cidadania. Indubitavelmente, a condição de língua internacional da atualidade assumida pelo inglês (SIQUEIRA, 2011) já abriu algum espaço não só para a adoção de políticas afirmativas que permitam o ingresso maciço de comunidades populares em cursos de línguas como meio de inclusão social, mas também possibilitou o redimensionamento do papel do professor de línguas da atualidade. Assim, encontra-se aberto o debate para novos investimentos numa

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Professora Associada IV. Departamento de Letras Germânicas – Universidade Federal da Bahia - UFBA. Doutora em Filologia pela Ludwig-Maximilian Universitat Munchen, Alemanha.­­­­


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pedagogia de língua estrangeira verdadeiramente emancipatória, crítica e transformadora, no sentido freireano. Uma outra frente aberta nesse contexto e não menos relevante foi o foco na concepção de língua dentro de uma visão sociocultural historicamente construída, permitindo que fossem ressaltadas questões emergentes da exposição à interculturalidade, fenômeno que acontece naturalmente quando se aprende uma língua estrangeira. Dessa forma, foram e estão sendo trilhados caminhos em busca da interdisciplinaridade na seleção de conteúdos que privilegiem o respeito às diferenças e ressaltem a visibilidade dos traços de identidade e alteridade como construtores de uma política de solidariedade, ou nas palavras de Gomes de Matos (2010:24), do “potencial comunicativo humanizador do uso da linguagem”, direcionado ao ‘comunicar para o bem’. Nessa perspectiva, a discussão sobre quais seriam, então, as intenções mais imediatas ao se aprender uma língua estrangeira, se os alunos buscam o desenvolvimento da competência comunicativa nas situações sociais ou muito mais a compreensão dos componentes culturais intrínsecos ao sistema linguístico, ou seja, a incorporação de pedagogias alternativas, como vêm apontando os estudos sobre a abordagem intercultural na formação do professor de línguas (LIMA, 2010), torna cada vez mais imperiosa a revisão de paradigmas (PARAQUETT, 2008). Fundamentado nessa linha de pensamento, Flavius, em sua obra, IDEOLOGIA E OMISSÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA, defende o debate e contestação de valores implantados por ideologias que privilegiam a homogeneidade cultural e que perpetuam práticas racistas e sexistas, violentando os direitos civis das minorias, em especial na escola pública. O autor


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incentiva, então, o desenvolvimento de uma prática alternativa àquela apresentada pelas grandes editoras como restauradora da dignidade dos manuais de língua ou como restauradora do reconhecimento de outras epistemologias, como querem Santos e Meneses (2010), Scheyerl (2012) e outros teóricos. A iniciativa de Flavius, portanto, de produzir um volume dedicado a desenvolver reflexões no sentido de auxiliar a interlocução entre profissionais das áreas de Letras e Educação com questões da Pedagogia Crítica que envolvem o ensino-aprendizagem de línguas, em especial do inglês na escola pública, culmina, assim, no trabalho proposto pelo autor e levado a cabo, com competência e dedicação. Integrar o ensino de uma língua estrangeira à formação do indivíduo, de um modo geral, deve ser um dos objetivos da aula de LE da contemporaneidade. Sob essa orientação, a obra de Flavius vem conduzir educadores, de um modo geral, a algum tipo de reflexão crítica que modifique a imagem que os participantes têm de si mesmos e de suas relações com o mundo (FOUCAULT, 2003). Esse é, portanto, o grande desafio que a área tem pela frente: a busca social dos estudos linguísticos e, antes de tudo, a interlocução com os muitos vieses que cercam os falantes de línguas. Para desenvolver um país é necessário desenvolver pessoas, elevando o patamar de informação disponível e provendo os profissionais de conhecimentos básicos de ciência e tecnologia. Mas para avançarmos de forma ética e abertos ao diálogo, respeitandose o universo social e cultural do outro, é necessário estimular professores e aprendizes de línguas a fazerem uma travessia plural no novo milênio. O estudo que ora Flavius empreende é um convite a professores e estudantes de Letras, para que sejam postos em contato com a produção de conhecimento em Linguística Aplicada, o que irá


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motivá-los a avaliarem seu contexto de sala, criando um espaço que torne possível a reflexão sobre o seu papel social e, ao analisarem as suas experiências, construírem conhecimento crítico e a língua(gem) e postura adequadas para expressá-lo.

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Outubro de 2015


Apresentação

Luiz Eduardo Simões de Burgos2

A leitura desta obra de autoria do professor Flávius Almeida

dos Anjos, como bem se pode ver nas suas páginas, é o resultado das reflexões feitas pelo autor a partir de suas inquietações de docente de Língua Inglesa quando atuava na Educação Básica. O estudo em tela faz uma análise aprofundada sobre o livro didático para ensino de Língua Inglesa. Assim, inicialmente, faz uma análise sobre os conteúdos de tais livros, exibindo o pensamento, a visão de vários teóricos a respeito do assunto. A obra, ainda, chama a atenção para a necessidade de se produzir um livro que leve em conta as questões locais, apontando, inclusive, caminhos possíveis para o ensino de Língua Inglesa nas escolas, sobretudo nas escolas públicas, as quais, muitas vezes, são tão carentes de iniciativas, de uma melhor qualidade no ensino. Desse modo, este livro busca alinhar teoria e aplicação prática, levando em conta a cultura, os costumes locais, para que, dessa forma, o ensino e a aprendizagem se tornem mais significativos para alunos e Professor Adjunto do Departamento de Ciências Humanas e Letras Universidade 2Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Doutor em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).


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professores, o que permitirá que o aluno se sinta parte desse processo. É preciso dizer, ainda, que a leitura deste livro aguçará mais o espírito investigativo, pesquisador que todo professor deveria cultivar. Dito isto, resta, então, desejar uma boa leitura a todos.


Primeiras palavras

O presente texto surgiu da necessidade que, ao longo de 8

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anos lecionando na rede pública de ensino do Estado da Bahia, me acometia de olhar criticamente para os livros didáticos disponíveis para o ensino de língua inglesa (LI). Quase sempre tive que abandoná-los e criar o meu próprio material de ensino, já que não via em muitos deles alternativas viáveis que pudessem tornar o ensino e a aprendizagem de uma língua estrangeira significativos, quer pela irrelevância de seus temas, quer pela abordagem estruturalista, minimalista de língua que tais livros assumiam, buscando o mero treino de estruturas gramaticais, cujos resultados não ultrapassam os limites das reclamações por parte dos aprendizes, que “todo ano é o mesmo verbo to be4”. O que há grandes possibilidades de estar ocorrendo pela formação profissional limitada ou porque os livros didáticos não conseguem ser devidamente seguidos pelos professores, dada a sua difícil abordagem estruturalista. Sendo o verbo to be considerado uma das mais significativas formas verbais e de fácil ensino-aprendizagem, é lugar comum ocupar espaço em muitas salas de aula de língua inglesa, a cada início de ano letivo.

3 Desses 8 anos, há apenas 5 que o livro didático de língua inglesa é escolhido e recebido nas escolas públicas. 4 Infinitivo do verbo ser ou estar em inglês.


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Contrário a essa perspectiva de ensino, nas linhas que se seguem, alinho o pensamento, sobretudo, com Freire (1996), na defesa de uma prática educativa crítica, capaz de transformar a realidade, e com Giroux (1997), para quem o ensino não pode ser reduzido ao mero treinamento de habilidades, mas antes uma educação de uma classe de intelectuais para o desenvolvimento de uma sociedade livre, sobretudo, num cenário marcado por profundas transformações de toda sorte, onde a língua inglesa, que apesar de alcançar na modernidade o status de língua franca global, acaba, muitas vezes, sendo desprestigiada por professores, gestores e aprendizes. Não estaria tal desprestigio assentado, em parte, na carência de um material didático adequado, sensível a questões locais? Bem possível que sim! Destoando com a realidade dos aprendizes, muitos livros didáticos podem gerar desinteresse pela aprendizagem. A tentativa de reverter esse quadro, que tanto descaracteriza a relevância da aprendizagem de uma língua estrangeira, foi que também me motivou a pensar em outras formas de lecionar a língua inglesa, com materiais que fossem de relevância social e que refletissem, sobretudo, a realidade em que vivemos. Por isso, este livro intenciona refletir sobre o livro didático (LD) de língua inglesa na contemporaneidade, analisando a tríade ideologia, representação social e omissão, trazendo considerações acerca das ideologias presentes nos livros didáticos de língua inglesa, ressaltando, sobretudo, a configuração de uma ideologia colonialista, a qual é responsável pela recriação de um mundo ideal, alheio a questões sociais e emergentes locais. Desse modo, este texto versa sobre as ideias dominantes, colonizadoras, homogeneizantes que povoam muitos livros didáticos de língua inglesa, bem como discorre sobre a ideologia do que não é dito, não é mostrado, é omitido. A


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essa reflexão, incorporo a análise de dois livros didáticos de língua inglesa, de editoras diferentes, no intuito de verificar se os mesmos atendiam a determinados princípios. Tais princípios estão explicitados no Capítulo 1, e são resultados de estudos levantados sobre o tema, por Cortazzi e Jin e outros três por mim elencados. Ao mesmo tempo, há aqui também uma tentativa de elucidar, sobretudo, para professores de língua inglesa, o papel crítico que eles devem ter diante dos livros didáticos, de ‘abraça-los’, se coerentes com os seus princípios profissionais, ou de estabelecer distanciamento quando não se coadunam com as suas perspectivas de ensino. Ainda, pode servir para desvencilhar professores de língua inglesa da noção de que são um bando de colonizados, a serviço do colonizador, “travestido em uma pessoa sedutora, preparado para passar aos alunos a pílula dourada do pós-colonialismo” (LEFFA, 2005). Bem como para aguçar a criticidade docente, ao tratar de uma língua hegemônica, como a língua inglesa, favorecendo, desse modo, a assunção de agentes políticos e formadores de opiniões. Assim, acredito, cumpro, em parte, o papel eminentemente crítico da Linguística Aplicada, de lançar luz, esclarecer discursos que se imbricam em muitos livros didáticos, os quais podem manipular ou subverter realidades, conduzindo professores e aprendizes a um estado de comodismo ou de inferioridade, quando, por exemplo, exaltam em suas páginas as culturas hegemônicas. Por isso mesmo, reações como essas, ainda que recentes, devem emergir, para desvencilhar professores e aprendizes das artimanhas da ideologia e fazê-los enxergar as incoerências de pensamentos que minimiza-os, ao exclusivamente maximizar o outro, desprivilegiando-os, quando ignoram as suas realidades e não reconhecem as suas particularidades.


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Já passou da hora de mudar esse quadro, e como não há mudança sem atitudes, fica aqui registrada mais uma provocação para possíveis mudanças na configuração dos livros didáticos de língua inglesa para estudantes brasileiros, os quais devem, obviamente, levar em consideração o cenário onde os estudantes vivem, a constituição deles como sujeitos ativos, em lugar de passivos, construtores críticos de suas realidades e capazes de mudá-las, porque assim prosseguem moldando as suas identidades e se emancipando a cada ‘página virada’. Boa leitura! Cachoeira, novembro de 2015.


Introdução

O processo de ensinar-aprender línguas estrangeiras

tem levantado diversas reflexões, no âmbito metodológico, cognitivo, social e linguístico. O produto dessas reflexões, há algum tempo, vem contribuindo para uma melhor implementação desse processo. A compreensão do ensino e da aprendizagem de línguas, através de diferentes vieses, tem possibilitado avançar, em alguns contextos, por meio de práticas que dinamizam a práxis pedagógica de línguas, consolidando, assim, bons resultados. O aspecto metodológico, durante muito tempo ocupou espaço quase sagrado no rol das reflexões. Tudo estava centrado na metodologia e se acreditava que a escolha metodológica adequada sozinha daria conta do êxito da aprendizagem de línguas, e muitos outros aspectos eram, assim, desconsiderados. Com o tempo, percebe-se que a metodologia apenas, obviamente, não daria conta da complexidade de ensinar e aprender línguas. Chega-se à conclusão de que qualquer método poderia funcionar, em maior ou menor grau e que “não existe nenhum método, por mais errado que seja, que não tenha produzido um falante proficiente em língua estrangeira” (LEFFA, 2005, p. 204).


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Bons longos anos foram dedicados a essa reflexão. Todavia, com os olhos voltados para ampliar a compreensão desse processo, alguns outros aspectos começaram a ser objetos de reflexão, trazendo à tona questões que tem possibilitado conduzir o ensino e a aprendizagem de línguas estrangeiras com mais propriedade. Dentre esses novos aspectos, tem sido objeto de estudo, com mais intensidade, nos últimos anos, o livro didático (LD). Achar que o LD não é passível de reflexão e críticas, e que por ter a chancela de uma grande editora não pode e nem deve ser questionado, é um ledo engano. Há muito a ser discutido a respeito do LD. No bojo dessa reflexão, diversos fatores que estão relacionados intimamente a sua elaboração, tais como ideologia, omissão e representação social precisam ser discutidos. Esses fatores, dentre outros, é o que me encarrego de discutir brevemente neste trabalho. Para tanto, inicio o CAPÍTULO 1, trazendo algumas considerações a respeito dos aspectos inerentes à produção do livro didático de língua inglesa, destacando fatores elucidados por Cortazzi e Jin (1999) e três por mim elencados, os quais podem ser tomados, dentre outros fatores, como norte para a elaboração de materiais didáticos de língua inglesa. No CAPÍTULO 2, discorro sobre questões locais, globais e diversidade cultural na contemporaneidade, sugestionando a prática intercultural na sala de aula de língua inglesa. No CAPÍTULO 3, abordo a questão da ideologia no livro didático de língua inglesa, compartilhando algumas definições do termo presentes na literatura contemporânea, bem como tento esclarecer como a ideologia opera em muitos livros de língua inglesa, em favor da classe dominante,


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propalando ideias homogeneizantes, mas que na prática segregam, dividem, desprivilegiam povos, línguas e culturas ‘feitas’ minoritárias. No CAPÍTULO 4, discorro sobre o que não se diz, não se mostra, se omite no livro didático. Questiono o espaço de questões raciais, de gênero, das políticas públicas, das mazelas, da fome e da corrupção, que ainda parecem não alcançar as páginas de muitos livros didáticos de língua inglesa. No CAPÍTULO 5, apresento a análise de dois livros didáticos de língua inglesa, os quais foram analisados com base nos princípios elencados tanto por Cortazzi e Jin quanto por mim. Apresento o resultado dessa análise, sinalizando a presença e a ausência dos fatores explicitados no Capitulo 1, sobretudo, destacando a ideologia por trás de cada um dos livros analisados, bem como a omissão de determinados aspectos de relevância para a formação do aprendiz de uma língua estrangeira. No CAPÍTULO 6, trago algumas considerações sobre fatores que estão relacionados com a língua inglesa, tais como globalização e colonialismo, os quais afetam o ensino dessa língua, bem como apresento proposta para a descolonização e desestrangeirização da língua inglesa, em favor dos falantes de outras línguas. No CAPÍTULO 7, apresento uma alternativa viável para o ensino da língua inglesa, sobretudo nas escolas públicas brasileiras. Apresento a abordagem CLIL – Content and Language Integrated Learning, suas características e princípios, chamando atenção para a possiblidade de uma aprendizagem mais significativa, quando a língua e o conteúdo são integrados na sala de aula de língua inglesa.


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Finalizo com “PALAVRAS (IN) CONCLUSIVAS”, abrindo espaço para que outras pessoas possam refletir sobre o tema e implementar ainda mais as contribuições, com vistas a avançar nessa questão política e metodológica, cuja missão maior é formar cidadãos críticos e interculturalmente sensíveis.


Capítulo 1

O livro didático de língua inglesa e aspectos inerentes a sua produção

Os materiais devem despertar as emoções do aluno. Riso, prazer, interesse, tristeza e raiva podem promover o aprendizado; a neutralidade, não. (TOMLINSON, MASUHARA, 2005, p. 3).

O Livro Didático (LD) tem sido considerado um suporte dos

mais importantes para o ensino e aprendizagem, sobretudo de uma língua. Como bem coloca Ortiz (2012) que os materiais didáticos representam, se não a principal, uma das mais importantes fontes de conteúdo relevante que promovem a aprendizagem. No que concerne à área de língua estrangeira, historicamente, na escola pública, os professores ficaram longos anos sem o livro didático para auxiliálos nesta tarefa. Só recentemente é que o Ministério da Educação (MEC), através do PNLD5, de 2011, passou a disponibilizar o livro

PNLD – Plano Nacional do Livro Didático.


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didático, a ser escolhido, de forma democrática, pelas unidades escolares. Tal medida, sem sombra de dúvida, parecia representar um ganho significativo para a área, que passaria a contar com esse suporte de ensino e aprendizagem, principalmente na escola pública, carente de tantas coisas. No entanto, apesar de o livro didático trazer a possibilidade de representar um avanço, alguns fatores inerentes a sua produção precisam ser reconsiderados. Pois, a simples oferta do livro didático per se não representa, nem garante um avanço como um todo no processo de ensino e aprendizagem. O fato de ter o parecer de uma editora, de ter impressão colorida, com imagens, textos de toda sorte e outros suportes agregados a ele, como o CD para prática do listening, não é garantia de que determinado livro didático surtirá o efeito desejado por docentes, nem tão pouco impede o lançamento de um olhar crítico sob o conteúdo nele disponibilizado, pois, muitas vezes, se cai no comodismo de achar que por essas questões o livro didático é algo inquestionável, intocável, perfeito em si mesmo. Contrário a essa visão é que proponho refletir sobre fatores intrínsecos à elaboração do material didático, os quais precisam ser debatidos e as discussões reanimadas, no intuito de fortalecer a política do livro didático e consequentemente êxito no ensino e na aprendizagem da língua inglesa. A tarefa é longa, e o momento agora é de repensar o conteúdo dos livros didáticos, visando, acima de tudo, a atender aos aprendizes e às especificidades dos contextos nos quais eles estão inseridos. Assim, a escolha de um material didático para o ensino-aprendizagem da LE deve, antes de tudo, atender interesses de quem dele fará uso, visando a associar a experiência de aprendizado em sala de aula a


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sua vida fora dela. (TOMLINSON, MASUHARA, 2005, p. 3) Nessa perspectiva, é razoável dizer que crianças aprendem com facilidade, com temas da sua fase, adolescentes gostam de aprender com temas da adolescência, bem como adultos apreciam e se engajam no processo de aprendizagem quando os temas estão em níveis correlatos com essas fases humana. Nessa linha de raciocínio, Mendes (2011, p. 152) destaca que: Os materiais didáticos, nessa perspectiva, devem apresentar um tipo de estrutura que funcione, antes de tudo, como suporte, apoio, fonte de recursos para que se construam, em sala de aula, ambientes propícios à criação de experiências na/com a língua-cultura alvo. Ele, portanto, não deve obedecer, a sequências rígidas ou à seleção e ordenação de dados que não podem ser mudados, manipulados, explorados e expandidos em sala de aula. Deve poder ser adaptado, modificado, adequado a diferentes situações, de acordo com as percepções do professor quanto aos desejos e necessidades dos alunos.

Com visão semelhante, Kumaravdivelu (2005) assevera que para o material ser relevante em qualquer contexto pedagógico, ele deve ser sensível aos propósitos e objetivos de aprendizagem, necessidades e desejos dos aprendizes. Ou seja, a aprendizagem pode ser também substancialmente facilitada quando os temas a serem abordados em sala de aula estiverem relacionados às realidades específicas de cada grupo social. Ao desconsiderar tal premissa, alguns problemas podem emergir e nesse sentido é que Lima (2012) salienta que problemas de inadequação de faixa etária bem como a retratação de questões distantes da realidade do aprendiz acabam promovendo críticas que recaem sobre os livros didáticos.


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Tais críticas convergem com o pensamento de Freire (1996), quando esse educador questiona a necessidade do estabelecimento de uma intimidade entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e à experiência social que eles têm como indivíduos. Esse distanciamento da realidade do aprendiz, que tanto caracteriza o ensino tradicional, também revela uma crescente falta de função dos conhecimentos6 abordados em sala de aula, o que muitas vezes gera frustração, desestímulo, consequentemente reprovação, quando não o abandono. Com o propósito de tornar a aprendizagem de língua estrangeira significativa, bem como evitar a geração de problemas7durante a formação do aprendiz, é preciso encarar a escolha do livro didático com seriedade. Assim, no momento de escolher um livro didático alguns fatores devem ser levados em consideração. Cortazzi e Jin (1999) mencionam três fatores, os quais devem ser considerados quanto à escolha do conteúdo do livro didático de línguas internacionais, a saber: 1) materiais da cultura nativa do aluno; 2) materiais da cultura alvo, ou seja, materiais que abordem a cultura de um país, ou países onde o inglês é falado como primeira língua e 3) materiais de culturas internacionais, que abordem uma grande variedade de culturas de países que falam inglês ou não em todo mundo.

⁶ Me refiro às aulas de língua inglesa baseadas única e exclusivamente em compêndios

gramaticais, i.e., primando pelo aspecto estrutural da língua, transferindo conhecimentos gramaticais de maneira descontextualizada, como o famoso verbo “to be”, que os próprios alunos revelam estar cansados de rever.

Me refiro ao desestímulo, à frustração, ao abandono, consequência, por exemplo, da negação da realidade dos aprendizes, o que, muitas vezes, acontece nos livros didáticos.


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Seguindo esse raciocínio, e em linhas gerais, acredito que todo material para o ensino e aprendizagem de línguas deve conter os seguintes fatores: 1) temas que atendam as especificidades da contemporaneidade; 2) temas que abordem questões numa perspectiva local e global; 3) temas de áreas diversas, de culturas diversas, e que tenham relevância científica, cultural, política, social e filosófica. Tais fatores levam em consideração a língua como mecanismo capaz possibilitar práticas reflexivas das nossas realidades, com grandes possibilidades de êxito, pois sendo a língua uma prática social e compreendendo-a como tal, o produto final do processo de ensinoaprendizagem não será outro, senão exitoso, porque mediados por materiais didáticos que abordem experiências reais, tanto de linguagem quanto de vida (cf. TOMLINSON, MASUHARA, 2005), o ensino e a aprendizagem serão uma experiência agradável, tranquila e significativa. A seguir está o quadro com os fatores sugeridos por Cortazzi e Jin (1999) e por mim, e, a fim de ampliar essa reflexão, na seção seguinte discorro acerca da contemporaneidade, das questões locais, globais e da diversidade cultural, pontos sugeridos por mim para nortearem a elaboração de livros didáticos.


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32 Fator 2: Cortazzi e Fator 1: Jin (1999) Materiais da cultura Materiais

Fator 3: Materiais de culturas internacionais, que abordem uma grande variedade de culturas de países que falam inglês ou não em todo mundo.

Anjos (2015)

Fator 3: Temas de áreas diversas, de culturas diversas, e que tenham relevância científica, cultural, política, social e filosófica.

nativa do aluno.

Fator 1: Temas que atendam as especificidades da contempo raneidade.

da cultura alvo, ou seja, materiais que abordem a cultura de um país, ou países onde o inglês é falado como primeira língua. Fator 2: Temas que abordem questões numa perspectiva local e global

Quadro 1- Fatores para elaboração de livros didáticos de acordo com Cortazzi & Jin (1999) e Anjos (2017).


Capítulo 2

Contemporaneidade, questões locais, globais e diversidade cultural

Think globally, act locally, translated into language pedagogy as ‘ global thinking, local teaching’.8 (KRAMSCH, SULLIVAN, 1996, p. 1)

Livros didáticos para o ensino-aprendizagem de LE devem

trazer em seu bojo questões locais, globais, numa perspectiva contemporânea, bem como devem retratar a diversidade de tais questões em níveis de igualdade, sem fazer generalizações ou menções que denotem inferioridade entre povos e nações. Devem primar pela retratação de questões reais, que envolvam os aprendizes, em diferentes planos de atuação, como o político, o econômico, o social, o filosófico etc. Sugiro que os livros didáticos devem, sob pena de perderem as suas utilidades, primar por uma abordagem que gira em torno de três fatores: 1) que atendam às especificidades da contemporaneidade; 2) que tenham uma agenda local e global; 3) que contemplem a diversidade de culturas, num viés que exibam

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Tradução minha: Pense globalmente, aja localmente, traduzido para a pedagogia de língua como ‘pensamento global, ensino local’


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questões científica, cultural, política, social e filosófica, atendendo, desse modo, às demandas específicas contemporâneas. Os livros didáticos irão atender às especificidades do mundo contemporâneo quando os autores compreenderem a relevância da exposição da dinâmica desse cenário nas páginas do livro didático. A compreensão de como as ações da vida social acontecem, por que acontecem e quais atitudes requerem dos aprendizes e educadores, tornará possível a inserção de diversas questões atuais nas paginas dos livros didáticos, assim como maior engajamento político para encontrar caminhos que levem a possíveis soluções. Tais caminhos convergem com os princípios da Pedagogia Crítica, pois ao politizar o ensino de línguas, os professores estarão contribuindo para a formação de cidadãos, se não livres das relações de dominação, pelo menos conscientes. ‘Atender às especificidades da contemporaneidade’ significa exatamente problematizar para compreender o que é contemporâneo, visando à formação da consciência crítica dos aprendizes, justamente para poder participar, agir e reagir frente às diversas questões que, muitas vezes, são impostas e de maneira confusa. Santos (2008) faz menção a esse mundo de confusão e que assim confusamente é percebido, quando a celeridade contemporânea de um mundo fabricado pelo próprio homem é propagada, ao tempo em que divulga progressos científicos e tecnicistas, que sustentam o império da monetarização da vida social e pessoal. Assim, a noção de um mundo global é sustentada, como um cenário cada vez mais competitivo, onde, a todo momento, aderem-se a ações perversas e hegemônicas, que confundem e segregam as pessoas. Nesse momento, quando são vivenciadas, quer em contextos locais ou em outros mais distantes de nós, crises políticas e econômicas, abalos nos dogmas, na moral e na ética, educadores e aprendizes precisam combater de maneira crítica toda forma de injustiça e refletir sobre tudo isso. Desse modo é que temas como “On religions”, “Politics in my country”, “Social Justice”, “On Prejudice” “On Abortion” e muitos outros devem ganhar espaço nos livros didáticos de língua


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inglesa, visando à formação de aprendizes críticos e conscientes. A seguir exemplos de atividades nesses moldes: Modelo de atividade 1

QUESTIONS TO THINK ABOUT________On religion 1. What is your religion?

2. Do you believe in God? 3. 4. 5. 6. 7.

Who is God for you? What is the best religion? Where is God right now? Do you pray? Does God listen to you? Own creation by © Flaviusanos@ig.com.br. No authorized photocopying Copyright 2015.

Fonte: elaborado pelo autor.

Modelo de atividade 2

QUESTIONS TO THINK ABOUT________On Politics. 1. What do you mean by politics? 2. Do you take part in any party in your country? 3. Do you trust politicians of your country? 4. What is the current political situation in your country like? 5. How can you help your country? 6. Have you ever been a candidate in your city, state? Own creation by © Flaviusanos@ig.com.br. No authorized photocopying Copyright 2015.

Fonte: elaborado pelo autor


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36 Modelo de atividade 3

 SOCIAL TEACHING 

True & False beliefs on abortion. Mark True or False according to what you really think and say why.

1) ( 2) ( 3) ( 4) ( 5) ( 6) ( 7) ( 8) ( 9) ( 10) ( 11) ( 12) ( 13) ( 14) ( 15) ( 16) ( 17) ( 18) ( 19) ( 20) (

) I think it’s legal an abortion, in those cases related with rapes. ) I would never agree with an abortion. ) We’re playing like God, when allowing an abortion. ) A human being is always a human being, regardless of his/her origin. ) Abortion is not a social problem. ) Abortion is a sacrifice. ) All countries must not allow abortion. ) Only young people should have an abortion. ) If a father has sex with his daughter, it´s allowed abortion. ) I would never have an abortion. ) Abortion is dangerous. ) Abortion is allowed when the fetus has an illness. ) Abortion should be legalized. ) Only women must decide on an abortion. ) Abortion should be allowed until 3 weeks of pregnancy. ) Abortion must not be allowed in any case. ) A law mustn’t decide about abortion. ) Death is not the worst problem concerning abortion. ) Religion would decide which way to choose. ) No to abortion! Source: Own creation by © Flaviusanjos@ig.com.br 2016 for ADVANCED Studen

Fonte: elaborado pelo autor.

Os livros didáticos também devem ter uma agenda local e global. Não cabe, de modo algum, desprezar nem um aspecto nem outro. O que está fora do alcance dos aprendizes, como as novas formas de ser, agir, pensar e produzir, precisa ser socializado localmente. Bem como o que é produzido localmente precisa ser primado e, quem sabe, globalizado. Isso me fez lembrar uma irmandade denominada de Boa Morte, na cidade onde resido, Cachoeira, no estado da Bahia. A irmandade é formada apenas por mulheres negras, acima dos 60 anos, descendentes de escravos. Essas senhoras vestem uma


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indumentária vermelha e preta e todos os anos, no mês de agosto, saem pelas principais ruas da cidade em procissão, até chegar à igreja principal, para celebrarem missa em homenagem a Nossa Senhora da Boa Morte. São três dias de festas na cidade, o que atrai um grande número de turistas, norte americanos, sobretudo negros, mas também brancos, que todos os anos, na mesma data, ficam na cidade nos três dias de festa. A mencionada festa é realizada com a presença de mais turistas do que dos moradores. O que quero dizer com isso é que a cultura local ultrapassou fronteiras geográficas e tem, desse modo, atraído um grande número de pessoas, sobretudo, de outros países. Infelizmente, muitos livros didáticos de inglês não retratam, pelo menos até hoje, questões locais como essa. Apesar da constatação de cenários nos livros didáticos que ainda não primam por questões locais, os quais poderiam atrair a atenção dos aprendizes, por retratarem as suas realidades culturais, resta ter esperança e acreditar que a mudança não tardará e que reflexões como esta, proposta neste trabalho, sirvam de estímulos para que mudanças na elaboração dos livros didáticos ocorram. Por outro lado, acho extremamente relevante destacar que questões globais precisam ser exploradas em sala de aula, para chegar, talvez, em um pensamento local, bem como é possível partir de um pensamento local até chegar em um global. Vejam como o meu pensamento coaduna-se com o de Mota (2010): Valer-se de textos de outros países e línguas para abordar temas locais é uma forma de mostrar que o local dissolve-se no global e que as fronteiras entre os países atenuam-se diante de entrecruzamentos transculturais que caracterizam qualquer civilização. Afinal, em tempos de globalização, nenhum país se constitui isolado dos trânsitos provenientes de questões culturais, ideológicas, históricas, econômicas, políticas de outras nações. (MOTA, 2010, p. 10)


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Por fim, os livros didáticos devem contemplar a diversidade de culturas, sobretudo aquelas menos divulgadas, as próximas ou distantes de nós, a indígena, a quilombola, a cigana, a indiana, a jamaicana, a nigeriana e tantas outras que ainda são relegadas a um segundo plano. As mencionadas culturas podem ser socializadas e compreendidas, com todas as suas riquezas e idiossincrasias, o que, consequentemente, pode possibilitar a quebra de preconceito, crenças e mitos erroneamente propagados, os quais também acabam por promover distanciamento. A vantagem de abordar a diversidade de culturas nas páginas dos livros didáticos está diretamente relacionada com os objetivos dos mesmos: formar aprendizes interculturalmente sensíveis, capazes de lidar, respeitar as diferentes formas de ser, agir e pensar. A interculturalidade na sala de aula de línguas estrangeiras é um componente sine qua non, não apenas para que os aprendizes possam praticar a LE, mas para que possam ter acesso ao mundo do outro e, como disse Mia Couto, “preciso ser um outro para ser eu mesmo” e “existo onde me desconheço”, pois, ao permitir a entrada em outros mundos, se possibilita o autoreconhecimento, e, assim, aprendizes e professores se transformam, moldam, desse modo, as suas identidades. Tal perspectiva de ensino-aprendizagem de línguas representa mais do que interação entre povos, mas uma relação de diálogo, abrindo-se para outra cultura, se deixando ver pelo outro com o qual se estabelece o diálogo (MENDES, 2011). A interculturalidade na sala de aula de línguas funcionará como uma ponte capaz de mediar as dimensões sujeitos e mundos culturais, promovendo experiências de vida entre diferentes culturas, possibilitando a criação de zonas


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proximais, de espaços ‘inter’, ‘entre’ ou ‘entrelugares’ (MENDES, 2011), pavimentando o caminho para desenvolver a capacidade de entender outra cultura, ao tempo em que possibilita a capacidade de conhecer a própria e a nós mesmos (OLIVEIRA, 2012). E, assim, emerge oportunidade para negociação das identidades e o empoderamento do aprendiz, já que as pessoas se redefinem toda vez que aprendem uma língua estrangeira e por isso é verdade quando Rajagopalan (2003) diz que “as línguas são a própria expressão das identidades de quem dela se apropria”, Nesse sentido, os livros didáticos de língua inglesa devem promover momentos para a (re) construção das identidades, sobretudo, numa perspectiva contemporânea. O passado pode ser revisitado, para explicar o presente, mas a ênfase deve ser no atual, no que é e está sendo, para, assim, atingir os propósitos específicos dos aprendizes na contemporaneidade. Siqueira (2012) destaca que os variados contextos do ensino e da aprendizagem do inglês hoje têm reclamado acerca dos objetivos dos materiais, a fim de atender às necessidades específicas dos aprendizes, visando à inserção de conteúdos culturais globais, de conteúdos da cultura nativa e de temas que fazem parte do mundo real. Siqueira (2012) argumenta que para ensinar inglês hoje é necessário visitar várias fronteiras, selecionando novas prioridades, como a escolha de abordagens pedagógicas mais adequadas a determinadas realidades. Esse autor parece sinalizar com esse argumento não apenas a necessidade de escolhas metodológicas apropriadas para o ensino de LE, mas também a possibilidade de trazer à tona questões relevantes de interesses individuais e coletivos, interculturais, interdisciplinares.


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Por isso, o livro didático deve ser um manual para acessar o mundo, e como o mundo é a soma de muitas áreas do conhecimento, o LD deve abrir espaço para áreas diversas, proporcionando, assim, a interdisciplinaridade. Esse diálogo entre disciplinas, inevitavelmente, romperá barreiras, que tanto tem impedido a formação de uma consciência múltipla, muito requisitada no cenário contemporâneo. Tal consciência está assentada na concepção de que é preciso conhecer de tudo um pouco, mas de maneira interligada. Daí dizer que é nas aulas de língua inglesa também o momento ideal para a discussão de questões ambientais, raciais, políticas, ideológicas, históricas, geográficas, de maneira imbricada. Longe de atender essa perspectiva, muitos Livros Didáticos trazem uma ideologia mercantilista, favorecendo um determinado grupo social, publicizando um mundo ideal em detrimento do real, omitindo características, problemas e realidades de grupos sociais feitos minoritários. Desse modo, proponho aqui discutir, a partir da análise de dois livros didáticos, de editoras diferentes, a presença ou a ausência de determinados fatores, bem como a questão da ideologia, que é muito latente nos materiais de língua estrangeira, o que automaticamente coloca aprendizes e docentes diante das representações sociais que mais são convenientes aos autores e editores de tais materiais. Além disso, em contra partida, faz-se relevante sinalizar o que o livro não mostra, não retrata, não destaca, enfim, omite. A seguir tratarei dessas questões, a começar pela ideologia que povoa o livro didático.


Capítulo 3

A ideologia do livro didático de língua inglesa

Parece evidente que existem relações entre as formas de linguagem nos livros didáticos, as instituições em que eles são usados, o controle social e intelectual que eles sustentam e as práticas pedagógicas que eles pressupõem. (STUBBS, 2002,

p. 137).

Inicialmente, considero relevante trazer alguns conceitos de

ideologia. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2011) define o verbete ideologia como um conjunto de ideias, crenças, tradições, princípios, mitos, sustentados por um indivíduo ou grupo social. Para Fairclough (2001), ideologia é a construção da realidade, das relações sociais, das identidades, que são construídas nas práticas discursivas, contribuindo para a reprodução e transformação das relações de dominação. Já Santos (2008), em suma, diz que ideologia é uma informação manipulada, enquanto para Chauí (2012), ideologia é um instrumento de dominação de classe, são ideias da classe dominante.


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Na visão de Freire (1996), à luz da Pedagogia Crítica, ideologia é um saber fundamental à prática educativa, já que esse conhecimento é que possibilita o desvencilhamento das armadilhas da própria ideologia. Para esse educador, a ideologia é como uma força que oculta verdades, opacizando e penumbrando realidades e, assim, tornando homens e mulheres míopes. Atrelado a isso, buscando compreender a relação entre o livro didático e ideologia, registro aqui o pensamento de Yaqoob (2011), para quem a ideologia está associada com as relações de poder e o livro didático tornou-se o meio através do qual a ideologia opera para manter tais relações. Esse autor concebe o livro didático como um ‘código de conduta’, disseminando o que deve ou não ser feito, como ou não fazer, e, desse modo, orienta o pensamento dos aprendizes. Parece que é nesse sentido que Kramsch e Sullivan (1996), com base em Widdowson (1994), questionavam o uso de uma pedagogia que [in]apropriadamente privilegia o falante nativo, impondo normas em nível global; e, por isso, essas autoras sugerem uma pedagogia alinhada com as condições locais, em vez de materiais que consolidem uma metodologia com um viés de comunicação Anglo Saxônico, por exemplo. Com visão semelhante, Kumaravadivelu (2005) sinaliza a necessidade de descolonizar o ensino de língua inglesa, repensando métodos de ensino e materiais didáticos, argumentando que princípios metodológicos e práticas que são apropriadas para contextos locais devem ser exploradas, o que, para esse autor, favorece o letramento crítico, e assim, professores e aprendizes atuarão como agentes de mudança social, orientando caminhos que levem ao desenvolvimento individual e coletivo.


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Assim, de posse dessas informações, tento daqui por diante, também, discutir como esses conceitos de ideologia estão materializados nos livros didáticos de língua inglesa, pois, como evidencia Kumaravadivelu (2005), os livros didáticos não são neutros, carregam uma carga cultural, crenças e atitudes. Com relação a isso, alguns autores (SIQUEIRA, 2012; RAJAGOPALAN, 2012; SCHEYERL, 2012) após conduzirem estudos sobre livros didáticos de língua estrangeira, compartilharam opiniões semelhantes, detectaram subjetividade na escolha dos conteúdos, que convergem para os interesses propagandísticos e mercantilistas. E assim são criados mundos, como diz Leffa (2005), construídos como “uma ilha da fantasia, uma sociedade sem conflito e artificialmente feliz”. Um mundo idealizado e completamente distante da vida real. Parece que foi nessa linha de pensamento que Scheyerl (2012) chamou de ‘mito da mímese’ ou do ‘colonizador’, o micromundo posto no livro didático de língua estrangeira, onde o mundo das culturas alvo é o ideal, quando impõe, através de suas páginas, o mundo branco e anglo-saxônico. Oliveira (2015) reforça essa visão, ao chamar atenção para o fato de o livro didático, oriundo de outros países, inevitavelmente trazer questões culturais, as quais precisam ser compreendidas, discutidas em sala de aula, tendo em vista os valores ideológicos veiculados nas mesmas e, por isso, precisam ser problematizadas. Tais marcas ideológicas, muitas vezes, propositadamente, imbricam-se em informações fabulosamente construídas, com vistas a manipular, o que ao invés de esclarecer, segrega, menospreza, confunde. Pois, como adverte Freire (1996), a ideologia tem o poder de persuadir as pessoas, com seus discursos ameaçadores de anestesiar a mente, de confundir, distorcendo a percepção dos fatos e das coisas.


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Nesse sentido, Rajagopalan (2012) assevera que a ideologia impede a capacidade de discernir e perceber o sentido real das coisas, fazendo as pessoas observarem as questões apenas em suas superficialidades, construídas a partir de uma determinada visão de mundo. À luz da Linguística Aplicada, Rajagopalan (2003) tece comentários acerca dos objetivos do ensino de língua estrangeira, ideologicamente construídos em favor de um falante ideal, ressaltando que a competência perfeita, entendida como o suposto domínio que o falante nativo tem da sua língua, era meta fixa desse ensino. Tal premissa trouxe consequências para o ensino de LE, já que falar como um nativo é algo non sense e inatingível e, por isso mesmo, Rajagopalan (2003) lembra a respeito das muitas tentativas de melhorar a autenticidade do material didático, visando ao encurtamento da distância entre o objetivo desejado e o resultado de fato. Esse autor fala ainda em “recados ideológicos subliminares”, os quais podem se imbricar em lições para o ensino de inglês, e vê essa questão como preocupante, já que o livro didático acaba sendo produzido com fins ideológicos e assim influencia de maneira sutil a forma de pensar dos aprendizes. Rajagopalan (2012) fala da maneira velada como a ideologia emerge no ensino de línguas, e diz que ela surge até mesmo numa simples lição do material didático. Senti isso com precisão, quando, iniciando a carreira, fui lecionar num centro de idiomas tradicional, no qual era utilizado o método Audiolingual para o ensino e a aprendizagem da língua inglesa. O referido curso tinha uma série didática e numa das seções do livro, denominada DRILL9, o objetivo Advanced Learner´s Dictionary’ define o verbete Drill como prática de 9umaO ‘Cambridge habilidade; atividade regular que envolve a repetição de uma mesma coisa várias

vezes. Era um tipo de prática comum no exército para treinar os soldados. Tal atividade foi aplicada com as forças armadas também para aprendizagem de línguas estrangeiras, durante a segunda guerra mundial.


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era que os aprendizes repetissem frases, visando a internalizá-las. Todavia, para que se tenha uma ideia, a instituição acreditava que o ‘bom’ falante da língua inglesa, seria aquele capaz de falar10 igualzinho a um americano. Por isso mesmo, uma das frases que iniciava a seção era ‘I will speak English just like an american’11. Essa veneração desmedida que recaia sobre o falante nativo, na verdade, emerge da noção Chomiskiana de falante ideal, no lugar de real, um ser cartesianamente onipotente (RAJAGOPALAN, 2003) o que, de fato, corroborou a ideologia neocolonialista, ao articular-se como o carro chefe do empreendimento do ensino de línguas estrangeiras. O exemplo citado anteriormente serve para mostrar como a ideologia, de forma velada, no livro didático de língua inglesa, visa a manipular as pessoas, fazendo-as acreditar numa suposta superioridade do falante nativo, o qual deve ser seguido, imitado, emulado. Quanto a isso, Moita Lopes (1996) alerta quanto ao fato de o ensino da língua inglesa operar como instrumento ideológico em favor do estabelecimento da superioridade do colonizador. Nessa linha de raciocínio, Ortiz (2012) assevera que aos efeitos de sentido pouca importância é dada nos discursos presentes nos livros didáticos, cuja significação acaba se centrando no autor, enfraquecendo o papel ativo do receptor/leitor/falante, desconsiderando, assim, seu mundo interior, sua bagagem sociocultural, o seu poder de discernimento, os quais poderiam entrar em cena, mas que muitas vezes são desprezados. E assim, como consequência, emerge o que convencionei chamar de ‘bipolarização Rocha Lima (2009, p. 75) acredita que não é papel obrigatório do aprendiz conservar 10 o sotaque estrangeiro. A autora acha que a opinião é do aprendiz quanto à manutenção ou não do sotaque. Contudo, cabe ao professor informar que ele não tem que falar como um nativo e que isso não se trata de um dever, mas um direito.

11Tradução minha: “Falarei inglês igualzinho a um americano”.


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SuperInfer’, para fazer referencia às atitudes de supervalorização em relação à língua e à cultura estrangeira e ao sentimento de inferioridade do aprendiz. Assim, tenho sustentado que a ideologia do livro didático pode contribuir para a construção de uma atitude de supervalorização da língua e da cultura do outro, em detrimento da própria, o que consequentemente pode desencadear um sentimento de inferioridade. Contexto da sala de aula de língua inglesa

Atitudes de supervalorização em relação à cultura e à língua estrangeira.

SENTIMENTO DE INFERIORIDADE DO APRENDIZ

Quadro 2: Bipolarização SuperInfer.

Em ‘English and the discourses of Colonialism’, explica Pennycook (1998) que algumas das ideologias do ensino da LI hoje têm suas origens nas construções culturais do colonialismo. Em seus estudos, esse autor conseguiu selecionar textos populares, de livros, jornais e artigos de revistas, utilizados nas salas de aula de LI, cujos discursos do colonialismo acabaram emergindo. Para Pennycook (1998), o colonialismo produziu muitas formas de pensar, de se comportar e que ainda são partes das culturas. Na visão desse autor, as lutas do colonialismo têm produzido e reduzido nações, massacrando populações, tirando povos de suas terras, cultura, línguas e história. Pennyccok (op. cit.) assevera que um dos aspectos centrais da ideologia do colonialismo, tem sido a construção do outro como sujo,


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primitivo, depravado, infantil, feminino, enquanto o outro lado desse discurso ideológico tem sido no sentido de exaltar os colonizadores, colocando as suas línguas, culturas e estruturas políticas como avançadas, superiores, modernas, civilizadas. Obviamente, que tais discursos trazem implicações para o ensino e a aprendizagem da língua inglesa, já que esta língua foi usada como meio para atingir os objetivos escusos do colonialismo e esteve, durante muito tempo, completamente carregada de marcas desses discursos. Parece que é por isso que Rajagopalan (2003) chama atenção para o fato de alunos estarem experimentando um sério complexo de inferioridade, se sentindo diminuídos em suas autoestimas, por causa de práticas e posturas, notadamente equivocadas, que são adotadas em muitas salas de aula, e que tem sustentado a premissa da superioridade da língua e da cultura estrangeira. Inegável que tal premissa está alicerçada numa ideologia colonizadora, visando a manipular os aprendizes para que ajam acriticamente e assim emulem a cultura alvo. Tal atitude não fica apenas no campo do discurso, pois o discurso do colonialismo reproduz também relações materiais do colonialismo (PENNYCOOK, 1998). E assim é que as forças do colonialismo conseguem penetrar também nas páginas do livro didático. Foi nessa linha de raciocínio que Ritzer (1993) cunhou o termo ‘McDonaldização’, para fazer referência aos processos socioculturais de consumo de comida rápida, que dão forma aos padrões culturais dos Estados Unidos e alastram-se pelo mundo afora. Já Kumaravadivelu (2006) destaca o individualismo e o consumismo, como marcas fortes da cultura norte americana, chamando atenção para o fato de os jovens usarem calças Levi’s, tênis Nike, bonés do baseball da Texaco, moletons do Chicago Bulls e comerem nas redes McDonald´s e Pizza Hut, resultado de um processo ideológico de homogeneização cultural, facilitado por


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indústrias de comunicação global, que visam a atender interesses norte americanos. E deve ser por isso também que Rajagopalan (2012) assevera que o ensino de língua inglesa transformou-se numa indústria poderosa e lucrativa. A respeito disso, Scheyerl (2012, p. 44) diz existir uma pedagogia mercantilista, baseada no consumidor, que vende, nos livros didáticos, do creme Nívea a McLanches com Coca-cola, por exemplo. Por isso, como já falei, os livros didáticos reproduzem apenas parte do mundo real, um mundo talvez almejado, distante da realidade de muitos aprendizes. Quanto a isso, Scheyerl (2012) assevera: Também vendem-se imagens de belos e bem sucedidos artistas, de famílias felizes e harmoniosas, de profissionais bem sucedidos e todos estereótipos que não mais, nós, professores críticos e reflexivos gostaríamos de difundir. (SCHEYERL, 2012, p. 45).

Richards (2011), por sua vez, acredita que os livros didáticos podem apresentar pontos negativos, já que podem distorcer a realidade, pois frequentemente apresentam uma visão de mundo idealizada, quando não fracassam ao tentar representar questões reais. Para esse autor, os livros didáticos evitam tópicos polêmicos e, como norma, exibem uma visão de mundo idealizada, branca, de classe média. Siqueira (2012) em sintonia com Richards revela que parte dos livros didáticos de LE, incluindo os de língua inglesa, selecionam tópicos neutros e inofensivos, consolidando o propósito de distanciamento da sala de aula com o mundo real. Desse modo, a ideologia vendida em muitos livros didáticos de língua inglesa é a de um reino encantado, uma verdadeira ‘Disneylândia Pedagógica’ (SIQUEIRA, 2012), sem pobreza ou desigualdades sociais. E assim é que em tais contextos, muitos não se


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reconhecem, não se identificam, sobretudo os aprendizes das classes minoritárias, os excluídos, os portadores de alguma necessidade especial, dentre outros cidadãos e cidadãs, que por terem as suas origens e causas nada interessantes ou rentáveis aos olhos de editores e autores, acabam sendo excluídos, ‘atropelados’ por uma ideologia nefasta. Todavia, essa ideologia, ao aprendiz, não é apresentada às claras, pois como bem coloca Rajagopalan (2012, p. 68) a ideologia é “silenciosa, furtiva e se apresenta onde ninguém espera a sua presença, quando ninguém, via de regra, suspeita do seu funcionamento”. “A ideologia revela sua presença só para quem estiver disposto a enxergá-la. Na maioria das vezes ela é perfeitamente capaz de passar despercebida” (RAJAGOPALAN, 2012, p. 73). Sobre isso tratarei no próximo capítulo. A seguir está o quadro que resume o pensamento dos autores aqui mencionados sobre o livro didático de LE:


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AUTOR Pennycook (2000) Rajagopalan (2003)

O QUE PENSA SOBRE OS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Trazem mensagens culturais e ideológicas. São suportes para recados ideológicos subliminares. São produzidos com fins ideológicos.

Kumaravadivelu (2005)

Carregam carga cultural, crenças e atitudes.

Richards (2011)

Distorcem a realidade, evitam tópicos polêmicos.

Yaqoob (2011)

Scheyerl (2012)

Funcionam como um ‘Código de Conduta’. Corroboram as relações de poder. Fomentam o Mito da mímese ou do Colonizador. Propõem uma Pedagogia mercantilista. Trazem tópicos neutros e inofensivos.

Siqueira (2012)

Promovem o distanciamento da sala de aula como mundo real.

Omitem fatos das classes minoritárias. Anjos (2017)

Ancoram-se em uma ideologia colonialista. Fomentam divisão de mundos.

Quadro 3: Resumo do pensamento dos autores sobre o livro didático de LE.


Capítulo 4

A omissão no livro didático de língua inglesa

Nossa tarefa, aqui, será desfazer a suposição de que a ideologia é um ideário qualquer ou qualquer conjunto encadeado de ideias e, ao contrário, mostrar que a ideologia é um ideário histórico, social e político que oculta a realidade, e esse ocultamento é uma forma de assegurar e manter a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política.(CHAUÍ,

2001, p. 7).

O que é omitido é o que não é preciso ver ou o que não deve ser

visto. ‘Preciso’ e ‘deve’, na frase anterior, denotam pesos semânticos distintos. Pois, se não é preciso ver, é porque não tem relevância, mas, se não devemos ver, é porque há algo a ser descortinado, mas que, por alguma razão, precisa ficar oculto. Nesse sentido, a omissão é um dos traços mais preponderantes da ideologia, quando se oculta,


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camufla, esconde, não permitindo que se veja, conheça o que precisa ser visto. Assim, a omissão no jogo ideológico é como uma ‘cortina de fumaça’, que esconde realidades para atender aos interesses da classe dominante. A ideologia emerge de diversas formas e não com menos intensidade no livro didático, sobre o qual estou propondo reflexão, no formato do componente língua inglesa, publicado nacionalmente, para as escolas públicas, obviamente, sem cair em generalizações. Nessa mesma perspectiva, foi que na tentativa de compreender a ideologia presente no livro didático, Faria (1994) realizou estudo analisando 35 títulos. Seu intuito foi compreender como as crianças da escola pública, de origem operária em sua maioria, e da escola particular, oriundas das classes média e alta aprendiam o conceito de ‘trabalho’, através do livro didático. No bojo desse estudo, essa autora conseguiu concluir que os estudantes da escola pública concebiam o trabalho como meio de sobrevivência e que o trabalho conduz à riqueza, enquanto os aprendizes da escola particular compreendiam o trabalho como esporte. Faria (1994) chegou à conclusão de que o livro didático é um dos lugares em que a ideologia emerge e serve para manter os interesses da classe dominante: Para as crianças da escola pública, o livro didático negando e ignorando suas experiências de vida, reforça seu discurso. O livro sistematiza a ideologia burguesa, amortiza o conflito realidade x discurso, dizendo que o verdadeiro é o segundo. Desta forma, diz que a sua experiência é errada e desde que se esforce, estude, subirá na vida. Assim, o livro didático contribui para a reprodução da classe operária, porém, de posse da ideologia burguesa, portanto, conformista e passiva. (FARIA, 1994, p. 77).


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Ao tratar do tema, Paiva (2007) destaca que, inicialmente, os livros didáticos apresentavam frases preconceituosas, ressaltando que ‘a gramática da língua inglesa’, que foi publicada em Porto Alegre, em 1888, já trazia em suas páginas lista de palavras, conjugações verbais e exercícios de tradução e versão e, que, embora por volta de 1940 a escravidão já tivesse acabado no Brasil, frases preconceituosas ainda não tinham sido retiradas. Essa autora cita como exemplo as frases: ‘a minha prima vendeu seu escravo’ para ser vertida para o inglês e ‘that negress has a very good teeth12’ para ser vertida para o português, sinalizando a existência de uma faceta ideologicamente preconceituosa em suas páginas, corroborando a noção de que nenhum texto é inocente, e que todos, sem exceção são políticos, por todas as formações discursivas serem políticas e, que, desse modo, refletem um fragmento do mundo em que vivemos. (KUMARAVADIVELU, 2006) Já Oliveira (2014) chama atenção dos professores quanto aos valores ideológicos veiculados nos livros didáticos. Esse autor menciona a distancia entre a realidade de fato e as representações dos personagens nos livros e destaca a relevância de os professores desafiarem seus alunos a questionarem de maneira crítica conteúdos ideologicamente expostos nos livros didáticos. Vejam o que ele diz: [...] é comum vermos nos livros didáticos personagens representando imigrantes estrangeiros na terra do tio Sam, todos felizes, trabalhando, e/ou estudando. O problema é que a realidade está distante disso para a maioria dos estrangeiros que vão para lá, especialmente latino-americanos, africanos e asiáticos. A tensa relação entre os cidadãos estadunidenses e, 12 Tradução minha: “Essa negra tem dentes muito bons”.


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Flávius Almeida dos Anjos por exemplo, imigrantes latinos, que gera situações de preconceito contra latinos, não é problematizada nos livros didáticos contribuindo para naturalizar uma ideia falsa de relações harmônicas entre os estadunidenses e os estrangeiros oriundos de países subdesenvolvidos. (OLIVEIRA, 2014, p. 65).

Desse modo, me surpreendo quando, após uma análise mais aprofundada, percebo o quanto alguns autores e editores deixam de dizer, e dizem o que dizem para atender interesses meramente particulares e comerciais. Em tom propositadamente alarmante, Rajagopalan (2003) assevera a respeito da orientação reprodutivista e imediatista do contexto do ensino e aprendizagem da língua inglesa, em países periféricos, cujos objetivos é a mera divulgação da língua e da cultura associados a ela, desconsiderando qualquer possibilidade de emancipação dos aprendizes, concebendo-os como agentes inteiramente passivos, ‘pedindo para ser moldados da maneira que mais convém aos interesses dos educadores’ (RAJAGOPALAN, 2003, p. 113). E assim é que muitos autores fomentam a reprodução de ideias dominantes, que separam povos, oprimem e consequentemente acabam por estabelecer noções de superioridade-inferioridade, bem como escondem realidades de um mundo que, aos olhos de alguns deles, desagradavelmente, não trazem lucro. Seguindo esse raciocínio, trago aqui a indagação de Siqueira (2012), o qual, ao tratar de questões inerentes ao livro didático de língua inglesa, e propondo reflexões sobre o tema, inicia pelo seguinte questionamento: ‘se o inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês?’. O ponto de partida da reflexão de Siqueira (2012), sinalizado no questionamento anterior, é uma pergunta, bastante provocativa, cuja resposta parece não ultrapassar


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os limites de uma realidade social idealizada. Siqueira (2012), em seu artigo, muito elucidativo, sobre o tema, chegou à conclusão de que o mundo não está sendo representado no livro didático de LI, apesar de esse mesmo mundo consumí-la, “imprimindo-lhe novos sabores, cores e formas de enxergar-se” (SIQUEIRA, 2012, p. 333). Assim, caberia questionar muitos autores e editores dos livros didáticos onde estão os problemas sociais, as mazelas, a fome, a intolerância e a corrupção? A que espaços ficam destinados os conflitos, as guerras, a favela, as políticas públicas, questões de gênero, raça e etc? Todos esses questionamentos percorrem o caminho das questões identitárias e têm sido deixados fora de cena de muitas salas de aula de LE, contrariando a noção de que não se pode separar o que acontece na sala de aula do mundo lá fora, já que a sala de aula, embora seja uma pequena parte desse mundo, representa uma fiel amostra dele ( cf. RAJAGOPALAN, 2003). Alinho o pensamento com Moita Lopes (1996), que ao escrever sobre a aprendizagem de línguas estrangeiras nas escolas públicas, há quase duas décadas, asseverou: Os livros didáticos de LE, hoje ditadores supremos do que deve ser ensinado e discutido nas nossas salas de aulas, pouco levam essa questão em consideração. Situações que tragam à tona temas de cunho político, ideológico, ético, social, étnico, entre outros, ou seja, que contribuam para o desenvolvimento da identidade do aprendiz, praticamente inexistem no escopo desses materiais. (MOITA LOPES, 1996, 182).

De fato, tais questões levantadas por Moita Lopes não estão em muitos livros didáticos de língua inglesa. E se não estão lá, onde deveriam estar, sinalizam, assim, “marcas nítidas e inconfundíveis de um posicionamento ideológico” (RAJAGOPALAN, 2012).


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A omissão de eventos sociais, sobretudo, aqueles de interesse das classes ditas minoritárias, emergenciais, que suscitam tomadas de decisão, parece convergir com os interesses das indústrias nacionais e internacionais dos livros didáticos, as quais fomentam um jogo ideológico, uma divisão de mundos, uma discriminação implícita aos modos de viver, de ser, agir, pensar e até sentir de um grande número de pessoas. Assim, findo a parte teórica desse trabalho e, a seguir, apresento a análise dos dois livros didáticos, ancorada nos princípios elencados por Cortazzi & Jin e por mim.


Capítulo 5

A análise de dois livros didáticos de língua Inglesa contemporâneos da escola pública

In fact, textbooks should reflect the experiences students bring to the classroom because, after all, their experiences are shaped not only by the learning and teaching episodes they have encountered in the past but also by a broader social, economic and political environment in which they grow up13.(KUMARAVADIVELU, 2005, p. 32)

Como

havia proposto, apresento daqui por diante os resultados da análise feita em dois livros didáticos de língua inglesa, os quais são ofertados pelas editoras, para serem escolhidos, no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Tal análise não representa uma tentativa de rechaçar os livros em xeque, nem tampouco seus autores, muito pelo contrário, busca, de alguma sorte, contribuir para a consolidação de livros didáticos que retratem melhor as realidades e, consequentemente, promovam a formação de aprendizes que, assim, 13 Tradução minha: “de fato, os livros didáticos devem refletir as experiências que os estu-

dantes trazem para a sala de aula por que, acima de tudo, as experiências deles são moldadas não apenas pelos episódios de ensino e aprendizagem que eles viveram no passado, mas também por um contexto econômico, político e social mais amplo em que eles cresceram”.


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estarão mais bem preparados para lidar com o mundo contemporâneo. Para tanto, inicialmente, analisei os fatores elencados por Cortazzi e Jin (1999) e, depois, os sugeridos por mim. Dentre os livros analisados, dois foram selecionados, por terem contemplado alguns itens aqui sugeridos para a elaboração do livro didático. No entanto, verifiquei a inobservância a alguns deles. No primeiro livro analisado, English for all, da editora Saraiva, a coleção, em 3 volumes, para o ensino médio, é apresentada como uma obra que aborda de forma integrada as quatro habilidades e propõe um trabalho com a linguagem nas perspectivas cognitiva e sociointeracional. Segundo as autoras, a obra está em consonância com as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio. Entres as suas características, elencadas no final do volume1, uma chama a atenção, ao informar que a obra apresenta o Inglês como língua internacional, sem limites geográficos e sem hegemonia cultural e que lida com as diversas formas de falar inglês, além de expor os alunos a variadas culturas, nativas de língua Inglesa ou não, com o mesmo nível de igualdade. A análise aqui apresentada tomou como objeto de estudo o volume 1 da coleção. Quanto aos fatores elencados por Cortazzi e Jin (1999), verifiquei que o item 1, que diz que os materiais didáticos devem retratar a cultura nativa do aluno, foi contemplado nos seguintes textos: Paritins Folklore Festival, na unidade 2, página 14, Adjustment and Culture Shock, na unidade 4, página 43 e Brazil on the web, na unidade 10, página 109, tendo em vista que retratam, de certo modo, a cultura nacional. O item 2, que diz que os livros didáticos devem trazer materiais da cultura alvo, ou seja, materiais que abordem a cultura de um país, ou países onde o inglês é falado como primeira língua, também foi contemplado nos seguintes textos: what is the origin of celebrating New Year´s Eve?, na unidade 2, na página 24, How much faster, unidade 7, página 69 e Population aging is occurring worlwide, na unidade 9, página 97. Já o item 3,


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em que os autores sugerem que os livros didáticos retratem culturas internacionais, que abordem uma grande variedade de culturas de países que falam inglês ou não em todo mundo, verifiquei que esse item foi pouco explorado na obra, representado apenas nos textos ‘Day of the dead in Mexico”, na unidade 2, página 15 e ‘Living with two different cultures’, na unidade 4, página 36. Diante da magnitude do item, entendo que diversos outros textos poderiam ter ganhado espaço na obra, sobretudo, textos que versassem sobre as culturas dos países do outer circle. Como se vê, os itens elencados por Cortazzi e Jin (1999) foram, em certa medida, contemplados na obra English for All. Todavia, alguns detalhes precisam ser reconsiderados. Passo agora a analisar a obra à luz dos itens por mim sugeridos, a saber: 1) temas que atendam as especificidades da contemporaneidade; 2) temas que abordem questões numa perspectiva local e global; 3) temas de áreas e culturas diversas, que tenham relevância científica, cultural, política, social e filosófica. Na obra, não que os temas abordados não sejam contemporâneos, mas foram retratados no limite da superficialidade, além de existirem outros que possivelmente despertariam mais atenção dos aprendizes. No volume analisado, verifiquei ainda pouca ênfase às questões locais. Com relação a isso, encontram-se na obra, por exemplo, os textos ‘Paritins Folklore Festival’, na unidade 2, página 14 e o texto curto ‘Brazil on the web’, na unidade 10, página 109, que muito vagamente retrata o Brasil, deixando muito a desejar, quando logo de início nos apresenta algumas poucas informações, vinculadas às palavras ‘football’ e ‘carnival’, semelhantes a outras como ‘caipirinha’, ‘bunda’ e ‘morenas’, que mais funcionam como marcas registradas, comumente conferidas ao Brasil, quando tantas outras questões mais relevantes poderiam ter sido levantadas. Quanto ao terceiro e último item por mim elencado, verifiquei que temas relevantes de cunho científico, cultural, político, social e filosófico foram contemplados. Nessa perspectiva, menciono como exemplo a biografia do líder indiano


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Mahatma Gandhi, retratada na unidade 6, página 59, cuja atividade de interpretação do texto possibilita uma reflexão de caráter social, cultural, político e filosófico, bem como representa a oportunidade de lidar com o gênero biografia na língua alvo, possibilitando, dentre outras coisas, a produção do gênero. Evidentemente que tal reflexão ficará a cargo do professor, ao conduzir as aulas. Outra questão chama atenção, quando é notada uma certa quebra de linearidade dos temas propostos nas unidades. A exemplo do que acontece na unidade 2, quando o tema é “Celebreting Special Dates” e são apresentados três textos: ‘Paritins Folklore Festival’, ‘Day of the dead in Mexico’ e ‘What is prom night?. Todos esses textos versam sobre a temática da unidade, até que nas duas páginas seguintes, é introduzida uma imagem fictícia de uma família e um curto texto versando sobre a família de Jane. Só aqui temos mais dois outros questionamentos: por que não usou uma imagem real de uma típica família brasileira? Por que não foi produzido um texto de uma Jane real? A realidade não foi retratada no livro didático e há uma quebra de linearidade da temática, que a princípio era a celebração de datas especiais, mas que bruscamente é interrompida, cedendo lugar ao tema família. Tema relevante e que merecia uma unidade inteira dedicada a sua discussão. Fato semelhante ocorre nas unidades 6, 7 e 8. Na unidade 6, apresenta-se a temática ‘Peace Activists’, que logo é interrompida pela seção ‘expansão do vocabulário’ pelo personagem fictício Jim, versando sobre as suas atividades diárias, o que, obviamente já é outro tema. Já na unidade 7, ‘Olympic Games’, a temática também logo é interrompida e são introduzidas imagens fictícias de profissionais, cujo intuito parece ser abordar a temática profissões. Na unidade 8, ‘Enjoying Reading’, um trecho da obra ‘Great Gatsby’, de F. Scott Fitzgerald é apresentada, e logo é interrompida para apresentar o tema ‘parts of the house’. Evidenciando, desse modo, a incompatibilidade


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de uma informação linear dentro de uma mesma unidade. Já o segundo Livro Didático analisado foi o FREEWAY, da editora Richmond, cuja estrutura, em três volumes, está dividida em: Theme, Discourse Development, Language Development, Learning Structures e o Living and Learning. Para esse estudo, tomei como objeto de análise apenas o volume 1 da coleção. À luz dos fatores elencados por Cortazzi e Jin, verifiquei que o item 1- materiais da cultura nativa do aluno-, em certa medida, foi contemplado. No livro em questão, apesar de apresentar marcas ideológicas do colonialismo, deixando em muitos momentos de primar pela cultura local, percebi, por outro lado, alguns poucos momentos em que as atividades versavam sobre questões nacionais. Dos cerca dos vinte e cinco textos presentes no livro, quatro apenas versavam sobre questões nacionais, a exemplo do texto, sem título, na página 9, sobre os brasileiros; o texto na página 52, cuja proposta de atividade é sobre o filme Central do Brasil; na página 69, o texto “Brazilians and technology” e na página 148 encontra-se o texto “Georgina and Jamie: a year on the road”, que versa sobre Curitiba. Com relação ao item 2, proposto por Cortazzi e Jin (materiais da cultura alvo), não encontrei textos que especificamente abordassem a questão cultural de um país ou países onde o inglês é falado como primeira língua. No entanto, nas páginas 124 e 125, o livro didático analisado traz uma proposta de projeto, intitulada “a profile of the English speaking world”, solicitando aos aprendizes que produzam um pôster com fotos, dados de esporte, culinária, folclore, religião, hábitos, turismo e história da nação escolhida para pesquisar. No decorrer da análise, não tomei como surpresa, as imagens dispostas nas páginas mencionadas, as quais traziam com destaque as bandeiras do Canadá, dos Estados Unidos e da Inglaterra e, como não bastasse, lá estava também a imagem da estátua da liberdade, corroborando a noção de uma ideologia que sustenta e publiciza semioticamente


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as culturas hegemônicas de LI. Ainda, a unidade 2 apresenta um resumo do sistema educacional Americano e propõe aos aprendizes que comparem esse sistema com o brasileiro (comparar para quê?), mais uma vez, deixando transparecer uma tentativa de conduzir os aprendizes a ter uma atitude acrítica, de emular a cultura alvo, de maneira silenciosa e furtiva como advertiu Rajagopalan (2012).

Bandeiras dos Estados Unidos da América, da Inglaterra e do Canadá-símbolo das culturas hegemônicas de língua inglesa.

Estátua da liberdade. Símbolo da cultura norte americana, exibida em muitos livros didáticos de língua inglesa, corroborando semioticamente a noção de supremacia cultural dos Estados Unidos. (Disponível em: http://wirednewyork.com/landmarks/liberty/.)


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Desse modo, foi possível verificar a ocorrência, ainda que silenciosa, dissimulada, disfarçada, de fortes marcas ideológicas, que tendem a supervalorizar as culturas hegemônicas (sobretudo os Estados Unidos e a Inglaterra), colocando-as como modelos a serem seguidos. A respeito disso, pude verificar que na unidade 1, por exemplo, na página 7, há diversas imagens de construção familiar, o que de fato renderia uma boa discussão. O livro didático FREEWAY segue com o tema até o final da unidade, na página 19, todavia em sua página 17, encontra-se uma atividade14 com uma foto da família real, para identificação de cada membro, a começar pela rainha Elizabeth II, até chegar ao príncipe Andrew, o duque de York. Como se não bastasse, na página 142, há uma atividade, com o gênero blog, apresentando o texto “the biggest family in the world”, e uma entrevista com Sally-Ann Digger. O detalhe ideológico surge logo na primeira linha do texto, quando se lê: “who comes from a very big family in the USA”. Assim, não foi levado em consideração o contexto brasileiro, a questão local. O livro didático analisado não enfatizou em suas páginas uma típica família brasileira ou outras construções familiares contemporâneas do contexto nacional. Logo, apesar da relevância do tema, o livro não contemplou o item 2, pois não abordou a questão numa perspectiva local, deixando evidente, mais uma vez, fortes marcas ideológicas que corroboram a noção de supremacia das culturas hegemônicas em detrimento da local.

14 Esta observação, a respeito desta atividade, não representa uma tentativa de se chamar atenção para a necessidade de excluir dos livros didáticos imagens como a da família real, mas, questionar a omissão de elementos do contexto do aprendiz, os aspectos locais.


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A família real.

Quanto ao item 3, de Cortazzi e Jin, não se encontra no volume do livro didático analisado informações de culturas internacionais, que abordem uma grande variedade de culturas. No entanto, há na página 112 uma tentativa equivocada de promover uma atividade intercultural. A mencionada atividade versa sobre estereótipos e apresenta uma sequencia de quadros com informações superficiais, generalizadoras, desagradáveis, preconceituosas e excludentes sobre povos, tais como: “The English are reserved”, “Americans are shallow and childish”, “Brazilians are always late”, “Italians are loud” e “Japanese are polite”. Tais frases, além de generalizadoras, acabam por estabelecer estereótipos que muitas vezes fazem as pessoas ter uma visão muito simplista de certos povos, fomentando o desenvolvimento de atitudes preconceituosas, na contramão do desenvolvimento de atitudes interculturais.


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Atividade proposta com base em estereótipos. Fonte: TEODOROV, V.

São Paulo: Richmond, 2010.

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Freeway.

Com relação aos itens por mim elencados, verifiquei que o livro analisado, em certa medida, contempla os itens 1 e 3, pois traz em seu bojo temas de relevância social, cultural, filosófica e científica, quando, por exemplo, na unidade 1, traz o tema “Family life”; na unidade 2, “Education issue”; na unidade 3, “Paintings and art”; na unidade 4, “The movie industry”; na unidade 5, “Inventions”; na unidade 7, “Literature and Books”; e na unidade 8, “Cultural identity”. Os temas escolhidos são relevantes, o que não quer dizer que foram abordados de maneira propícia, com vistas a facilitar a formação cidadã, cosmopolita, tão requisitada nos dias de hoje. No entanto, há de se reconhecer que os temas, de fato, correspondem às especificidades da contemporaneidade, tendo em vista que temas como família, tecnologia, ciência e identidade cultural estão em evidência no cenário atual. Sem sombra de dúvidas, esses temas renderiam boas discussões, independente da origem do aprendiz, contribuindo, assim, para a sua formação cidadã. Foi possível ainda verificar que alguns temas de interesse global foram abordados, como


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tecnologia, clonagem humana e família, todavia, dentro dos limites da superficialidade. No entanto, pouca ênfase foi dada aos temas numa perspectiva local; atividades com os temas que provocassem discussões ou reflexões num viés local não foram privilegiadas, desconsiderando, assim, o axioma “um pensar global, um agir local”. Assim, findo essa análise, todavia, como já ressaltado, alguns itens deixaram de ganhar espaço nos materiais didáticos analisados, a exemplo das desigualdades sociais, da corrupção, da violência, sexualidade, racismo, alcoolismo, etc, temas esses que além de serem contemporâneos, renderiam boas discussões, sobretudo, no ensino médio, para o qual foram elaborados os livros didáticos aqui analisados e consequentemente contribuir para a formação do aprendiz. Logo, ratifico a hipótese levantada anteriormente, da omissão, omissão esta que deixa transparecer a existência de dois mundos, e apenas um deles deve ser retratado, por render fortunas às editoras. A seguir, apresento algumas considerações a respeito do ensino da língua inglesa na contemporaneidade, destacando a relevância de alguns fatores, como o colonialismo, a globalização, a identidade o aprendiz, os quais, muitas vezes, são ignorados, mas são de extrema importância para a compreensão e condução do processo de ensinar e aprender uma língua de status global.


Capítulo 6

Ensinar e aprender inglês hoje: em defesa de uma Pedagogia Crítica pela sua descolonização

A língua inglesa hoje é uma língua proteiforme. O que “rola” no mundo afora hoje em dia é algo que costumo chamar de “World English”, onde falares e sotaques diferentes (que muitos chamam de “World Englishes”, no plural), convivem e, por vezes, se digladiam entre si. Essa língua não tem pátria, nem está delimitada a uma região geográfica. É esse novo fenômeno linguístico que devemos nos esforçar para ensinar e aprender, porque é dele que os aprendizes de hoje vão precisar no futuro bem próximo. (RAJAGOPALAN, K. 2011, p.65). If a language can be made a product of colonialism, then, it should be equally possible to decolonize it, if there is a collective will.15 (KUMARAVADIVELU, 2005, p. 31)

15 Tradução

minha: “Se uma língua pode ser feita produto do colonialismo, então, pode ser igualmente possível descolonizá-la, se há um interesse coletivo”.


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Este

capítulo tem como objetivo elucidar questões intrinsecamente latentes no ensino e na aprendizagem da língua inglesa. Nesse sentido, algumas considerações são necessárias para, desse modo, apontar caminhos para o ensino de um idioma que na contemporaneidade consolida-se como a língua franca global. A reflexão presente neste capítulo assume também, não sem razão, um caráter político, já que pretende não tratar especificamente de métodos de ensino da língua inglesa, mas sim, ater-se a questões de ordem política, as quais, quase sempre, são ignoradas, apesar de estar ali ocupando o seu espaço no tocante ao tema ensino e aprendizagem de línguas. O objetivo que será delineado nas próximas linhas pensará o ensino e a aprendizagem da língua inglesa além da sala de aula, relacionando esses dois processos com outros fatores intrinsecamente a eles relacionados, mas que sempre são silenciados, como a questão da globalização, do colonialismo, todos de ordem política, por tanto. E o mais importante, todo esse esforço é para, ao final, defender uma política a favor da descolonização, desestrangeirização de uma língua, que desatrelada das suas origens, ganha foro privilegiado de língua do mundo. No passado, ainda recente, essa língua sem fronteiras viajou pelo mundo trazendo em sua bagagem as forças do colonialismo e, assim, alcançou diversas nações, formando novos padrões sociais de vida, novas formas de ser, de agir e redefinindo identidades. Cumpriu o ‘dever’ que lhe foi dado: disseminar a cultura do colonizador e de quebra a tentativa de dominar o outro, minimizando a sua língua e cultura. Esse imperialismo linguístico impôs, sobretudo, as culturas da Inglaterra e dos Estados Unidos da América.


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No entanto, diante de tantas transformações, do incrível avanço da tecnologia, do encontro das culturas, das identidades, de uma intensa transformação social, política e econômica; diante das crises, abalos nos dogmas, na moral e na ética, é percepitível uma virada linguística, quando parece que diferentes falantes estão usando a língua do colonizador em benefício próprio. Nesse sentido, é que afirmo que a língua inglesa ultrapassou fronteiras, ‘viajou’ o mundo e tem sido remodelada, transformada e reapropriada por falantes de diferentes línguas. Nessa trajetória, o inglês, já há algum tempo, tem se consagrado como segunda alternativa de comunicação na maioria dos países16. É a língua dos esportes, do cinema e da internet. Está presente nos restaurantes, hotéis, nas rodadas de negócios, nos aeroportos, congressos internacionais, na diplomacia, nos meios científicos e na publicidade. Como aponta Rajagopalan (2010, p.21), “não se discute mais a hegemonia total e, de certa forma, assustadora, da língua inglesa no mundo em que vivemos”. Nesse sentido, o inglês tem se articulando como a língua da diplomacia, dos esportes, dos filmes, da publicidade, da mídia etc, porque se desterritorializou e se expandiu para além das fronteiras, fazendo parte dos mais de 10.000 jornais do mundo, e de diversos jargões profissionais como a economia, a publicidade e a informática. (VENTURA, 1998) Além disso, essa língua tem transpassado profundamente a vida política, os negócios, a educação e a comunicação. A expressividade dessa língua é constatada por mais de 1 bilhão e 350 milhões de falantes não-nativos que a usam diariamente, em contextos diversos, sendo o idioma nativo de quase meio bilhão de falantes. Há estimativas que em 10 anos, mais 2 bilhões de pessoas 16 Lacoste (2005, p.8) pontua que, “de algumas décadas para cá, o inglês também

se propaga no plano mundial como a língua da globalização, bem como a língua da União Europeia, que engloba cerca de trinta Estados de línguas diferentes e que tem a necessidade de uma língua comum, ao menos em meio às categorias sociais ‘globalizadas’ de sua população”.


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irão falar esse idioma, ultrapassando o total de 3 bilhões de falantes no mundo, caso o ritmo de expansão desse idioma global continue. Por isso, parece que Moita Lopes (2008) afirma que o inglês desfruta de um poder planetário que nenhuma outra língua experimentou. Para Jenkins (2006), essa disseminação da língua inglesa tem pavimentado o caminho para reflexões em torno do que alguns autores têm chamado de ‘Englishes’ ou ‘World Englishes’, em reconhecimento ao crescente número de variedades desse idioma, para além das duas, comumente mencionadas como únicas versões globais – a americana e a britânica. Nessa perspectiva, Cogo (2012) acredita que o inglês como língua franca transcende as regiões, com características que o torna local, mas que apresenta também características fluídas, transnacionais ou internacionais, num cenário, onde diferentes falantes de linguaculturas (MENDES, 2011) estabelecem contato. Na visão de Seidlhofer (2005), o inglês funciona como uma língua franca global, tendo em vista estar sendo moldado mais por falantes não nativos do que por nativos. Já Crystal (2003) entende que uma língua pode ser considerada global quando desenvolve um papel especial reconhecido em cada país. A língua inglesa, que ora assume esse status, se coloca também como umas das alternativas de comunicação entre povos. Não é sem razão que 1/5 da população mundial falam esse idioma com algum grau de competência e outros 1/5 estão se apressando para aprendê-lo. Essa projeção do inglês não é mero produto do acaso, o mundo também tem se articulado em inglês, o que impulsionou ainda mais a sua internacionalização e, consequentemente, a aprendizagem dessa língua em diversas partes do mundo. Para Seidlhofer (2011), o inglês, neste século, não é apenas uma língua internacional, mas a língua internacional. A língua de


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Shakespeare tem se colocado como alternativa de comunicação global, através da qual o mundo e culturas diversas são acessadas, obtêm sucesso profissional e prestígio social. Ao viajar pelo mundo, se desterritorializando, a língua inglesa fez adeptos, conseguiu emancipação e tem se desatrelado da imagem de que está apenas vinculada às culturas hegemônicas, passando a servir a diversas nações na contemporaneidade. Nesse sentido, Assis-Peterson e Cox (2010) acentuam que a LI, ao se desprender das suas origens, tem ganhado autonomia e está preparada para ser ressignificada e reentoada por falantes de outras línguas, nas diversas práticas comunicativas mundo afora. Os fluxos comunicacionais, aos quais Assis-Peterson e Cox (2007) fazem menção, têm possibilitado que a língua inglesa exerça influência direta nas relações políticas, econômicas, culturais, individuais e coletivas. A língua inglesa está num estágio em que cria novos modelos globais de riqueza e tem atuado em linhas sugestivas de direitos humanos e de cidadania, inclusive redefinindo identidades no plano nacional e individual, possibilitando como língua franca a manutenção da identidade nacional do falante, inclusive em termos de sotaque (GRADDOL, 2006), ao requisitar a transcendência de uma identificação marcada pelo território geográfico e linguístico. (EL KADRI, GIMENEZ, 2013) Essa língua tem sido fundamental para a compreensão das ações contemporâneas e o estabelecimento das relações interpessoais, em nível global e local, pois o mundo também tem se articulado através desse idioma global, tendo em vista que diversas informações estão sendo veiculadas em língua inglesa no mundo todo, se configurando, hoje, como uma verdadeira língua internacional. (COGO, 2012) Ao falar sobre conceitos, implicações e uso do inglês, Cogo (2012, p. 98,


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tradução minha) destaca que: Os encontros em inglês como língua franca, por exemplo, podem acontecer na internet, no Facebook, assim como num escritório em Beijing, numa palestra universitária em Amsterdam, numa barraca de mercado em Marrakesh, num bar em Milão, e em um abrigo em São Paulo. O inglês como língua franca, então, é falado como uma língua de contato por falantes de diversas linguaculturas, onde tanto a comunidade de falantes e a localização podem ser mudadas e frequentemente não estão associadas com uma nação específica.

Quanto a isso, Graddol (2000) diz que o inglês tem mudado seu repertório vocabular e sua estrutura gramatical, se transformando uma língua híbrida. Graddol (2000) destaca que o inglês tem progressivamente se tornado uma língua franca, usada por falantes não nativos. Esse autor cita o exemplo de um gerente de liquidação, de origem alemã, que conduz seus negócios na China, mas que usa o inglês para realizar as suas atividades comerciais. Desse modo, a língua inglesa não pode ser mais vista meramente como um fenômeno linguístico através do qual o progresso econômico da Inglaterra e dos Estados Unidos é disseminado, a reboque do atual processo de globalização. Ao contrário, um idioma desterritorializado e que continua viajando pelo planeta, por natureza, caracteriza-se muito além de atender aos interesses escusos dessa ou daquela nação. Alinho o pensamento com Rajagopalan (2010), quando este afirma que hoje o inglês é uma língua sem donos, sem tutelas e custódias de nenhuma nação em particular, pertencendo, na verdade, a quem dela faz uso. Desse modo, ensinar e aprender inglês hoje representa possibilidade de acessar as diferentes formas de ser, agir, pensar, sem, no entanto, abrir mão da própria identidade, levando consigo as suas próprias idiossincrasias, ao falar uma língua de interesse global.


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Inegável que inicialmente a língua inglesa atendia a interesses coloniais, no entanto, no cerne dessa reflexão, Kumaravadivelu (2005) faz um chamado oportuno nos dias atuais para a descolonização da língua inglesa. Esse autor destaca que os norte americanos souberam tanto desnativizar quanto descolonizar o idioma que lhes fora imposto, fazendo e vendendo essa língua como se fosse sua. Sob a égide da Linguística Aplicada é que Kumaravadivelu (2005) propõe a descolonização da língua inglesa no intuito de torná-la uma verdadeira ferramenta de comunicação e aponta o livro didático como um lado da moeda, como uma das alternativas para realizar tal feito, já que este pode promover a conscientização sociopolítica e cultural. O outro lado da moeda, acredito, é o professor, por que, como já argumentei em Anjos (2015), quando os discursos colonialistas emergem e colocam povos e culturas em nível de inferioridade é preciso a atuação de professores críticos, conscientes, politizados e preparados para lidar com a educação linguística. Assim se possibilitará uma educação linguística como ato político, preparando os aprendizes para reagir diante de situações que desafiem as suas identidades e culturas: Dessa forma os aprendizes podem posicionar-se e reagir às ideologias das culturas dominantes, combatendo de maneira crítica e informada a “colonização” mental e comportamental que tais culturas, muitas vezes, impõem. (ANJOS, 2015, p. 29).

Para tanto, o professor de língua inglesa deve pavimentar o caminho para que as aulas de língua inglesa sejam momentos de práticas politizadoras. Por isso mesmo não cabe mais o ensino de línguas com base exclusiva nas culturas hegemônicas, mas um espaço para negociar questões de relevância social local ou global, no sentido de construir significados, (re)construir e reafirmar as


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identidades. Assim é que será consolidado o espaço linguístico do falante não nativo, muitas vezes, desprestigiado, visto como subalterno, estropiado, e o intocável falante nativo será destronado. Mas, para que isso de fato aconteça, cabe ao professor reconhecer o caráter eminentemente político do ensino de línguas estrangeiras e as suas nuances. Compreender esse processo num viés político é lecioná-lo com vistas a agir na vida social, usando a língua inglesa como meio para debater questões de interesses individuais e coletivos, ideologicamente consistentes, sobretudo, com as realidades locais. Moita Lopes (2008) defende uma ideologia linguística que compreenda o inglês global de uma maneira descentralizada, cujos usos estão em consonância com performances locais, tornando possível a recriação de uma anti-hegemonia imperialista e homogeinezante para, assim, funcionar como uma língua com base em aspectos locais. Argumenta esse autor sobre os muitos ingleses, de natureza plural, em lugares de muitos discursos, de conflito, de luta, de heterogeneidade linguística, cujos donos, fazem o que desejam, reinventando-se em novas performances identitárias, recriando o mundo. Acredito que essa língua defendida por Moita Lopes com o nome de ‘língua de fronteira’ se aproxima muito do conceito de Inglês como Língua Franca (ILF), já que o termo “língua franca” é definido como “uma língua de contato usada entre povos que não compartilham uma primeira língua e é comumente entendida como querendo significar uma segunda língua de seus falantes” (JENKINS, 2007). Jenkins (2007) postula que o ILF é uma língua em comum escolhida por falantes de diferentes bases culturais, acrescentando que, na prática, isso significa uma língua que é usada pelos falantes não nativos do inglês do círculo em expansão. Todavia, isso não quer dizer que o ILF exclua os falantes dos círculos interno e externo. Tal fato, explica Jenkins (2007), não impede o ILF de ser uma língua


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franca na mais autêntica acepção da palavra. Jenkins (2009) destaca que o ILF envolve bastante variação local e que os falantes ajustam seus discursos para torná-los inteligíveis e apropriados para um determinado interlocutor. O que Jenkins (2009) postula aqui coloca em evidência uma das mais fortes características do ILF, que é o fato de ter flexibilidade, independente de um grau considerável de normas estabelecidas pelos seus usuários nativos (SEIDLHOFER, 2005). O que há de mais importante é a efetivação da comunicação e, assim, o ILF emerge como língua mais viável, pela sua flexibilidade, já que possibilita a um falante qualquer comunicação com elementos inerentes à sua própria língua e cultura. Nesse sentido foi que Jenkins (2007) também constatou que alguns aprendizes da língua inglesa, quando falando inglês, escolhiam manter traços da sua primeira língua, a fim de manter as suas identidades. Por isso é relevante mencionar a importância de pedagogias que empoderem aprendizes locais de língua inglesa no sentido de conscientizá-los sobre a valorização da cultura local, visando, dentre outras coisas, a desmistificação da noção de hegemonia linguísticocultural de certos países onde o inglês é o idioma nativo e/ou oficial. Assim, se estará fomentando e conduzindo uma aprendizagem de LE que não fira a identidade cultural do aluno, mas que reflita seus interesses e suas necessidades, sobretudo aprendizes da língua inglesa que (sobre) vivem às margens da sociedade, para que possam usar o inglês da maneira que mais lhes convêm. Diante do que foi dito até aqui, é imprescindível atitudes críticas que possam reverter esse quadro que desautoriza o falante não nativo da língua inglesa a usá-la com desenvoltura, sobretudo mantendo aspectos da sua própria cultura. Na próxima seção, argumento


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em defesa de pedagogias que possibilitem a descolonização e desestrangeirização da língua inglesa, em favor de falantes de outras línguas.

Descolonizar e desestrangeirizar a língua inglesa Frente a problemas no contexto do ensino/aprendizagem da língua inglesa, quer de ordem metodológica ou política, algumas reflexões já sinalizam um caminho de mudança. Alguns trabalhos desenvolvidos sob a égide da linguística aplicada têm chamado atenção para a necessidade de tomada de uma consciência crítica, capaz de pensar o ensino e a aprendizagem da língua inglesa como um ato político (ANJOS, 2015) e, desse modo, como essa língua carrega o peso do colonialismo. Se por um lado podemos enxergar tal peso, ver a língua inglesa como produto do colonialismo, por outro é possível pensar a sua descolonização. E pensar essa descolonização significa reformular métodos, materiais didáticos, políticas e programas para o ensino da língua inglesa, os quais devem também atender demandas contemporâneas locais. (cf. KUMARAVADIVELU, 2005) À luz da Teoria Educacional Crítica, intenciono, com essa reflexão, alertar acerca de mecanismos de opressão e dominação que são reproduzidos no processo de escolarização, sobretudo no ensino e na aprendizagem da língua inglesa, tendo em vista que muitos professores ainda deixam fluir em seus discursos aspectos coloniais. A respeito disso, Graddol (2006) é enfático ao dizer que o modelo de inglês como língua estrangeira (ILE) tem tendência a destacar a cultura e a sociedade dos falantes nativos, com base em metodologias que enfatizam a emulação de comportamentos dos falantes nativos. Tal prática corrobora o desenvolvimento de atitudes ‘colonizantes’. Por isso, a temática colonialismo e a sua relação com a língua inglesa precisa ser compreendida para consequentemente tornar o educador


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linguístico consciente da presença de ideologias colonialistas ainda hoje, para, assim, pensar na descolonização do ensino/aprendizagem da língua inglesa. Para Kumaravadivelu (2005), a proposta de descolonização da língua inglesa pode dar origem a um inglês global, como ferramenta de comunicação global. E essa ferramenta usada por diferentes povos não pode ser confundida com o inglês falado nos Estados Unidos, na Austrália ou no Reino Unido (RAJAGOPALAN, 2005). Tal noção, notadamente ultrapassada, precisa encerrar o seu ciclo, o que só será possível se encararmos a língua inglesa como ela de fato é hoje, o que ela representa para milhares de falantes, espalhados pelo mundo afora, a língua global do futuro, em vez de a língua colonial do passado (KUMARAVADIVELU, 2005). Alinhado com perspectivas pedagógicas pós métodos, Kumaravadivelu (2005) defende a descolonização da língua inglesa, ancorado em 3 parâmetros: 1. de particularidade, 2. de praticidade e 3. de possibilidade. Esse autor postula que esses princípios podem oferecer a necessária conceituação e contextualização, baseados em imperativos políticos, sociais, culturais e educacionais do ensino e da aprendizagem de língua. Assim, Kumaravadivelu define o parâmetro de particularidade como uma prática pedagógica centrada em princípios de compreensão local, levando em consideração questões socioculturais e políticas; a sensibilidade do professor e dos programas para o ensino de línguas para com grupos específicos de aprendizes. Vejam o que esse autor diz com relação ao parâmetro particularidade: O princípio da particularidade está fundamentado na filosofia hermenêutica da compreensão situacional, que afirma que uma pedagogia significativa deve ser construída com base em uma interpretação


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Flávius Almeida dos Anjos holística de situações particulares e que só podem ser melhoradas, melhorando aquelas situações particulares.(KUMARAVADIVELU, 2012, p. 12-13)

O parâmetro praticidade ancora-se no princípio de que professores devem teorizar com base em suas práticas e praticar o que teorizam, buscando romper a relação entre teóricos e praticantes. Esse princípio, segundo Kumaravadivelu (2012), possibilita ao professor monitorar a sua própria atuação profissional, buscando, com isso, romper a divisão estabelecida entre ‘o produtor e o consumidor de conhecimento’. A respeito disso, Kumaravadivelu destaca que: Tal divisão artificial deixa muito pouco espaço para a autoconceituação e a autoconstrução de conhecimento pedagógico por parte do professor. É muito mais aparente que o conhecimento do pedagógico, para ter qualquer relevância local, deve emergir da prática do ensino diário. (KUMARAVADIVELU, 2012, p. 13).

Já o parâmetro possibilidade, ancorado na pedagogia crítica Freireano, busca empoderar aprendizes, para que possam reagir às práticas de dominação, ao considerar e por em evidência seus conhecimentos sóciopolíticos, contribuindo, desse modo, para as suas formações identitárias e, assim, transformação social. Nesse sentido Kumaravadivelu assevera que: O princípio da possibilidade está também tratando das experiências obtidas na sala de aula de língua como recursos para a formação da identidade individual. Mais do que qualquer outra experiência educacional, o propósito do uso e do aprendizado da língua oferece oportunidade singular para uma busca contínua por subjetividade e autoidentidade. (KUMARAVADIVELU, 2012, p. 15).


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Particularidade

(Sensibilidade a grupos sociais e questões locais) DESCOLONIZAÇÃO DA LÍNGUA INGLESA

Praticidade

(Teoria e prática profissional)

Possibilidade

(Empoderamento do aprendiz para transformação social) Quadro 4: Parâmetros para a descolonização da língua inglesa, propostos por Kumaravadivelu (2012).

Esses parâmetros pensados por Kumaravadivelu (2005; 2012) trazem em seu bojo um chamado para posicionamentos e atitudes em relação ao ensino e à aprendizagem da língua inglesa. E em se tratando de atitudes, Rajagopalan (2005) chama atenção para o fato de termos de desenvolver formas eficazes para o enfrentamento desafiador de resistência às consequências da expansão da língua inglesa no mundo. Implícita a essa reflexão, que não se esgota aqui, está o chamado para a necessidade de adoção de uma nova postura profissional; uma postura que compreenda a língua inglesa não mais como colonial, mas como língua global, de contato entre povos, sem traços do colonialismo, nem mesmo um mínimo de resquício. É fato que o colonialismo deixou sua marca na língua inglesa, operando no sentido de, através dela, distribuir e legitimizar o capital cultural das culturas hegemônicas. Embora hoje já possamos argumentar que o inglês é uma língua sem donos, sem tutelas, de ninguém especificamente, mas de todos, ainda é corrente práticas pedagógicas acríticas, que flagrantemente legitimam os modos de ser, agir e falar de povos das culturas hegemônicas. Na materialização dessas práticas, existe uma relação de dominadordominado. O dominador exerce poder sobre o dominado, que, sem


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opção, é afetado ideologicamente. Ao ter tal atitude, sem questionar, um aluno pode ter um comportamento que desvalorize o seu país, o seu povo, a sua língua, favorecendo o que Ritzer (Op. Cit) cunhou de ‘macdonaldização’, consolidado por práticas e atitudes acríticas que fazem muitas pessoas supervalorizarem a cultura norte-americana, como parte ainda do processo de colonização. Por isso, concordo que “a aderência dos discursos de colonialismo ao inglês reproduz não apenas aqueles discursos do colonialismo, mas também relações materiais do colonialismo”. (PENNYCOOK, 1998, p. 200). Para reagir a tais práticas, Bastos (2005) diz que o ensino de LE deve ser conduzido criticamente, baseado na história de cada povo, inclusive no nativo e no relativismo cultural, que considera que todos os povos e países têm a sua própria história e valor, inexistindo países ou povos melhores ou piores do que outros. Essa autora ressalta ainda que o estudo da origem dos povos e como eles se perpetuam pode contribuir para uma necessária mudança de atitude. No caso específico da LE, deve-se mostrar para os aprendizes que o inglês é uma língua sem pátria e de muitas nações, que pertence ao mundo, e que devemos nos orgulhar de sermos brasileiros falantes de inglês, e que valorizamos a cultura brasileira. A despeito disso, Kramsch e Sullivan (1996), ao falar sobre a pedagogia apropriada para o ensino de línguas, chamam atenção para um pensar global, mas um ensino local, que contemple determinada comunidade. Logo, faz-se necessário que esse quadro aconteça com frequência nas salas de aula de LI, levando-se em consideração a língua inglesa como língua franca (ILF) e todas as implicações políticas e pedagógicas que tal condição acarreta. O reconhecimento do ensino/aprendizagem da língua inglesa como ato político possibilita, dentre outras coisas, elaboração de pedagogias apropriadas para tal feito. Condição sine qua non


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para que uma pedagogia apropriada para o ensino do inglês como língua franca global aconteça é pensar tanto na descolonização, como já argumentado aqui, quanto na desestrangeirização da língua inglesa. A pedagogia a qual faço referência é aquela capaz de possibilitar o empoderamento do aprendiz, o desenvolvimento de competências sociocomunicativas, partindo de realidades locais, para o estabelecimento da comunicação e consequentemente fazêlo sentir gradualmente que a língua alvo, não mais estrangeira, lhe pertence também. Uma língua se desestrangeiriza quando nos é familiar, já não pertence apenas ao outro, mas a mim também, que dela faço uso. Desmistifico, com isso, uma série de questões, elimino o medo e a distância supostamente existente entre mim e ela, e próximo dela, consigo beneficiar-me dessa relação. Na intimidade emergida daí, sinto uma tranquilidade tão intensa que torno-me, assim, um falante local, de uma língua global, que naturaliza cada som, cada palavra, cada sentença produzida. E para que a descolonização da língua inglesa aconteça é preciso, em primeira instancia compreender o seu caráter de língua franca global, para, então, dentre outras coisas, reagir a padrões linguísticos rígidos da pronúncia nativa que ainda são propagados exageradamente em sala de aula de LE. Essa questão identitária, o espaço onde vive o aprendiz, a globalização e o colonialismo devem sempre ser levados em consideração. E ensinar a língua inglesa hoje, sem atentar para esses fatores, significa ensinar conteúdos frágeis, desvinculados das realidades comunicativas dos aprendizes. Também não se pode mais continuar cometendo o equívoco de lecionar a língua inglesa ignorando o seu peso sócio-histórico, desde o seu violento caráter colonizador até chegar ao status de língua franca global. Tal compreensão deve fazer parte da formação do professor de


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língua inglesa, que só de posse desse conhecimento conseguirá pavimentar caminhos para lecionar uma língua que não aliene, não aprisione, mas alerte, conscientize. Por isso, sinalizo a necessidade de desestrangeirizar, desnativizar, descolonizar os fortes resquícios de colonial do ensino da língua inglesa no contexto brasileiro, via caminhos que promovam a autonomia do falante brasileiro de inglês, o qual faz uso de uma língua global, moldando-a, ressignificando-a aos seus próprios interesses comunicativos local, trafegando por caminhos diferentes dos já postos, os quais, nas escolas regulares, não têm surtido efeito17. Há sim outros caminhos a seguir! Caminhos possíveis são aqueles que apontam para um ensino e aprendizagem que giram em torno da negociação entre povos, respeitando as suas diversidades, primando pela compreensão das questões locais, o respeito pelas identidades, a alteridade e a retratação das realidades, numa perspectiva cultural, política, filosófica, científica, mediados imbricadamente por diferentes áreas do conhecimento, o que sugiro no próximo capítulo, apresentando a abordagem CLIL – Content and Language Integrated Learning, que em suma é o ensino do conteúdo e da língua de maneira integrada, a qual, o livro didático pode tomar como norte, como possível caminho para abordar a língua inglesa na contemporaneidade.

17 A exemplo da metodologia usada em muitas escolas públicas, que não conseguem formar aprendizes proficientes em uma LE, apesar de 7 anos de oferta dessa disciplina, no fundamental II e no ensino médio. Para uma melhor compreensão desse cenário veja: LIMA, D. C. de (Org.). Inglês em escolas públicas não funciona? Uma questão, múltiplos olhares. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.


Capítulo 7

Um caminho possível: CLIL - Content and Language Integrated Learning

Learning to use the language and use the language to learn18. (DO COYLE et al, 2010, p. 54).

Em outro trabalho (ANJOS, 2013), eu já argumentava sobre

a maneira como as aulas de língua inglesa nas escolas públicas vêm sendo conduzidas nos últimos anos. Isso tem gerado uma série de pesquisas na área da Linguística Aplicada, buscando entender problemas de uso da linguagem na sala de aula, sobretudo, refletindo sobre métodos, abordagens e crenças que dificultam o processo e impedem a consolidação de uma aprendizagem significativa. Se por um lado, nota-se que o ensino e a aprendizagem da língua inglesa, nas escolas públicas brasileiras, parecem estar sendo norteados a rumos bem diferentes do que deveriam ser, tendo em vista a maioria dos professores das escolas regulares optarem pela exposição 18

Tradução nossa: “aprender a usar a língua e usar a língua para aprender”.


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demasiada de compêndios gramaticais, tornando as aulas entediantes e desinteressantes, quando não contribuindo para a construção de uma visão equivocada em relação à cultura estrangeira, ao exaltá-la, por outro, se verifica que o cenário mundial contemporâneo, marcado pelos fluxos de informações, pelas inovações tecnológicas, pela necessidade de conhecer diferentes culturas, tem suscitado um novo pensar para as aulas de língua inglesa. Em tempos de globalização, quando o acesso ao mundo ocorre de formas variadas e o urgente chamado para a formação de uma consciência cidadã, percebe-se claramente a necessidade do ensino de línguas que ultrapasse os limites dos aspectos linguísticos apenas e promova a socialização de conteúdos diversos. Assim, neste capítulo discorro sobre a abordagem CLIL – Content and Language Integrated Learning, que inicialmente surge na Europa, na década de 1994 e algo semelhante nos Estados Unidos com a nomenclatura de CBI – Content Based Instruction. Ressalto, no entanto, que apesar de terem muitas semelhanças, as duas abordagens não são idênticas. Independente de uma nomenclatura, registro aqui a sugestão para produzir livros didáticos nos moldes da abordagem CLIL, destacando o seu caráter interdisciplinar, que abre espaços para a formação de conhecimento de maneira ampla e correlacionada. Não se justifica mais a edição de livros didáticos de língua inglesa cujas atividades estão exclusivamente pautadas nos moldes estruturalistas de língua, desvinculadas de temas da realidade dos aprendizes. Contrário a essa posição ultrapassada, sugiro uma prática educativa linguística ampliada, interdisciplinar, nos princípios da abordagem CLIL. À luz da Linguística Aplicada, em sua vertente Indisciplinar, Cavalcanti (2013) já chamava a atenção para a necessidade de reflexão acerca de uma educação linguística ampliada, aquela com interfaces para outros campos de estudos, com outras áreas do conhecimento. Essa visão ampliada defendida por Cavalcanti (2013), contudo, deixará de ser simplista, passando a exigir do educador muito mais


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do que a educação do conteúdo linguístico, ou seja, “uma educação linguística, na formação do professor de línguas que vá além do conhecimento sobre a língua alvo de ensino” (CAVALCANTE, 2013, p. 212). Para que isso aconteça, no entanto, será necessária a adoção de uma nova abordagem de ensino e aprendizagem de línguas, mudança de postura e (re) formação profissional, que possibilitem ao educador linguístico a compreensão de que o ensino-aprendizagem devem ter um caráter interdisciplinar. Assim, o ensino da língua estrangeira será um meio de acessar as outras diversas áreas de conhecimento, o que consequentemente formará aprendizes mais bem preparados para lidar com a diversidade de conteúdos que o mundo contemporâneo oferta e requer. O educador francês, Edgar Morin, em entrevista concedida no Brasil, já alertava acerca da necessidade de repensar a educação nacional, a começar pela reformação do professor, chamando a atenção para o fato de que os professores precisam ultrapassar os limites de suas disciplinas e trafegar por outras áreas do conhecimento, o que, segundo ele, ainda não aconteceu no Brasil. Morin defende o rompimento das barreiras disciplinares, alegando que embora aparentemente o conhecimento organizado em disciplinas dê a (falsa) sensação de arrumação, tal rompimento é o que pode possibilitar o estabelecimento de correlação entre os saberes. Quando questionado sobre a possibilidade de o professor trabalhar numa perspectiva interdisciplinar, Morin sinalizou a necessidade de o professor perceber a sua disciplina com a iluminação de outros olhares, sugerindo um educador com uma cultura menos especializada, centrada em uma única área, e, assim, buscando desconstruir o abismo entre as humanidades e as ciências, esse educador defendeu a possibilidade de o professor de Literatura precisar conhecer um pouco de história e de psicologia, bem como o de Matemática e o de Física de necessitarem de uma formação literária. Só assim Morin disse ser possível o


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nascimento de uma nova cultura. Parece que nessa perspectiva é que emerge no contexto europeu o CLIL (Content and Language Integrated Learning), abordagem de ensino-aprendizagem elaborada por um grupo de especialistas, de diferentes áreas do conhecimento, como David Marsh, Ane Maljers, Hugo Beaten Beeds, Gisella Langé, dentre outros, cujo propósito é o aprendizado do conteúdo por meio de uma língua estrangeira e vice versa, ensinando o conteúdo e a língua. O ensino das matérias curriculares através da língua inglesa, consoante à proposta da abordagem CLIL, parece sinalizar uma prática que não está limitada apenas ao ensino dos conteúdos da língua ou saberes teóricos específicos de cada matéria do currículo, mas uma prática que também almeja o desenvolvimento de reflexões, negociações, cujos resultados recaiam em soluções de problemas. A seguir, está um esquema simplificado, para a compreensão do que vem a ser o CLIL, que surge dessa integração do conteúdo com a língua:

Língua

+

Conteúdo

CLIL

Quadro 5: CLIL – a integração da aprendizagem do conteúdo e da língua.

De acordo com Harvey et al (2013), embora o CLIL seja um método relativamente novo19, formas iniciais dessa abordagem datam de 3000 anos antes de Cristo, quando os Acadianos conquistaram os Sumérios e passaram a ter interesse pela língua e conhecimento 19

David Marsh (2012) diz que a abordagem CLIL não é algo novo, muito pelo contrário, tem sido usada por séculos para promover a educação linguística, cujos resultados são jovens deixando a escola com uma habilidade plurilingual para usar duas ou mais línguas.


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desses, e aprendiam pela LE. Hoje, quando o inglês emerge como a língua franca global e por conta da sua relevância nas diversas esferas sociais, nota-se um crescente interesse pela aprendizagem desse idioma, e por isso mesmo é preciso repensar o currículo escolar, bem como a abordagem de ensino e aprendizagem que adotaremos, para acompanhar as exigências do mundo contemporâneo, cujas ações são realizadas em inglês. Repensar o ensino e a aprendizagem da língua inglesa nos dias de hoje, não é repensar apenas a educação linguística, mas o currículo escolar, no sentido de contemplar os aprendizes com toda uma gama de conhecimentos que podem ser adquiridos através da língua inglesa, já que “a demanda para o ensino de matérias através do inglês está aumentando exponencialmente” (MARSH, 2012). Promover um novo pensar sobre o ensino e a aprendizagem da língua inglesa neste momento, significa também compreender que esse processo vai muito além de assimilar conteúdos gramaticais apenas. Significa compreender que o ensino e o aprendizado de uma LE envolvem dimensões capazes de promover o desenvolvimento de quem participa desse processo. Com relação às dimensões do ensino e da aprendizagem da LE, Harvey et al (2013), com base em Richards e Rodgers (2001), colocam que a proficiência em uma língua pode ser definida em estrutural, funcional e interacional. Essas autoras dizem que enquanto os aspectos fonológicos e gramaticais dizem respeito ao estrutural, o funcional tem a ver com o papel comunicativo da língua. Alinhado a isso, levando em consideração o cenário mundial contemporâneo, essas mesmas autoras ressaltam que o ensino tradicional de línguas está sendo desafiado por uma crescente falta de função dos conhecimentos abordados na sala de aula, desconsiderando, desse modo, as dimensões significativas que sustentam o ensino e a


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aprendizagem de uma LE. No Brasil, por exemplo, pesquisas têm revelado um grande número de aulas de LE, em escolas regulares, cujo foco tem sido a dimensão estrutural da língua, tendo em vista a primazia por aulas baseadas em aspectos linguísticos apenas, sobretudo os gramaticais (ANJOS, 2013). Talvez seja por isso que Lasagabaster e Sierra (2009) já alertavam que o ensino de uma LE apenas como matéria não está dando os frutos esperados, deixando, talvez, transparecer que o ensino de LE suscita que enxerguemos que sozinha, distante de outras matérias, a LE não tem dado os resultados almejados, sobretudo na escola pública. O ensino da LI na escola pública, em sua grande maioria, tem primado pela dimensão estrutural da língua, o que, de certa forma, tem limitado a possibilidade de uma aprendizagem significativa, aquela que permitiria conhecer novas formas de ser, agir, pensar e produzir. É exatamente essa a proposta da abordagem CLIL. Logo, é preciso trazer para sala de aula conteúdos que retratem experiências reais, que possam levar à reflexão e façam pensar em possíveis intervenções. Quanto a isso, Freire (1996), há quase duas décadas, ao falar sobre os saberes dos educandos, já chamava atenção para necessidade de discutir com os alunos a realidade concreta que se deva associar a disciplina cujo conteúdo é ensinado. Muito distante dessa perspectiva, as aulas de LI em muitas escolas públicas brasileiras têm sido conduzidas com base em aspectos gramaticais apenas, desconsiderando, por exemplo, o que Giroux (2007) chamou de “currículo oculto”, o que muito tem a ver com a proposta da abordagem CLIL. O currículo oculto mencionado por Giroux (2007) emerge através de mensagens que possivelmente poderiam estar por trás da linguagem, dos objetivos, da disciplina escolar, tais


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como as mensagens de discriminação de raça, de sexo e classe que convenientemente são ignoradas, apesar de tornarem a aprendizagem significativa. Nessa perspectiva, também, é que Doninni e Platero (2010) defendem que os alunos terão uma aprendizagem significativa quando lhes forem oferecidas situações nas quais eles aprendem e refletem sobre conceitos, ideias e temas por meio da língua. Nesse sentido, faz-se necessário trazer para a sala de aula conteúdos além do linguístico. Seguindo essa linha de raciocínio é que parece que Perez Cãnado (2013) acentua que o en sino de línguas integrado ao conteúdo promove contexto para uma aprendizagem mais significativa, tendo em vista que a LE é usada para propósitos de comunicação real. Atrelado a isso, merece menção um dos argumentos de Menegale (2013), em que essa autora destaca que quando os professores e aprendizes de conteúdos disciplinares (tais como geografia, história, arte, design, etc.) usam uma língua estrangeira como meio de comunicação e instrução acabam por estabelecer um contexto em que o conhecimento de uma língua não é apenas o objetivo, mas também o meio de adquirir conhecimento acerca de um conteúdo disciplinar. Aí reside uma das vantagens da abordagem CLIL, pois o ensino de línguas nessa perspectiva favorece a socialização do conhecimento de disciplinas outras, e, ao mesmo tempo, acaba por desvencilhar o ensino de uma LE como um fim em si mesmo. Assim, atrelado ao aprendizado de uma LE, uma gama de conteúdos de diversas disciplinas seriam assimilados. Por isso, parece que o CLIL é a mais vantajosa e promissora abordagem de educação linguística. A seguir está o quadro representativo da relação da abordagem CLIL com as disciplinas e outros tópicos.


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Geography

Chemistry Languages

CLIL

Philosophy

Foreign Language

Sociology

Math Science History Any Topic

Quadro 6: CLIL e disciplinas outras.

CLIL: definições, objetivos e princípios O termo CLIL (Content and Language Integrated Learning) surge na Europa, por volta de 1990, para ajudar profissionais a explorar boas práticas de aprender tanto a língua quanto conteúdos autênticos. Algumas definições têm emergido para explicar a essência dessa abordagem, como a de que se trata de uma abordagem de ensino e aprendizagem20 que utiliza a LE como meio de comunicação para explorar conteúdos de disciplinas outras do currículo escolar. Ainda, quanto a isso, Cenoz et al (2013) colocam que há diferentes conceitos dessa abordagem, as quais incluem desde a noção de uma abordagem educacional, com foco no nível da classe e em práticas pedagógicas específicas a noções que enfatizam sua fundação no construtivismo e nas teorias de aquisição da L2. 20 Embora alguns autores defendam que o CLIL é muito mais uma abordagem de aprendizagem do que de ensino, utilizo o termo ensino e aprendizagem, por acreditar que, apesar das suas diferenças, não há docência sem discência, pois “ensinar inexiste sem aprender e vice-versa”. (FREIRE, 1996p. 23).


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Para o australiano David Marsh (2012), um dos idealizadores da abordagem CLIL, essa é uma abordagem educacional em que uma língua adicional é usada para o aprendizado e para o ensino do conteúdo e da língua. Para esse autor, o objetivo da abordagem CLIL é a promoção do domínio do conteúdo e da língua, e tem um caráter de foco duplo, tendo em vista que a atenção pode ser predominantemente tanto na matéria específica quanto na língua, essa proposta de aprendizagem acomoda ambas. Nesse sentido, também, é que Menegale (2013) destaca que na abordagem CLIL o conteúdo de outras matérias são desenvolvidos através da língua estrangeira e ao mesmo tempo a língua estrangeira é desenvolvida pelo conteúdo das outras disciplinas. Para essa autora, o principal objetivo da abordagem CLIL é desenvolver a competência em LE enquanto conteúdos não linguísticos de outras áreas são aprendidos. Pensamento semelhante é revelado nas reflexões de Richards e Rodgers (2014), os quais acreditam que os princípios da abordagem CLIL ajudam no desenvolvimento individual e educacional dos aprendizes, bem como atendem a objetivos interculturais da aprendizagem de línguas. Para esses autores, as pessoas aprendem uma segunda língua com mais sucesso quando usam essa língua como meio de compreensão do conteúdo, em vez de um fim em si mesmo. Quanto isso, Perez Cañado (2013) destaca que a educação com foco duplo aparece para promover oportunidades para o estudo do conteúdo através de diferentes perspectivas, mas é a língua alvo o meio através do qual a terminologia específica de uma determinada matéria será acessada. Assim, parece ficar evidente que a abordagem CLIL não apenas possibilitaria a aprendizagem da LE, mas também reforçaria conteúdos de outras disciplinas, auxiliando, desse modo, reflexão de conteúdos de outras áreas. Isso tornaria as aulas de línguas estrangeiras mais interessantes, significativas, porque novas


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ideias e conceitos seriam trazidos para esse contexto, tornando possível também o abandono de velhas práticas de ensino de línguas, calcadas, sobretudo, em compêndios gramaticais, inúteis, frágeis, que descontextualizados não fazem sentido para os aprendizes. Na visão de Escudero (2013), a abordagem CLIL pretende servir a um duplo objetivo de aprendizagem: o primeiro é ensinar a língua, a qual não é a língua materna do aprendiz, e o segundo é o domínio específico de um determinado conteúdo. Para essa autora, a abordagem CLIL prioriza o conteúdo e possibilita o aperfeiçoamento da competência na língua alvo. Escudero (2013), ao compreender essa abordagem como uma prática educativa interdisciplinar, acredita que os aprendizes poderão ser beneficiados, como os estudantes de direito, que serão capazes, segundo a autora, de identificar desigualdades, enquanto simultaneamente aprendem uma LE. Já para Harvey et al (2013), CLIL é um método específico de ensino, que tem como objetivo uma ação cooperativa entre estudantes durante as aulas, o que parece promover a dimensão socioconstrucionista do aprendizado de uma língua. Aí reside uma das mais importantes consequências da utilização da abordagem CLIL, quando acaba por promover a construção do conhecimento numa perspectiva coletiva, descentralizando, em certa medida, o poder do educador linguístico. As autoras acreditam que é assim que os papeis dos estudantes nas aulas serão maiores e que essas serão mais significativas. Essas autoras, ao tratar dos princípios da abordagem CLIL, dizem que a ideologia do CLIL está assentada no paradigma socioconstrucionista e nos 4Cs: Conteúdo, Comunicação, Cognição e Cultura. Com relação ao Conteúdo, este integra-se à língua ao ponto de ter o mesmo espaço da própria língua a ser aprendida. Conteúdos de diversas disciplinas podem ser abordados na sala de aula de LE, como mostrou os estudos de Harvey et al (2013), cujas aulas pesquisadas foram ciências, educação física, língua materna e religião. Este estudo


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mostrou que comumente essas disciplinas faziam os alunos agirem no contexto da aula. Ao tratar desse pilar, Do Coyle et al (2010) sugerem pensá-lo enquanto habilidades e compreensão que permitam os aprendizes acessarem o conhecimento, em vez de simplesmente adquirirem o conhecimento. O Paradigma Comunicação diz respeito à cooperação mutua e à abordagem comunicativa de ensino do professor. Do Coyle et al (2010), com relação a isso, para descrever esse pilar usam o seguinte princípio: “aprenda a usar a língua e use a língua para aprender”, evidenciando o caráter interacionista desse pilar. Já o pilar Cognição, segundo Harvey et al (2013), está ancorado em vários métodos de ensino, baseado no socioconstrutivismo, no entanto, elas não dizem quais são esses métodos. Para as autoras, a Cognição diz respeito às habilidades para aprender dos estudantes. Quanto a isso, lembrar, entender, se adaptar, analisar, avaliar e criar são habilidades a serem desenvolvidas pelos estudantes no contexto de aprendizagem. O quarto e último Paradigma, o Cultural, referese à compreensão mútua entre várias culturas. Cidadania é uma das palavras-chave para se compreender este paradigma. Já Perez Cañado (2013) usa o termo dimensão cultural para fazer referência a esse paradigma, e acentua que essa dimensão constrói entendimento e conhecimento intercultural assim como desenvolve a habilidade de comunicação intercultural. Nesse sentido Perez Cañado (2013) diz que: Ela [a dimensão cultural] igualmente eleva a consciência das culturas e da agenda de cidadania global. Em suma, oferece poderosas oportunidades para uma aprendizagem intercultural, que vai além daquela fornecida pelo aprendizado de língua tradicional. (PEREZ CAÑADO, 2013, p. 18)

Perez Cañado (2013), além da cultural, menciona outras três dimensões: a dimensão linguística, a da aprendizagem e a cognitiva.


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A dimensão linguística, segundo essa autora, beneficia a abordagem CLIL, quando favorece a presença da LE nos currículos. Com relação à dimensão da aprendizagem, essa autora coloca que a abordagem CLIL cria condições implícita, incidental para o aprendizado da língua, com resultados mais eficientes. Já a dimensão cognitiva desenvolve uma gama de habilidades, não apenas a comunicativa, mas também aquelas relacionadas à solução de problemas, às questões de risco, pragmáticas e às interpessoais. Nessa mesma linha de raciocínio, no intuito de explicar como o CLIL se articula, Yamano (2013) igualmente pontua 4Cs, que estruturam essa abordagem, que ficaram assim resumidos: 1) Conteúdo – a matéria; 2) Comunicação – o uso e o aprendizado da língua; 3) Cognição – os processo de aprender e pensar e 4) Cultura – a percepção de uma cidadania global com uma compreensão intercultural. A seguir está o quadro representativo dos 4 C´s:

Matéria

Conteúdo

CLIL

Comunicação Cognição Cultura

Uso e aprendizado da língua Aprender a pensar

Compreensão Intercultural

Quadro 7: articulação do CLIL em 4Cs

Para Yamano (2013), a abordagem CLIL tem o potencial de promover a integração entre o conteúdo e a língua, permitindo


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que os aprendizes se engajem em experiências significativas de aprendizagem. Esse autor também acredita que a compreensão de problemas internacionais auxilia os aprendizes a terem consciência sobre questões globais, provocando o engajamento deles em soluções assim como motivam os aprendizes a se comunicarem em inglês. Isso quer dizer que a socialização de conteúdos relevantes, em sala de aula, os quais suscitem reflexões no nível político, econômico e até filosófico, por exemplo, impulsionará, de algum modo, o engajamento dos aprendizes em busca de soluções coletivas e possíveis intervenções, bem como participação ativa no contexto da sala de aula, acabando por expressarem-se em LE. No que tange ao engajamento dos aprendizes em soluções coletivas, essa parece ser uma evidente consequência do ensino mediado pela abordagem CLIL, assim como estudantes preparados para lidar com estudos futuros, com a vida profissional e integração (PEREZ CAÑADO, 2013). Feitas essas considerações, finalizo, em parte este texto, já que não quer e nem representa palavra única nem final quanto ao tema em questão. Muito pelo contrário, busca pavimentar o caminho para outras reflexões do mesmo gênero, sobretudo em contextos como o brasileiro, onde o tema ainda carece de reflexões e ações mais profundas. Mas antes de finalizar este texto, considero relevante colocar que a abordagem CLIL traz em si a missão de estabelecer fortes elos com diversas disciplinas, possibilitando tanto a quem ensina quanto a quem aprende o acesso a uma série de conhecimento, ao tempo em que a LE é aperfeiçoada. A abordagem CLIL, desse modo, ultrapassa os limites dos conteúdos disciplinares linguísticos, quando busca promover a integração do conteúdo e da língua, provocando o ‘encontro’ de disciplinas, o que permite ensinar e aprender sem isolar objetos de seus meios, como têm feito as escolas regulares. A abordagem CLIL emerge para reunir e integrar saberes, sem separar disciplinas, reconhecendo suas correlações. Quanto


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a isso, é oportuna a reflexão levantada por Morin (2012), quando este autor chama atenção para o que ele chama de inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave, entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas. Seguindo esse raciocínio, concordo com Lichnerowicz (2012 apud MORIN, 2012), que ao criticar o fato de as universidades formarem especialistas em disciplinas ‘artificialmente delimitadas’, alerta, este autor, para o fato de ser importante, para o progresso, a formação de homens com capacidade de raciocínio amplo, o que pode gerar novos progressos que transgridem as barreiras históricas das disciplinas. Por isso mesmo não se deve colocar barreiras entre disciplinas, confinando-as. Porque bem disse Rajagopalan (2003, p. 42), numa de suas profundas reflexões acerca da Linguística Aplicada, que qualquer disciplina que se dá ao luxo de permanecer restrita a uma torre de marfim, corre o perigo de perder todo o vínculo com os anseios da sociedade. Assim, não se deve, de modo algum, por exemplo, separar linguagem, da geografia, da história, das artes, da matemática, sob pena de estar fazendo os jovens perderem as suas aptidões naturais para contextualizar os saberes e integrá-los em seus conjuntos (MORIN, 2012). As disciplinas não podem ser separadas. Elas estão intimamente relacionadas, ‘se tocam’, dialogam. Por mais que os professores achem que estão separando-as, uma análise um pouco mais precisa das suas práticas, com certeza, revelaria o quanto uma disciplina tem de outras disciplinas. Assim, o grande desafio para o educador deste cenário contemporâneo é justamente compreender esta questão para proporcionar aos aprendizes conhecimento de todas as disciplinas através da LE e vice versa, e a abordagem CLIL emerge como alternativa para estabelecer este paradigma interdisciplinar tão necessário nas salas de aula de língua inglesa.


Palavras (in)conclusivas

Como já dito na segunda parte deste trabalho, os livros

didáticos são ferramentas de extrema relevância tanto para o professor quanto para o aprendiz. Todavia, a sua utilidade dependerá de fatores que os constituem. A sua devida utilização, de maneira significativa por parte de docentes e discentes, estará também condicionada à relevância dos conteúdos e à preparação dos professores para lidar com tais materiais. A inobservância a isso e aos outros fatores apresentados aqui (CORTAZZI; JIN, 1999, ANJOS, 2015) podem levar à produção de um material irrelevante, o que consequentemente comprometerá o seu uso. Prova disso é o grande número de livros empilhados em escolas ou quando os alunos não trazem por que o professor logo descobre a dificuldade de seu uso, quer por questões contextuais ou dificuldade de fazer uma abordagem intercultural, por exemplo e, assim, descarta a possibilidade de uso. Outro fator fulcral que deve ser considerado é a retratação da vida real, que deve orientar a elaboração de livros didáticos. Nesse sentido é que defendo um olhar crítico para as questões de ordem social, política, científica, econômica e filosófica, as quais constroem


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as realidades, afim de que possam ser retratadas nos livros didáticos. Muitos desses livros para a aprendizagem de línguas estrangeiras, produzidos no contexto brasileiro, sem nem ao menos levar isso em consideração, indiferentes às realidades dos aprendizes, sempre trazem em suas páginas uma visão estrutural da língua, fomentando o desenvolvimento de atividades mecânicas, ao retratar compêndios gramaticais, os quais, descontextualizados, muito se revelam frágeis e inúteis. Essa maneira de abordar a língua nos Livros Didáticos de LE levou Oliveira (2007) a declarar que “os autores enchem os livros didáticos de exercícios gramaticais descontextualizados”, ressaltando que muitas escolas estruturam os seus programas baseando-se apenas em conteúdos gramaticais, cujos exercícios geralmente não mencionam o momento certo de uso dessa ou daquela estrutura ou de qual gênero textual tal estrutura está relacionada. Em certa medida, o percurso que faz o livro didático de língua estrangeira parece ser o mesmo feito pelo de língua materna aqui no Brasil, que só recentemente tem mudado, em parte, a forma de abordar a língua portuguesa, trazendo em suas páginas atividades com outra perspectiva, como a linha dos gêneros textuais. Todavia, muitos livros didáticos de língua inglesa ainda desconsideram diversas questões socais e práticas da linguagem e trazem em seu bojo uma noção estrutural de língua. Nessa linha de pensamento, muitas vezes, notei nos livros didáticos uma quebra de linearidade dos conteúdos abordados, quando muitos dos temas são bruscamente interrompidos, cedendo espaço para a apresentação de outros aspectos, sobretudo os gramaticais. Assim foi que verifiquei que o texto não estava lá no livro didático para conscientizar, informar, etc, mas sim como pretexto


Ideologia e omissão nos livros didáticos de língua inglesa

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para, mais adiante, explicar um determinado item gramatical, que não por acaso aparecia no texto previamente apresentado, deixando transparecer a noção estruturalista que os autores tinham de língua e que assim pretendiam disseminar. Este trabalho, como já mencionado, não pretende cair em generalizações, mas os dados levantados nele apontaram para a omissão e a evidenciação das representações sociais que mais interessavam aos editores e autores. Por isso, sugiro que cada vez priorizemos a elaboração de materiais didáticos por professores locais, que compreendam as questões locais e a necessidade de ensinar e aprender inglês e outras línguas estrangeiras ou materna, para conscientizar, compartilhar experiências e acessar informações, através de textos provocativos, em vez de conteúdos brandos e gramaticais apenas, os quais não promovem a formação de uma consciência crítica; que atendam tanto a demandas locais e às internacionais e que, de fato, estejam relacionados com a realidade dos aprendizes. Alguns países já tomaram a dianteira desse projeto, como a Bulgária, o Marrocos, a Noruega, a Romênia, a Russia, e elaboraram os seus próprios livros textos nacionais, bem como professores, na Malásia, na Indonésia, na Singapura e na Espanha, juntos produziram e socializaram materiais complementares para as aulas de línguas estrangeiras. Tais produções focam a cultura local, primam por ela. Os olhares precisam agora focar em questões como as discutidas aqui. E bons exemplos sempre devem ser seguidos, como os dos países aqui mencionados e, embora, o Brasil já esteja produzindo o seu próprio material didático, algumas editoras ainda optam, propositadamente, por uma ideologia que distancia da realidade dos


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fatos. Por isso, há a necessidade de repensar a elaboração do livro didático de LE, para contemplar os aprendizes com materiais didáticos de boa qualidade, com vistas a atingir objetivos significativos em contextos como o brasileiro, em franca expansão. Que assim seja!


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O Autor

Graduou-se em -se em Letras com Língua Estrangeira (Português-

Inglês) e respectivas literaturas, pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), em 2006. Pós graduou-se, em nível de especialização, em Estudos Linguísticos e Literários, pelo programa de pós-graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2009. Mestre em Língua e Cultura pelo Programa de Pós Graduação em Língua e Cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA), 2013. Professor de Língua Inglesa do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Doutorando em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tem interesse especial no ensino de conversação em língua inglesa, pedagogia crítica aplicada ao ensino de línguas, o ensino de inglês como língua franca global, leitura, interpretação e produção de textos em língua inglesa e materna, o ensino de línguas na perspectiva do letramento, elaboração de materiais para o ensino de inglês, ensino de línguas na perspectiva intercultural e da abordagem CLIL – Content and Language Integrated Learning, Sociolinguística da Língua Inglesa, descolonização e desestrangeirização da língua inglesa.



Achar que o livro didático de língua inglesa não é passível de reflexão e críticas, e que por ter a chancela de uma grande editora não pode e nem deve ser questionado, é um ledo engano. Há muito a ser discutido a respeito do livro didático. No bojo dessa reflexão, diversos fatores que estão relacionados intimamente a sua elaboração, tais como ideologia, omissão e representação social, precisam ser discutidos. A omissão de eventos sociais, sobretudo aqueles de interesse das classes ditas minoritárias, emergenciais, que suscitam tomadas de decisão, converge com os interesses das indústrias nacionais e internacionais dos livros didáticos, as quais fomentam um jogo ideológico, uma divisão de mundos, uma discriminação implícita aos modos de viver, de ser, agir, pensar e até sentir de um grande número de pessoas. Assim, caberia questionar muitos autores e editores dos livros didáticos de língua inglesa onde estão os problemas sociais, as mazelas, a fome, a intolerância e a corrupção? A que espaços ficam destinados os conflitos, as guerras, a favela, as políticas públicas, questões de gênero, raça e etc? Todos esses questionamentos percorrem o caminho das questões identitárias e têm sido deixados fora de cena de muitas salas de aula de LE, contrariando a noção de que não se pode separar o que acontece na sala de aula do mundo lá fora, já que a sala de aula, embora seja uma pequena parte desse mundo, representa uma fiel amostra dele. Este livro intenciona refletir sobre o Livro Didático (LD) de língua inglesa na contemporaneidade, analisando a tríade ideologia, representação social e omissão, trazendo considerações acerca das ideologias presentes nos livros didáticos de LI, sobretudo ressaltando a configuração de uma ideologia colonialista, a qual é responsável pela recriação de um mundo ideal, alheio a questões sociais, locais e emergentes. Desse modo, este texto versa sobre as ideias dominantes, colonizadoras, homogeneizantes que povoam muitos Livros Didáticos de língua inglesa, bem como sobre a ideologia do que não é dito, não é mostrado, é omitido. ISBN 978-85-5971-029-8


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