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AS INIMIGAS DA PÁTRIA: MEDICINA SOCIAL E CORPOREIDADE NEGRA NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XIX Giovana Xavier da Conceição Côrtes Doutoranda em História Social da Cultura na UNICAMP 1. A voz dos discursos intelectuais: “digas qual é sua cor que te direi quem és...” Após ter sido classificada como “parda” no exame de defloramento e como “branca” no teste para confirmação da idade, a vítima, Ilka Fernandes – a pedido do juiz, cioso de critérios objetivos - foi submetida a novo exame de defloramento. As novas conclusões “científicas” dos médicos se revelam como janela para observação e análise acerca da fluidez das taxionomias raciais. A ofendida representa um tipo de mestiçagem, já muito diluída, aproximando-se da raça branca. Assim a sua tez é clara, os seus cabelos negros e ondeados, lábios relativamente finos e nariz aproximando-se do tipo ariano, enquanto a sua progenitora representa um tipo de mestiçagem evidente, tanto pela pigmentação, como pelas feições e os cabelos. Segundo consta da certidão de idade, o pai da ofendida é português. Nesta certidão a ofendida é dada como “morena”. Diante destes dados, que comprovam a fácil dúvida que pode suscitar a classificação etnológica da paciente, está explicada a divergência quanto à qualificação da mesma nos dois 1 laudos.
Este episódio, ocorrido em 1934, descortina interfaces de um longo e complexo processo miscigenatório. Iniciada – talvez – em fins do século XVII, a miscigenação no Brasil mobilizaria intelectuais e narrativas diversas. Assim, a leitura em torno da cor de Ilka não deve ser encarada como singular, ao contrário, ela abre perspectivas para que se pense na associação direta entre raça2, gênero e sexo como instrumento recriador das desigualdades sociais. Amparadas na política de legitimação do modelo racial-sexual, narrativas se construíram em torno de projetos normatizadores marcados por uma certa noção de igualdade como sinônimo de semelhanças genéticas.
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Arquivo Nacional, c. 1.731, n. 542, 1933. Este processo crime foi utilizado por CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp/ Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2000. 2 Raça não é entendida como uma categoria científica, mas sim social. De acordo com Stuart Hall “as diferenças atribuíveis à raça numa mesma população são tão grandes quanto aquelas encontradas entre populações racialmente definidas. Raça é uma construção política social; é a categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema de poder socioeconômico, de exploração e exclusão”. HALL, Stuart. Da diáspora. Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003, p. 69.
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A tentativa de classificação a partir dos fenótipos mostrou-se débil e ineficaz, pois à medida que a mestiçagem aumentava, as categorias raciais “precisas” assumiam caráter cada vez mais subjetivo como nos informam os diversos matizes atribuídos a nossa personagem. Partindo da “intensa polissemia da mestiçagem”3 focalizada por Ivana Lima tentamos reconstituir o processo de racialização do gênero feminino nos contextos de fins da escravidão e imediato pós-emancipação. Com base nas possibilidades de cruzamentos e conexões entre história e literatura abriremos algumas janelas em torno da produção de imagens e narrativas sobre as mulheres negras – morenas, mulatas e mestiças – entre 1880 e 1920. Cabe novamente ressaltar que o vasto sistema de classificações raciais no Brasil permanece como um problema sem solução desde os tempos imperiais. Assim sendo, as terminologias raciais menos do que marcadores rígidos dizem respeito a sentidos sociais construídos de acordo com agentes e contextos de variados processos históricos. Categorias como “negra”, “mestiça”, “mulata”, “parda”, “morena” dentre outras representam, ao invés de sistematizações raciais rígidas, a subjetividade fenotípica de um Brasil construído através de ideologias racializadas presentes nas diversas narrativas sobre a nação e seus sujeitos. Desse modo, as variações físicas são consideradas reflexo da pluralidade em que se conjuga o ser negro no Brasil. De que maneira o intercruzamento entre os marcadores sociais de gênero e de raça foi utilizado para produzir imagens femininas negras distantes dos espaços higienizados? Como suas cores foram apropriadas pelos discursos intelectuais para construção de padrões comportamentais de lassidão moral? Quais os instrumentos utilizados para recriação destes discursos no pós-emancipação? De quais estratégias essas mulheres se valiam para inverter a lógica comportamental do modelo feminino burguês nas suas ações? Quais eram suas leituras e percepções sobre a cor como mulheres negras? Estas e outras questões são apenas o ponto de partida para uma longa e detalhada investigação acerca das imagens femininas negras na virada do século. A observação da hierarquia das cores manifestada no processo de racialização do gênero trás à tona especificidades sobre preconceitos presentes nos discursos intelectuais sobre códigos morais femininos de pudor, de honra e de boa conduta. Parte dessas problemáticas já foram apontadas em destacados debates historiográficos. Com base nos registros criminais de defloramento, Sueann Caulfield observa a menção da cor escura como estratégia recorrente para considerar as ofendidas como desonestas, mulheres mais afeitas a contatos sexuais. Analisando os processos de homicídio envolvendo mulheres pobres, Rachel Soihet demonstra 3
Ibidem, p. 23.
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que as acusadas, quando negras, são tratadas como criminosas natas por causa da cor. Por intermédio dos boletins policiais das primeiras décadas do século XX em Florianópolis, Joana Pedro ressalta a existência de um controle mais rígido da polícia em relação às negras. Nos processos criminais de defloramento, Martha Abreu indica o resgate da antiga associação entre mestiçagem feminina e prazer sexual presente nas falas de juristas, advogados e promotores. 4 Esses estudos fornecem importantes caminhos para reflexões sobre as conexões entre gênero e raça em diversas narrativas, contudo, nos estudos sobre gênero pouco se revela sobre as mulheres negras e as especificidades de suas trajetórias. Naturalizam-se imagens e transformações dos mundos escravos e daqueles livres. A sociedade escravista - ainda que importante - aparece como uma armadilha em termos metodológicos para reflexões sobre as taxionomias raciais e as relações sociais do pós-emancipação. Desse modo, é nosso objetivo dar tratamento prioritário aos meandros da racialização do gênero para resgatar a historicidade de processos que envolvem uma multiplicidade de discursos, agentes e leituras ligadas aos diversos sentidos atribuídos à honra, ao pudor, à boa conduta e – especialmente - ao feminino negro. 2. Literatura, Medcina Social e racialização do gênero Acompanhando as teorias raciais européias, a Medicina estabeleceu intenso diálogo com as doutrinas raciais construindo diagnósticos e justificativas ancorados em características físicas que – em alguma medida - se remetessem ao continente africano: Repelir inimigo externo e destruir nas suas últimas barricadas o inimigo interno, desde que nos habituemos a capitular assim exclusivamente o choleramorbus e a febre amarela, não restabelece a tranqüilidade daqueles que também se habituaram a ouvir capitular o Brasil de 5 África Americana e quejandas automasias.
Essa imagem do Brasil de “África Americana” que tanto incomodou o Dr. Piragibe e seus colegas nos ajuda a pensar nos usos, abusos e interpretações das teorias raciais européias nas últimas décadas do XIX. Nesse momento percebe-se nitidamente o esforço de atribuir sentidos biologizantes para uma “linguagem racial” criada e recriada em diferentes espaços sociais. Num contexto bem particular de apropriação da eugenia, homens e mulheres africanos e descendentes foram 4
Embora a racialização do gênero não seja a preocupação central, ela aparece nos seguintes trabalhos sobre mulheres: ABREU, Martha Campos. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989; CAULFIELD, Sueann. Opus Citus; PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas, mulheres faladas: uma questão de classe. Florianópolis: Editora da UFSC, 1994; SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985. 5 Relatório dos trabalhos da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro lido na 52° Sessão Magna Anniversaria a 30 de junho de 1887 pelo Secretario da mesma Academia Sr. Alfredo Piragibe, Annaes da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro (1887-1888), Biblioteca Nacional, p. 49.
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sacramentados como principal elemento da inferioridade de um país que se almejava nação.6 Aliás, mais do que meros entraves, essa parcela majoritária da população foi olhado e dissecada pelas lentes médicas como verdadeiras inimigas da Pátria. Do ponto de vista do gênero racializado, indubitavelmente coube aos romances, poesias e folhetins oitocentistas o pioneirismo de investimentos e apostas expressivas e sistemáticas em torno da imagem da mulher negra e de seu corpo, imagens estas com um significado bastante particular, vinculado basicamente às idéias de animalização, trabalho braçal e puro sexo, dentre outras. Focalizadas como amantes preferenciais devido ao matiz atormentador de suas peles, os comportamentos femininos negros foram limitados à exuberância, ao erotismo e à sensualidade. A produção literária da época tratou a mulher negra como a encarnação de uma espécie de “gen erótico”7 herdado da África e assim contribuiu decisivamente para difusão de um modelo interpretativo calcado num suposto “fenótipo comportamental”8 capaz de explicar os sentidos sociais da corporeidade feminina negra. Seguindo esse “fenótipo comportamental, em termos da literatura oitocentista, o corpo feminino negro é essencialmente definido de duas formas: a do puro sexo ou a do trabalho braçal. Ritas, Bertolezas, Vidinhas, Ernestinas, Eulálias, Simplícias, Virgílias, Claras e tantas outras são o produto direto da associação entre cor e caráter, entre sexualização e comportamento. O folhetim Memórias de Martha, escrito por Júlia Lopes de Almeida e publicado no jornal Correio da Manhã em 1888, apresenta a personagem Eulália, uma mulata muito trabalhadora, mas que se entrega facilmente a duas perdições: a paixão pelo samba e o vício pela cachaça.9 Já para Rita Baiana, o trabalho não ocupa essa dimensão. A célebre personagem de O cortiço considera que “todos os dias são santos”.10 Empenhadas em associar cor escura e comportamentos “inadequados”, guiados sobretudo pela entrega aos “prazeres mundanos”, as instituições médicas conferiram lugar cativo à imoralidade negra nos seus diagnósticos acerca das doenças que afetaram a saúde da população africana e descendente: Já fizemos notar a enorme influência que exerceu outrora a grande massa de escravos existentes determinando um imenso número de nascimentos ilegítimos. E, consideravelmente, mais a parte da população que foi escrava e até certo ponto a oriunda dos escravos raras vezes sagra pelo matrimônio a união dos sexos. Daí resulta que se é verdade que o número de batismos de pessoas livres em de 1856, no município Neutro, para cá excedido do dobro do de pessoas
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Sobre o impacto das teorias raciais européias e a adequação das mesmas à intensa mestiçagem brasileira ver SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil. 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 7 CÔRTES, Giovana X. da C. Coisa de pele: relações de gênero, literatura e mestiçagem feminina (Rio de Janeiro, 18801910).Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2005, p. 47 e ss. 8 Idem, p. 21. 9 ALMEIDA, Júlia Lopes de. Memórias de Martha. A Tribuna Liberal, 14 de dezembro de 1888, anno 1, n. 14. 10 AZEVEDO, Aluísio de, op. cit, p. 36.
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escravas, não é verdade que o mesmo se possa dizer do excesso de filhos legítimos sobre os 11 ilegítimos.
Foram precisamente o lazer sem medida, especialmente o alcoolismo e os exageros sexuais, que determinaram o triste fim da preta escrava Olympia pelos idos de 1886 no auge dos seus “cincoenta e tantoa anos”12, quando veio a falecer depois de “uma luta inglória de três meses”.13 De acordo com as observações do Dr. José Alexandre de Souza Gurgel do Amaral: Quando moça teve boubas, blenorragias e cancros venéreos, era dada ao vício da embriaguez (...) quando a examinamos em 1881 achava-se extremamente anêmica, empobrecida e caquética. Emerge desta observação [de diversos tumores no fígado] o fato da possibilidade da sífilis hepática gomota simular durante a vida, uma cirrose atrophica; e tanto mais embaraçoso tornou-se o diagnóstico diferente, quanto pouca luz irradiava dos antecedentes da doente, por isso que abusava das bebidas alcoólicas e entre os comemorativos contava acidentes primitivos de 14 sífilis e o vício boubático.
Há de se ressaltar a dificuldade de encontrar casos que se remetam diretamente às mulheres negras na documentação aqui trabalhada. O mais interessante de observar é que justamente tal dificuldade é quem fornece importantes indícios para se pensar os sentidos da corporeidade feminina negra na a Medicina da virada do século. Os poucos casos que conseguimos encontrar fundamentam-se no pressuposto da associação entre escravidão, feminino negro e doença. Menos do que novidade ou descoberta, do ponto de vista historiográfico nossa preocupação é a de destacar os sentidos particulares atribuídos pela medicina ao corpo da mulher negra. Um olhar mais esmiuçado para memórias, pareceres, artigos científicos e demais textos médicos ajudam a demonstrar especificidades calcadas nas idéias de animalização, sexualização e antihigienismo como demonstra a curiosa história da liberta Maria: Maria sempre teve seus partos regulares, sem acidente grave. Em fevereiro de 1885 Maria sentiu-se incomodada anormalmente ao seu estado de gravidez e a 10 do mesmo mês deu luz a um filho que veio ao mundo morto, sem que ela pudesse atribuir sua morte à causa conhecida. Supondo-se livre da gravidez, Maria cumpria o resguardo do parto com todas as formalidades exigidas na roça – repouso, dieta de galinha, banho morno geral aos quinze dias e frio aos trinta para acabar com o resguardo. Levantou-se, entregou-se as suas ocupações, mas notava sempre que seu estado não era de perfeita saúde, por isso que alguma coisa de estranho se passava nas suas entranhas, os movimentos de um outro feto ainda lhe sobressaltavam. Já em fim de abril, isto
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Causas da mortalidade das crianças no Rio de Janeiro, Memória apresentada à Imperial Academia de Medicina em resposta a esta questão posta a prêmio na sessão de 6 de julho de 1886 e laureada com o 1° prêmio em Sessão magna em 30 de julho de 1887 pelo Dr. José Maria Teixeira, Annaes da Imperial Academia de Medicina (1887-1888), Biblioteca Nacional, p. 249. 12 Syphilis hepática no adulto, Memória apresentada à Academia Imperial de Medicina por José Alexandre de Souza do Amaral, Annaes da Academia de Medicina do Rio de Janeiro (1885-1886), Biblioteca Nacional, p. 396. 13 Idem, p. 396 14 Idem, p. 397.
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é dois meses e dez dias depois do primeiro filho Maria é acometida de novas dores e depois de 15 algum trabalho deu a luz a uma menina perfeitamente viável.
O que mais chama atenção na história de Maria não é a superfetação da qual foi vítima, mas sim os comentários e observações do Dr. Meton acerca de seu caso, onde a animalização aflora de maneira contundente. De acordo com as observações do médico cearense “um amigo afiançou que uma cabra que existia nesta capital havia tido um cabrito, e, alguns meses dois e meio ou três depois, outro tão forte e desenvolvido como o primeiro”.16 E ainda que: Na raça canina nós vemos constantemente a superfetação que é muito comum. Uma cadela andando ao cio com um cão de raça e de uma só cor e de pêlos longos como os dela, os cachorrinhos serão todos felpudos, mas se ela andar ao cio com cães felpudos e não felpudos, terá filhos de uma e de outra espécie, da qual se distingue pelo alongamento vertical das pupilas, afastamento entre o canino e o primeiro molar e a separação dos três primeiros molares. Esse fato é observado diariamente e não pode ser de boa fé negado. A raposa, que é de uma raça muito semelhante à canina, tem somente uma cor, pois nunca foi vista branca, preta ou pintada.17
As observações do Dr. Alencar situam-se num contexto no qual a miscigenação se configurava em alvo de fortes dúvidas e calorosos debates no interior dentro de um país mestiço que acreditava no “decrescimento progressivo”18 da raça negra conforme constatou o Barão do Lavradio no seu estudo sobre as moléstias das crianças pobres no Rio de Janeiro.19 Esse desaparecimento natural ao qual estava condenada à raça negra foi inclusive celebrado como uma vantagem para o progresso da medicina brasileira em relação à européia: Em um assunto como este [o das anomalias reversas] que tem atraído seriamente atenção de numerosos biologistas, existe uma lacuna que poderia desaparecer para quem desejasse elucida-la, só em uma Faculdade de Medicina como a do Rio de Janeiro, onde abundam os cadáveres de negros. Tudo no estudo das anomalias atávicas autoriza a presumir que elas devem ser muito mais freqüentes na raça negra que na raça branca. Mas os observadores europeus têm encontrado dificuldades insuperáveis para resolver praticamente esta questão – por falta exatamente de cadáveres de negros nos anfiteatros das faculdades de Medicina da Europa. Se faço esta consideração, é só para apontar os pontos de nossa tese que ainda reclamam estudo – em um trabalho apresentado a uma corporação científica e no qual devo traçar com firmeza a minha opinião, os pontos ainda desconhecidos do assunto e os meios de chegar ao conhecimento da 20 verdade.
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Superfetação: sua possibilidade. Memória do Dr. Meton D’Alencar (da província do Ceará) candidato a membro correspondente da Imperial Academia de Medicina, Annaes da Academia de Medicina do Rio de Janeiro (1889-1890), Biblioteca Nacional, p. 86-7. 16 Idem, p. 87. 17 Idem, p. 97. 18 Contribuição ao estudo das moléstias mais freqüentes nas crianças das classes pobres na cidade do Rio de Janeiro pelo Barão do Lavradio, Annaes da Imperial Academia de Medicina, 18Biblioteca Nacional, p. 135. 19 Idem, ibidem. 20 Relações da anatomia anormal com a anatomia comparada e a ontogenia pelo Dr. Agnario Marcondes Rezende preparador da Faculdade de medicina do Rio de Janeiro, ex prosector da Faculdade Bordeaux, laureado da mesma faculdade
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A celebração da abundância de cadáveres negros nas faculdades de Medicina do Brasil como forma de “chegar ao conhecimento da verdade” é bastante emblemático do esforço das elites em justificar de diferentes formas a expressiva mestiçagem, oriunda sobretudo da maciça presença africana e descendente no Brasil. Justificar o injustificável, celebrar o condenável, eis aqui mais uma das faces do nosso “original de cópias”.21 No que se refere ao universo feminino, as anomalias encontradas nos Annaes de Medicina referem-se essencialmente àquelas do aparelho reprodutor, sobretudo órgãos genitais, útero e vagina. Transpondo essa constatação para os raros casos de pacientes negras mapeados observamos um enorme investimento da Medicina em demonstrar que os parâmetros de saúde esperados de uma mulher higienizada (branca, burguesa, esposa, dona de casa e mãe) seriam inviáveis de serem atingidos pelo corpo feminino negro, naturalmente doente devido a sua propensão nata à lassidão moral.
(1° prêmio em 1878, em 1879, em 1880). Membro da Sociedade de Anatomia e Physiologia – Memória apresentada para ser membro da Imperial Academia de Medicina do Rio de Janeiro, Annaes da Academia de Medicina (1889-1890), Biblioteca Nacional, p. 68-9. 21 SCHWARCZ, Lilia Moritz, op. cit.
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