(RAR)EFEITO CuriosaMente . Diario de Pernambuco . Outubro de 2017
Fotorreportagem explora a vida de quem encara altura como profissão. O cotidiano de Jânio Amaro da Silva, num dos cartões-postais do Recife.
Onde, aos mortais, falta ar
S
e a personificação de nossos sonhos nome tivesse, talvez o fosse Ícaro. A tal persona certamente criaria asas e exploraria a imensidão sem vácuo por entre os prédios da capital pernambucana, surfando numa corrente de ar cheirando a maresia e caldinho de feijão. A altura sempre se fez limite do humano comum. Limite porque é no flerte com a vertigem que o ar abandona os pulmões de assalto. Mas há aqueles que não são seres comuns e cuja vertigem acaba digerida junto a um qualquer café da manhã. Nas próximas páginas, você acompanha o papel social de Fulano de Tal, cuja profissão o faz um Ícaro moderno e sem asas. Cordas, luvas e toda sorte de proteção garantem que não se aproxime em excesso ou em velocidade, do sol ou do chão. Um trabalho para poucos. O registro de tempos e movimentos em que o ar pode até se fazer rarefeito, mas talento e vocação voam alto. Ed Wanderley Editor
Jânio Amaro, 54, chega ao trabalho por volta das 9h. O endereço varia conforme a demanda da empresa que terceiriza seus serviços de revitalização, manutenção e limpeza de fachadas em edifícios.
Todo dia, antes de começar a atividade, passa pela checagem de nove itens de segurança: balança, trava-queda, conto paraquedista, luva, óculos, protetor auricular, capacete, botas, além do protetor solar.
JĂĄ sĂŁo 31 anos trabalhando nas alturas em toda a RegiĂŁo Metropolitana do Recife e diz nunca ter sofrido ou presenciado qualquer acidente de trabalho.
"Nunca tive medo de altura, mas confesso que, na primeira vez que desci, tive medo", diz Jânio, cujos trabalhos anteriores se resumiram a papéis de ambulante, vendendo raspa-raspa e cachorro-quente na Praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes.
O máximo de tempo que Jânio passa pendurado é de duas horas. Para ir ao banheiro ou no intervalo do almoço, o ritual é sempre o mesmo: descer e livrar-se de todo o aparato de segurança.
O trabalho envolvendo tÊcnicas de rapel rende hoje a Jânio ganhos mensais de, em mÊdia R$ 2,2 mil. Com essa renda, sustentou e formou os quatro filhos.
Entre as histórias curiosas que só quem trabalha nas alturas poderia ver, Jânio lembra de quando testemunhou, com visão privilegiada, nada menos que um gavião capturando um pombo na sua frente.
"Só paro quando não puder mais subir. Ou no dia que enricar. No dia que enricar, eu paro", diz o homem, que vive numa residência mais humilde que aquelas que ajuda a revitalizar.
Por volta das 16h, é hora de desmontar o equipamento, tomar banho e preparar-se para pegar a estrada e enfrentar o congestionamento diário do Grande Recife até o bairro de Piedade, onde vive e descansar. Amanhã é dia de voltar a escalar.