Jornal AEAMESP - edição 05

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O PROTOCOLO DE KYOTO E O TRANSPORTE PÚBLICO Luiz Antônio Cortez Ferreira m 16 de fevereiro de 2005, entrou em vigor o Protocolo de Kyoto, estabelecendo metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) pelos países desenvolvidos. Criado em 1997 na 3a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas1 , o protocolo divide os países em dois grupos: os desenvolvidos, listados no Anexo I, e os demais, chamados Partes Não-Anexo I . Estabelece, além de metas de redução, instrumentos para viabilizá-las no primeiro período de compromisso, entre 2008 e 2012. Em 18 de novembro de 2004, com a adesão formal da Rússia, responsável por 17,4% das emissões de GEE em 1990, a condição de que os países signatários representassem mais de 55% do total de emissões mundiais foi atingida, iniciando a contagem regressiva de 90 dias para o princípio da vigência do protocolo. Até fevereiro de 2005, 141 países haviam ratificado o protocolo, somando 61,6% do total previsto de emissões.

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Efeito estufa e o transporte Distribuídos na atmosfera, alguns gases agem como a cobertura de uma estufa sobre o Planeta, permitindo a passagem da radiação solar, mas evitando a liberação da radiação infravermelha emitida pela Terra. Graças a essa estufa natural, a atmosfera terrestre se mantém aquecida, evitando que nosso planeta se transforme em um grande deserto gelado e sem vida. Variações da temperatura média já ocorreram e voltarão a ocorrer naturalmente ao longo dos tempos. Porém, é fundamental que a velocidade dessas mudanças seja tal que

permita a adaptação às novas condições. Mudanças abruptas podem provocar uma grande quebra na produção de alimentos, alterando significativamente as condições para a sobrevivência da humanidade. A temperatura média junto à superfície terrestre vem aumentando ao longo dos últimos 150 anos, resultado da industrialização acelerada, da queima de quantidades cada vez maiores de combustíveis fósseis, do desmatamento e de certas práticas agrícolas. Todas essas atividades provocam emissões dos chamados gases de efeito estufa - GEE, que apresentam concentrações crescentes na atmosfera; especialmente de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). Mesmo pequenas mudanças de temperatura têm o potencial de provocar enormes alterações climáticas. Ao contrário dos poluentes locais, o efeito estufa tem abrangência global e suas conseqüências certamente serão injustas. As nações mais pobres do mundo, que quase nada contribuíram para o aquecimento global, serão as mais expostas aos seus efeitos. o Brasil, onde a produção de energia elétrica se baseia principalmente em recursos renováveis, estima-se que o petróleo é a fonte de cerca de 58% das emissões e que o setor de transportes é responsável por 33% do total de emissões de GEE, dividindo a liderança com a indústria. Nesse quadro, o transporte público pode exercer um papel fundamental, com grande potencial para contribuir na redução das emissões do setor. Mais eficiente do ponto de

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vista energético, o transporte coletivo deve ser incentivado e aprimorado, de forma a conter o crescimento do uso de automóveis. Dados da frota em São Paulo indicam que os automóveis emitem 13 vezes mais dióxido de carbono por passageiro/km que os ônibus urbanos. Especialmente o transporte de alta capacidade, eletrificado, já colabora e poderá contribuir ainda mais para a redução das emissões, pois possibilita a substituição de veículos movidos a diesel ou gasolina pela tração elétrica2 . Créditos de Carbono para financiar o transporte público Além de estabelecer metas de redução, o Protocolo de Kyoto também criou instrumentos para viabilizá-las, incentivando o desenvolvimento sustentável. Através do chamado comércio de emissões (emissions trading), os países que estiverem encontrando dificuldades para atingir suas metas podem comprar reduções obtidas por outros países. Apesar de não constarem no texto do protocolo, os termos crédito de carbono e mercado de carbono têm sido utilizados amplamente para designar tais negociações, mesmo aquelas realizadas à margem das exigências do protocolo (non Kyoto-compliant). m dos instrumentos criados pelo protocolo, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL3 permite que os países do Anexo I financiem projetos de redução de emissões de GEE em países Não-Anexo I, abrindo grandes oportunidades de captação de recursos tanto para o setor público como para o privado. Através do MDL, as reduções obtidas, medidas em toneladas métricas de carbono-equivalente, são transformadas em Certificados de Redução - CER. Tais certificados podem ser livremente comercializados, podendo vir a ser usados pelos países do Anexo I para abater suas cotas de redução. Segundo o Banco Mundial, o valor de mercado de uma tonelada de carbono Kyoto-compliant em 2004 variou entre 10 a 15 dólares americanos, mas estima-se que seu valor deverá crescer significativamente com a vigência do protocolo. Naturalmente que as exigências estabelecidas para a obtenção da certificação junto ao

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valiações preliminares indicam que o retorno de projetos de MDL é possivelmente marginal face aos investimentos necessários para a expansão do transporte público de alta capacidade. Ainda assim, está aberta a possibilidade de obtenção de recursos tanto para a expansão quanto para a modernização dos sistemas de transporte. Os projetos podem abranger uma ampla gama de possibilidades: substituição da energia de tração, racionalização e reorganização das redes de transporte, projetos de eficiência energética (redução do consumo de energia elétrica ou combustível), adoção de novas tecnologias, biocombustíveis e outras soluções que somente dependerão da criatividade dos técnicos do setor. Nesse contexto, o segmento metroferroviário ocupa uma posição privilegiada para o desenvolvimento de projetos de MDL, gerando recursos com a venda de créditos de carbono enquanto contribui para o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.

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Luiz Antônio Cortez Ferreira é arquiteto e diretor adjunto de Tecnologia e Meio Ambiente da AEAMESP: 1 A Convenção Quadro United Nations Framework Convention on Climate Change, muitas vezes referida simplesmente como UNFCCC, é um acordo multilateral voluntário constituído na Conferência para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Rio92. 2 Cabe salientar que os motores a gás natural pouco diferem dos motores a diesel ou gasolina no que se refere às emissões de GEE; em contraponto, o álcool e o biodiesel são considerados neutros para efeito de GEE, pois são produzidos a partir de biomassa. 3 Também é muito comum a utilização da sigla em inglês: CDM - Clean Development Mechanism. 4 O projeto NovaGerar, registrado em 18/11/2004, prevê a captação, queima controlada e geração de energia elétrica do gás metano resultante de dois aterros sanitários em Nova Iguaçu, num total de 670 mil toneladas de carbono-equivalente/ano. Tal quantidade é possível , pois cada tonelada de metano equivale a 21 toneladas de CO2 em termos de potencial de efeito estufa.

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Comitê Executivo do protocolo são bastante detalhadas. Até o início de fevereiro de 2005, apenas dois projetos haviam sido formalmente aprovados e registrados. Diversos outros se encontram em fase de análise e aprovação. A boa notícia é que o primeiro projeto registrado de MDL é brasileiro, da NovaGerar4 em Nova Iguaçu - RJ. Aliás, o próprio MDL foi incorporado ao protocolo baseado em uma proposta apresentada pelo Brasil.

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3/2/05, 2:54 PM

JORNAL AEAMESP aeamesp@aeamesp.org.br

OPINIÃO DA DIRETORIA DA AEAMESP

UM TEMPO DE OPORTUNIDADES este início de gestão na AEAMESP, obsevamos um novo ciclo de obras do Metrô-SP e o começo de nova adminsitração na Prefeitura de São Paulo, comandada pelo mesmo partido político que comanda o governo Estadual. Considerando que estas duas instâncias buscam entrosamento, acreditamos que se abriu um tempo de oportunidades para o transporte público na região metropolitana. Defendemos uma forma institucional e técnica de haver a gestão única, coordenada, do transporte público neste que é o maior conglomerado urbano e o maior pólo econômico do País. Para tanto, a palavra-chave é a Integração entre técnicos, entidades de classe, as comunidades dos bairros, fóruns de prefeitos e de secretários de transportes e parlamentares atuantes em favor da mobilidade urbana com qualidade.

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Metroferroviária da ANTP, e participando firmemente do Movimento pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT). A AEAMESP atuará sempre na luta por mais recursos para o transporte metroferroviário, pela redução dos encargos em favor do custeio, pela inclusão social da população carente de mobilidade, e pela preservação ambiental. É preciso admitir que, apesar de avanços, encontramos também dificuldades. Uma delas é na retenção, pelo governo federal, de recursos do setor que são sistematicamente desviados, ou que são negados em razão do endividamento de Estados e Municípios.

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outro objetivo é a é a Expansão de nossa Associação, com ações que garantam recursos para o seu equilíbrio e autonomia, beneficiando os associados, fortalecendo o conhecimento técnico, disseminando, interna e externamente ao Metrô, a expertise nas diversas áreas da engenharia, arquitetura e do transporte urbano. Não vamos esmorecer. É neste momento que as forças devem ser unidas, para enfrentar e superar os desafios.

OS INTEGRANTES DA NOVA DIREÇÃO

Stanislau Affonso Neto (Relações Metroferroviárias).

ma meta importante neste momento é a consolidação das iniciativas para as quais a AEAMESP tem-se empenhado com êxito. Seguiremos com participação ativa nas ações em favor do desenvolvimento do transporte, atuando junto com o Metrô-SP e a Comissão

Esta é a composição da direção da AEAMESP para a gestão 2004-2006. A Diretoria Executiva é presidida por Manoel da Silva Ferreira Filho. São Os Vice-Presidentes: Ayres Rodrigues Gonçalves (Assuntos Associativos) e Jayme Domingo Filho (Atividades Técnicas). O 1o Diretor Tesoureiro é Sérgio Henrique da Silva Neves e o 2o Diretor Tesoureiro é Antonio Marcio Barros Silva. O 1o Diretor Secretário é Antonio Luciano Videira Costa. 2o Diretor Secretário é Carlos Augusto Rossi. Esta gestão terá quatro Diretorias Adjuntas, com os seguintes responsáveis: Luís Guilherme Kolle (SócioCultural), Fábio de Oliveira Soares (Esportes), Luiz Antônio Cortez Ferreira o(Tecnologia e JORNAL AEAMESP N 5e Emiliano VERÃO DE 2005 Meio Ambiente) 9039-AEAMESP.p65

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CONSELHOS. O Conselho Deliberativo reúne Eduardo Curiati, Nestor Tupinambá, José Carlos Ganzarolli, Mario Gallo, Argimiro Alvarez Ferreira, Maria Beatriz Pestana Barbosa, José Alberto Horta Pimenta, Luiz Roberto Hiroshi Narata, Roberto Torres Rodrigues, Yoshihide Uemura, Paulo Donini, Antonio Fioravanti (titulares); Carlos Wanderley Alves Carneiro, Marcos Camelo Barbosa, Nelson Fernandes da Silva Filho, Luis Guilherme Kolle (suplentes). O Conselho Fiscal é integrado por José Istenes Eses Filho, Manoel Santiago da Silva Leite, Ivan Finimundi (titulares); Celso Franco Porto Alegre, Antônio Garcia de Medeiros e Francisco Maria Baptista (suplentes).

PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL DA AEAMESP – ASSOCIAÇÃO DOS ENGENHEIROS E ARQUITETOS DE METRÔ

NÚMERO 5, VERÃO DE 2005 Cortes de recursos e de pessoal enfraquecem a engenharia e desperdiça parte de um conhecimento precioso, que permite planejar, implantar, operar e manter sistemas complexos.

A BUSCA DO REAL EQUILÍBRIO oje, é essencial observar o cenário em que se busca o "equilíbrio financeiro" no Metrô-SP, já que das diversas ações tomadas para esse "equilíbrio" decorreram os cortes de profissionais que agregaram conhecimento específico ao setor durante muitos anos de trabalho. Os cortes vieram por estarem os demitidos aposentados ou por terem segundo critérios de avaliação desconhecidos "baixo desempenho", e fizeram com que a empresa perdesse parte do conhecimento que permite planejar, implantar, operar e manter adequadamente os nossos sistemas. Existe mesmo desequilíbrio financeiro? Foi causado por má administração da empresa? Entendemos que não. Apesar de uma política que ao mesmo tempo permite o aumento de insumos e segura o reajuste das tarifas e elimina o subsídio, o Metrô-SP, em 2004 deu lucro, conforme a revista Isto É. É importante modernizar a empresa com a renovação do seu estafe. Porém, outras formas de equilíbrio devem ser consideradas antes da 'guilhotina', principalmente em se tratando de um serviço público, equiparado à saúde e educação. Não podemos aceitar que um insumo, como a energia elétrica, continue a ter aumentos excessivos (mais de 46% nos últimos dois anos) e que o setor continue a ser penalizado com a cobrança da tarifa horo-ssazonal, que a folha salarial das empresas

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de transporte continue a ser fortemente tributada, e que as classes D e E sigam excluídas do transporte público. Devemos ter um serviço de alta qualidade, feito com eficácia e eficiência, a um preço que a população possa pagar. Para isso, defendemos a implantação de contratos de gestão entre o poder público e as empresas, e o custeio da passagem partilhado entre usuários e comunidade. Exemplos não faltam na Europa e nas Américas: países, desenvolvidos ou não, subsidiam o transporte, em especial, os sistemas sobre trilhos. Os recursos advêm de ações e responsabilidades repartidas entre governos e a sociedade, tais como integração entre os modais, diminuição de taxas e impostos sobre as operadoras, aplicação de recursos oriundos de tributos para melhoria de infra-estrutura e racionalização dos modos. o Brasil, não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar conhecimentos técnicos e ver a expertise nacional dizimada sob pretexto de reduzir custos e ampliar a lucratividade de setores privados ou pela saída do Estado dos segmentos que pretensamente devem ser de responsabilidade da iniciativa privada. Estamos vendo o enfraquecimento de nossa engenharia, principalmente a de conhecimento científico, de concepção, de projeto, de planejamento e de estratégias.

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