turismo sobre trilhos
AN P
O Expresso Turístico da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos: presença da ferrovia no turismo regional de São Paulo Ayrton Camargo e Silva
Secretaria dos Transportes Metropolitanos/EFCJ E-mail: acamargoesilva@efcj.sp.gov.br
O final da década de 1950 viu o apogeu do transporte ferroviário de passageiros de longo percurso no Estado de São Paulo. Dezenas de composições deixavam a ou partiam da estação da Luz diariamente com destino a centenas de estações ou paradas distribuídas pelas linhas das seis operadoras ferroviárias que atendiam os paulistas. Alguns trens marcaram época, como o Ouro Verde e o Ouro Branco, da Sorocabana, o Santa Cruz, da Central do Brasil, e o famoso “R” ou Trem Azul, da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, entre outros. A década de 1970 inicia-se com o transporte ferroviário diminuído em sua importância, seja no transporte de carga, seja no de passageiros, sendo esse último remanescente em algumas regiões metropolitanas e aglomerados urbanos, no transporte diário de usuários, atendendo sobretudo às zonas dormitórios das grandes cidades. Todo esse sofisticado sistema foi completamente desmontado no final da década de 1990, depois de operar por quase 130 anos. No início dessa mesma década, na Região Metropolitana de São Paulo, o grande descompasso entre a expansão urbana e as carências da rede de transporte público de massa criou um ambiente propício à estadualização das linhas de trens metropolitanos pertencentes ao governo federal, o que propiciou a criação de uma rede integrada de trens metropolitanos que, modernizada, poderia atender com eficiência os deslocamentos em sua área de influência. Os investimentos realizados na modernização da rede não se restringiram ao sistema de trem metropolitano, efetivados na ampliação da frota, na reconstrução de estações e na renovação de sistemas como sinalização, alimentação elétrica e telecomunicação. Eles passaram também pela atualização na reconstrução de seu papel em relação às diversas necessida7
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des da população em suas variadas formas de deslocamento e também no revigoramento de sua imagem. Disso ressurge a ferrovia como apta a prover deslocamentos em segmentos até então inexplorados. A partir do início do século XXI, com os grandes investimentos realizados na modernização da malha de trens metropolitanos, abriu-se a oportunidade de ampliar a atuação da operadora para segmentos ainda não atendidos, como, por exemplo, o transporte voltado ao turismo, operando serviços diferenciados nos finais de semana e feriados, dando acesso a pontos de interesse localizados em municípios na área de influência de sua rede. Concepção do serviço Nesse quadro, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos concebeu o Expresso Turístico, um serviço diferenciado de transporte ferroviário, disponível aos sábados, domingos e feriados, que busca articular polos de interesse turístico, localizados em municípios na área de influência da malha da CPTM, acessíveis por suas linhas, oferecendo um programa completo de visita com duração de um dia. Para a implantação do serviço, a CPTM realizou um convênio com a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária – ABPF que cedeu dois carros de passageiros de aço inoxidável até então desativados, fabricados pela Mafersa em 1962. Eles integraram a frota da Estrada de Ferro Araraquarense, tendo operado posteriormente na Fepasa, operadora ferroviária do governo do Estado de São Paulo até a década de 1990. Em troca da cessão, a CPTM os recuperou integralmente em suas oficinas. Foram identificados os eixos com maiores atrativos turísticos, seja pelas suas características históricas, seja pelos atrativos nos destinos, cuja visitação seria potencializada a partir da implantação de um serviço ferroviário turístico. Foram identificados os eixos Luz-Jundiaí, Luz-Mogi das Cruzes e Luz-Paranapiacaba. Esses roteiros têm sua área de influência ampliada, na medida em que são complementados por roteiros opcionais rodoviários, sendo realizados por uma operadora turística privada de turismo receptivo, ganhadora de licitação para exploração de um quiosque de vendas de passagens na estação da Luz. Assim, para os trechos de Jundiaí e Mogi das Cruzes, foram concebidos três roteiros rodoviários opcionais complementares, a saber, o Cultural que contempla, em Jundiaí, a visita ao Museu Ferroviário da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, o Solar do Barão de Jundiaí e o Museu da Energia, junto ao Theatro Polytheama; e em Mogi das Cruzes, o Museu Municipal e a Igreja do Carmo; o Ambiental, que em Jundiaí inclui uma caminhada pela Serra do Japi e, em Mogi das Cru8
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O turismo rural é uma das alternativas de visitação dos roteiros complementares do Expresso Turístico. Foto de pomar de morangos em Jundiaí onde o visitante pode colher as frutas no próprio pé.
zes o Parque da Neblina; e o Temático, que contempla visitas a centros produtores de frutas em Jundiaí e, em Mogi das Cruzes, a um centro produtor de orquídeas. Em Paranapiacaba, os roteiros são feitos a pé pela vila visitando o Castelinho, o Mercado, o Centro de Documentação da Madeira, entre outros pontos de interesse.
Composição do Expresso Turístico da CPTM estacionada na plataforma 4 da estação da Luz, de onde partem os roteiros para Jundiaí, Mogi das Cruzes e Paranapiacaba.
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Vale destacar que, nos roteiros para Jundiaí e Paranapiacaba, operados nas linhas da antiga São Paulo Railway, a primeira ferrovia implantada no Estado de São Paulo, é possível ver as estações de Jaraguá, Caieras, Franco da Rocha, Várzea Paulista, Jundiaí, Luz, Brás e Rio Grande da Serra, todas elas em sua configuração original e tombadas como patrimônio histórico pelo Condephaat, órgão estadual responsável pela preservação do patrimônio histórico paulista. O primeiro roteiro da fase 1 foi inaugurado em abril de 2009, atendendo a região de Jundiaí; o segundo, para Mogi das Cruzes, passou a operar em junho de 2009 e o terceiro, para Paranapiacaba, em setembro de 2010. Os roteiros operam sem paradas intermediárias, à exceção do roteiro para Paranapiacaba que possui uma parada na estação de Santo André, para facilitar o acesso dos moradores da região do ABC e também por ser Paranapiacaba distrito desse município. Para a operação do roteiro para Paranapiacaba, a CPTM solicitou autorização à Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, uma vez que o trecho entre a estação de Rio Grande da Serra (terminal da linha 10 da CPTM) e Paranapiacaba pertence à União e encontra-se concedida à MRS Logística para a operação de transporte ferroviário de carga. Trata-se do primeiro serviço ferroviário operado pela CPTM fora de sua rede.
A composição do Expresso Turístico finalmente chega a Paranapiacaba. Foto de uma das viagens teste realizadas em agosto de 2010.
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Tripulação do Expresso Turístico com uniformes especialmente desenvolvidos para esse novo serviço da CPTM: saia e lenço para as mulheres, paletó, gravata e quepe para os homens.
Poucos meses após a implantação do roteiro para Mogi das Cruzes, a CPTM disponibilizou aos usuários desse percurso um vagão destinado ao transporte de bicicletas, como forma de estimular os percursos cicloviários nas visitas aos pontos de interesse turístico daquele município. A implantação do Expresso Turístico exigiu treinamento especial dos funcionários operacionais, uma vez que a empresa até então não tinha experiência com um público usuário com características totalmente diferentes do usuário do serviço metropolitano, em geral mais observador, curioso, exigente de atenção e explicações sobre os pontos de interesse situados ao longo do roteiro. Diferentemente do passageiro apressado e estressado do trem metropolitano, o usuário do Expresso Turístico opta pelo serviço da CPTM no seu mais precioso momento, que é o de lazer, desfrutando-o juntamente com sua família e amigos. Para identificação dos funcionários, foram adotados uniformes especiais, diversos daqueles utilizados no serviço metropolitano, composto por paletó, gravata e quepe para os homens e saia e lenço no pescoço para as mulheres, numa ação intencional de construir uma imagem diferenciada para esse serviço perante os passageiros. Ao longo da viagem, os passageiros recebem informações sobre os principais pontos de interesse histórico, paisagístico e ambiental, fornecidos por monitores treinados, disponibilizados por um convênio realizado entre a Secretaria de Estado de Turismo e a Secretaria dos Transportes Metropolitanos. Também são prestadas orientações de segurança e informações gerais aos passageiros, inspiradas nas mensagens utilizadas no transporte aéreo. O serviço conta com um site (www.cptm.sp.gov.br/expressoturistico) criado especialmente para disponibilizar as principais informações sobre os roteiros, mostrando em tempo real a disponibilidade de lugares para venda em cada viagem, em até 120 dias da data da consulta, uma vez que as vendas das passagens são realizadas com esse período de antecedência. 11
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Resultados Pesquisas realizadas pela CPTM nos primeiros meses de operação do serviço revelaram que os usuários têm em media mais de 45 anos, são do sexo feminino, têm curso superior, viajam em grupo de até quatro pessoas, moram na Região Metropolitana de São Paulo, não são usuários do trem metropolitano da CPTM, nunca haviam viajado de trem turístico, avaliam positivamente o serviço e tiveram suas expectativas superadas, entre diversos outros aspectos. Em mais de dois anos de operação, já foram transportadas mais de 35 mil passageiros e, devido à enorme procura, as passagens são logo adquiridas mal as bilheterias da CPTM iniciam suas vendas. Grande parte desse sucesso pode ser creditada à possibilidade da população reencontrar-se com um meio de transporte que marcou durante décadas a vida da cidade e que se confunde com o crescimento urbano de muitas delas, durante muitos anos associado ao que de mais moderno o país teve em tecnologia de transporte público. Parte dessa emoção pode ser compartilhada nos depoimentos dos passageiros, registrados no Diário de Bordo, dentro do site do Expresso Turístico (www.cptm.sp.gov.br/expressoturistico). Vale destacar que esse projeto da CPTM, desde o seu início, obteve uma repercussão na mídia extremamente positiva, sem que houvesse uma matéria sequer com abordagem negativa ou crítica, contribuindo, de forma efetiva, para a construção de uma imagem positiva da empresa ante um público de maior poder aquisitivo e formador de opinião. Alguns depoimentos dos usuários: “(...) A viagem foi boa, sossegada e deliciosa (...)” Vagner Alexandre Abreu, por e-mail à CPTM “(...) fico extremamente feliz ‘vendo’ que está sendo um enorme sucesso essa ‘descoberta nostálgica’ da viagem de trem. Parabéns à CPTM e toda equipe. Armando dos Santos Daniel, por e-mail à CPTM “Gostaria de parabenizá-los pelo Expresso Turístico. Tive o prazer de ir a Jundiaí com minha família e pude constatar como tudo funcionou muito bem. O atendimento aos turistas oferecido pela CPTM foi ótimo, fomos recebidos por funcionários educados e atenciosos que em muito nos auxiliaram com informações e simpatia para tornar o passeio ainda mais gostoso. Vale destacar a pontualidade do trem (...)” Francisco Miguel Câmara, por e-mail ao Governo do Estado de São Paulo 12
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“Espero que esse projeto se estenda por muito tempo e que possamos a cada dia melhorar, (...) É um prazer estar participando! A roupa de chefe de trem foi um espetáculo...” Rosemary Aparecida Donná, encarregada de estação de Francisco Morato, a chefe de trem da primeira viagem comercial
Em dezembro de 2010, a CPTM desenvolvia a fase 2 do Expresso Turístico, que prevê a implantação de mais um roteiro com duração de um dia, a ligação Luz-São Roque; e as ligações com duração de um final de semana, entre Luz-Pindamonhangaba, integrando-se nessa cidade com os trens para Campos do Jordão operados pela Estrada de Ferro Campos do Jordão, e o roteiro Luz-Aparecida. Para implantar esses seus roteiros, a CPTM solicitou ao DNIT cessão de carros ferroviários de longo percurso, pertencentes anteriormente à frota das antigas RFFSA e FEPASA. Também se encontra em fase final de recuperação a automotriz Budd, que pertenceu à Estrada de Ferro Central do Brasil e que, durante muitos anos, operou entre São Paulo e o Rio de Janeiro. Totalmente recuperada, dará mais flexibilidade operacional aos roteiros das fase 1 e fase 2 do Expresso Turístico.
Automotriz diesel Budd, em fase final de reforma, prevista para operar na fase 2 do Expresso Turístico, nos roteiros para Pindamonhangaba e Aparecida e outros.
A implantação do Expresso Turístico é uma iniciativa da Secretaria dos Transportes Metropolitanos, cuja operação está a cargo da CPTM. Conta também com a participação da Secretaria Estadual de Turismo, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e com o apoio da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária e das prefeituras de Jundiaí, Mogi das Cruzes e Santo André. 13