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REVISTA MOVIMENTO MOVIMENTO,, mobilidade & cidadania

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outubro de 2004 • número 2 Editora Multiletra Av. Ataulfo de Paiva, 341/302 Leblon • CEP 22.440-030 Rio de Janeiçro • RJ rev_movimento@antp.org.br REDAÇÃO Diretor de redação

Silvio Rabaça Editor

Aziz Filho Editora assistente

Maria Claudia Oliveira Revisora

Tereza da Rocha Estagiária

Maria de Freitas MARKETING

A fotógrafa Fabrizia Granatieri deixa a centenária Confeitaria Colombo, no centro do Rio de Janeiro, depois de degustar o mais glamouroso chá com torradas da cidade. Na calçada da rua Almirante Gonçalves, próximo ao Largo da Carioca, depara-se com uma cena que, não tivesse ela os olhos que o ofício exige, passaria despercebida, como ocorre ao cidadão comum insensibilizado pela constância das agressões

Suzy Balloussier

urbanas. Na beira da rua, uma mulher aparentando 60 anos e com o

ADMINISTRAÇÃO

netinho no colo assiste a um programa de TV num aparelho portátil.

Secretária Executiva

Cristina Badini

Dentro de seu lar de papelão, a senhora pobre age como qualquer

ARTE

senhora rica. Foi o estalo. Com o objetivo de mostrar que em seu cotidiano

Ampersand Comunicação Gráfica (ampersand@amperdesign.com.br)

a população de rua persegue as necessidades e desejos de qualquer

Designers

ser urbano, Fabrizia fez uma bateria de fotos para uma exposição sobre

Raquel Teixeira Claudia Fleury Carlos Henrique Viviane Luiz Baltar

excluídos montada pela ONG Médicos Sem Fronteira nas estações do metrô do Rio.

PUBLICIDADE

Claudia Montero (claudia@antp.org.br) GRÁFICA

Os depoimentos e as imagens da exposição, gentilmente cedidos pelos Médicos Sem Fronteira, chamam atenção para um fenômeno que deveria estar entre as preocupações prioritárias do poder público quando

R. R. Donnelley TIRAGEM

10.000 exemplares ANTP

Associação Nacional de Transportes Públicos Alameda Santos, 1000 • 7º andar CEP 01418-100 • São Paulo • SP E-mail: antpsp@antp.org.br Site: www.antp.org.br Presidente Jurandir F. R. Fernandes Vice-Presidentes César Cavalcanti de Oliveira Cláudio de Senna Frederico José Antônio Fernandes Martins Nazareno Stanislau Affonso Otávio Vieira da Cunha Filho Rogerio Belda Diretor Executivo Nazareno Stanislau Affonso

se debruça nas pranchetas para interferir — ou não interferir — na qualidade da mobilidade urbana. A exclusão nos transportes, resultado do valor alto de tarifas sem subsídios e do descompasso entre os projetos e as necessidades dos mais pobres, agrava a desigualdade social de fato e de direito. Sem condições para se locomover no emaranhado das grandes cidades, uma legião crescente de brasileiros se vê forçada a dormir nas ruas centrais, longe das famílias, ou impossibilitada de procurar emprego para participar da vida econômica do país. Ao dedicar a capa desta edição ao tema da exclusão nos transportes, Movimento espera contribuir para a busca de soluções urgentes para esse desafio da metrópole brasileira.

Diretores Adjuntos Cristina Badini Eduardo Alcântara Vasconcellos A revista Movimento, mobilidade & cidadania é uma publicação mensal da Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP, editada pela Editora Multiletra. Os artigos e matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores. Todos os direitos reservados.

CASA DA MOBILIDADE CIDADÃ

Jurandir F . R. Fernandes Presidente da ANTP

OUTUBRO 2004

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Locomotiva feminina Ana Teresa Silva é a primeira mulher no posto de maquinista da Vale do Rio Doce

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P E I X O T O

e alguém ain-

levam a maior produção mine-

tência e capacidade para 19 mil

da acha que

ral do planeta de Alto Alegre

litros de combustível.

restam mui-

do Pindaré a São Luís, uma

Para chegar aonde chegou

tas atividades

viagem que Teresa faz pelo

e invadir um ambiente até en-

exclusivamente masculinas no

menos uma vez por semana.

tão reservado aos homens, Te-

mercado de trabalho, está pre-

Quando chega ao destino, ela

resa teve de demonstrar muita

cisando fazer uma visitinha ao

ainda faz as manobras no pá-

determinação e força de vonta-

estado do Maranhão e conhe-

tio de estocagem.

de. “Escolhi esse trabalho por

S

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B E L

cer a maquinista Ana Teresa

Toda essa operação passa

curiosidade. Fui a primeira

Silva. Ela é a primeira mulher

pelo rígido monitoramento do

mulher mecânica da Vale. Esse

a transportar sozinha uma car-

Centro de Controle Operacio-

começo foi a barreira mais difí-

ga que chega a 22 mil tonela-

nal da ferrovia. O centro pos-

cil”, conta a maquinista pio-

das de minério de ferro. Um

sui alta tecnologia e uma rede

neira. Ela se apaixonou por

feito digno do Guiness Book.

de telecomunicações de fibra

mecânica ainda na adolescên-

Há três anos, quando con-

ótica, mas o condutor precisa

cia, quando tomava do irmão

quistou o posto de maquinis-

ser muito bem treinado. E co-

mais velho revistas sobre o as-

ta na Companhia Vale do Rio

rajoso – ou melhor, corajosa.

sunto. “Comecei a ler e a achar

Doce, Teresa percorre uma ex-

Como viaja sozinha, Teresa tem

interessante, mas o que me

tensão de 265 quilômetros pi-

de estar apta a fazer consertos

motivou mesmo a levar a sério

lotando o maior trem de carga

mecânicos em um trem com

foi a fato de todo o mundo achar

do mundo em rota contínua.

dois quilômetros de extensão,

que não era normal uma mu-

São 208 vagões, com 105 to-

movido a eletricidade e óleo

lher ser mecânica. Eu queria

neladas de minério cada, que

diesel, com 600 watts de po-

mostrar que podia.”

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ALBANI RAMOS

Ana Teresa: “Demorou algum tempo para que se acostumassem com uma mulher nessa função”

se acostumassem com uma

Uma das peculiaridades da

mulher nessa função”, recor-

profissão escolhida por Teresa

da Teresa.

é a ausência de uma rotina.

O capítulo mais importan-

Como trabalha por turnos,

Com quase 20 anos de

te da história, segundo ela,

muitas vezes passa noites, fe-

casa, Teresa passou por mui-

foi quando, no ano passado,

riados e fins de semana na es-

tas etapas até transportar o

recebeu

para

trada, um complicador e tan-

minério de ferro da Compa-

transportar a carga mais no-

to para a vida pessoal. Quan-

nhia Vale do Rio Doce, maté-

bre da ferrovia: os passagei-

do assumiu o posto, teve de

ria-prima de alto valor, res-

ros. Dos 240 maquinistas da

se mudar para Açailândia, in-

ponsável por uma das melho-

Vale do Rio Doce, apenas 32

terior do Maranhão, e deixar

res performances do país no

são aptos a conduzir o trem

suas duas filhas, hoje com 14

mercado internacional. Dos

de passageiros. “Esse trem

e 11 anos, na casa da sua mãe

60 milhões de toneladas car-

tem o seu encanto, é fasci-

em São Luís. Marido ela não

regadas pela ferrovia no ano

nante. O maquinista precisa

tem há algum tempo e os na-

passado, só 4,5 milhões se des-

ter o controle, ter habilidade

moros costumam ser curtos.

tinavam à indústria nacional.

para a parada e a partida nas

“No começo os homens acham

“Quando entrei para a área de

estações, tem de obedecer às

um barato, se interessam para

mecânica da Vale, quiseram me

leis do trânsito. É um trans-

saber como é o meu dia-a-dia,

transferir para uma função

porte muito mais seguro do

mas logo começam a vir as co-

administrativa já na primeira

que o carro. É uma pena que

branças porque a minha vida

semana, mas não aceitei. De-

existam tão poucos trens de

foge muito do normal. E aí é

morou algum tempo para que

passageiros no Brasil.”

hora de trocar de namorado.”■

permissão

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Cidade sem carro: a utopia real C L Á U D I A

O L I V E I R A

ma cidade sem carros, ruídos ou

mana Nacional de Trânsito e apoiado pelos mi-

poluição, com transporte públi-

nistérios das Cidades, do Meio Ambiente e da

co de qualidade e as calçadas

Cultura. Em Brasília, o ministro Olívio Dutra,

devolvidas a quem de direito. A

das Cidades, chegou à Esplanada dos Ministé-

utopia tem se transformado em

rios de bicicleta e a do Meio Ambiente, Marina

realidade pelo menos uma vez por ano, no dia

Silva, foi de ônibus. O prefeito de Vitória, Luiz

22 de setembro, em cidades do mundo todo

Paulo Vellozo Lucas, também chegou de ôni-

durante a jornada Na Cidade, Sem Meu Carro. O

bus para bater ponto na prefeitura. “É um dia

evento proíbe a circulação de carros particula-

de reflexão sobre a preponderância dos auto-

res em um perímetro central ou importante para

móveis e os problemas que dela decorrem, como

o tráfego, que fica aberto apenas a veículos de

os mortos e feridos em acidentes, o agravamen-

serviços essenciais, transportes públicos, bici-

to da poluição e suas doenças e a destruição de

cletas e pedestres. “O principal objetivo é a

edifícios e logradouros para a abertura de vias”,

melhoria da qualidade de vida no meio urbano

diz o arquiteto e urbanista Nazareno Affonso,

através da luta contra a poluição gerada pelo

diretor-executivo da ANTP.

U

PEDRO MACHADO

M A R I A

tráfego motorizado”, explica a engenheira Liane

A campanha foi iniciada em 35 cidades fran-

Nunes Born, diretora presidente do Instituto

cesas em 1998. No ano seguinte, o engajamento

da Mobilidade Sustentável –

da Itália fortaleceu o movimento, que alcança-

RuaViva, ONG responsável

ria toda a Europa em 2000, tornando-se pro-

pelo evento no Brasil.

grama oficial da Comissão Européia de

Este ano, 70 cida-

Meio Ambiente no lançamento do Dia Europeu

des

brasileiras engaja-

Sem Carros e da Semana Européia de Mobilidade.

ram-

se no movimento,

Aderiram Alemanha, Áustria, Bélgica, Dina-

arti-

culado com a Se-

marca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Portugal, Reino Unido e Suécia. Em 2001, 18 ou-

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movimento movimento,, MOBILIDADE MOBILIDADE & & CIDANANIA CIDANANIA

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CARLOS MAGNO

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OUTUBRO 2004 2004 OUTUBRO

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PEDRO MACHADO

tros países fora da Europa se juntaram, entre eles o Brasil. A jornada já acontece em pelo menos 1.400 cidades de 38 países. Por aqui a ação começou com onze municípios e este ano atingiu 73. Uma das mais ativas foi Belo Horizonte: uma praça com grama, mesinhas e guarda-sóis ocupou um dos cruzamentos mais movimentados da metrópole mineira. A jornada funciona assim: o município interdita das 8h às 18h uma Zona Sem Tráfego de Automóvel. Os moradores são informados sobre os objetivos do evento e encorajados a sair de casa sem seus carros. Na área interditada há atividades culturais, medições de índices de poluição e de desempenho do transporte cole-

O uso da bicicleta é tão disseminado na cidade que a PM criou o Grupamento Especializado de Bicicleta, com 27 policiais-ciclistas.

tivo e debates sobre o tema, numa forte dimensão educativa com conseqüências muitas vezes permanentes. Salvador, por exemplo, passou a

O movimento tem mostrado uma capacida-

interditar o Pelourinho aos domingos e terças-

de razoável de alterar comportamentos, não ape-

feiras. “As cidades implantam medidas visando

nas no dia oficial. Caminhar durante 40 minu-

a mobilidade sustentável. As pessoas passaram

tos até o trabalho passou a ser uma rotina, por

a refletir mais sobre os problemas causados pe-

exemplo, para o engenheiro civil Marco Antô-

los automóveis”, acredita Liane.

nio Rocha, 41 anos. Ele mudou seu costume há quatro anos, quando sua cidade, Vitória, integrou-se à jornada. A empresa de transporte coletivo Tabuazeiro, da qual é gerente, estimula os funcionários a usarem o ônibus em vez do automóvel. O próprio diretor da empresa, Jerson Pícoli, pega o coletivo para dar exemplo. Um exemplo que precisaria ser seguido por um número bem maior de habitantes por um motivo óbvio: o próprio prefeito Luiz Paulo Vellozo Lucas afirma, com a experiência de quem está no poder há oito anos, que Vitória não tem capacidade para suportar o ritmo de aumento de tráfego dos tempos atuais. “É preciso dar prioridade ao transporte coletivo, alargar calçadas e construir ciclovias em vez de ampliar as vagas para estacionamento”,

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receita o prefeito. A criação de uma nova mentalidade na capital capixaba, no entanto, enfrenta obstáculos. A frota municipal de ôni-

CARLOS ANTOLINI

O prefeito de Vitória, Luiz Paulo Vellozo Lucas, também andou de ônibus. “É um dia de reflexão sobre a presença tão determinante dos automóveis e os problemas que isso acarreta


bus foi renovada em 50% em 2004, mas os usu-

de Janeiro, não está na lista oficial de cidades

ários continuam insatisfeitos. A estudante

da jornada Na cidade, sem meu carro, mas mos-

Talita Silva, 17 anos, critica: “Há poucas linhas

trou que a luta pela mobilidade sustentável não

e os ‘verdinhos’ andam muito lotados, pare-

depende só de iniciativas oficiais. Cerca de 12

cem latas de sardinhas.” A prefeitura quer im-

mil pessoas participaram do segundo Passeio

plantar a partir de outubro o sistema de

Ciclístico Um Dia Sem Carro, organizado pela

bilhetagem eletrônica e integrar melhor as li-

empresa Bicicletas Amazonas no dia 19, três

nhas para reduzir os custos de operação. Para

dias antes do evento oficial. Todos encheram

2005, a proposta é criar pistas exclusivas de

de assinaturas o documento que reivindica a

ônibus em cinco avenidas de tráfego intenso.

construção de uma malha cicloviária na cida-

Em Joinville, maior cidade de Santa

de. “Queremos alertar para os males do auto-

Catarina, com 429 mil habitantes, a 4ª edição da jornada Na Cidade, Sem Meu Carro empolgou a população com gincanas, blitzen educativas, distribuição de panfletos e palestras. O arquiteto Vladimir Tavares Constante, do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Joinville (IPPJ), ressalta que a cidade já conta com tarifa única e um transporte 100% integrado. “Temos 800 metros de corredor exclusivo. Parece pouco, mas é representativo.” Apesar de Joinville ser uma cidade industrial, a bicicleta continua sendo um meio de locomoção bastante usado. O pedreiro Paulo Rodrigues, 51 anos, morador da periferia, é um dos difusores da cultura bike que cresce em Joinville. Ele tem carro próprio, mas prefere investir mais na força das canelas do que nos postos de gasolina: pedala 18 quilômetros diariamente. “É mais rápido, econômico e faz bem”, diz, inconformado com as “fechadas” dos motoristas que não respeitam os ciclistas. E reivindica: “Precisamos de mais ciclovias.” Outro que prefere a bicicleta ao carro é o comerciário Marcos Mira, 56 anos. “Só tiro o carro da garagem em caso de extrema necessidade”, ensina. O uso da bicicleta é tão disseminado na cidade que a PM criou o Grupamento Especializado de Bicicleta, com 27 PEDRO MACHADO

policiais-ciclistas. Todos eles têm rádio e sirene e auxiliam também nas atividades de trânsito e orientação ao público. Niterói, a antiga capital do Estado do Rio

Ao lado à esquerda, o arquiteto Valmir. À direita, comerciário Marcos. Abaixo, pedreiro Paulo

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Objetivos do evento • Refletir sobre os problemas causados pelo modelo de mobilidade centrado no automóvel • Despertar a consciência sobre o uso racional e solidário do automóvel para combater a poluição e reduzir os gastos públicos • Informar sobre alternativas de mobilidade sustentável no planejamento urbano e no uso de combustíveis renováveis e não poluentes • Gerar informação e debates sobre a mobilidade urbana e apontar soluções para os atuais problemas • Conscientizar os cidadãos para a utilização de um transporte alternativo ao carro • Proporcionar aos cidadãos a oportunidade para redescobrirem sua cidade num ambiente mais saudável e aprazível • Estimular novas políticas e iniciativas na área de mobilidade urbana e o desenvolvimento de novas tecnologias.

José Barbosa, 44 anos, técnico em eletrônica, foi ao passeio de Niterói deixa claro qual é a principal utilidade da magrela: o trabalho.

dois filhos. Com 11 e nove anos, eles pedalam diariamente até a escola. “Fico com o coração na mão, mas eles insistem.” A bicicleta robusta com que José Barbosa, 44 anos, técnico em eletrônica, foi ao passeio de Niterói deixa claro qual é a principal utilidade da magrela: o trabalho. Morador da vizinha São Gonçalo, ele já cobriu grandes distâncias com a força das próprias pernas e ensina: “É A médica Maria Cristina Ferraz Gastaldo, 44 anos, participou com seu marido e um de seus dois filhos. Com 11 e nove anos, eles pedalam diariamente até a escola.

preciso equipar a bicicleta corretamente, com espelho e tudo mais.” O “tudo o mais” inclui, no caso, uma imensa buzina e até um rádio na garupa. A anterior, lembra ele, tinha até televi-

móvel e para importância das ciclovias e da bicicleta, que ocupa pouco espaço, não polui e contribui para a saúde”, defende Cláudio SoaCristina Ferraz Gastaldo, 44 anos, participou da manifestação com seu marido e um de seus

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alternativa saudável, a bicicleta, ou pelo menos a do Barbosa, pode ser bastante confortável. Participaram desta reportagem: Marcos Machado (Niterói), João Carlos Mendonça Santos (Joinville) e Janete Carvalho (Vitória)

CARLOS MAGNO

res, diretor da Amazonas. A médica Maria

são no guidão, mostrando que, além de ser uma


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Metrô vira galeria gigante de arte para todos

Beleza nos porões

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Os painéis da obra Quatro Estações, de Tomie Ohtake, dão um toque artístico à estação de metrô Consolação

da metrópole m uma ci-

E

dade onde a força da grana mais destrói do

que constrói coisas belas, qualquer bálsamo para a paisagem é sempre bem recebido pelos habitantes. Uma nesga de beleza é suficiente para provocar alívio nos olhares paulistanos. A preocupação de humanizar o sistema de transportes da metrópole que não pode parar marca a atuação da Companhia Metropolitano de São Paulo desde a inauguração de sua primeira estação, há exatos 30 anos. Esta filosofia originou o projeto Arte no Metrô, atualmente com quase 100 obras de arte espalhadas por 29 das 52 estações da capital. O programa

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é um dos melhores canais de relacionamento

discreta das estações. “No início, a idéia era

com os mais de 2 milhões de passageiros que

artística, mas de embelezamento. Aos poucos,

usam o metrô a cada dia e transformou as li-

foi crescendo a consciência de uma arte públi-

nhas numa imensa galeria de arte contempo-

ca dentro da empresa e entre os técnicos, en-

rânea.

genheiros e arquitetos”, explica Flávia Cutulo,

Ao contrário dos museus convencionais,

diretora de Marketing do Metrô. Até então, o

onde se compra o ingresso e se passam horas

artista executava a obra a pedido da empresa e

admirando o acervo, a galeria espalhada pelos

adotava critérios pessoais de acordo com o lo-

57,6 quilômetros das quatro linhas do metrô

cal escolhido para exibir seu trabalho. Com o

pode ser visitada um pouco a cada dia. E a co-

programa devidamente instituído, houve uma

leção é única. Não deixa nada a desejar aos

integração definitiva e as estações mais novas

acervos de espaços culturais sofisticados da

já são planejadas incluindo a arte em sua pro-

cidade. E muito menos a outros metrôs do

posta arquitetônica. O artista inicia o proces-

mundo. Em Paris, por exemplo, o turista pode

so de criação na planta da obra.

até se impressionar com a estação do Museu

A exemplo de metrôs como o de Bruxelas,

do Louvre, mas as obras em exposição são ré-

foi criada em São Paulo uma comissão consul-

plicas. As do metrô paulistano, além de origi-

tiva composta por representantes do Museu de

nais, foram esculpidas ou pintadas especialmente para o local em que estão exibidas, guardando características apropriadas ao espaço. “Metrô significa rapidez, modernidade, massa populacional, e eu propus o trabalho tendo em vista estas premissas”, confirma a artista plástica Tomie Ohtake. A papisa das artes plásticas brasileira, hoje com 90 anos, concebeu o painel Quatro estações para a Consolação, a última parada no fim da Avenida Paulista. Em quatro painéis, a imagem se repete sucessivamente por 15,4 metros de comprimento. “Fiz um trabalho que pudesse ser visto de toda a plataforma pelos passageiros esperando a composição chegar. O fato de repeti-lo quatro vezes possibilita àqueles que estão dentro do trem verem o trabalho com movimento cinético, pelas janelas”, explica a artista sobre seu trabalho em tésseras de vidro. Quase todas as obras expostas no metrô são de materiais como esse, resistente e de conservação fácil. A obra de Tomie faz parte de uma primeira etapa do projeto Arte no Metrô, cuja intenção inicial era quebrar um pouco a deselegância

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Arte de São Paulo, da Pinacoteca do Estado,

esse foi o berço da Semana de 22. Bem no meio

do Museu de Arte Moderna e da Associação

da plataforma, o passageiro é recebido por uma

Brasileira de Artes Plásticas, entre outros, para

escultura de quase três metros assinada por

avaliar e escolher artistas. Empresas privadas

ninguém menos do que o ceramista pernam-

foram convidadas a apoiar o projeto, que co-

bucano Francisco Brennand. Depois, é convi-

meça a alterar a paisagem da cidade. Uma das

dado a entrar no Masp por um painel de Wesley

estações mais novas, a Sumaré, construída so-

Duke Lee, um dos primeiros brasileiros a tra-

bre a avenida de mesmo nome, mudou o visual

balharem com pop art. O artista faz seu convite

dessa importante via da Zona Oeste da capital

com dois painéis de mais de dois metros de

graças à instalação Poema, obra do artista Alex

comprimento, nos quais foram dispostas ima-

Flemming. Agora, quem desembarca na Sumaré

gens de 120 obras brasileiras de diferentes épo-

ou passa pela avenida depara com 44 painéis

cas. Digitalizadas e impressas, as peças reú-

de vidro, de 1,75 x 1,25 metro, que servem de

nem símbolos dispostos em quatro planos –

parede à plataforma e são visíveis interna e ex-

século XVII ao fundo, século XVIII no terceiro

ternamente. É a apoteose de uma concepção

plano, século XIX no segundo e século XX no

artística das estações que começou com a da

primeiro – que revelam a diversidade das artes

Praça da Sé, marco zero de São Paulo, trans-

nacionais.

formada em museu ao ar livre. É claro que nenhuma outra estação poderia

Se no Trianon-Masp as obras encantam turistas, nas estações mais distantes elas ameni-

PAULO GIANDLLIA

ganhar da Trianon-Masp em termos de obras de arte. Como em todas as metrópoles do mundo, São Paulo também caprichou na estação de seu museu mais invejável. Afinal de contas,

Quem passa pela estação do Sumaré pode avistar a instalação Poema, do artista Alex Flemming, composta por 44 painéis de vidro

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PAULO GIANDLLIA

Na estação Trianon-Masp, o painel de Wesley Duke Lee reúne imagens de 120 obras brasileiras de diferentes épocas e a escultura é assinada pelo pernambucano Francisco Brennand

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zam o cansaço de quem, muitas vezes, viajou

acesso às bilheterias. E Gilberto Salvador che-

horas para chegar em casa no fim de mais um

gou ao extremo da região sul, na estação Largo

dia de trabalho. A arte vai até bairros longín-

13, com seu painel em cerâmica, por ironia

quos da imensa São Paulo. Aldemir Martins

intitulado Vôo da aproximação – uma imagem

desembarcou no Tatuapé com seu Inter-relação

que remete àquela sensação de liberdade que

entre o campo e a cidade, admirado por aqueles

só têm os pássaros de asas abertas, como o

paulistanos adotados que deixaram a roça nor-

pintado pelo artista na parede de acesso ao ter-

destina para tentar a sorte no sul. Gontran

minal de ônibus, uma visão poética para o

Guanaes Netto foi até Itaquera expor seus oito

paulistano que ainda precisa continuar a via-

painéis A catedral do povo logo no corredor de

gem para além de Capão Redondo.

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Ônibus do Brasil conquistam o mundo P O R

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Todo mundo sabe que o Brasil

Segundo a Associação Na-

é um dos maiores produtores

cional dos Fabricantes de

e exportadores de soja, miné-

Carrocerias

rio de ferro, suco de laranja e

(Fabus), das 21.381 unidades

jogador de futebol, entre ou-

produzidas em 2003, 7.013

tras dádivas da natureza generosa dos trópi-

foram exportadas. A rota de

cos. Mas você sabia que um terço de todos os

fuga para o exterior começou

ônibus fabricados no país são dirigidos por

a ser planejada em meados dos

motoristas que não falam português? Os cole-

anos 90. A falta de incentivos

tivos made in Brazil andam conquistando o

fiscais e linhas de créditos

mundo. Dos Estados Unidos à China, passan-

competitivas, além de uma

do pelos países do Mercosul, os fabricantes

concorrência desleal com

nacionais de carrocerias de ônibus elegeram as

transportes ilegais e a aprova-

exportações como uma rentável rota de fuga

ção de gratuidades na passagem, criaram uma

para a produção nacional, cujas vendas já che-

situação de estagnação para o setor. A alterna-

gam a nada menos do que 80 países. São ame-

tiva, em vez do recuo, foi empurrar o pé no

ricanos, espanhóis, árabes, africanos, latino-

acelerador e aumentar a velocidade das expor-

americanos e orientais que estão ao volante

tações. Deu certo: as vendas para fora quadru-

desses veículos.

plicaram. As exportações pularam de um pata-

E

No início dos anos 90, quando se intensificou o processo de abertura econômica no Bra-

para

Ônibus

mar de 8,3% da produção, nos anos 90, para 32,8%, atualmente.

sil, um sentimento de pânico tomou conta do

A Marcopolo, o maior fabricante nacional,

empresariado nacional. Todos temiam o

exporta 43% da sua produção. Só que o impac-

sucateamento da produção e alegavam que o

to financeiro das atividades no exterior é ainda

país não teria condições de enfrentar a concor-

maior. A exportação para cerca de 80 países e

rência externa. Teve até quem pensasse que o

mais quatro fábricas espalhadas pelo México,

Brasil retrocederia algumas décadas, voltando

Colômbia, África do Sul e Portugal são res-

aos tempos da economia agrária. O tempo pas-

ponsáveis por 50% da receita da empresa. E a

sou e, em vez de andar para trás, o Brasil con-

Marcopolo quer mais. De olho no mercado asi-

quistou novos mercados. As carrocerias de

ático, já instalou um escritório em Pequim, na

ônibus brasileiras ainda não atingiram o status

China. Em agosto último, uma missão empre-

de commodities, mas fabricantes nacionais como

sarial esteve visitando os chineses. A China,

Marcopolo, Busscar, Comil e Induscar entra-

dona de um produto interno bruto de US$ 1,5

ram para a elite dos sete maiores exportadores

trilhão, três vezes o PIB brasileiro, está ávida

mundiais.

por investimentos estrangeiros. A Marcopolo

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decidiu surfar na onda oriental e expatriou cin-

lamenta que o sucesso conquistado pelo setor

co funcionários para prospectar mais alterna-

no além-mar não se reflita no Brasil.

tivas de investimentos no continente dos

porte coletivo. Ruas esburacadas, inexistência

mandarins.

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Aqui tudo parece conspirar contra o trans-

As possibilidades passam pela abertura de

de vias expressas para os ônibus e congestio-

uma fábrica própria ou pela assinatura de con-

namentos brutais nos grandes centros urba-

tratos de transferência de tecnologia. A

nos são indícios claros, na opinião dos empre-

Marcopolo já fornece componentes para uma

sários do setor, de que o poder público não

joint-venture da Iveco, do grupo italiano Fiat,

está dando a devida importância ao transporte

com uma empresa de ônibus chinesa, a

de massa. O resultado é que, com a falta de

Changzhou Bus Company (CBC). Até o fim

investimentos, os 300 mil ônibus que com-

do contrato, que começou em 2001 e termina

põem a frota nacional começam a se deteriorar.

em sete anos, a empresa não pode abrir novas

A idade média dos ônibus que andam circu-

frentes de trabalho. “O mercado asiático é es-

lando pelo país chega a sete anos, quando o

tratégico para nós”, avalia o diretor de Rela-

ideal seriam quatro anos de vida útil. “A situa-

ções com os Investidores da empresa, Carlos

ção está crítica. Sem providências urgentes,

Zignani. A Marcopolo deverá fechar o ano com

nosso sistema de transporte irá se deteriorar

uma produção de 15,5 mil unidades, contra os

ainda mais. Isso não é justo com a população

14.362 ônibus fabricados em 2003. Zignani só

pobre, a que mais precisa dos tranportes pú-

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


blicos”, ressalta o presidente da Associação

acoplamento de carrocerias no México, sejam

Nacional dos Fabricantes de Carrocerias para

provenientes das exportações. “Estamos con-

Ônibus, José Antonio Martins.

quistando o mercado lá fora”, comemora o pre-

Não é só o segmento de carrocerias de ôni-

sidente da empresa, Deoclécio Corradi. Só que

bus que amarga as dificuldades do mercado in-

até a expansão das exportações, motivo de or-

terno. “Durante os dois mandatos do presiden-

gulho nacional para o setor, também está vi-

te Fernando Henrique Cardoso, o setor de bens

rando uma preocupação a mais para os empre-

de

penalizado”,

sários: a estrutura logística, sobretudo nos por-

contextualiza o assessor das áreas de Operações

capitais

foi

bastante

tos brasileiros, está deixando o setor em esta-

Indiretas e Administrativa do BNDES, Samy

do de alerta.

Moscovitch. Apesar de classificar como justas as reivindicações do setor, Moscovitch não alimenta ilusões de que a situação possa se nor-

Porto, o gargalo nacional

malizar em um curto prazo. “Não se reergue uma indústria da noite para o dia”, pondera.

O gargalo da infra-estrutura é uma ameaça real

A falta de incentivo no mercado interno

às exportações brasileiras. Não bastassem os

acaba levando as empresas a exportarem ôni-

juros altos e a sobrecarga de impostos, os por-

bus tecnologicamente mais avançados do que

tos brasileiros estão saturados. A situação só

aqueles vendidos no Brasil. Não é para menos.

não é explosiva porque a economia continua em

Na queda-de-braços com as vans, por exem-

marcha lenta, mas, se até o fim da década o pro-

plo, os ônibus perderam cerca de 30% dos pas-

duto interno bruto (PIB) brasileiro recuperar

sageiros. Isso sem falar na obrigatoriedade de

forças e voltar ao ritmo sonhado de 4,5% de

liberar o preço das passagens para estudantes,

crescimento ao ano, como projetam um núme-

idosos, policiais militares e oficiais de Justiça.

ro cada vez maior de analistas, o país estará di-

Segundo dados da Associação Nacional dos

ante do que o linguajar popular definiria apro-

Transportadores Urbanos, a gratuidade atinge

priadamente como sinuca de bico. A situação é

35% da lotação dos ônibus. Enquanto a situ-

tão grave que vem sendo apontada pelos empre-

ação no mercado interno não melhora, as em-

sários como um entrave ainda maior do que as

presas expandem seus negócios lá fora.

barreiras comerciais levantadas pelos países ri-

A fábrica da Comil, em Erechim, Rio Gran-

cos aos produtos das nações emergentes. A

de do Sul, teve de contratar mais 200 emprega-

infra-estrutura nacional, do jeito que está, não

dos para dar conta de um contrato assinado

agüenta o rojão e poderia entraria em colapso.

com a Arábia Saudita no segundo semestre

O dignóstico é do Centro de Estudos Logísticos

deste ano. As 273 unidades que serão

da Coordenação de Pós-Graduação em Econo-

embarcadas para o paraíso dos petrodólares

mia e Administração (Coppead), da Universida-

permitiram que a empresa atingisse a meta de

de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

exportações de 2004 com quatro meses de an-

Cada dia de atraso nas exportações traz pre-

tecedência. Até agosto último, a Comil já ti-

juízos incalculáveis para as empresas nacionais.

nha exportado 700 carrocerias. A produção to-

A Comil, por exemplo, quase perdeu um con-

tal prevista para 2004 é de 2.250 unidades. Cal-

trato assinado com Cuba, no ano passado. O

cula-se que entre 55% e 60% do faturamento

orçamento do embarque, feito em setembro de

da empresa, que tem uma fábrica de

2003, dobrou três meses depois, quando a

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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e

c

o

n

o

m

i

a

mercadoria estava para entrar no navio no Por-

presidente da Fabus, José Antonio Martins,

to de Santos. Como a empresa se recusava a

reinvidica do governo a criação de um progra-

pagar o sobrepreço, por pouco o governo cuba-

ma de financiamento semelhante ao dos seg-

no não ficou sem o produto. Os ônibus só fo-

mentos agrícola e de carga, o Moderfrota e o

ram embarcados em março deste ano e, mesmo

Modercarga, respectivamente. A linha de cré-

assim, tiveram de seguir até o porto do Paraná.

dito já tem até nome: seguindo a tendência,

A situação é crítica. Falta tudo nos portos bra-

foi batizada de Moderbus. Só falta agora ser

sileiros: de navios a contêiners, passando por

aprovada. Os empresários reivindicam que o

vagões e diversos equipamentos para movimen-

BNDES financie 100% do preço do ônibus, li-

tar a carga. Não há espaço suficiente para es-

berando recursos para serem pagos num prazo

tacionamentos de caminhões e o congestiona-

de 72 meses, com juros anuais de 12%.

mento e atraso viraram rotina, dificultando a vida de quem exporta.

“Seria um oxigênio para o setor”, define Martins, comentando que o presidente Lula

A empresa de consultoria Booz Allen Ha-

teria ficado surpreso em saber que o mercado

milton identificou 358 gargalos nacionais em

nacional de ônibus parou de crescer. “Disse

áreas vitais para o crescimento. O estudo não

para ele que os fabricantes se voltaram para as

é novo, mas a situação continua a mesma. Foi

exportações”, relata. Mesmo considerando que

feito para o governo Fernando Henrique Car-

os setores agrícola e de carga são fundamen-

doso no fim dos anos 90. Alguns problemas

tais, Martins não vê motivo para o segmento

foram considerados tão graves que, por isso,

de ônibus não receber o mesmo tratamento.

não poderiam esperar muito tempo. E conti-

“Afinal, cerca de 80% das pessoas que se mo-

nuam esperando. É o caso do Porto de Santos.

vem na superfície utilizam o transporte coleti-

Segundo a Booz Allen, seriam necessários R$

vo. Somos um setor estratégico.” Apesar dis-

6 bilhões para ampliar a capacidade do porto

so, os fabricantes nacionais pagam mais im-

para atender à crescente demanda de exporta-

postos do que outros setores. Os aviões, por

ções. Os problemas foram apontados e a maio-

exemplo, utilizam combustível subsidiado e

ria das soluções continua no papel.

não pagam ICMS. Os táxis são isentos da contribuição para o financiamento da seguridade social, o cofins, enquanto os ônibus pagam

Fabricantes de ônibus querem linha de crédito

ICMS que oscilam de 6% a 17%. Pelos cálculos da Fabus, o Moderbus iria incrementar a produção nacional entre 20% e

10

São pedidos e mais pedidos da Associação Na-

25% ao ano, o que daria uma média de 4 mil

cional dos Fabricantes de Carrocerias para

ônibus novos por ano. A expansão do setor

Ônibus (Fabus) sobre a mesa do presidente

ainda poderia gerar 5 mil a 6 mil empregos di-

Luiz Inácio Lula da Silva. A solicitação tam-

retos somente junto aos fabricantes de

bém já chegou ao gabinete do presidente do

carrocerias e chassis. “O Moderbus geraria um

Banco Nacional de Desenvolvimento Econô-

círculo virtuoso de crescimento.” A reivindi-

mico e Social (BNDES), Carlos Lessa, e aos

cação está em estudo no BNDES, mas antes de

ministros das Cidades, Olívio Dutra, e do De-

decidir se vai aceitá-la o banco deverá anunciar

senvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz

uma linha de crédito para o setor de máquinas

Fernando Furlan. Faz mais de um ano que o

e equipamentos, o Modermaq.

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


i

d

é

i

a

Marcos Bicalho dos Santos e Alexandre Asquini

A mobilidade urbana precisa da Cide O Brasil desenvolveu e con-

te Expresso Urbano (TEU), em plena gestação

tinua aperfeiçoando um reper-

na ANTP. Esse conjunto de soluções, no en-

tório razoavelmente sofistica-

tanto, tem tido sua aplicação limitada, justa-

do de soluções técnicas para a

mente em razão da escassez e, sobretudo, da

mobilidade nas cidades. Nos-

descontinuidade do fluxo de recursos para a

sos maiores sistemas de me-

infra-estrutura do transporte público urbano

trô acompanham o padrão in-

de passageiros. Duas questões importantes se

ternacional. Aos poucos, es-

insinuam. De onde poderão vir esses recursos?

tamos recuperando os trens.

E como fazer para que tenham sustentabilidade

Temos know-how e cabedal in-

no tempo?

dustrial para produzir ônibus

Há um ano, quando foi lançado, o Movi-

de aceitação nos principais

mento Nacional pelo Direito ao Transporte

mercados do mundo. E reve-

Público de Qualidade para Todos (MDT) apon-

lamos razoável criatividade

tou o caminho, sistematizando uma série de

com as experiências de corre-

propostas que vinham sendo debatidas por téc-

dores exclusivos em Curitiba,

nicos, economistas e parlamentares. Essen-

Porto Alegre e São Paulo, sem

cialmente, a tese é de que o transporte público

falar na proposta do Transpor-

urbano, por afetar diretamente a vida de pelo

Marcos Bicalho dos Santos é engenheiro e mestre em Ciências e Engenharia de Transportes e diretor Superintendente da NTU Alexandre Asquini é jornalista assessor do MDT

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 1


menos metade da população do país, e por sua

mente federais, os quais não

importância para a economia nacional, não seja

poderiam ser aplicados no

encarado meramente como um negócio, deven-

transporte coletivo municipal

do, como preconiza a Constituição, ter o tra-

ou metropolitano. Uma mobi-

tamento e também recursos permanentes con-

lização de lideranças do trans-

dizentes com sua condição de serviço públi-

porte público urbano conse-

co essencial, equiparável à educação e à saúde.

guiu reverter o quadro, geran-

O MDT afirma ser um contra-senso que a infra-

do um acordo com aqueles que

estrutura pública capaz de garantir a mobili-

queriam toda a verba para a

dade urbana conte exclusivamente com recur-

implantação e recuperação de

sos municipais para financiar sua expansão e

estradas. Pelo acordo, um

qualificação e quer que o Governo Federal e os

quarto do que fosse arrecada-

governos estaduais participem efetivamente

do pela Cide deveria ser em-

desse processo.

pregado para melhorar os sis-

A proposta é que, nas três esferas, sejam

temas de transporte coletivo

constituídos fundos públicos específicos, ali-

nas cidades. Em 2002, a regu-

mentados com recursos diversos, dos quais o

lamentação da Cide por uma

principal é a Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide), “inCidente” sobre a importação e comercialização de petróleo e seus

A mobilização das lideranças

derivados e álcool etílico combustível – o que não deixa de ser uma forma de fazer com que os proprietários de veículos particulares financiem mo-

do transporte público conseguiu fazer com que

dos de mobilidade socialmente muito mais justos. Criada

um quarto dos recursos

por emenda constitucional no fim de 2001, a Cide foi saudada pelo setor como uma forma de recuperar o investimento governamental perdido ao

arrecadados pela Cide fosse empregado para melhorar

longo dos anos. Quando estava sob o exa-

os sistemas de transporte

me do Senado, muitos parlamentares entendiam que essa emenda viria instituir uma

coletivo nas cidades

fonte de recursos exclusiva-

AGOSTO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

13


i

d

é

i

a

lei federal chegou a ser come-

que viria a ser o Ministério das Cidades. As

morada como vitória, mas essa

conseqüências daqueles vetos persistem, mas

lei acabou parcialmente veta-

no fim de 2003 o Supremo Tribunal Federal

da no apagar das luzes do go-

julgou parcialmente procedente uma Ação Di-

verno Fernando Henrique Car-

reta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Con-

doso, com anuência da equipe

federação Nacional do Transporte (CNT), con-

que se preparava para configu-

firmando que os recursos da Cide somente po-

rar o governo Lula.

dem ser utilizados para financiar a infra-estru-

Foram vetados os disposi-

tura de transportes, em projetos ambientais

tivos que determinavam a des-

afetos à indústria do petróleo e do gás e para

tinação de 75% dos recursos

subsidiar combustíveis e gás.

da Cide a para composição do

Essa decisão do STF foi uma outra vitória,

Fundo Nacional de Infra-es-

mas em termos – porque a decisão não impe-

trutura de Transportes (FNIT)

de o governo de não gastar os recursos. Por

e que garantiam que pelo me-

conta disso, a equipe econômica mantém os

nos 25% dessa verba fosse en-

recursos da Cide “na geladeira”, como parte

caminhada a projetos de trans-

do lastro para o superávit primário acerta-

portes urbanos e metropolita-

do com o FMI. A Confederação Nacional do

nos, sob responsabilidade do

Transporte (CNT) estima que, desde 2001, o Governo Federal tenha recolhido cerca de R$ 18 bilhões com a Cide e gasto, “com pleno conhecimento da socieda-

A CNT estima que, desde

de”, menos de R$ 3 bilhões. No fim de junho último, o

2001, o governo federal tenha recolhido cerca de

presidente Lula sancionou uma lei que complementa a regulamentação da Cide, definindo a partilha com os estados, o Distrito Federal e os

R$ 18 bilhões com a Cide

municípios, entes federados que ficarão, no seu conjunto,

e gasto, “com pleno conhecimento da sociedade”,

com 29% do que for arrecadado com a contribuição. A nova lei assinala que os recursos a serem repassados pela União deverão ser aplicados obriga-

menos de R$ 3 bilhões

toriamente no financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.

14

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 1


Essa lei não é exatamente uma garantia de que os recursos de fato chegarão ao seu

O MDT quer que a União se

destino. Conseguir que essa distribuição se cumpra depen-

comprometa a fazer com que

de de intensa mobilização política, com a busca de compromissos consistentes. O MDT quer que a União se comprometa a fazer com que pelo

pelo menos 25% da parte que lhe cabe da Cide seja efetivamente

menos 25% da parte que lhe cabe da Cide seja efetivamen-

empregada em transporte

te empregada em transporte público coletivo urbano e metropolitano. Dos estados, a

público coletivo urbano

exigência é de 50% e dos municípios, simplesmente toda a verba. O esforço começa a dar resultado. O gover-

Apesar dos primeiros êxi-

no paulista foi um dos primeiros a anunciar que

tos, o MDT sabe que o cami-

adere à proposta do MDT e afirmou a intenção

nho é longo, pois logo será

de destinar pelo menos a metade da parte que

preciso conquistar para sua

lhe cabe para os sistemas metropolitanos sobre

causa a maioria dos prefeitos

trilhos, estimando que, em 2004, R$ 130 mi-

que se elegerem em outubro.

lhões irão para esse setor, sendo R$ 80 milhões

E mais: mesmo depois que o

para os trens metropolitanos e R$ 50 milhões

dinheiro da Cide estiver dis-

para o Metrô. A destinação de recursos federais

ponível para investimentos

para o transporte público urbano a fundo perdi-

nos municípios, será preciso

do não aconteceu por quase duas décadas. Nesse

acompanhar sua utilização. Há

meio-tempo, o governo paulista chegou a asse-

dois temores básicos. Um de-

gurar verbas para o sistema metropolitano de

les é de que a verba possa ser

transporte sobre trilhos, redirecionando recur-

desviada para obras viárias, be-

sos oriundos do Imposto sobre a Propriedade de

neficiando mais o automóvel

Veículos Automotores (IPVA). Com isso, conse-

do que o transporte coletivo.

guiu melhorar consideravelmente a qualidade

Outro receio é de que o admi-

dos trens que atendem a Região Metropolitana

nistrador substitua, com os

de São Paulo. Também já anunciaram que utili-

recursos da Cide, a verba que

zarão o dinheiro da Cide em transporte público

antes aplicava no transporte

as prefeituras de Maceió, Patos de Minas (MG) e

público, simplesmente zeran-

Piracicaba (SP).

do o jogo.

AGOSTO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

15


e

x

p

r

e

s

s

a

s

A 11ª edição do tradicional

Música sobre trilhos

Congresso sobre Transporte

Uma viagem de trem com música ao

de Passageiros (Etransport),

vivo e serviço de bar a bordo é a pro-

realizado a cada dois anos

posta do projeto Música no Trem Elé-

pela Fetranspor, acontece

trico, em Salvador, que faz o trajeto

nos dias 10, 11 e 12 de no-

Calçada-Paripe-Calçada um domingo

vembro, na Marina da Glória,

por mês. As próximas atrações acon-

no Rio de Janeiro. Os temas

tecem dia 14 de novembro, com o Trem no Quintal

a serem debatidos incluem

do Samba, e em 19 de dezembro, com o Trem de Natal.

mobilidade, investimento em

Parceria cultural da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU)

transporte coletivo, baratea-

com o Movimento Trem de Ferro/Ver de Trem, o projeto já promo-

mento de tarifas e meio am-

veu eventos como Memória do Carnaval, Forró no Trem e homena-

biente. Entre os palestran-

gens a Assis Valente e Raul Seixas. Os ingressos para a viagem

tes confirmados, está o jor-

custam R$ 10 e crianças até 13 anos pagam meia.

nalista Arnaldo Jabor, que abordará o tema “Transpor-

ser feitas pelo site da Fe-

Novo Programa de Transportes Urbanos em Brasília

deração,

endereço

Na primeira reunião oficial entre representantes do Governo do

www.fetranspor.com.br. Pa-

Distrito Federal e do Banco Interamericano de Desenvolvimento

ralelamente ao congresso

(BID) para discutir o Programa de Transportes Urbanos do Distri-

será realizada a 5ª Feira Rio

to Federal, foram feitas análises de viabilidade técnica, econômi-

Transportes (Fetransrio), que

ca, financeira e ambiental. O objetivo do programa, que terá inves-

vai expor as novidades em

timentos da ordem de US$ 246 milhões, é implantar inovações no

tecnologia, produtos e ser-

sistema operacional, com corredores exclusivos para o transpor-

viços voltados para o seg-

te coletivo, integração entre ônibus e metrô, instalação de contro-

mento.

les eletrônicos de tráfego, intervenções viárias, alargamento de

te público: qualidade e imagem”. As inscrições podem no

vias, criação de ciclovias e renovação da frota de ônibus, entre outras medidas que permitam uma substancial melhoria do setor de transporte urbano da capital.

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


Europa em busca de soluções sustentáveis Que ações podem contribuir para um transporte urbano sustentável? O desafio estará em debate na conferência Towards

Sustainable Urban Transport: What Actions Are Needed?, promovida pela Associação Internacional de Transportes Urbanos (UITP) em Bruxelas, no dia 25 de novembro. Como mais de 80% dos cidadãos europeus vivem em áreas urbanas, sofrendo os efeitos do excesso de carros particulares, a conferência vai promover uma troca de informações entre os novos legisladores da União Européia com o objetivo de estimular o desenvolvimento de soluções para a mobilidade urbana sustentável nas belas cidades do velho continente.

Notícia charmosa Se realmente for cumprido, o anúncio do governo fluminense de que aplicará R$ 17 milhões na reforma do sistema de bondes de Santa Teresa será motivo de festa para cariocas e turistas do mundo inteiro que lotam os bed and breakfast espalhados por suas ladeiras. Apesar do crescimento das favelas e da desvalorização imobiliária provocada pela violência, o bairro mais charmoso do Rio de Janeiro ainda concentra o maior número de artistas por metro quadrado da cidade. A promessa marcou a CARLOS MAGNO

comemoração dos 108 anos do serviço de transporte mais antigo em operação no estado. Para a reforma, com duração de seis meses, e a recuperação das linhas, em um ano, serão utilizados os recursos de um convênio com o Banco Mundial para duplicar o número de bondes. Serão recuperados 14 deles e reativada a linha para a Rua do Riachuelo, paralisada há 40 anos. O valor a ser liberado pelo BIRD é resultado da economia que o Governo do Estado fez na compra de 23 trens financiados pelo banco e adquiridos por R$ 240 milhões a menos do previsto. Como não há peças de reposição no mercado, elas precisam ser confeccionadas especialmente, como as milhares de obras de arte inspiradas nos bondinhos e em sua passagem pelos Arcos da Lapa. O intervalo de tempo entre cada bonde passará de 15 para 10 minutos e o número de passageiros deverá dobrar, chegando a seis mil/dia.

OUTUBRO 2004

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eentrevista n t rKATIA e BORN v i s

t

a

KATIA BORN A ampliação da autonomia dos municípios e a reestruturação dos espaços urbanos são princípios sagrados da Frente Nacional de Prefeitos, presidida pela corajosa prefeita de Maceió, Katia Born (PSB). É com coragem que essa alagoana, ex-presidente do sindicato estadual dos previdenciários e militante de movimentos em defesa da mulher, tem enfrentado os desafios da frente, especialmente na luta em defesa da inclusão social nos transportes públicos. A FNP defende a desoneração das tarifas e a aplicação dos recursos da Cide onde devem ser aplicados. Katia cobra da Petrobras que aposte no crescimento do país, desonerando o óleo diesel. Ela reconhece a preocupação com a crise no Oriente Médio, mas é firme: “se o País for se preocupar só com a questão internacional, não conseguirá resolver seus desafios domésticas para tomar o rumo do crescimento.”

Katia Born:

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


O RL A S Q N I P O R PA E LNE CX A A NR D R I E Z IA D O UR I O

Batendo na tecla do crescimento econômico O que a Frente Nacional de Prefeitos tem feito pelo barateamento e pela qualificação do transporte público? O problema do transporte hoje no Brasil é a falta de acessibilidade para todos. Se a gente não tratar o transporte coletivo como prioridade número um, como é que este país vai crescer? O desempregado não tem condições de pegar um transporte porque o valor é muito alto e o empregado pega um transporte de má qualidade, onde as vans, kombis e táxis-lotação invadem as cidades. Então, para a Frente Nacional de Prefeitos, a questão do transporte é o item número um da pauta. Começamos a tratar disso desde a audiência de maio do presidente Lula com os 24 prefeitos de capitais, em Goiânia. O presidente disse que também era essa a prioridade do governo federal e eu acredito no propósito dele. Há três meses temos desenvolvido uma agenda de trabalho com a Petrobrás, a Agencia Nacional de Petróleo (ANP), o Fórum Nacional dos Transportes Coletivos, a Comissão de Transportes da Câmara, presidida pelo deputado Jackson Barreto, e a Comissão de Transportes do Senado, pelo senador Ramez Tebet. É uma agenda que se nacionalizou, alcançando todos os setores da sociedade. Estamos aguardando para os próximos dias uma nova audiência que solicitamos com o presidente. Em agosto a senhora defendeu que a Petrobras restituísse aos usuários R$ 1,5 bilhão do lucro obtido em 2003 com o uso do diesel no transporte público. O lucro total foi R$ 17 bilhões. Sua proposta caminhou? O ministro Olívio Dutra, das Cidades, me disse que o Ministério está concluindo um relatório para encaminhar ao presidente da República. Não adianta a Petrobras pensar em lucro quando a sociedade, aqueles que pagam,

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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entrevista KATIA BORN

não estão pensando no lucro, mas em fazer crescer o País para, depois, a Petrobras ter lucro. Dentro dessa análise que fazemos com a sociedade civil organizada, esperamos uma reflexão do Ministério das Minas e Energia, a única área resistente do governo. Temos de mostrar a eles que, no momento em que você barateia o diesel para o transporte coletivo, a tendência do País é crescer e arrecadar mais. Não tenho dúvida nenhuma de que é um pequeno sacrifício neste momento leva a um grande crescimento depois. Sei que há um temor por causa da situação no Oriente Médio, mas se o País for se preocupar só com a questão internacional não conseguirá resolver seus desafios domésticas para tomar o rumo do crescimento. Qual sua opinião sobre a tarifa horo-sazonal, que taxa com mais vigor o consumo maior de energia elétrica no horário de pico, quando os trens levam os trabalhadores de volta para casa? Temos três linhas de atuação: os problemas do gás, do diesel e da energia. O governo federal tem de tratar de tudo que diz respeito ao transporte coletivo para os trabalhadores. As tarifas devem ser reduzidas para o transporte de quem produz a economia deste país. Nós, da Frente Nacional de Prefeitos, defendemos que a energia para transporte tenha um preço diferente da energia para produção. Se o governo separar essas coisas, falaremos a mesma linguagem, que é a do crescimento econômico.

“As vans devem ser incorporadas, de forma coordenada e regulada, às redes de transporte. O chamado pacto federativo, que vem sendo desenvolvido desde o fim do ano passado, abriu um diálogo da União com os municípios e propiciou alguns documentos referentes à mobilidade nas cidades, mas já produziu algo concreto? Já tivemos grandes avanços na educação e no ISS. Conseguimos que os recursos do Fundo Nacional de Transporte Escolar sejam colocados diretamente na conta para os municípios e que os depósitos judiciais fossem liberados. Mas estamos empacados desde julho na agenda do transporte. Essa agenda deveria ser tratada como prioritária pelo governo porque há uma consciência sobre a sua importância em todos os setores, inclusive os que trabalham dentro do pacto federativo. Vamos continuar batendo nessa tecla. A senhora tem criticado as gratuidades e já disse que sua Guarda Municipal paga as passagens de seus integrantes. Quais suas críticas ao sistema atual de gratuidades? Os usuários não podem pagar as

26

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


gratuidades. É preciso haver fundos em que entrem a CIDE, impostos. Os municípios não podem aumentar as tarifas do transporte público para subsidiar gratuidades. É muito fácil fazer uma lei pela qual os pagantes têm de pagar pelos não pagantes. Como a Frente Nacional de Prefeitos vai atuar para conquistar os prefeitos eleitos ou reeleitos para a bandeira do uso dos recursos da Cide nos transportes? Nos dias 9 e 10 de novembro a Frente Nacional de Prefeitos fará em Brasília uma reunião com todos os prefeitos de capitais e regiões metropolitanas. Será o primeiro encontro desse tipo e o ponto principal de pauta é justamente o transporte público coletivo urbano. Vamos trazer governadores e o governo federal para essa nossa agenda. Se a gente pode baratear o transporte usando a Cide, porque não fazer isso? A mobilização continua. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal podem ajudar por intermédio das suas comissões. O MDT também tem contribuído e vai continuar contribuindo porque defende aquele que paga, o usuário.

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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c

a

p

a

A rua e a vida na tragédia brasileira Falta de acesso aos transportes públicos aprofunda a exclusão

POR S I L V I O

R O B E R T O

R A B A Ç A COM

V E R A

social

miséria sempre carimbou os

de terra, saúde, educação e até de agasalhos.

capítulos da história do Brasil,

Pouco se tem falado, no entanto, sobre um dos

mas nunca o tema da exclusão

maiores dramas urbanos: a privação do direito à

foi tão esmiuçado pela inteli-

locomoção. Impotentes diante de um sistema

gência brasileira. A cruzada de Betinho contra a

de transporte coletivo sem subsídios e com tari-

fome nos anos 90 parece ter aberto os olhos de

fas inacessíveis, milhões de cidadãos ficam sem

uma nação que insistia em se ver distorcida no

chance de competir simplesmente por não po-

espelho como um gigante às vésperas do futuro

derem pegar um ônibus ou um trem para buscar

grandioso. Identificado o pecado nacional – que

emprego.

A

20

condena 55 milhões de brasileiros –, o poder

O preconceito ensina a classe média a ver a

público, os estudiosos e uma parte considerá-

crescente população que dorme nas calçadas

vel do empresariado se debruçam sobre idéias

como um conjunto homogêneo de cidadãos

para curar a chaga da exclusão. São comuns as

diferentes, espécie de casta nascida para não

campanhas contra a fome e a falta de habitação,

entrar em campo. Enxergá-los como pessoas

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2

S A S T R E


FABRIZIA GRANATIERI

“Ficar limpo e cheiroso é normais, com as mesmas carências físicas e pretensões emocionais de qualquer um, é um grande desafio social. Foi com este olhar e a lente de sua câmera analógica que a fotógrafa

bom. Ainda mais que na rua a gente é esculachado a

carioca Fabrizia Granatieri, 29 anos, saiu às

toda hora e se a gente ainda

ruas de sua cidade para captar a vida desses

estiver sujo, as pessoas nem

brasileiros. Em dois anos de trabalho voluntário, foram mais de 600 fotos, com 24 selecionadas para a exposição Sua rua, minha vida, organizada pela ONG Médicos Sem Fronteiras nas estações do Metrô do Rio. A exposição, que emociona pela plasticidade das imagens e sensibilidade dos depoimentos, mostra os momentos vividos pelos personagens ao longo do dia.

olham. Se a gente estiver sujo, a comunidade em volta esquece que a gente existe” GILBERTO SANTOS, 46 ANOS

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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a

“Eu cato papelão. Fico na rua de segunda a sábado pra trabalhar. Não dá pra voltar Já passou pelo Museu da República e pelo Centro Cultural da Saúde, ambos no Rio, até iniciar uma peregrinação pelas estações do Metrô. Começou em agosto na estação Carioca, no Centro, chegou em setembro à Arcoverde, Copacabana, e em novembro estará na estação terminal Siqueira Campos, no mesmo bairro. “Se a gente pagar a passagem, acaba não sobrando dinheiro pra comer”, depõe o catador Adilson Lima Nascimento, 31 anos, morador do subúrbio de Costa Barros. A exposição mostra mulheres e homens que trabalham como Adilson e abrem para o público não só a dor, mas também a incrível capacidade de encon-

pra casa todo dia. A passagem é muito cara. Se a gente pagar a passagem, acaba não sobrando dinheiro pra comer. Por dia eu pego entre dez e quinze quilos de papelão. Mas isso não dá nada porque o quilo do papelão está quinze centavos”

trar graça na dureza da rotina. Maria Auxiliadora Peçanha da Silva, 65 anos, também catadora,

ADILSON LIMA NASCIMENTO, 31 ANOS

arriscou até uns versos para enfeitar a exposição: “Vida triste tão cruel. Uma mulher que cata papel. Minha profissão é um buraco. Só posso ir para casa depois que encher o saco.” Há quem veja o morador de rua como um

22

cidadão que nasceu assim ou, pior, fez uma op-

O higiênico Gilberto, a poetisa Maria Auxi-

ção pela vida sem aconchego. Os personagens

liadora e o catador Adilson fazem parte do mes-

de Fabrizia despem o equívoco do senso comum.

mo grupo social vítima do massacre nas ruas

Muitos são ex-empregados, como o pedreiro Gil-

de São Paulo em agosto. Pelo menos seis mo-

berto Rangel, 46 anos, quatro filhos, fotografa-

radores de rua foram mortos com golpes na

do enquanto se banhava na fonte do Museu de

cabeça, um episódio macabro que chocou o país

Arte Moderna. Sem dinheiro para a condução,

e acionou o sinal de alerta de entidades de pro-

o conforto de um teto para se juntar aos filhos

teção aos direitos humanos em todo o mundo.

e a perspectiva de emprego, Gilberto improvisa

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplica-

maneiras de levar a vida como qualquer mora-

da (Ipea) calcula que 55 milhões de brasileiros

dor. Personagem da capa desta edição, ele chega

vivam em condições lastimáveis, abaixo da li-

a tomar três banhos por dia: “Ficar limpo e chei-

nha de pobreza, sendo que 14% não têm renda

roso é bom.” Sua preocupação com a aparência

para comer, ou seja, consumir o mínimo neces-

ajuda a entender a sensação que levou Fabrizia

sário de calorias. No estudo Transporte urbano e

a investir no projeto. Um dia, ao sair da sun-

inclusão social: elementos para políticas públicas, o

tuosa Confeitaria Colombo, no Centro, a fotó-

engenheiro Alexandre Gomide, do Ipea, classi-

grafa se deparou com uma senhora assistindo

fica em dois tipos principais os impactos da fal-

uma TV portátil dentro de uma espécie de casa

ta de transporte sobre a pobreza. O primeiro é o

de papelão sem teto. Veio daí o estalo: “Eu pre-

indireto, sobre a competitividade das cidades.

cisava mostrar que essas pessoas fazem a mes-

Os prejuízos provocados por congestionamen-

ma coisa que a gente.”

tos são o exemplo mais nítido, pois elevam os

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


FABRIZIA GRANATIERI

custos de produção das firmas, afetando o em-

na”, observa Badini, reforçando uma das teses

prego e a renda. “Os impactos diretos, por sua

centrais do MDT, o Movimento pelo Direito ao

vez, envolvem o acesso aos serviços e atividades

Transporte Público de Qualidade para Todos.

sociais básicos e as oportunidades de trabalho dos mais pobres”, afirma Gomide.

O MDT tenta despertar a sociedade para comparar o sistema brasileiro com os de países

A idéia de que o transporte deficiente pre-

desenvolvidos, onde o subsídio deixou há mui-

judica o desenvolvimento econômico levou duas

to de ser um tabu. “Em Roma, o usuário paga

cidades paulistas, Campinas e Diadema, a pro-

10% das tarifas e o resto é da sociedade, atra-

por um fundo de subsídio aos transportes for-

vés do governo. Em Paris, a tarifa é bancada

mado por taxas específicas cobradas de estabe-

por três partes: o usuário, a sociedade com im-

lecimentos comerciais e industriais com de-

postos específicos e o governo com orçamento

terminado número de empregados. Mas a Fiesp

público. O Brasil precisa discutir os subsídios

se opôs à idéia. Na avaliação da engenheira

ou outra forma de financiar a mobilidade”, com-

Cristina Badini, diretora-adjunta da ANTP, o

para Cristina. Os ativistas da inclusão social

comércio e a indústria precisam se conscien-

nos transportes também defendem que os rea-

tizar das perdas que sofrem quando o trans-

justes nos preços dos combustíveis deixem de

porte público não funciona a contento. “Basta

penalizar mais o óleo diesel do que a gasolina,

ver o que acontece quando há uma greve no

como tem acontecido. Nos últimos dois anos,

setor. A cidade pára e os prejuízos são enor-

o aumento do diesel, usado nos transportes

mes. O comércio e a indústria são os setores

públicos, foi bem superior ao da gasolina, usa-

que mais lucram quando a mobilidade funcio-

da nos veículos particulares. A inversão deste

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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a

quadro é uma das bandeiras da Frente Nacio-

morar perto do trabalho e poder se locomover

nal de Prefeitos, presidida por Kátia Born, de

a pé ajuda a explicar a explosão demográfica

Maceió, e do Fórum Nacional de Secretários

nas favelas do Rio de Janeiro. Justifica também

de Transportes, que se compromete a repassar

a existência de tantos moradores de rua em

uma eventual redução do diesel para as tarifas

toda grande cidade brasileira.

dos transportes públicos.

A opção por não voltar para casa nos dias

A falta de dinheiro para a passagem não é o

de semana obriga os excluídos do transporte a

único efeito nefasto do sistema de transporte

dormir nas ruas, misturados a mendigos e pe-

sobre a desigualdade nacional. A deficiência de

quenos infratores, enroscados em caixas de pa-

transporte nos bairros pobres da periferia tam-

pelão, como a mulher que via televisão perto

bém interfere – e muito. Como o rio corre para

da Confeitaria Colombo. Assim como a fotó-

o mar, o tempo gasto com o transporte precá-

grafa voluntária dos Médicos Sem Fronteiras,

rio das periferias agrava ainda mais a situação

a revista Movimento foi às ruas do Rio sentir o

dos pobres na disputa por uma vaga no merca-

pulso desses cidadãos sem cidadania. Encon-

do de trabalho e impede a geração de renda su-

tramos o camelô Edmilson Gonçalves, 46 anos,

plementar. A necessidade de fazer de tudo para

que precisaria de apenas R$ 2,70 para pegar

FABRIZIA GRANATIERI

24

MOBILIDADE & CIDANANIA movimento,, MOBILIDADE

NÚMERO 2


GILSON RIBEIRO

Edmilson e Paula Daniele: moradia e trabalho nas calçadas do Centro do Rio

um trem na Central do Brasil e voltar todos os

para o sustento dos filhos de 19, 15, 12 e nove

dias para a casa da mãe, na Baixada Fluminense.

anos, todos matriculados na escola para não

Mas não tem. Trabalhando na calçada, em fren-

repetirem a sina.

te ao Campo de Santana, cartão-postal do Cen-

Nosso personagem carrega sempre um len-

tro do Rio, ele diz que fatura uns R$ 15 por dia

çol fino e surrado dentro da bolsa de plástico na

vendendo fone de ouvido a R$ 2 e pedra-pomes

qual transporta a mercadoria e que ainda serve

a R$ 0,70. Paga R$ 1 para usar o banheiro pú-

de travesseiro. “Não tenho nem um radinho de

blico da Central do Brasil e R$ 2 por uma quen-

pilha para encurtar a noite. Vendi o meu por

tinha. O que sobra, quando sobra, ele junta

R$ 5.” O sofrimento não chega a turvar seus planos de futuro: ele quer gravar uma música e arrumar R$ 2 mil para produzir 100 fitas cassetes, que no seu cálculo sonhador seriam suficientes para retirá-lo das calçadas. Seus versos também sonham, ao estilo dos bons sambistas, com a ascensão social: “Faceira, lá vai ela facei-

“Vida triste tão cruel, uma mulher que cata papel. Minha profissão é um buraco. Só posso ir pra casa depois que encher o saco”

ra / Vai descendo a favela / Só quer saber do mar e do céu azul / Hoje é garota Zona Sul.” A mesma calçada é o ponto de venda de Paula Daniela Pereira, 32 anos, que expõe brinquedos movidos a pilha, de R$ 1,99 a R$ 2,99. “No começo do mês, tiro uns R$ 20 por dia. Depois o pessoal fica duro e eu não vendo mais nada”, lamenta. Grávida de quatro meses do terceiro filho, ela teve de comprovar residên-

MARIA AUXILIADORA PEÇANHA DA SILVA, 65 ANOS

cia fixa para dormir em uma das 28 cabines

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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‘Injusto e socialmente regressivo’ O economista Alexandre Gomide, 34 anos, diretor de Gestão Institucional da Secretaria de Mobilidade do Ministério das Cidades, afirma que o crescimento desordenado das cidades e o atual modelo de oferta de transporte público formam barreiras para a inclusão social. A periferização do crescimento urbano e a precariedade dos transportes limitam o acesso às oportunidades de trabalho e outras atividades que garantem “a dignidade humana e a integração social”, como o lazer e o convívio de parentes e amigos. Como resolver a privação do acesso

Quais as desvantagens do uso intenso

dos mais pobres aos transportes? Ba-

do automóvel? Congestionamentos , poluição

sicamente de duas maneiras: pela oferta ade-

ambiental e acidentes. Todos esses problemas

quada nas periferias e pela garantia de acesso

trazem grandes custos econômicos e sociais para

dos desempregados e trabalhadores informais

as cidades, suas populações e o meio-ambiente.

de baixa renda. As experiências de subsídios

Além disso, os escassos recursos públicos aca-

diretos aos usuários, como um “vale-transpor-

bam priorizando o aumento da capacidade viária

te social” fornecido pelos governos, são as mais

para a circulação dos veículos. Os recursos públi-

efetivas. Se a gratuidade para um segmento

cos devem priorizar o deslocamento de pessoas

for considerada essencial, que a sociedade, atra-

e não o de veículos . Se o transporte público é o

vés do orçamento público, a financie. Do jeito

meio com maior eficácia social, econômica e

que está, o cidadão de baixa renda paga a tari-

ambiental, os recursos públicos devem ser cana-

fa integral, financiando a gratuidade, por exem-

lizados para ele. Isso infelizmente ainda não acon-

plo, de um estudante de classe média ou alta

tece no Brasil. A sociedade e a classe política pre-

que poderia pagar. É injusto e socialmente re-

cisam despertar para este fato.

gressivo. Que análise o sr sr.. faz da opção das gran-

26

Como o senhor avalia a idéia de co-

des cidades por bairros afastados,

brar as passagens de acordo com o

como Alphaville e Barra da Tijuca? Isso

trajeto, em vez da tarifa única? A

aumenta a exclusão? Uma cidade mais den-

idéia da diferenciação tarifária é bem-vinda.

sa, menos espraiada, é muito mais sustentável.

Mas não apenas em relação ao trajeto, o

A baixa densidade aumenta os custos das infra-

que pode prejudicar os mais pobres. As tari-

estruturas públicas, principalmente do transpor-

fas podem ser diferenciadas por horário, dia

te coletivo, pois se anda mais transportando

da semana, tipo de veículo ou de usuário.

menos. Isso resulta em tarifas mais caras, maio-

Tais práticas já são adotadas por outros ser-

res intervalos de espera e uma rede de serviços

viços públicos, como telefonia, e poderiam ser

menos efetiva, principalmente para as periferi-

cuidadosamente avaliadas como instrumen-

as. Isso tudo repercute mais fortemente nas

to para melhorar o sistema de transpor tes

camadas de baixa renda, aumentando os fato-

públicos.

res de exclusão.

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


femininas do Hotel Popular, do Governo flu-

nas 27% dos passageiros. A pesquisa “Mobili-

minense, anexo à Central, que cobra R$ 1 pelo

dade e pobreza”, do Instituto de Desenvolvimen-

pernoite. Se voltasse para casa, na Baixada,

to e Qualidade em Transportes (Itrans), mostra

gastaria R$ 9,20 pelos quatro ônibus de ida e

que a mobilidade dessas pessoas é muito baixa:

volta. A bolsa precisa ter tamanho suficiente

menos de um deslocamento por dia durante a

para os produtos de higiene e os cosméticos,

semana e menos de meio aos sábados e domin-

como o hidratante que ela vaidosamente exibe

gos (ver tabela abaixo).

para tirar a foto. Como qualquer mulher.

Entre os motivos da falta de mobilidade estão a inadequação da oferta dos serviços de transporte, com longo tempo de espera, difi-

A exclusão passo a passo

culdade de acesso a linhas e terminais e falta de segurança. Os desempregados são os mais

Se há trabalhadores impedidos de voltar para

afetados. Não têm recursos para chegar a en-

casa pelo preço das passagens, uma legião de

trevistas de empregos e suas chances de contra-

cidadãos não passa da vizinhança pelo mesmo

tação são limitadas pela distância. Muitos pas-

motivo. Não conseguem sair sequer para pro-

sam a procurar empregos apenas nas proximi-

curar emprego. É o que mostra um estudo feito

dades ou simplesmente desistem, num fenô-

nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio

meno de desemprego por desalento. Quem tem

de Janeiro, Belo Horizonte e Recife entre famí-

uma ocupação usa o transporte principalmen-

lias com renda inferior a três salários mínimos.

te para trabalhar, como mostra a distribuição

Elas representam 45% da população brasileira,

dos deslocamentos (gráfico 1), com expressiva

mas são minoria nos transportes públicos: ape-

diferença para as demais necessidades.

REGIÕES METROPOLITANAS PESQUISADAS População com renda familiar abaixo de 3 salários mínimos mensais Índices de mobilidade (número médio de deslocamentos por habitante/dia)1 • Julho de 2003

ÍNDICES DE MOBILIDADE

RMSP

RMRJ

RMBH

RMR

Dias úteis (seg. a sex.)

0,88

1,00

0,90

0,86

Sábados e domingos

0,35

0,49

0,40

0,48

Ambos

0,88

1,00

0,90

0,86

Homens

1,12

1,22

1,12

1,12

Mulheres

0,65

0,80

0,70

0,65

Sem ocupação

0,47

0,69

0,53

0,62

Trabalha – ocupação formal

1,91

1,89

1,56

1,78

Trabalha – ocupação informal

1,17

1,17

1,42

1,21

Estudantes

0,74

1,06

0,84

0,99

Por dia da semana

Por gênero (dias úteis)

FONTE: ITRANS PESQUISA MOBILIDADE E POBREZA, 2003 (1) POPULAÇÃO COM 10 ANOS E MAIS DE IDADE. EXCLUÍDOS DESLOCAMENTOS A PÉ COM DURAÇÃO INFERIOR A 15 MINUTOS

Por ocupação

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GRÁFICO 1 – REGIÕES METROPOLITANAS PESQUISADAS População com renda familiar abaixo de 3 salários mínimos mensais Distribuição dos deslocamentos nos dias úteis por motivo (em %) Julho de 2003 Porcentagem dos deslocamentos

O número de viagens a pé está além das mensuradas pelo Itrans, que não considerou aquelas com duração inferior a 15 minutos. O questionamento sobre o destino dessas viagens (gráfico 2) mostra que as pessoas estão tentando re-

60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 RMSP

0,0 Trabalhar

Estudar

solver suas necessidades na

Procurar trabalho

Ir ao médico ou posto de saúde

Fazer compras de alimentação

Visitar parentes ou amigos

própria vizinhança. Igrejas, es-

Motivos de deslocamento RMR

Fonte: TRANS - Mobilidade e Pobreza, 2003

colas e postos de saúde são os mais acessíveis nesse tempo de caminhada a partir das residências. O número de escolas, sobretudo do

dos. Curiosamente, o crescimento das correntes

Ensino Fundamental, e de postos de saúde tem

pentecostais pode ter sido favorecido pelas altas ta-

se expandido nas áreas de baixa renda. Apesar

rifas e a oferta inadequada. A pesquisa do Itrans

disso, o acesso a cursos específicos ou atendi-

mostra que as atividades de lazer, associadas ao rela-

mento médico especializado ainda é difícil, bem

cionamento com parentes e amigos, são as mais pre-

como ao atendimento emergencial, pois pou-

judicadas. Elas são importantes para o equilíbrio psi-

cas regiões têm sistemas eficientes de remo-

cossocial do indivíduo e para criar uma rede de apoio

ção por ambulâncias.

mútuo que o ajude, por exemplo, a encontrar em-

A igreja é o destino mais lembrado para os deslocamentos a pé: mais de 80% dos consulta-

prego. As igrejas, pela proximidade, acabam se tornando o meio de integração social. Bares, restaurantes, shoppings, boates e bailes são mais acessíveis do que o

GRÁFICO 2 – REGIÕES METROPOLITANAS PESQUISADAS Famílias com renda abaixo de 3 salários mínimos mensais Locais que podem ser alcançados a pé numa caminhada de, no máximo,15 minutos a partir do domicílio (em %) Resposta múltipla e estimulada • Julho de 2003

comércio e a rede bancária nas regiões do Rio de Janeiro e Recife, mas as posições

100,0

se invertem em São

90,0

Paulo e Belo Horizon-

Porcentagem

80,0

te. O que talvez ex-

70,0 60,0

plique isso é que, nas

50,0

duas primeiras cida-

40,0

des, do Recife e Rio,

30,0

mui-tas famílias de

20,0 10,0 0,0 Igreja

Escola

Posto de Quadra esportiva Comércio, saúde, dentista, parque, clube, banco hospital piscina Locais

RMSP

baixa renda habitam

Bar, restaurante RMRJ shopping, boate, RMBH bailes

favelas nas áreas cen-

RMR

trais; em São Paulo e Belo Horizonte, estão na periferia.

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

RMRJ RMBH

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?

A metrópole tem solução Congestionamentos cada vez maiores

P O R

M

A

U

R

O

T

R

I

N

imobilizam os cidadãos e ameaçam o

V

28

ida é movimento. O bailado mi-

dios e moradias, derrubados para a passagem

croscópico das mais primitivas

de novas freeways. São cidades refratárias ao

bactérias, o fluxo caudaloso de

pedestre, à vida feita da livre circulação das

sangue no coração dos grandes

pessoas. Construídas para o homo automobilis,

mamíferos, a seiva das plantas, a migração das

criatura de cabeça, tronco e rodas, as megaló-

aves e o vaivém pendular dos trabalhadores das

poles tornaram-se campo de risco para qual-

metrópoles partilham um mesmo imperativo

quer um despido de couraça com injeção ele-

cinético. Tudo o que é vivo tem de se mover.

trônica e sobrevivem incertas quanto ao seu

Por isso há uma contradição fatal nesta era da

próprio destino. Qual é o nosso futuro? Qual

velocidade: quanto mais velozes as máquinas,

é o futuro das grandes cidades?

mais lentos ficamos. Cada vez mais as popula-

“É como a lâmpada de Aladim. Cuidado com

ções perdem horas e horas em engarrafamen-

o que você deseja, porque sempre há conse-

tos cada vez mais longos e irracionais. Somos

qüências imprevisíveis”, diz Claudio de Senna

todos reféns de um congestionamento físico e

Frederico, ex-secretário de Transportes do go-

intelectual que rouba tempo e energia do tra-

verno Mario Covas (SP) e vice-presidente da

balho, da família e do lazer. Vivemos em cida-

ANTP. Símbolo de ascensão social e objeto de

des imóveis, estagnadas por um número cres-

desejo de toda a sociedade, o automóvel, que

cente de veículos individuais que dominam

deveria movimentar as pessoas, estanca as ci-

todos os territórios da vida pública. Primeiro

dades. Bastam poucos deles no meio das bici-

as ruas, depois as calçadas e finalmente os pré-

cletas e riquixás de Bombaim, na Índia, para

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2

CARLOS MAGNO

futuro das grandes cidades

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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s

conturbar o trânsito de bairros inteiros. Los

para mil ônibus, segundo a Secretaria de Trans-

Angeles só pode ser conquistada atrás de um

portes daquela capital. A Associação Nacional

volante em engarrafamentos colossais. Nosso

de Empresas de Transporte Urbano (NTU) cal-

exemplo mais próximo é São Paulo. Por volta

cula que para cada 70 pessoas que poderiam ser

de 1910, a cidade tinha 300 carros. Hoje são

transportadas dentro de um único ônibus no

cinco milhões de veículos e diariamente 300

Brasil são utilizados 50 carros particulares. O

automóveis a mais passam a circular, eterni-

desperdício não é só de espaço. O uso do carro

zando os congestionamentos noite e dia. “An-

despende dez vezes mais energia do que o trans-

tigamente o bonde fazia parte da vida das pes-

porte através do ônibus e 20 vezes mais do que

soas, do casamento ao enterro. Isso se perdeu

a opção pelo metrô ou trem. Os níveis de polui-

e o passageiro virou prisioneiro de uma espé-

ção são incrivelmente maiores e a utopia da eqüi-

cie de navio negreiro. Só anda de ônibus quem

dade social fica, evidentemente, muito mais dis-

não tem ou não precisa de carro”, diz Claudio

tante. “É óbvio que chegamos a uma situação-

Frederico.

limite. Não adianta ampliar o sistema viário. O

Sem o apelo de marketing e o glamour do

automóvel é um instrumento de trabalho usa-

automóvel, os transportes públicos entraram em

do por não termos opções melhores”, diz a ar-

decadência em escala global e deixaram as ruas

quiteta e urbanista Marta Dora Grostein, pro-

para os carros particulares, cuja falta de contro-

fessora da USP e autora – com a arquiteta Regi-

le rouba espaços coletivos. Em 1998, na Cidade

na Meyer e o economista Ciro Biderman – do

do México, um dos piores trânsitos do mundo,

recém-lançado São Paulo metrópole.

circulavam mais de 2,5 milhões de automóveis

Depois do século XIX, quando o traçado e a dimensão das ruas destinavam-se à movimentação humana e à tração animal, as metrópoles

A pesquisa de Marta e Regina aponta para

contemporâneas foram sofrendo adaptações para a chegada do automóvel. Um dos primei-

uma expansão das megalópoles, com a fusão de cidades vizinhas

ros arquitetos a imaginar o carro inserido na polis foi o francês Le Corbusier, com sua utópica Cidade Radiante, dos anos 30. Com arranhacéus espalhados em grandes áreas livres, sua cidade imaginária seria um vasto jardim cortado por vias expressas para os veículos. A influência de Le Corbusier foi mundial e seus conceitos aplicados em diversas reformulações urbanísticas. A inegável beleza da Ville Radieuse, porém, sofreu críticas por pulverizar a teia urbana, destruir relações sociais e afastar as pessoas dos centros urbanos. Brasília, de franca inspiração no projeto francês, é um dos exemplos mais bem-acabados dessa cidade-jardim, dos edifícios e avenidas cruzando longas distâncias. E também é um dos mais combatidos pro-

30

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2

PAULO GIANDLLIA

com suas superquadras, distribuição plástica


SILVESTRE SILVA/REFLEXO

Brasília: a cidade-jardim é uma metrópole dividida e sem esquinas

jetos urbanísticos. A “cidade sem esquinas” é

de um charco ou num apartamento espaçoso.

hoje uma metrópole dividida, residência da elite

Ninguém age da mesma forma numa rua escu-

do poder cercada pelas cidades-satélites, que

ra e numa rua iluminada e ninguém caminha

concentram a baixa renda.

da mesma forma numa calçada vazia e sem bu-

A repórter americana Jane Jacobs escreveu

racos e numa calçada transformada em estaci-

em 1961 um livro que se tornou um clássico

onamento.” O artista plástico lembra como cer-

do antimodernismo arquitetônico. Morte e vida

tas obras modificaram a atitude dos cariocas.

das grandes cidades põe em xeque inúmeros pro-

“O metrô criou uma nova postura, as pessoas

jetos urbanísticos do século XX. De acordo com

ficaram mais educadas. Ao receber bons servi-

a autora, os urbanistas simplesmente não com-

ços, o cidadão absorve o progresso.” Outro

preendiam a sofisticada malha de relações so-

exemplo da transformação pessoal que uma in-

ciais que fazem uma cidade ser mais do que

tervenção urbana pode produzir, segundo ele,

um aglomerado de edifícios. A vitalidade de uma

é o Centro Cultural Banco do Brasil, cuja res-

comunidade está nas ruas, onde as pessoas cir-

tauração modificou uma zona abandonada no

culam e se encontram. Toda vez que uma rua

Centro do Rio. “Lá dentro as pessoas se com-

se torna avenida e uma avenida se torna rodo-

portam de outra maneira. Há um respeito muito

via no meio da cidade, relações pessoais são

grande porque elas sabem que ganharam algu-

quebradas, bairros são mutilados e há uma

ma coisa. Quando você está num lugar bonito,

degradação do ambiente urbano. São obras

sempre se sente melhor.”

monofuncionais e elitistas a valorizar o tráfe-

A revalorização de áreas portuárias e cen-

go de veículos particulares e segregar os pe-

trais tem ocorrido em todo o mundo como for-

destres, que perdem o espaço público.

ma de reverter o abandono. Em São Paulo, pla-

O designer Jair de Souza ressalta a impor-

neja-se a construção do Transporte Expresso

tância da organização visual e da atenção ao

Urbano, uma espécie de ônibus-metrô que me-

mobiliário urbano na ordem social: “Ninguém

lhoraria a mobilidade e os negócios no eixo de

pensa da mesma maneira quando mora dentro

Guarulhos até a Zona Norte de São Paulo (ver

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

31


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um acordo mundial de controle da população. Senão, vai faltar terra. O adensamento é o único caminho viável e sustentável”, avisa Claudio Frederico. Seja como for, a pesquisa de Marta Dora Grostein e Regina Meyer aponta para uma expansão das megalópoles, com a fusão de cidades vizinhas. A Grande São Paulo já engloba 38 municípios; o Rio de Janeiro, 15; e Belo Horizonte e Porto Alegre, 14 cada. As cidades continuam crescendo. E nada indica que vão parar. Regina Meyer acredita que o sentimento de incerteza sobre o destino das cidades sem-

“O metrô criou uma nova postura das pessoas, que se tornaram mais educadas.

pre existiu. “Costuma-se considerar a metrópole um resultado, quando na verdade ela é o próprio processo. Ainda hoje é indispensável

Ao receber bons serviços, o cidadão

para a vida social e econômica do mundo.” Entre

absorve este progresso”

segundo ela, está a perda de identidade. “Toda

Jair de Souza

as características das cidades do século XXI, grande cidade se parece com a Marginal Pinheiros (de São Paulo), sobretudo na Ásia e em

32

reportagem na página 34). “As cidades calca-

algumas cidades da África, como Lagos (Nigé-

das em um desenvolvimento mais equilibrado

ria). Você vê uma foto e não sabe se aquilo é

dos bairros e com transporte público adequa-

Londres ou São Paulo”, diz.

do são fundamentais”, afirma Claudio Frede-

Como a dispersão das metrópoles não ten-

rico. O professor, engenheiro e urbanista J. Bru-

de a diminuir, tornam-se mais necessárias for-

no Menescal reforça a idéia de estimular novos

mas eficientes de locomoção. Talvez este seja o

pólos econômicos como forma de poupar as

grande desafio das cidades no século XXI.

pessoas das longas jornadas entre a casa e o

“O transporte público é a questão-chave da

trabalho. “Isso demanda recursos tremendos e

governabilidade e a mobilidade é a resposta

um tempo enorme do usuário. A tendência é a

número um que todo governante deve dar à

descentralização”, acredita.

população”, defende Regina Meyer. O desafio

As áreas periféricas deixam de ser ocupa-

consiste em ver o morador da grande cidade

das só pela população carente. A classe média

não mais como o cidadão que mora – uma vi-

e a elite procuram superar a queda na qualida-

são que sempre priorizou a habitação como

de de vida através da suburbanização, em con-

política pública isolada – e sim como o cidadão

domínios fechados que pretendem manter do

que se move. Na cidade do futuro, importará

lado de fora os problemas das cidades do pas-

menos a distância em quilômetros entre sua

sado. “Isso está calcado num antigo processo

casa e o trabalho do que o tempo que você vai

de diferenciação. Antes um palacete resolvia o

demorar para fazer o percurso. “No futuro, o

problema, mas é preciso ir mais longe. Este

tempo predominará sobre o espaço.”

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2

CARLOS MAGNO

modelo só poderia se sustentar se houvesse


Luz no fim do túnel Implantação do TEU pode revolucionar o transporte público em São Paulo POR M A U R O

T R I N D A D E

E

A L E X A N D R E

A S Q U I N I

Quem vive em São Paulo ou sofre com fre-

deverá requalificar ou recuperar áreas urbanas

qüência em seu engarrafamento permanente deve

e induzir o desenvolvimento econômico, com

imaginar que o nó da mobilidade paulistana não

a abertura de oportunidades de investimento.

tem como ser desatado. Felizmente, não é bem

A promessa é de tarifas acessíveis e a implan-

assim. Um projeto para alterar substancialmen-

tação deve levar entre dois e três anos. O cus-

te o sistema de transportes públicos da Grande

to viário é calculado entre R$ 7 milhões e

São Paulo, livrando a maior metrópole do país do

R$ 10 milhões por quilômetro.

caos urbano, é desenvolvido pela ANTP com fi-

Os veículos, cujo projeto definitivo ainda

nanciamento da Fundação Hewlett, dos Estados

não foi concluído, terão design inovador,

Unidos, com ótimas chances de sair do papel.

monitoramento por satélite através de GPS,

Trata-se do TEU, ou Transporte Expresso Urba-

climatização, suspensão a ar, câmbio automáti-

no, um sistema de ônibus articulados que circu-

co, som, sistema de comunicação visual e piso

lam em vias expressas exclusivas e com capaci-

baixo para o embarque em nível, garantindo a

dade semelhante à do metrô, oferecendo quali-

acessibilidade de pessoas com dificuldade de

dade, eficiência, segurança e conforto.

movimento. A proposta é que sejam também

A idéia inicial é ligar a estação Tucuruvi do

ecologicamente corretos, com impacto am-

metrô, na Zona Norte da capital, a um terminal

biental mínimo através da redução de ruídos e

intermodal a ser construído perto do aeroporto

de emissão de poluentes. O projeto prevê ainda

de Cumbica, em Guarulhos. Um túnel com três

áreas de convívio e lazer, com mobiliário urba-

quilômetros de extensão passando pelo Centro de Guarulhos e um viaduto de 150 metros estão incluídos no projeto, que também conta com a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), do estado, e as prefeituras de São Paulo e de Guarulhos. O estudo, coordenado pelo vice-presidente da ANTP, Cláudio de Senna Frederico, está sendo feito há um ano. “A meta é chegar a um sistema sobre pneus de maior capacidade, inserindo-se numa faixa de demanda intermediária entre um serviço de ônibus e uma linha de metrô ou trem”, explica ele. Outra característica importante do TEU é a integração à rede de transporte existente, com metrô, trens, sistemas locais de ônibus, ciclovias e estacionamentos para carros. O sistema

O TEU deve ligar a Zona Norte de São Paulo a Guarulhos

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

33


c

i

d

a

d

e

s

O salto de Bogotá O Transporte Expresso Urbano tem similares em diversos países, mais conhecidos como Bus Rapid Transit (BRT). Austrália, México, Canadá e cerca de 30 cidades dos Estados Unidos adotaram o novo meio, sendo o de Bogotá o caso mais célebre e bem-sucedido, onde recebeu o nome de Transmilenio. A capital colombiana sofria há anos com um transporte caótico e uma superoferta de linhas e veículos nas ruas. A chegada do Transmilenio alterou não só o trânsito, mas a própria cidade. Trajetos antes percorridos em duas horas passaram a ser feitos em 30 minutos, o que seduziu até os usuários de automóveis. Um dos motivos foi a implantação dos corredores em duas faixas – e não apenas em uma, como costuma ser feito. Graças a uma eficiente vigilância policial pública e privada nas estações, a criminalidade caiu. A qualidade das intervenções acabou revalorizando as regiões próximas às vias expressas, com o aumento da ocupação comercial e de moradias e a recuperação da auto-estima dos moradores.

no no entorno das pistas, vias laterais para cir-

Guarulhos poderá reestruturar o sistema mu-

culação de bicicletas e calçadas planejadas de

nicipal de transporte em função do TEU. “Ele

modo a dar conforto e segurança aos pedestres.

passaria a ter para a cidade um papel estru-

O traçado tem 15,5 quilômetros, com 23

turador, com a vantagem de estar conectado

paradas e um pátio de manutenção. A distân-

34

ao sistema metropolitano.”

cia entre as estações deve ser de 700 metros e a

Já o consultor Plínio Assmann tem restri-

velocidade comercial do sistema poderá chegar

ções, afirmando que a apropriação de duas fai-

a 35 quilômetros por hora. O TEU Tucuruvi-

xas de via pública para uso exclusivo do trans-

Cumbica passará pelo Jaçanã e pelo Centro de

porte é “urbanisticamente inaceitável”. Ele acre-

Guarulhos, que tem 1,1 milhão de habitantes.

dita que um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT)

Patrícia Veras, secretária de Transporte de Gua-

seria mais econômico. Quanto ao financiamen-

rulhos, demonstra otimismo. “Precisamos dis-

to, o grupo de estudos apresenta algumas fon-

cutir com cuidado o traçado e a inserção urba-

tes, como a Contribuição de Intervenção do

na, mas a prefeitura está disposta a participar

Domínio Econômico (Cide/Combustíveis),

com recursos e principalmente na gestão do

leasing, mercado financeiro e parcerias com a

sistema”, antecipa. Arnaldo Pereira, diretor da

iniciativa privada. O rol inclui organismos

Empresa Metropolitana de Transportes Urba-

financiadores nacionais, como o BNDES, e in-

nos (EMTU), acrescenta que a prefeitura de

ternacionais, como o BIRD e o BID.

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


m

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p

l

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sim

não

OBRAS RODOVIÁRIAS:

46

MAURI CRUZ

mento atual. Um modelo que pode ser deno-

Coordenador do Camp, um centro de educação popular, ex-secretário dos Transportes de Porto Alegre e ex-diretor-presidente do Detran/RS

minado modelo das grandes obras, das avenidas, dos túneis, dos elevados e viadutos. Obras apresentadas como símbolos do progresso, da

No Brasil, há um sentimento forte de esperan-

modernidade, de vida nova para todos. Mas a

ça. Sob a liderança de um metalúrgico oriundo

realidade não é bem assim.

dos movimentos sociais, o país produz um novo

Nossas cidades são um exemplo concreto

ciclo de desenvolvimento. É neste cenário que

– desculpem o trocadilho – da exclusão social

surge a pergunta: que tipo de desenvolvimen-

que criticamos. Nem mesmo quem tem o pri-

to é capaz de construir o Brasil que sonha-

vilégio do acesso ao automóvel se sente satis-

mos? Que mudanças são necessárias em nos-

feito com o funcionamento das cidades. Os

sas cidades, onde vive mais de 70% de nossa

milhões de dólares enterrados nas artérias dos

população?

sistemas viários existentes não transformaram

Diante destas perguntas, é necessário olhar-

nossas cidades em espaços melhores de se vi-

mos os resultados do modelo de desenvolvi-

ver – pelo contrário, segregaram a maioria dos

MÁRCIO DE QUEIROZ RIBEIRO

rados aos veículos. Integração e logística dos

Set/2004

transportes são conceitos que carecem de mais e melhores infra-estruturas para que possam

Os sistemas viários nacional, estaduais e mu-

reduzir o custo Brasil e gerar empregos.

nicipais são imprescindíveis para a consecução

A evolução da população e da frota rodoviá-

dos transportes de passageiros e de cargas. Os

ria permite-nos calcular a relação habitantes por

transportes, naturais usuários dos sistemas vi-

veículo, que oferece claras indicações sobre a

ários, crescem com a população e a economia.

demanda por infra-estrutura viária. O setor ro-

Há portanto, uma permanente necessidade so-

doviário é responsável por 96% de todos os des-

cial (da sociedade em sua maior abrangência)

locamentos motorizados de passageiros em todo

de que a infra-estrutura dos sistemas viários

o Brasil. Na cidade do Rio de Janeiro, o modo

acompanhe as demandas de expansão, de au-

rodoviário (ônibus, micros, vans, automóveis e

mento da capacidade instalada e de adequação

motos) responde por 93% de todas as viagens,

tecnológica aos espetaculares avanços incorpo-

enquanto os restantes 7% são atendidos por

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


<

O poder público deve investir para desafogar o trânsito?

brasileiros. Sob o pretexto de construir cida-

nos ligando os pontos de aglomeração de pes-

des melhores com segurança, qualidade, pra-

soas; o investimento a fundo perdido – como é

zer e satisfação, as grandes obras somente trou-

feito para as avenidas e viadutos – para siste-

xeram exclusão, violência e segregação.

mas de transporte coletivo, transportes alter-

Ao ser convidado para este debate, refleti so-

nativos, terminais amplos com escadas rolan-

bre qual seria a abordagem correta para criticar

tes, elevadores e espaços agradáveis. Defendo

a ineficácia das obras viárias. Concluí que o me-

um planejamento pautado pela descentralização

lhor seria propor o debate de QUAIS obras são

da cidade, com a adoção de medidas do não-

necessárias e, afinal de contas, PARA QUEM.

transporte, da restrição da circulação de auto-

Concluí que sou a favor de grandes obras. Mas

móveis e de uma cidade para todos. Não posso

não obras voltadas a viabilizar a circulação dos

ser contra as grandes obras necessárias, mas não

automóveis. Defendo a construção de centenas

posso ser a favor de obras que mentem ao pro-

de quilômetros de ciclovias para abrigar mais de

meter melhorar nossas cidades quando não con-

50 milhões de bicicletas que circulam nas cida-

seguem nem mesmo melhorar a vida da mino-

des; a ampliação das calçadas nos centros urba-

ria à qual se destinam, os automóveis.

barcas (0,7%), trens (2,8%) e metrô (3,5%).

oferecer infra-estrutura viária aos transportes

Dados estatísticos inquestionáveis revelam:

que a sociedade elege? Será luxo investir para

a)

No fim de 1992 o Rio apresentava fro-

ganhar mobilidade e reduzir ou evitar conges-

ta rodoviária inferior a 1 milhão e população

tionamentos poluidores do ambiente, que ge-

de 5,5 milhões, com relação habitante/veículo

ram disfunções econômicas e frustam a quali-

superior a 5.5.

dade de vida? Certamente que não! É necessá-

Neste fim de 2004 a cidade apresenta

rio, sim, investir permanentemente na infra-

frota bem superior a 2 milhões, população de

estrutura viária para garantir transportes ade-

5,8 milhões e conseqüente relação habitante;/

quados em todos os modos, com atributos de

veículo inferior a 3, com forte viés decrescente,

segurança, eficácia e conforto, além de abrir

tendendo para o valor igual a 2 (dois) — seme-

oportunidades de trabalho ou emprego para

lhante a São Paulo, cidades do interior paulista

todos os níveis de qualificação. O público me-

e a maioria das capitais européias ocidentais.

rece. Pois é o público que paga através das ta-

b)

Será luxo investir recursos públicos para

>

rifas, do IPVA, da Cide e dos pedágios.

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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a t l a s

Copenhague

A rica Bicicletópolis P O R

M

A

O

R

I

A

D

E

F

R

E

I

T

A

S

hábito de pedalar no movi-

tas é superlativo. Quase 50% dos 1,5 milhão

mentado perímetro urbano

de habitantes vai com elas para o trabalho. A

vem permitindo aos morado-

geografia plana ajuda, mas não foi a princi-

res de Copenhague uma co-

pal razão do enfraquecimento do império do

munhão entre a efervescência

automóvel. Desde 1980 o governo local ado-

da metrópole e o charme típico das pequenas

ta iniciativas como a construção de vias ex-

cidades. O tilintar de correntes das cycler já

clusivas e sinalização adequada, organizan-

virou o som predominante nas principais ave-

do e proporcionando segurança às rotas das

nidas da capital dinamarquesa e o rush se tor-

bikes. Também foram criados impostos seve-

nou o melhor momento do dia para deixar o

ros para o registro de automóveis e o custo

escritório e enfrentar o divertido trânsito de

do estacionamento público é reajustado em

ciclistas até os bairros residenciais.

3% a cada ano.

Apesar de a Dinamar-

Os rápidos reflexos do incentivo ao ciclis-

ca ter uma das maiores

mo como meio de transporte sustentável po-

rendas per capita do mun-

dem ser conferidos no cenário tranqüilo e até

do, em sua capital apenas

no bolso dos cidadãos. Além de economizar em

um terço das famílias tem

combustível e estacionamento, os dispostos a

automóvel. Em compensa-

pedalar ainda podem emprestar a bicicleta do

ção, o número de bicicle-

próprio governo. São cerca de 125 bicicletários

FICHA TÉCNICA • População: 500 mil habitantes (Grande Copenhague: 1,4 milhão) • Automóveis em circulação: 218 mil veículos/dia • Bicicletas em circulação: 172 mil bicicletas/dia

• Passageiros que utilizam barcas: 1.300 passageiros/dia

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2

DIVULGAÇÃO

• Passageiros que utilizam trens: 104.800 passageiros/dia


Os 10 mandamentos do ciclismo em Copenhague: 1

Você é sempre bem recebido nos bicicletários públicos.

2

Não se pode ultrapassar os limites da cidade. Veja o mapa.

3

O usuário deve cuidar da bicicleta pública para que outra pessoa possa usá-la depois.

4

Ao devolver a bicicleta, lembre-se de pegar seus 20 kroners de volta.

5

É proibido levar uma bicicleta pública para casa.

6

Você ganha 20 kroners se devolver uma bicicleta abandonada a um dos bicicletários.

7

A bicicleta pública só pode ser presa com as trancas dos bicicletários.

8

Não se arrisque; as leis de trânsito são para valer.

9

O respeito aos limites de velocidade é fundamental.

10

Não pense duas vezes para pegar uma bicicleta emprestada. Você estará incentivando um transporte não poluente e fazendo parte da história de um projeto bem-sucedido.

espalhados pelos quatro cantos da cidade e mais

ta durante 15 anos e apresentada em 2000 pelo

de 3 mil bicicletas disponíveis. Basta depositar

Centro de Estudos do Coração da Universida-

uma moeda de 20 kroners – o equivalente a

de de Copenhague mostrou que os cidadãos

R$ 9 – e pedalar o quanto quiser. Ao devolver o

que optam pelo ciclismo como principal meio

veículo, o dinheiro é restituído.

de transporte vivem bem mais do que os se-

Até os mais preguiçosos desfrutam dos pra-

dentários, com índices consideravelmente me-

zeres do ciclismo ao optar pelos deslocamen-

nores de doenças cardíacas. Quem conhece os

tos pelas ciclovias a bordo dos cicle taxies (bici-

incontestáveis efeitos da transformação da ca-

cletas-táxi). Um dos programas turísticos mais

pital da Dinamarca não entende por que a idéia

requisitados em Copenhague é o city tour so-

custa tanto a ser implantada em outros países.

bre rodas. O motorista exercita as pernas sus-

As leis que sustentam o projeto fazem a

tentando uma espécie de carroça enquanto o

diferença. Na Dinamarca, as políticas de trân-

passageiro aprecia a natureza e a arquitetura

sito são levadas a sério e os infratores estão

da capital dinamarquesa.

sujeitos a multas e penalidades graves. O ci-

A saúde dos dinamarqueses também vem

clista que conduzir uma bicicleta pública para

atraindo as atenções de especialistas estran-

fora dos limites da cidade deve pagar uma taxa

geiros porque o índice de mortalidade é um

equivalente a R$ 450. A reincidência pode até

dos mais baixos da Europa. Uma pesquisa fei-

resultar em prisão.

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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a

r

q

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o

O nascimento do “para todos” Os franceses batizaram de ônibus a carroça que parava em loja de chapéus

E

m 1925 foi comemorado na

jeto de carruagens para uso

Europa o centenário da cria-

coletivo que oferecesse confor-

ção dos ônibus, mas a origem

to à população de Paris. As

de fato do transporte público

primeiras, com capacidade pa-

antecede o século XIX. Atri-

ra oito passageiros, começa-

bui-se a Blaise Pascal um pro-

ram a circular em 18 de março de 1662 entre o Luxembourg e a Porte de Saint Antoine. No mesmo ano entraram em operação cinco linhas, com frota de 50 carruagens. Elas deveriam apresentar itinerários fixos, partidas em horários regulares mesmo sem passageiros suficientes e tarifa mó-

58

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


dica por lugar ocupado, características imprescindíveis à classificação de transporte público. Os veículos não passavam de carroças pesadas, sem molejo, trafegando em ruas mal calçadas e com preços não tão acessíveis quanto se esperava. Com a morte de Pascal, em

O capitalista então fechou a

culos coletivos virou onda.

1680, seus sócios perderam o

casa e manteve o carro, cobran-

A concorrência era anárquica,

entusiasmo e a idéia não foi

do as passagens.

pouco preocupada com os in-

adiante. Foram necessários

Animado, Baudry se asso-

teresses da população, até que

150 anos para que os veículos

ciou a outros para comprar

em 1855 as empresas se fun-

destinados ao transporte pú-

novos carros e estender o ser-

diram em uma, a Companhia

blico voltassem a circular em

viço a Bordeaux. Em 1828, en-

Geral de Ônibus. Na época, os

Paris. Entre 1819 e 1824, de-

trou em Paris com as creden-

brasileiros já tinham conheci-

zenas de pedidos de conces-

ciais da experiência e fundou

do o ônibus. Vindo de Paris, o

sões foram negados veemen-

a Entreprise Genérale des

primeiro deles chegou em

temente sob a alegação de que

Voitures Dites Omnibus. Que-

1836. Era puxado por quatro

tais veículos acarretariam em-

rendo dizer “para todos”, a pa-

cavalos, tinha quatro rodas e

baraços ao trânsito. Os mais

lavra ônibus vem do latim, mas

dois andares.

obstinados acabaram se vol-

a origem do nome não se deu

Os estudos e aplicações do

pelo significado. Existia em

motor só se deram no século

Foi o que aconteceu em

Nantes um badalado negocian-

XIX, com os veículos a vapor.

1823. Stanislas Baudry adqui-

te de chapéus chamado Omnes.

A indústria química aprendeu

riu um moinho de grãos em

As casas não possuíam núme-

a vulcanizar a borracha para as

Nantes e o transformou em

ros e o comércio usava tabule-

rodas e a siderurgia aperfei-

uma casa de banhos, aprovei-

tas com dizeres criativos.

çoou a fabricação de peças. Em

tando a água quente da má-

Omnes, para atrair a freguesia,

1905 foram apresentados nove

quina a vapor. Como ficava a

escreveu: “Omnes – Omnibus”,

protótipos com motor a explo-

dois quilômetros da cidade,

ou seja, Omnes para todos.

são, que variava de 24 a 40 ca-

Baudry ofereceu condução in-

Como as viaturas de Baudry

valos de potência. As rodas

cluída no preço do banho. Pôs

saíam da frente da loja, o povo

eram revestidas de borracha

à disposição dos fregueses um

associou a palavra omnibus a

maciça, pois não existia a câ-

carro comprido, com dois ban-

elas e o nome pegou.

mara de ar.

cos paralelos e puxado a cava-

Em 1828, os primeiros ôni-

lo, para ligar a cidade ao esta-

bus fechados eram puxados

belecimento. Em pouco tem-

por três cavalos. Logo veio o

po os passageiros passaram a

carroção com dois pavimentos

aproveitá-lo só para locomo-

e pequenas janelas laterais ali-

ção, sem usar a casa de banhos.

nhadas e a circulação de veí-

reprodução do ônibus de Blaise Pascal

JULIANA ARAÚJO

JULIANA ARAÚJO

ARQUIVO DE EURICO DIVON GACHARDI

tando para regiões afastadas.

OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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