Editorial
Afinal, o que a ANTP defende? Ailton Brasiliense Pires Presidente da ANTP
AN P
Vez ou outra alguém nos rotula como defensores de transporte de trilhos, ou de pneus, ou de trânsito. Ao longo dos 34 anos da ANTP realizamos 18 congressos, publicamos mais de 125 números da Revista dos Transportes Públicos, cada um deles com, em média, oito artigos, totalizando mais de 1.000 documentos. Promovemos centenas de seminários, cursos, palestras; secretariamos os fóruns de secretários nacional e estaduais de transportes públicos e trânsito, além de, recentemente, gerarmos mais de 200 horas de programação na ANTP TV, contribuindo para o debate nacional sobre os problemas e as soluções para o setor. Para realizarmos eventos de tal envergadura, estimulamos a criação de mais de 10 comissões técnicas que têm sido uma base fundamental para aglutinarmos pessoas e empresas, na construção de propostas que são encaminhadas aos poderes Executivos e Legislativos, nos três níveis de governo. A tônica de nossa atuação tem sido a de colocar a vida urbana como foco. Nossas cidades, com raras exceções, tiveram, têm ou deveriam ter um Plano Diretor como orientador de seus planejamentos. Temos tomado como referência aquelas poucas que assim têm trabalhado. Assim sendo, defendemos a necessidade de desenvolvermos projetos que corrijam as enormes distorções de planejamento urbano implantadas no passado. Condenamos a manutenção de erros históricos, tais como: a concentração de empregos em áreas centrais e a expulsão da população para moradias em regiões periféricas, aumentando a dependência do transporte motorizado, os tempos de viagem e seus custos. Aumentar a oferta de transporte público, simplesmente, e não rediscutir o uso do solo, não é suficiente. Tomo como referência a cidade de São Paulo. Todas as linhas de transporte público que operam no eixo leste-oeste têm 80% da demanda nos horários de pico em uma direção e, apenas 20% no contrafluxo, provocando um péssimo serviço num sentido e superdimensionado no outro. Não é à toa que, nas nossas cidades, se praticam as tarifas mais altas da história de cada uma delas. 5
Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 34 - 2011 - 3º quadrimestre
Os defensores unipartidários dos modais entendem que devemos concordar com a tese do aumento da oferta sem a contrapartida de revisão da organização do planejamento urbano. Se essa posição for mantida, o futuro de nossas cidades estará condenado a um péssimo serviço, consolidando este modelo anacrônico. Hoje, mais de 160 milhões de pessoas vivem em áreas urbanas. Segundo o IBGE, entre 2030 e 2040, deveremos atingir entre 230 e 240 milhões de habitantes, dos quais mais de 200 milhões irão morar em cidades. Assim sendo, entre 40 e 50 milhões de pessoas a exigir moradias, empregos e serviços públicos. Mantido o atual modelo de espraiamento urbano, teremos tarifas ainda mais altas, tempos de percurso maiores, mais acidentes e mais poluição atmosférica. Não é isso o que queremos! Nestes 34 anos, lutamos para que tenhamos cidades com crescimento planejado e não inchadas. Entendemos que devemos defender a construção de sistemas de transporte sobre trilhos onde a demanda e o Plano Diretor orientarem e não a qualquer custo. A implantação subterrânea preserva a cidade. Desta forma, podemos transportar mais de 100 mil pessoas em apenas 11 metros de seção de túnel. Imaginar outra opção que não trilhos para estas demandas significaria destruir a cidade para poder transportar as pessoas. Porém, para demandas menores, a melhor relação custo-benefício é a dos ônibus, com ofertas compatíveis com o conforto, a segurança, a confiabilidade, a regularidade e tarifas módicas. Trilhos e pneus devem se complementar em redes integradas, garantindo que os ônibus tenham a máxima prioridade no uso do sistema viário, com projetos adequados da infraestrutura viária, que garantam eficiência para atrair usuários dos meios de transporte individual, e com qualidade urbanística, que contribuam para a qualificação dos espaços públicos. A qualidade do espaço urbano precisa ainda ser complementada com a construção de calçadas adequadas, implantação de faixas de travessia para pedestres, pontos de ônibus com cobertura, assentos, informações sobre os serviços e, ainda, em espaço viário que permita uma opção segura pelo transporte cicloviário. Defendemos a construção de cidades planejadas, ainda que tardiamente. Não podemos aceitar que estejamos condenados a viver eternamente com os erros do passado. Ainda que as soluções exijam maiores tempos e recursos, afinal, hoje contamos com conhecimentos suficientes para melhorarmos nossa vida urbana futura. Vivemos na 7ª economia do mundo e com ambição de nos tornarmos a 4ª até 2030 ou 2040. Aspiramos viver em um país mais rico, com melhor distribuição de renda e de oportunidades, inclusive urbanas. Neste cenário as cidades serão sustentáveis e terão bons sistemas de transporte público e vias urbanas mais seguras; teremos mais qualidade de vida, menos acidentes de trânsito e menos poluição. A proposta da ONU e da OMS de reduzirmos à metade o número de mortes no trânsito precisa ser meta da sociedade e dos governantes. Dessa forma, podemos viver em cidades melhores, com a proposição e construção das cidades que queremos. É isso que defendemos! 6